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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.20 no.3 São Paulo sept./dic. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p329-342 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Uma proposta interventiva à compulsão alimentar de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica

 

 

Beatriz Azevedo Moraes; Paola Espósito de Moraes Almeida

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A pesquisa investigou o efeito de instruções e de um procedimento de economia de fichas no controle do comportamento alimentar de duas mulheres que haviam realizado cirurgia bariátrica e descreviam um padrão alimentar compulsivo. O delineamento consistiu em quatro fases: 1. linha de base, 2. reforçamento para a correspondência entre registro eletrônico e foto das refeições, 3. composta por duas subfases: 3.1. instrução e reforço contingente para alimentação de três em três horas e 3.2. instrução e reforçamento para a preparação e ingestão de uma porção diária de alimento palatável de até 150 kcal. Os resultados apontaram a redução nos intervalos entre as refeições e o aumento na ingestão de palatáveis de forma contínua e limitada, acompanhados da diminuição no relato de episódios compulsivos. A redução na compulsão alimentar pareceu ser alcançada quando se evitaram a restrição alimentar e o acesso intermitente aos alimentos palatáveis, tal como antes indicado na literatura.

Palavras-chave: alimentos palatáveis; cirurgia bariátrica; compulsão alimentar; restrição alimentar; terapia comportamental.


 

 

Introdução

Os episódios de compulsão alimentar estão presentes na classificação dos transtornos alimentares (TA) do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V), organizado pela American Psychiatric Association (2013). Tais episódios são definidos pela ingestão de alimentos, em um curto período de tempo, em quantidade maior do que a maioria das pessoas consumiria sob circunstâncias similares (Moshe, Bekker, & Weller, 2017). Os episódios são marcados pela sensação de falta de controle e pelo sentimento de culpa ou vergonha, usualmente descritos por aqueles cujo comportamento alimentar se define como compulsivo.

Para a análise do comportamento, o comportamento de comer em excesso, assim como qualquer outro comportamento, seria determinado por variáveis biológicas, ontogenéticas e culturais. A valorização do corpo emagrecido nas culturas ocidentais, o papel da mídia no incentivo ao consumo de alimentos de pobre valor nutricional, a suscetibilidade ao reforçamento por alimentos doces e gordurosos, fartamente disponíveis após industrialização, os efeitos que seguem a resposta alimentar e as condições antecedentes que passam a controlar sua emissão vêm sendo citados como algumas das variáveis envolvidas na determinação de irregularidades alimentares (Turton, Chami, & Treasure, 2017; Schulte, Potenza, & Gearhardt, 2017).

No caso do comer excessivo, a literatura aponta para a importância de uma história de restrição alimentar e do acesso a alimentos palatáveis como um dos determinantes do padrão alimentar dito compulsivo (Corwin, Avena, & Boggiano, 2011; Hagan, Chandler, Wauford, Rybak, & Oswald, 2003). Em estudos experimentais, animais submetidos a uma história de restrição combinada com realimentação com alimento doce e gorduroso apresentaram consumo alimentar excessivo, mesmo na ausência de privação alimentar (Corwin et al., 2011; Novelle & Diéguez, 2018). Mesmo animais inicialmente menos suscetíveis a um padrão alimentar excessivo passaram a exibi-lo após essa combinação (Oswald, Murdaugh, King & Boggiano, 2011), efeito notado especialmente entre fêmeas (Sinclair, Hildebrandt, Culbert, Klump, & Sisk, 2017). Quando não associado à restrição, o acesso a alimentos palatáveis de forma contínua e limitada não parece produzir o padrão alimentar excessivo tanto em animais (Kreisler, Garcia, Spierling, Hui, & Zorrilla, 2017; Wojnicki, Johnson, & Corwin, 2008) quanto em humanos (Temple et al., 2009).

No estudo de Wojnicki et al. (2008), por exemplo, gordura vegetal foi apresentada para diferentes grupos de ratos, de forma contínua ou intermitente, e em quantidade limitada ou ilimitada, durante cinco semanas. Nas cinco semanas posteriores, o comportamento alimentar dos animais foi avaliado diante da oferta livre de alimentos gordurosos, sendo observada, nessa condição, menor ingestão entre os animais que tiveram acesso contínuo e limitado aos alimentos palatáveis do que entre aqueles que inicialmente tiveram acesso contínuo e ilimitado ou acesso intermitente a esses alimentos.

Temple et al. (2009), por sua vez, investigaram os efeitos do consumo de porções de alimentos palatáveis de diversos tamanhos no valor reforçador do alimento (escolhido por meio de um teste de preferência para cada participante) em 31 mulheres obesas e 27 mulheres não obesas. O valor reforçador foi medido por meio do número de respostas de jogar no computador emitidas para produzir pontos para trocar por alimento, em um esquema de reforçamento de razão variável. O valor reforçador do alimento foi testado no início do experimento e após duas semanas de consumo diário de 0, 100 ou 300 kcal/dia do mesmo alimento escolhido. Os resultados das medidas operantes mostraram que o consumo diário de um lanche de 300 kcal por duas semanas aumentou o valor reforçador do alimento no caso do grupo de mulheres obesas, enquanto as mulheres não obesas tiveram a resposta oposta. Não foram encontradas diferenças significativas no valor do alimento como reforço para as condições de tamanho de porção de 0 e 100 kcal. Essas descobertas sugerem que as mulheres obesas e não obesas respondem de forma diferente à ingestão diária de um lanche e que o acesso contínuo a pequenas porções de alimento pode ser um mecanismo viável para reduzir o valor do reforço alimentar em mulheres obesas.

Embora o consumo regular de alimentos palatáveis pareça desejável a fim de evitar episódios de excesso alimentar, tais alimentos parecem interferir na regulação da dieta saudável dos animais experimentais, que respondem menos por uma ração regular antes aceita, após terem tido acesso ao alimento doce por longos períodos (Kreisler et al., 2017).

Os dados sugerem, assim, a necessidade de evitar restrição alimentar e sua combinação com a oferta intermitente de alimentos palatáveis, quando se pretende garantir uma alimentação saudável.

No presente estudo, o controle dessas variáveis foi investigado em uma população de mulheres submetidas à cirurgia bariátrica, com um histórico anterior de obesidade. O tratamento da obesidade envolve abordagens nutricional, medicamentosa, psicoterápica e a prática de exercícios físicos, e, quando o paciente não responde a esses tratamentos, a cirurgia bariátrica tem sido uma indicação frequente. A cirurgia consiste em intervenções realizadas no aparelho digestivo com objetivo de perda de peso (Quadros, Bruscato, & Branco, 2017), em que se utilizam técnicas disabsortivas ou restritivas (Fandino, Benchimol, Coutinho, & Appolinário, 2004). A cirurgia, ainda que produza mudanças estruturais no organismo, não parece impedir episódios de excesso alimentar em parte dos pacientes, sendo frequente o relato de reganho de peso devido ao retorno a padrões alimentares inadequados em dois ou três anos após a operação (Nasirzadeh et al., 2018; Siqueira & Zanotti, 2017) e a necessidade de refazer a operação por causa de complicações diversas (Souto et al., 2017).

No presente estudo, pretende-se avaliar o efeito de estratégias que auxiliem na regulação do comportamento alimentar de pacientes pós-cirúrgicos, a partir do controle de variáveis indicadas na literatura como relacionados à compulsão alimentar. O trabalho se propõe a investigar 1. o efeito de instruções e do reforçamento no controle de respostas alimentares que ocorram em horários regulares e que garantam acesso contínuo e limitado ao alimento palatável e 2. o efeito desse controle na frequência de compulsão alimentar, registrada a partir de uma estratégia de automonitoramento (AM).

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa duas mulheres que haviam realizado a cirurgia bariátrica, contatadas por meio de um grupo sobre o tema organizado em uma rede social. Como critérios de seleção, foi considerado que as participantes deveriam descrever a manutenção de um padrão alimentar compulsivo (em relação à frequência, ao volume ou ao aporte calórico) após a operação e estivessem aptas para o uso de dispositivos eletrônicos (tablets). Ambas participaram de dois encontros individuais com a pesquisadora para coletar dados referentes ao tipo de cirurgia realizada e informações acerca do histórico de dietas, do padrão de consumo (frequência semanal/quantidade) de alimentos doces ou gordurosos (palatáveis) e do histórico de peso. Os dados coletados levaram à seguinte caracterização das participantes:

• P1, 29 anos, com histórico de diversas tentativas de perda de peso antes da cirurgia, emagreceu 45 kg com a cirurgia realizada 15 meses antes do início do estudo. Relatava ingerir doces e gorduras diariamente.

• P2, 36 anos, com histórico de diversas tentativas de perda de peso antes da cirurgia, emagreceu 39 kg com a cirurgia realizada nove meses antes do início do estudo. Relatava ingerir doces e gorduras de duas a três vezes por semana.

Materiais

Tablets fornecidos pela pesquisadora com aplicativo que permitia o registro fotográfico, o registro do consumo alimentar e a data e hora em que os registros foram realizados.

• Folhas de registro do histórico de peso, elaboradas pela pesquisadora.

• Folha de registro de automonitoramento (AM) contendo nome do participante, data, alimentos consumidos, horário do consumo, quantidade, avaliação de ocorrência ou não de excesso alimentar (compulsão) com base em quatro diferentes quesitos: quantidade, velocidade, qualidade e intervalo entre refeições. Os participantes poderiam também descrever outras condições que evocassem a descrição de um episódio de excesso alimentar em uma categoria "outros" incluída na folha de registro.

• Fichas de papel assinadas pela pesquisadora para serem trocadas por um vale-compra e catálogo de produtos da loja de departamentos onde os participantes puderam visualizar produtos pelos quais as fichas poderiam ser trocadas.

• Folha impressa com dez instruções nutricionais para indivíduos que realizaram a cirurgia bariátrica há mais de seis meses e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética para pesquisa com humanos, a partir da Plataforma Brasil, e recebeu aprovação com Protocolo n. 15171614.3.0000.5482.

Procedimento

Fase 1: Linha de base do comportamento alimentar: para a participação nessa fase de estudo, foi inicialmente realizada uma sessão para ensinar cada participante a usar o equipamento para registro fotográfico e as folhas para o AM. Após o treino, cada participante passou a registrar suas refeições por meio desses materiais, sendo os registros enviados diariamente para a pesquisadora via e-mail. Nessa fase (e durante todas as fases da coleta de dados) ocorreram três encontros semanais, um a cada dois dias, entre a pesquisadora e as participantes para recolher os registros em papéis e sanar eventuais dúvidas. O critério de encerramento da fase foi o cumprimento do registro em 70% das refeições realizadas em sete dias consecutivos, ao final dos 60 dias de coleta. A extensão dos dias de coleta nessa e nas demais fases da pesquisa (acima de 30 dias) foi considerada um recurso para identificar regularidades no padrão alimentar das participantes, a fim de evitar que alterações momentâneas provocadas por situações pontuais (finais de semana, festas etc.) fossem tomadas como representativas desse padrão. Caso a participante não atingisse o critério estipulado após esse período, seria excluída da pesquisa.

Fase 2: Reforçamento da correspondência entre o registro de AM e o registro fotográfico: nessa fase, o registro do consumo alimentar foi realizado por duas semanas, por meio das mesmas estratégias descritas na fase 1. Para garantir a correspondência entre as formas de registros, as participantes passaram a ganhar, nessa fase, fichas pela conformidade entre a descrição dos alimentos consumidos registrados nas fichas de AM e as imagens dos alimentos retratados. O objetivo dessa manipulação foi promover contingências para a instalação de um relato preciso acerca do padrão de alimentação mantido por cada participante, independentemente de seu conteúdo. Assim, durante essa fase, a participante poderia, por exemplo, ganhar fichas por ter anotado o consumo de um alimento gorduroso e pouco nutritivo, desde que a imagem do registro fotográfico indicasse esse fato. A descrição precisa dos episódios alimentares foi considerada relevante, uma vez que as medidas para avaliar os efeitos da intervenção (alterações nas respostas alimentares e na frequência das compulsões) estariam baseadas no relato verbal da participante, tendo sido adicionada a exigência de registro fotográfico das refeições como medida indireta desse relato.

A primeira refeição dessa fase foi acompanhada pela pesquisadora, tendo cada participante realizado os registros e recebido as primeiras fichas pela correspondência entre eles. A participante recebia também um catálogo com os produtos da loja de departamento pelos quais as fichas poderiam ser trocadas ao final do último encontro da semana.

Como critério para o encerramento da fase, cada participante deveria atingir, no mínimo, 70% de correspondência entre o AM e as fotos, por quatro dias consecutivos. O reforçamento para a correspondência continuou sendo administrado durante todas as fases posteriores do estudo, sendo mantida a exigência de, no mínimo, 70% de correspondência para que os dados das participantes fossem considerados para análise.

A Tabela 1 indica o número de fichas que poderiam ser recebidas durante as diferentes fases, conforme a correspondência observada entre a foto e o relato da participante acerca de suas refeições.

Fase 3: Procedimento de instrução e reforçamento de respostas alimentares de acordo com as prescrições: durante essa fase, além das fichas recebidas pela correspondência entre os registros (iniciada na fase anterior), as participantes passaram a receber, diariamente, fichas de cor diferente, que poderiam ser trocadas no final da semana por um vale-compra de maior valor, caso estivessem seguindo as instruções da pesquisadora. O vale recebido ajustava-se ao total de fichas recebidas, conforme descrito na Tabela 1. O delineamento experimental dessa fase foi de linha de base múltipla entre respostas, e inicialmente se apresentaram instrução e reforçamento para uma primeira classe de respostas (comer em horários regulares), com mudanças regulares produzidas pela introdução das variáveis experimentais sobre essa classe para as duas participantes. O mesmo procedimento foi, então, adotado para a segunda classe de respostas (comer alimentos palatáveis de forma contínua e em quantidade limitada). O critério estabelecido para a introdução das variáveis experimentais na subfase 3.1 foi de que 80% dos registros das participantes nas fases anteriores indicassem um número de refeições dentro de uma mesma faixa. No caso da subfase 3.2, as variáveis experimentais foram introduzidas após a demonstração de seu efeito sobre a primeira classe de respostas.

Durante a fase 3.1, foram, então, apresentadas instruções orais e escritas acerca da necessidade de manter alimentação em horários regulares (de três em três horas), sendo também programada a apresentação de um alarme no celular da participante, acionado no horário em que as refeições deveriam ser realizadas. As participantes deveriam seguir as instruções de alimentar-se nos períodos estipulados e manter os registros atualizados, já que o equipamento eletrônico indicava o horário em que a foto foi tirada - informação que foi utilizada como medida indireta acerca dos intervalos de alimentação mantidos ao longo do dia. Caso a refeição tivesse sido realizada dentro do período estipulado (de duas a quatro horas após a refeição anterior), a participante recebia uma ficha por refeição. A partir das orientações nutricionais e dos dados obtidos na linha de base, foi estipulado que, nessa condição, as participantes poderiam obter até seis fichas por dia, uma para cada refeição realizada conforme a orientação prescrita. Os critérios para a troca das fichas pelo vale-compra estão descritos na Tabela 1.

Quando demonstrado o efeito das variáveis manipuladas sobre o comportamento de alimentação em horários regulares, foi, então, iniciada a fase 3.2, de instrução e reforçamento para respostas de alimentação contínua e limitada ao alimento palatável. Nessa condição, cada participante deveria escolher e preparar com antecedência uma porção de alimento palatável (de até 150 kcal), a ser consumido diariamente. A cada dia a participante podia receber uma ficha por ter seguido as instruções de preparar o alimento e outra por tê-lo consumido na quantidade indicada. Os critérios para a troca das fichas recebidas pelo vale-compra de diferentes valores, ao final de cada semana, estão descritos na Tabela 1.

Fase 4: Ausência de reforçamento: a fim de avaliar o efeito das variáveis introduzidas nas fases anteriores, nessa fase, as participantes continuaram registrando suas refeições por meio do AM e do registro fotográfico, porém não receberam nenhuma instrução ou fichas por seu desempenho. O procedimento foi o mesmo da linha de base.

Análise de concordância entre observadores

Durante toda a coleta de dados, uma amostra de 10% dos registros de cada fase foi analisada por dois observadores, sendo um deles a própria pesquisadora. A porcentagem de concordância entre observadores foi calculada por meio da divisão da concordância obtida entre eles pela soma do total de concordância com a não concordância, em cada fase da coleta. Os observadores seriam considerados aptos se atingissem 70% de concordância na análise da correspondência entre foto e registro, após um treino antes do início do estudo. Durante todo o delineamento, a concordância entre observadores se manteve em 91%.

 

Resultados

Os resultados agora apresentados referem-se ao desempenho de ambas as participantes, em cada fase do estudo. A Tabela 2 resume a duração das fases de intervenção, a frequência total e a média de episódios compulsivos relatados durante esse período, e o número total e a média de refeições realizadas por dia. A análise das médias foi considerada porque a duração das diferentes fases variou ao longo do estudo para as diferentes participantes, impossibilitando a comparação entre os números absolutos de ocorrência de compulsão ou de refeições realizadas.

Na Tabela 2, é possível observar que a intervenção produziu efeitos semelhantes para as duas participantes em relação à frequência de episódios compulsivos descritos. Nota-se que a diminuição na média de compulsões acompanha o aumento do número de refeições realizadas e a consequente diminuição dos intervalos entre elas, efeito especialmente visível durante a subfase 3.1, quando as variáveis passaram a ser aplicadas para o controle da resposta de comer em intervalos regulares. Nessa condição, P1 alcançou uma média de 5,79 refeições diárias, respeitando intervalos menores entre as refeições, enquanto P2 passou a realizar em média 5,0 refeições por dia, também em intervalos mais curtos. Os números obtidos parecem revelar a eficiência do procedimento adotado para promoção de mudanças no padrão alimentar das participantes, acompanhadas da redução nos episódios descritos como compulsivos. A suspensão desse procedimento nas condições posteriores (fases 3.2 e 4) foi acompanhada por uma redução no número de refeições diárias consumidas e pelo aumento do intervalo estipulado entre elas. Os benefícios da intervenção parecem sustentar-se, no entanto, quando considerada a comparação entre os resultados obtidos ao final do estudo com aqueles obtidos durante a linha de base, para as duas participantes.

Um segundo aspecto a ser destacado na Tabela 2 seria o aumento de relatos de compulsão para ambas as participantes durante a fase 2, quando o reforçamento da correspondência entre o relato e o registro fotográfico foi adotado. Tal aumento pode ser interpretado tanto como resultado do menor número de dias que compuseram a fase, o que poderia ter alterado a oportunidade para os relatos, quanto pelo efeito do reforçamento da correspondência entre o relato de ingestão e o registro fotográfico, independentemente do conteúdo da resposta verbal. No segundo caso, os resultados poderiam sugerir que o procedimento de correspondência adotado possa ter funcionado como uma estratégia importante para favorecer a descrição dos episódios compulsivos, que poderiam estar sendo omitidos durante a etapa anterior de avaliação.

As Figuras 1 e 2 ilustram a frequência diária de compulsão descritas (quadrante superior), o número de refeições diárias realizadas (quadrante médio) e a frequência de ingestão de alimentos palatáveis (quadrante inferior), de cada participante, nas diferentes fases da pesquisa. As interrupções nos dados indicam a ausência de registro naquele dia.

Na Figura 1, nota-se que, durante as fases 1 (linha de base) e 2, P1 relatou frequência de episódios compulsivos que variou entre um e três episódios diários, e em 40 dias (70%) relatou ao menos a ocorrência de um episódio. Por sua vez, P2 relatou, nas duas primeiras fases do estudo, a ocorrência de episódios compulsivos em 36 dias (46%), variando de zero a dois episódios diários, conforme análise da Figura 2.

Com o início da intervenção, a partir da subfase 3.1, pode ser notado o aumento no número de refeições ingeridas por P1 e P2 (quadrante médio das figuras 1 e 2), o que acompanhou a redução no número de episódios compulsivos descritos (quadrante superior). Com o início da fase 3.1, o número de refeições chega a atingir um valor nunca antes alcançado durante as fases anteriores do estudo, efeito especialmente visível no caso de P2. Nota-se ainda que o registro do menor número de refeições, frequente durante a linha de base e fase 2, deixou de ocorrer durante a fase 3.1, para ambas as participantes. No caso de P1, o aumento no número de refeições diárias acompanhou a ausência de relatos de ocorrência de três episódios compulsivos em um dia e a diminuição no número de dias em que houve relato de ocorrência desses episódios (44% dos dias durante a subfase 3.1 em comparação a 70% dos dias durante as fases anteriores). Por sua vez, P2 deixou de relatar a ocorrência de dois episódios compulsivos por dia e mencionou a ocorrência de 11 episódios ditos compulsivos. Isso significa que em apenas 28% dos dias da fase 3.1 houve relatos de ingestão alimentar compulsiva, em comparação a 46% dos dias anteriores à inserção das variáveis experimentais.

Quando se apresentaram as instruções e o reforço para o seguimento da instrução de preparar e ingerir uma pequena porção de alimento palatável foi iniciado, durante a fase 3.2, a frequência de relatos de episódios compulsivos continuou a diminuir, e em apenas 11 (32%) e 2 (6%) dias dessa fase houve relato de compulsão alimentar por P1 e P2, respectivamente. Uma análise dos quadrantes inferiores das Figuras 1 e 2 parece indicar que, na linha de base, P1 tinha acesso (quase) contínuo, porém ilimitado, a essa qualidade de alimento, e por 51 dias (90%) a participante relatou a ingestão de alimentos palatáveis e, em 45 dias (80%) do registro, afirmou comer porções desses alimentos (não necessariamente de até 150 kcal) mais de uma vez no dia. Na fase 1 -linha de base e na fase 2, o consumo de palatáveis por P2 apresentou-se de forma intermitente e ilimitada, e, em apenas 19 dias (25%) das fases 1 e 2, a participante ingeriu duas porções desses alimentos. Com o início da subfase 3.2, P1 reduziu a ingestão diária desses alimentos, sendo observado que em 24 (68%) dias passou a consumir apenas a porção indicada. Por sua vez, P2 passou a ingerir alimentos palatáveis diariamente, sendo notado apenas um dia em que ingeriu duas porções desse alimento.

Na fase 4, quando as contingências mantidas para o controle das respostas alimentares foram suspensas, notou-se que a ingestão de alimentos palatáveis foi mais facilmente mantida do que a ingestão em horários regulares. Apesar de os episódios compulsivos ainda ocorrerem durante a fase 4, em 9 dias (30%) e em 12 dias (40%) para P1 e P2, respectivamente, houve uma diminuição da frequência desses relatos para ambas as participantes. Os benefícios obtidos a partir da intervenção são, assim, sugeridos pela comparação da ocorrência de episódios compulsivos durante a fase 4 com os descritos durante a linha de base, quando os episódios compulsivos foram relatados em 70% dos dias para P1 e 46% dos dias para P2.

 

Conclusão

A literatura sobre variáveis determinantes de episódios de excesso alimentar aponta para a importância do acesso a alimentos palatáveis e da restrição alimentar para a determinação do fenômeno nomeado como compulsão alimentar (Novelle & Diéguez, 2018; Sinclair et al., 2017; Hagan et al., 2003; Oswald et al., 2011).

Os resultados da presente pesquisa parecem confirmar o efeito dessas variáveis, indicando que seu controle, a partir da regulação dos horários das refeições e do acesso contínuo e limitado ao alimento palatável, pode favorecer a redução na compulsão alimentar descrita por pacientes bariátricas. Dado que a perda de peso pós-cirurgia bariátrica seria dificultada em pacientes com queixas de compulsão alimentar (Nasirzadeh et al., 2018; Siqueira & Zanotti, 2017; Niego, Kofman, Weiss, & Geliebter, 2007) e que as mudanças estruturais do organismo não parecem suficientes para evitar os episódios de alimentação excessivos, o reconhecimento de procedimentos eficientes em alterar esse padrão de ingestão apresenta-se como uma contribuição para a área clínica.

Consideradas ainda as dificuldades em observar diretamente a ocorrência dos episódios alimentares de pacientes em regime ambulatorial, há a expectativa de que o presente estudo tenha contribuído de forma significativa ao propor alternativas para a coleta de dados com essa população. O uso de equipamentos eletrônicos para o AM e o registro fotográfico das refeições representam estratégias que visam garantir maior confiabilidade aos dados, uma vez que facilitam a adesão ao procedimento de AM e servem como medidas indiretas do comportamento de interesse. O reconhecimento dessas estratégias torna-se importante por permitir o desenvolvimento de estudos que respondam às críticas dirigidas aos analistas do comportamento, acusados de pouca contribuição no tratamento de queixas clínicas na população adulta não institucionalizada (Woods, Miltenberger, & Carr, 2006).

Dentre os limites da presente pesquisa, deve-se considerar possível que as participantes omitissem os registros manual e fotográfico de suas refeições ou os realizassem sem que houvesse o consumo das refeições retratadas. O presente estudo pretendeu reduzir essas possíveis distorções ao garantir, durante a fase 2, o reforçamento para correspondência entre o comportamento verbal (AM escrito) e o não verbal (comportamento alimentar registrado por meio da foto) das participantes, independentemente de seu conteúdo. Tal estratégia pareceu eficiente ao garantir a precisão no relato dos episódios alimentares, dado que esses episódios foram devidamente descritos mesmo quando considerados indesejáveis (como quando houve descrição de consumo de palatáveis em maior número do que o indicado pela pesquisadora). Sugere-se que tal estratégia seja reavaliada em próximos estudos que dependam do relato verbal como fonte de dados e que estejam interessados na investigação de comportamentos clínicos que não possam ser direta ou facilmente observados.

A análise do padrão alimentar geral das participantes indica, por fim, que, embora ambas tenham descrito seu padrão alimentar como compulsivo, notaram-se diferenças no que poderia ser considerado irregular no comportamento alimentar de cada uma delas: no caso de P1, evidenciou-se o consumo excessivo de açúcar, enquanto para P2 considerou-se inadequado o longo intervalo mantido entre as refeições. Nota-se, portanto, a necessidade de planejamento de intervenções individualizadas que respeitem as dificuldades particulares identificadas em cada caso, a despeito de uma classificação diagnóstica comum.

 

Referências

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Endereço de correspondência:
Beatriz Azevedo Moraes
Rua Bernardo Guimarães, 105, sala 909
Sorocaba, SP. CEP: 18030-050
E-mail: biaamoraes@gmail.com

Submissão: 31.1.2018
Aceite: 14.6.2018

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