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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p102-118 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Efeitos de intervenção comportamental em contexto escolar sobre desatenção e hiperatividade

 

 

Alisson Rogério C. de SiqueiraI; Mayara M. M. SilvaII; Elifas T. de PaulaIII; Marcos Vinícius de AraújoIV; Maria Cristina T. V. TeixeiraV; Luiz Renato R. CarreiroVI

IPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
IIPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
IIIPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
IVPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
VPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
VIPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As características clínicas do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) podem ser modelos para identificar e manejar comportamentos de desatenção, hiperatividade e impulsividade de alunos sem o transtorno em sala de aula. Os objetivos do estudo foram verificar efeitos da implementação de um guia de manejo para redução desses comportamentos em uma classe regular. Foram acompanhados 29 alunos do 2º ano com idades entre 6 e 8 anos, separados em Grupo Experimental (GE), no qual foi implementado o guia, e Grupo Controle, que manteve atividades regulares. O perfil comportamental foi avaliado por pais (CBCL/6-18) e professores (TRF/6-18) antes e após a intervenção, juntamente a um protocolo de observação para o professor. Como resultados, verificaram-se, pelas respostas dos professores, a redução da frequência de comportamentos de desatenção e a hiperatividade no GE. Concluiu-se que a utilização do guia foi eficaz na classe regular, indicando seu potencial de uso na prática escolar.

Palavras-chave: TDAH; manejo comportamental; sala de aula; professor; escola.


 

 

1. Introdução

Estudos sobre transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ser modelos para se entender como comportamentos de desatenção, hiperatividade e impulsividade são expressos no contexto de sala de aula. A 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5 - American Psychiatric Association, 2014) classifica TDAH como um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por prejuízos associados à desatenção, à desorganização e/ou à hiperatividade e à impulsividade. As taxas de prevalência do transtorno são 5% em crianças e 2,5%, em adultos (American Psychiatric Association, 2014; Polanczyk, Willcutt, Salum, Kieling, & Rohde, 2014). A longo prazo e quando as intervenções não são adequadas, o TDAH pode ocasionar prejuízos substanciais em várias áreas do funcionamento social, acadêmico e ocupacional, bem como na socialização (DuPaul & Stoner, 2007; Sasser, Schoenfelder, & Stein, 2017).

No caso do TDAH na infância, uma das principais preocupações de professores é a estimulação de habilidades atencionais e a redução de padrões comportamentais de hiperatividade em alunos com o transtorno. Em sala de aula, os professores precisam lidar com alunos que apresentam habilidades atencionais em níveis variados, ainda que não tenham o transtorno, além de manejar as dificuldades de alunos que apresentam TDAH, que podem também estar em suas salas (Suades-González et al., 2017). Estudos anteriores revelam que, durante os primeiros anos de escolarização, professores reportam que os alunos em geral podem apresentar em sala de aula comportamentos como dificuldades para manter a atenção em tarefas e para seguir instruções, para concluir tarefas escolares, para se organizar, para não se distrair com facilidade, abandonar a cadeira ou dar respostas precipitadas antes de as perguntas serem concluídas (Moore, Russell, Arnell, & Ford, 2017). Essas manifestações podem ser decorrentes de déficits ou excessos comportamentais que não são compatíveis com situações de aprendizagem, muitas vezes porque a criança não desenvolveu os repertórios adequados que possibilite que elas se concentrem nas atividades, que iniba distratores ou que selecione comportamentos compatíveis com o contexto (Araújo, Carvalho, Teixeira, & Carreiro, 2015). Esses comportamentos, mesmo em crianças com desenvolvimento de acordo com os marcos esperados, podem interferir no aproveitamento acadêmico, prejudicar a qualidade das aulas e, ainda, potencializar a frequência e a gravidade de sinais e sintomas daqueles alunos que têm TDAH e convivem no ambiente da mesma sala de aula.

Estudos anteriores têm focado a verificação de prejuízos de aprendizado associados à desatenção e à hiperatividade/impulsividade (Smith, Breaux, Green, & Langberg, 2018; Moore et al., 2017), bem como o desenvolvimento de estratégias de intervenção que os minimizem (Araújo, 2012; Araújo et al., 2015; Pfiffner et al., 2018; DuPaul, 2018; Faraone et al., 2018). Do ponto de vista clínico, o TDAH pode ser utilizado como modelo para entender como os comportamentos de desatenção, hiperatividade e impulsividade se expressam no ambiente escolar. Araújo et al. (2015) desenvolveram um programa de intervenção comportamental, a partir da observação de crianças com TDAH, que permitia que o professor atuasse para reduzir a frequência de comportamentos típicos de crianças com esse diagnóstico no contexto de sala de aula e, consequentemente, ampliasse as condições favoráveis para a sua aprendizagem.

Procedimentos focados no manejo comportamental de alunos com TDAH em ambiente escolar também podem reduzir comportamentos de desatenção e hiperatividade e impulsividade em crianças sem o transtorno (Veenman, Luman, & Oosterlaan, 2018; Siqueira, 2015; Barkley, 2002; Cordier, Vilaysack, Doma, Wilkes-Gillan, & Speyer, 2018; Veenman, Luman, & Oosterlan, 2017). Entre as intervenções comportamentais, aquelas sustentadas na análise aplicada do comportamento mostram evidências de eficácia (Barkley et al., 2008; DuPaul & Stoner, 2007), sendo a sala de aula um ambiente privilegiado para isso. Estudo anterior verificou a eficácia de um programa de intervenção comportamental realizado por professores de dez escolas primárias (grupo de intervenção) comparado com grupo controle (Latouche & Gascoigne, 2017). O estudo apontou, além de melhora do comportamento dos alunos, aumento do senso de autoeficácia dos professores.

Suades-González et al. (2017) conduziram um estudo longitudinal para avaliar padrões desatencionais no desenvolvimento em crianças com e sem sinais de TDAH. A partir do relato dos professores, os autores observaram que o grupo de crianças com sinais de TDAH mostrou déficits expressivos nas áreas de atenção executiva, tempo de reação e variabilidade em comparação com crianças sem sinais. Também verificaram o desenvolvimento contínuo de alguns aspectos da atenção em crianças do ensino fundamental, diferenciando padrões por sexo e sintomas de TDAH. Esses resultados apoiam a necessidade de programas de intervenção, no contexto escolar, de modo a facilitar o seu curso de desenvolvimento independentemente de a criança ter ou não um quadro compatível com o TDAH.

Estudo desenvolvido por Veenman et al. (2017) verificou se a eficácia de um programa de manejo comportamental para a redução de sinais de TDAH, realizado pelos professores, poderia ser confirmada por outros instrumentos além dos relatos. Os resultados indicaram que quanto maior era o engajamento dos professores no treinamento, maiores eram também as mudanças relatadas por eles, as quais não eram necessariamente compatíveis às mudanças no comportamento avaliadas por outras medidas mais objetivas. Assim, tal trabalho ressalta a importância do uso de diferentes medidas comportamentais em sala de aula para verificar a real eficácia dos efeitos de um programa de intervenção implementado pelo professor.

Sinais de TDAH estão associados à dificuldade em lidar com os componentes sociais, comportamentais e acadêmicos da escola. Segundo Moore et al. (2017), ainda são escassos estudos que verifiquem evidências relacionadas a intervenções em contexto escolar para dar suporte a crianças com TDAH. Também são escassos estudos voltados para experiências e práticas dos educadores com crianças que apresentam desatenção, impulsividade ou hiperatividade (Tran et al., 2018; Moore et al., 2017). O estudo de Moore et al. (2017) sugere que fatores como atitudes em relação ao TDAH, relacionamentos vivenciados pelos alunos com TDAH e outros tratamentos sendo prestados precisam ser cuidadosamente considerados antes que as estratégias sejam adotadas em prática na sala de aula. Nessa linha de raciocínio, este estudo teve como objetivo geral verificar os efeitos de uma intervenção comportamental em sala de aula sobre a frequência de comportamentos de desatenção e hiperatividade de alunos, independentemente de terem um diagnóstico de TDAH.

 

2. Métodos

2.1 Participantes

A amostra do estudo foi composta por 60 participantes (n = 29 alunos), com idade entre 6 e 8 anos e seus respectivos responsáveis (n = 29, sendo 26 pais e três avós) e professores (n = 2, que eram regentes da sala de aula). Os alunos cursavam o segundo ano do ensino fundamental de um Centro de Educação Integral (CEI) da prefeitura de Curitiba, PR. Os participantes foram divididos em um grupo experimental (GE, 16 alunos, sendo 11 meninos; média de idade = 6,3, DP = 0,4) e um grupo controle (GC, 13 alunos, sendo 11 meninas; média de idade = 6,4, DP = 0,5). Os professores possuíam mais de dez anos de docência na educação infantil e frequentemente participavam de programas de educação continuada disponibilizado pelo governo. O estudo foi conduzido durante um ano letivo. Como critérios de exclusão dos alunos, foram utilizados dados dos prontuários escolares relativos à presença de deficiência intelectual ou de outros transtornos do neurodesenvolvimento, como Transtorno do Espectro Autista. Todos os procedimentos metodológicos aqui descritos foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Processo n. 1169/09/2009 e CAAE n. 0067.0.272.000-09) e aprovados.

2.2 Instrumentos

Inventário de Comportamentos para Crianças e Adolescentes entre 6 e 18 anos (CBCL-6/18) - Child Behavior Checklist For Ages 6-18: o CBCL/6-18 deve ser respondido pelos pais ou responsáveis, ou cuidadores, que são denominados informantes. O CBCL/6-18 é constituído por duas partes: a primeira contém sete questões abertas, com o intuito de investigar doenças, deficiências, competências nas áreas social, escolar e prática, bem como preocupações e qualidades ou pontos positivos sobre o(a) filho(a); a segunda, 113 perguntas, na qual o informante encontrará uma lista de afirmações que descrevem padrões de funcionamento emocional e comportamental de crianças e adolescentes, informando a frequência com que esses padrões ocorrem relativos aos últimos seis meses. Os problemas de comportamentos são agrupados em externalizantes e internalizantes. O inventário permite o agrupamento dos problemas em escalas, sendo as principais: a) escalas das síndromes (ansiedade/depressão, retraimento/depressão, queixas somáticas, problemas de sociabilidade, problemas com o pensamento, problemas de atenção, violação de regras, comportamento agressivo); b) escalas orientadas pelo DSM (problemas afetivos, problemas de ansiedade, problemas somáticos, problemas de déficit de atenção e hiperatividade, problemas de oposição e desafio e problemas de conduta); e c) escalas de problemas externalizantes, internalizantes e totais. Os itens das escalas de problemas de comportamento são preenchidos, atribuindo-se: 0, quando o item não é verdadeiro; 1, quando o item é um pouco verdadeiro ou, às vezes, verdadeiro; e 2, quando o item é muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro (Bordin, Rocha, Teixeira, & Rescorla, 2013; Achenbach & Rescorla, 2010, 2001). Há evidências de validade do instrumento para a amostra brasileira (Rocha et al., 2013).

Inventário de Comportamentos para Crianças e Adolescentes entre 6 e 18 anos (Teacher's Report Form for Ages 6-18 - TRF): deve ser respondido pelo professor do aluno, denominado também informante. O TRF é constituído de duas partes: a primeira contém questões abertas, com o intuito de investigar competências com foco principal nos comportamentos acadêmicos do(a) aluno(a); assim como o CBCL, a segunda parte é composta por afirmações que descrevem padrões de funcionamento emocional e comportamental de crianças e adolescentes, e o professor deve informar a frequência com que esses padrões ocorrem relativos aos últimos seis meses. As escalas de problemas de comportamento seguem o mesmo agrupamento das escalas do CBCL (Bordin et al., 2013; Achenbach & Rescorla, 2010, 2001). Há evidências de validade do instrumento para a amostra brasileira (Rocha et al., 2013).

Guia de Orientação para Manejo Comportamental de Crianças e Adolescentes com sinais de Desatenção e Hiperatividade: o guia de manejo comportamental foi produzido por Araújo (2012) e publicado no formato de livro em 2015 (Araújo et al., 2015). A elaboração do guia tem sua base teórica na análise do comportamento com estratégias de controle de estímulos e uso de reforçadores. O guia estabelece 16 ações agrupadas em três estratégias: Controle de Estímulos (CE) - controle do comportamento pelos estímulos antecedentes; Reforço (Rf) - controle do comportamento pelo uso de reforçadores positivos para comportamentos adequados; e Controle de Estímulos por Reforçamento (CERf) - controle do comportamento mediante manejo de antecedentes e reforçadores positivos para comportamento adequados. O guia possibilita estabelecer taxas de implementação de cada estratégia mediante um checklist e um protocolo de observação (PO), que devem ser preenchidos pelo professor (Araújo et al., 2015). O PO era composto por 16 itens agrupados em cinco categorias de comportamentos: desatenção, facilmente distraído, inquietação, movimentação e impulsividade.

2.3 Procedimentos de coleta de dados

O professor do GE foi o responsável pela implementação do guia de manejo comportamental de Araújo et al. (2015), já o professor do GC não teve qualquer treinamento. As turmas de segundo ano foram escolhidas por não serem a turma de ingresso dos alunos, nem turmas finais do EF I. O CBCL/6-18 e o TRF/6-18 foram aplicados pelo primeiro autor, no início do ano letivo e reaplicados em um intervalo de 28 semanas após a intervenção. Além disso, o professor preencheu o PO para cada aluno no início e no término da implementação do guia e checklists semanais sobre a utilização das dicas do guia. O professor foi treinado no guia mediante 12 encontros de 45 minutos, com o objetivo de capacitá-lo nas estratégias de manejo comportamental, execução das dicas em sala de aula e preenchimento do checklist e do PO.

2.4 Análise dos dados

Os inventários CBCL e TRF foram analisados por meio do programa de computador Assessment Data Manager 7.2 (ADM). Os dados geraram perfis comportamentais que podem ser comparados com escores de amostras normativas, em função de idade e sexo (Achenbach & Rescorla, 2010, 2001). No processamento dos dados com uso do ADM, foram utilizados os dados da amostra normativa do Grupo 3 (do qual o Brasil faz parte) (Rescorla et al., 2012). Os dados foram analisados comparando-se as diferenças entre os escores padronizados (escore t) antes e após a intervenção, ou seja, tomando-se o valor da fase pós-intervenção e subtraindo o valor da fase pré-intervenção [diferença = (escore t pós) - (escore t pré)]. Valores negativos representam diminuição de indicadores de problemas e valores positivos representam aumento de indicadores de problemas. Foram conduzidas análises das escalas de síndromes do CBCL e do TRF e da escala de TDAH do TRF por meio de Análises de Variância (ANOVA) unidirecionais. Todos os intervalos de confiança feitos ao longo do trabalho foram construídos com 95% de confiança estatística. Entretanto, os valores 0,05 < p < 0,1, por estarem próximos do limite de aceitação, que foram considerados tendem a ser significativos (até cinco pontos percentuais acima do valor do alfa adotado), por isso foram descritos também nos resultados. Foram utilizados testes estatísticos paramétricos, pois os dados eram quantitativos e contínuos, com distribuição normal. Quanto ao protocolo de observação, foi calculada a porcentagem de redução dos comportamentos da avaliação pós-intervenção em relação à pré-intervenção para cada aluno e, assim, calculada a média de redução por grupo.

 

3. Resultados

O estudo teve como objetivo verificar os efeitos da intervenção comportamental sobre a frequência de comportamentos de desatenção e hiperatividade de alunos. Os alunos foram divididos em dois grupos, GC e GE, e foram analisados os resultados das escalas das síndromes do CBCL/6-18 e do TRF/6-18. Com relação ao CBCL/6-18, tanto o GE como o GC apresentaram redução em todas as escalas, como pode ser observado pelos valores negativos nas diferenças [(escore t pós) - (escore t pré)]. Nesse caso, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre GC e GE, comparando-se as diferenças (pós-intervenção - pré-intervenção) (Figura 3.1).

 

 

Quanto ao TRF/6-18, o GE apresentou redução em todas as escalas que compõem a Escala Síndromes, como mostrado na Figura 3.2 (barras em azul). Já o GC só apresentou uma discreta variação inclusive com alguns valores positivos que indicam aumento de problemas no momento referente à pós-intervenção. Comparando-se as diferenças (pós-intervenção - pré-intervenção) entre o GE e o GC, por meio de Anova Unidirecional, observou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos nas seguintes escalas: ansiedade e depressão (AD) (F[1, 28] = 12,068, p = 0,002); queixas somáticas (QS) (F[1, 28] = 12,615, P = 0,001); problemas com o pensamento (PP) (F[1, 28] = 5,007, P = 0,034); violação de regras (VR) (F[1, 28] = 21,521, P < 0,001) e comportamento agressivo (CA) (F[1, 28] = 7,602, P = 0,010); nas outras escalas não foram verificadas diferenças significativas (Figura 3.2). Os resultados indicaram que o GE obteve redução mais significativa dos relatos de problemas de comportamento em relação ao GC, de acordo com o relato dos professores.

 

 

Quanto à escala orientada pelo DSM de Problemas de Déficit de Atenção e Hiperatividade do TRF, verificou-se que o GE apresentou maior redução tanto nos escores t quanto no percentil para os indicadores tanto de desatenção quanto hiperatividade/impulsividade em relação ao GC (Figura 3.3). Anova revelou efeitos marginalmente significativos, com valores próximos à significância. Isso pode sugerir que o GE teve maior tendência de redução desses indicadores do que o GC, conforme relato dos professores.

 

 

No início da aplicação do guia, os professores relataram dificuldades no manejo de alguns alunos em sala de aula; entretanto, com o passar dos encontros, o guia foi utilizado de modo mais frequente. O checklist preenchido pelo professor do GE, durante as 28 semanas de implementação, apresentou índice de 99% de implementação e indicou que o professor implementou as estratégias pelo menos uma vez por semana. Verificou-se que, a partir da 18ª semana, uma estratégia (comunicar-se com os pais) passou a ser utilizada algumas vezes, ou seja, a estratégia foi utilizada apenas em algumas aulas ou dias durante a semana.

Referente à porcentagem de redução da frequência de comportamentos em relação ao protocolo de observação, foi observado que o GE obteve redução em todos os itens. No GC, essa redução não ocorreu nos comportamentos seguintes, de acordo com a Tabela 3.1: a) comportamento A do padrão de desatenção; b) comportamentos F e G do padrão de facilmente distraído; c) comportamento I do padrão de inquietação. Comparando a redução entre os grupos, verificou-se maior redução no GE em todos os comportamentos, exceto no comportamento D do padrão facilmente distraído, comportamento L do padrão de movimentação e comportamento O do padrão de impulsividade (Tabela 3.1).

 

 

4. Discussão

Os resultados apontam, de modo geral, redução de comportamentos característicos de desatenção e hiperatividade expressos pelo GE, independentemente de serem ou não alunos com TDAH, embora algumas reduções tenham sido verificadas também no GC. A redução desses comportamentos foi verificada com maior expressividade nos dados do inventário TRF e do protocolo de observação. O CBCL/6-18 tem como principal função o relato do informante no contexto de casa e ele foi utilizado nessa pesquisa para verificar se haveria generalização de mudanças de comportamento do ambiente escolar para o familiar. Os cuidadores que responderam ao CBCL/6-18 relataram algumas reduções de problemas de comportamento, mas que, entretanto, não foram significativamente diferentes em relação às mudanças do GC. No caso de estudo semelhante, feito com crianças com diagnóstico de TDAH (Araújo, 2012), com a aplicação desse guia, houve generalização dos efeitos da intervenção para comportamentos no ambiente familiar. Tal variabilidade reforça a necessidade de utilização de múltiplos informantes para verificar modificações de comportamento em diferentes ambientes, como indica Veenman et al. (2017). No caso do presente trabalho, a não generalização para o ambiente familiar dos achados da sala de aula pode ter ocorrido pelo fato de o CBCL já ter expressado poucos indicadores de problemas de comportamento.

No caso do TRF, houve redução significativa dos indicadores de problemas de comportamento dos alunos em várias escalas do instrumento no GE. Essa mudança comportamental dos alunos do GE pode ser atribuída provavelmente aos efeitos da aplicação do guia de manejo comportamental nos alunos. Já as reduções observadas nos comportamentos do GC podem ter sido decorrentes de estratégias didáticas que o professor utiliza no dia a dia de sua sala de aula. Diferentemente, o professor do GE foi treinado no uso do guia de manejo comportamental e a implementação dessas ações contribuiu para uma redução mais expressiva de comportamentos de desatenção e de hiperatividade/impulsividade nos alunos da classe regular. O professor, utilizando-se desses procedimentos, efetivamente oportunizou aos alunos a mudança de comportamento. Assim, este trabalho tem resultados semelhantes aos de Latouche e Gascoigne (2017), que revelou aumento do conhecimento e da autoeficácia dos professores sobre o manejo de sinais de TDAH nos alunos em escolas primárias, configurando uma medida prática e de baixo custo. Podemos, com base nos resultados obtidos, fazer hipótese semelhante, de que o professor também melhorou a própria percepção sobre comportamentos de desatenção e hiperatividade/impulsividade de seus alunos, à medida que conseguiu utilizar as estratégias para reduzir tais comportamentos de modo eficaz no GE.

Verificou-se, neste trabalho, que o guia de manejo comportamental foi eficaz em sua proposta de intervenção dentro de um ambiente escolar. Mesmo considerando que o guia teve sua formatação baseada no modelo do TDAH, isto é, ele foi criado para manejo de crianças com o transtorno, neste estudo, foi eficaz, de modo global, para a redução de comportamentos de desatenção e hiperatividade em crianças de uma classe regular, independentemente do diagnóstico de TDAH. Tal resultado aponta que o guia tem potencial de uso na prática escolar. Verificou-se, também, que o professor como informante também pode ser um agente interventor para a mudança de comportamentos em sala de aula. Todavia, é necessário que o professor seja orientado e receba orientações precisas que o permitam aplicar estratégias eficazes para a mudança de comportamentos em sala de aula, mas também estratégias que lhe permitam avaliar a evolução dessas mudanças. Algumas limitações do estudo devem ser destacadas: a primeira refere-se ao fato de se ter apenas um professor por grupo; a segunda, que um dos instrumentos utilizados (TRF/6-18) foi respondido pela mesma professora que aplicou a intervenção, podendo levar a um viés de avaliação.

Embora o estudo tenha sido conduzido em uma amostra de conveniência de tamanho pequeno, foi testada a eficácia do guia para aplicação em sala regular. Estudos futuros podem aumentar a amostra de professores e de alunos e, no caso dos professores, verificar se fatores pessoais ou de formação podem influenciar os resultados relativos à melhora comportamental. Faz-se necessário também um acompanhamento com outros instrumentos que possam verificar o desempenho escolar do aluno, evitando assim o viés de o informante ser apenas o professor.

 

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Endereço de correspondência:
Luiz Renato Rodrigues Carreiro
Rua da Consolação, 896, prédio 28, 1º andar, Consolação
São Paulo, SP, Brasil. CEP 01302-907
E-mail: renato.carreiro@gmail.com; luizrenato@mackenzie.br

Submissão: 23/05/2018
Aceite: 14/11/2018
Financiamento: O estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil - Financiamento Cod 001, Capes PROEX (0653/2018), e pelo Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mackpesquisa).

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