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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p137-153 

ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Reabilitação pediátrica: suporte social e estresse em casos de paralisia cerebral

 

 

Juliana M. da SilvaI; Tereza Cristina C. F. de AraujoII

IPsicopedagogia, Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação (Rede SARAH)
IIDepartamento de Psicologia Clínica, Universidade de Brasília (UnB)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Em reabilitação pediátrica, a paralisia cerebral é uma das condições clínicas mais diagnosticadas, mas ainda são necessárias pesquisas para aprimorar a qualidade assistencial no contexto brasileiro. Diante disso, a presente investigação teve como objetivos: caracterizar, avaliar e correlacionar suporte social e estresse de familiares cuidadores; e comparar duas modalidades de atendimento (individual e grupal) em um programa de reabilitação. No Estudo 1, 22 familiares receberam atendimentos individuais e grupais. No Estudo 2, 29 familiares frequentaram somente atendimentos individuais. Adotaram-se como instrumentos: o Questionário Sociodemográfico, a Escala de Percepção do Suporte Social, a Escala de Stress Parental, a Questão sobre Fonte de Suporte e os Registros de Casos. Não se constatou diferença entre participantes do Estudo 1 e do Estudo 2. A análise da totalidade amostral revelou baixo nível de estresse. Notou-se limitação das fontes de suporte, havendo predomínio do suporte familiar. Foi possível identificar correlação negativa entre suporte social e estresse.

Palavras-chave: reabilitação; paralisia cerebral; apoio social; estresse; cuidadores.


 

 

1. Introdução

Apesar das importantes conquistas tecnológicas e clínicas alcançadas na área da Reabilitação, ainda não é possível superar as limitações provocadas por determinados quadros patológicos, como a paralisia cerebral, que tem incidência de dois a três indivíduos por mil nascidos vivos em países desenvolvidos; no Brasil, os dados apontam 30 mil a 40 mil novos casos identificados por ano (Brasil, 2013; Silva, 2016; Ferreira et al., 2015). De fato, a paralisia cerebral constitui uma das condições clínicas mais diagnosticadas nessa área.

Descrita originalmente por Little, em 1861, define-se pela existência de uma lesão não progressiva que ocasiona atraso ou ausência de aquisições esperadas no desenvolvimento humano. A paralisia cerebral abrange sintomas variados que manifestam diferentes graus de comprometimento - nos planos motor, cognitivo e da linguagem -, com múltiplas consequências tanto para o paciente quanto para o grupo familiar dele, em razão das imposições associadas aos cuidados parentais, autocuidado, aprendizagem, comunicação e integração social (Ferreira et al., 2015; Morris, 2007).

Diante disso, é indispensável oferecer um acompanhamento integral e contínuo, fundamentado em pesquisas atualizadas e devidamente praticado por uma equipe multiprofissional especializada em reabilitação pediátrica. Convém lembrar que a divisão 22 da American Psychological Association delimita o campo da psicologia da reabilitação como aquele que abarca a produção e a aplicação de conhecimentos destinados à melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiências. No âmbito dessa divisão, a seção de reabilitação pediátrica estrutura e organiza trabalhos voltados para a promoção do desenvolvimento saudável e dos direitos das crianças com deficiência, além de estabelecer articulações colaborativas com as divisões 40 - Neuropsicologia Clínica e 54 - Psicologia Pediátrica (American Psychological Association, 2017).

Tendo em vista que os cuidados de pessoas com deficiência podem produzir fatores de risco que influenciam a saúde e o desempenho daqueles implicados nesse processo, é crucial melhor compreender o estresse parental nesse contexto. Segundo Ribeiro, Porto, & Vandenberghe (2013), esse tipo de estresse deriva das funções exercidas pelos genitores para o bem-estar de seus filhos e é modulado por muitas variáveis, como as características da criança (por exemplo, gravidade da deficiência) e as de seus pais (por exemplo, autopercepção), o funcionamento familiar e outros fatores dos contextos social e cultural. Na Irlanda, Byrne, Hurley, Daly, & Cunningham (2010) evidenciaram pior estado de saúde dos cuidadores de crianças com paralisia cerebral, especialmente das mulheres, quando comparados à população geral. Para Bemister, Brooks, Dyck, & Kirton (2015), pesquisadores no Canadá, existem variáveis preditoras do estado psicológico de mães nessas condições: amplitude do comprometimento físico e psicossocial do paciente; idade da criança e escolaridade das cuidadoras. No Brasil, Santos, Oliveira, Vargas, & Macedo (2010) verificaram que mais da metade das cuidadoras apresentava taxas de sobrecarga intensa, geralmente acarretada pela falta de recursos financeiros e sentimentos de desamparo. Ribeiro, Sousa, Vandenberghe, & Porto (2014) também encontraram altos níveis de estresse entre 223 mães de crianças e adolescentes com paralisia cerebral. Em contrapartida, ao aplicarem os Inventários de Beck em uma amostra de 27 mães, Pereira e Kohlsdorf (2014) constataram que: a) a maioria das participantes (n = 18) obteve escores correspondentes à ansiedade mínima, e o restante mostrou escores relacionados à ansiedade moderada; e b) 17 participantes não apresentaram nenhum grau de depressão, e dez indicaram depressão leve. Diante do exposto, convém assinalar sinteticamente que uma análise crítica da literatura internacional e nacional sobre paralisia cerebral adverte que, em razão da heterogeneidade da composição amostral das pesquisas (por exemplo, idade do paciente e manifestação sintomatológica), ainda são restritos os contributos propiciados para a intervenção clínica.

No entanto, não é suficiente conhecer os fatores de risco que se interpõem no enfrentamento da deficiência. Incrementar os fatores de proteção é igualmente essencial, principalmente aqueles assegurados pelo meio social (família e serviços de saúde). Considerando-se tal relevância, notadamente na esfera nacional, foi conduzida uma busca nas bases Pubmed e Lilacs sobre suporte social em reabilitação até julho de 2015. Verificou-se interesse crescente pelo assunto, mas grande parte das publicações divulgava relatos de caso, o que revelou escassez de outros delineamentos metodológicos. Não foi localizada publicação que contemplasse a associação dos descritores "suporte social", "reabilitação" e "pediatria" (Silva, 2016).

É interessante comentar que, desde a década de 1970, muitos estudiosos se dedicam à investigação do suporte social, definido como o apoio recebido ou percebido em diversos contextos. É consensual que o conceito é multidimensional, pois envolve aspectos relacionados a uma ajuda de ordem emocional, instrumental e/ou informativa. Já nos primórdios do desenvolvimento teórico, chamava a atenção que a percepção subjetiva de ser cuidado, apreciado e reconhecido em uma rede de relações influencia o modo como a pessoa lida com o processo saúde-doença. Resumidamente, é pertinente discernir dois modelos que buscam clarificar as influências do suporte social sobre a saúde. O primeiro fundamenta-se na ideia de "amortecimento", uma vez que existiria uma diminuição dos efeitos adversos dos estressores na situação vivenciada; ao passo que o segundo modelo sublinha os fatores positivos do suporte social independentemente do estresse (Chwalisz & Vaux, 2000; Silva, 2016). Sob prisma semelhante, Gonçalves, Pawlowski, Bandeira, & Piccinini (2011) conferiram que o suporte social é classificado na literatura como: emocional (valorização afetiva), instrumental (assistência prática e direta), informacional (informações e conselhos que visem a resolução de problemas) e cognitiva (postura de incentivo, escuta e reforço). A partir do exposto, o estudo teve os seguintes objetivos: a) caracterizar, avaliar e correlacionar suporte social e estresse de familiares cuidadores de crianças diagnosticadas com paralisia cerebral; e b) comparar duas modalidades de atendimento (individual e grupal) em um programa de reabilitação pediátrica.

 

2. Métodos

2.1 Participantes

Foi realizado um estudo descritivo-correlacional, cuja amostra, sob critérios de conveniência, foi composta por 51 familiares de pacientes diagnosticados com paralisia cerebral em acompanhamento em um centro de reabilitação. De acordo com a modalidade de intervenção implementada, esses participantes foram distribuídos em dois estudos:

Estudo 1 (n = 22): reuniu familiares que frequentaram ao menos seis sessões de um programa de atendimento, no qual estão previstas atividades de estimulação cognitiva dos pacientes e intervenções psicoeducativas conduzidas pela equipe multiprofissional de reabilitação para grupos de cuidadores.

Estudo 2 (n = 29): essa subamostra não participou de atividades grupais. Ou seja, foram desenvolvidos somente atendimentos individuais de estimulação do paciente e orientação dos cuidadores em função das necessidades de cada caso.

2.2 Instrumentos

Em ambos os estudos, foram empregados:

Questionário Sociodemográfico: destinado ao levantamento de informações gerais, por exemplo: idade do familiar, estado civil, grau de parentesco com o paciente, local de moradia, grau de escolaridade e atividade laboral.

Prontuários eletrônicos: para a obtenção de dados sobre condições clínicas e psicossociais dos pacientes.

Registros de casos: correspondem aos relatos espontâneos dos participantes ao término de cada atendimento.

Escala de Percepção de Suporte Social: visa ponderar suporte social em suas dimensões "prática" (fator 1) e "emocional" (fator 2) por meio de 29 itens que pontuam com que frequência o participante percebe o apoio de outra pessoa. A pontuação varia de 1 a 4 para cada item: nunca (1),poucas vezes (2),muitas vezes (3) ou sempre (4). O escore médio de cada participante é obtido pelo somatório dos valores assinalados e dividido pelo número de itens tanto no fator 1 quanto no fator 2. Os escores médios fatoriais com valores entre 1,0 e 2,9 sinalizam baixa frequência de percepção de ocorrência de suporte prático e emocional, e valores iguais ou acima de 3,0 sinalizam mais consistência na percepção da ocorrência de suporte (Siqueira, 2008).

Escala de Estresse Parental: esse instrumento - proposto em 2010 por Mixão, Leal e Maroco (Rocha, 2012) - apresenta 18 itens para a avaliação da relação do familiar com o paciente, atribuindo pontuação de 1 a 5 para cada item, desde 'discordo totalmente', 'discordo', 'indeciso', 'concordo' até 'concordo totalmente'. Os parâmetros examinados abrangem quatro fatores: 1 - preocupações parentais; 2 - satisfação com o papel parental; 3 - falta de controle; e 4 - medos e angústias. O escore total da escala pode variar entre 18 e 90. Três níveis de estresse são identificados, segundo a pontuação obtida: 18-42 = baixo, 43-66 = intermediário e 67-90 = elevado.

Questão sobre Fonte de Suporte Social: elaborada especificamente para esta pesquisa (após um estudo preliminar), propõe dez opções [igreja/religião, cônjuge, serviço de saúde, avós do paciente, tios do paciente, órgão governamental (por exemplo, prefeituras e secretarias de saúde), outros filhos, amigos, escola e um item denominado "outro"] para que o participante atribua grau de importância (de 1 a 10) a cada fonte de suporte social com base em sua percepção do grau de apoio recebido.

2.3 Procedimentos de coleta e análise de dados

A investigação foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE n. 48237315.4.0000.5540). Preliminarmente, todos os familiares manifestaram sua concordância em participar mediante leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Estudo 1: o convite para participação na pesquisa foi feito pela primeira pesquisadora por telefone. Os instrumentos anteriormente citados foram aplicados durante encontro agendado em uma unidade de reabilitação da rede, conforme preferência do familiar, para acompanhamento no programa.

Estudo 2: encerrado o atendimento individual em uma das unidades de reabilitação, os membros da equipe de atendimento intermediaram o contato da primeira pesquisadora para início da coleta de dados.

A análise do material obtido foi executada com auxílio do SPSS - versão 21. Para a comparação das médias dos fatores da Escala de Percepção de Suporte Social e da Escala de Stress Parental - considerando-se os Estudos 1 e 2 -, foi utilizado o teste t de Student. Foram testadas associações entre os indicadores de estresse parental e suporte social mediante uso de coeficiente de Spearman. Os dados qualitativos dos Registros de Casos foram submetidos à análise de conteúdo temática.

 

3. Resultados

Primeiramente, serão explanados os dados quantitativos. Dessa maneira, a Tabela 3.1 apresenta a caracterização sociodemográfica dos familiares participantes. Nota-se que a maioria foi constituída por mulheres (81,8% e 93,1% nos Estudos 1 e 2, respectivamente), o que converge com a literatura especializada. A maioria relatou exercer alguma atividade remunerada (com vínculo formal ou não), contribuindo regularmente para a renda familiar. Quanto à escolaridade, houve predomínio de pessoas com educação superior no Estudo 1 (40,9%) e com ensino médio no Estudo 2 (31%).

 

 

Dados sobre condições clínicas e psicossociais dos pacientes extraídos dos prontuários eletrônicos são mostrados na Tabela 3.1. Essas informações sobre desempenho cognitivo referem-se à aplicação da Escala Weschler de Inteligência (WISC) e da Escala de Matrizes Progressivas de Raven (componentes intelectuais/cognitivos), bem como resultam do diagnóstico de comprometimento motor topográfico, decorrente da lesão cerebral, realizado pela equipe de terapia funcional (ver Tabela 3.1). Adicionalmente, em relação à inclusão escolar, é preciso salientar que a maior parte dos pacientes estava inserida em ambiente de aprendizagem, seja na rede regular de ensino, seja na educação especial (100% no Estudo 1 e 79, 3% no Estudo 2).

3.1 Escala de Percepção de Suporte Social

Os resultados mostrados na Tabela 3.1.1 correspondem aos escores médios referentes ao Fator 1 (suporte prático) e ao Fator 2 (suporte emocional). As médias obtidas estão abaixo de 3,0, o que aponta baixa frequência de percepção do suporte social pelo familiar. Ou seja, as percepções dos familiares estudados tendem a revelar que o apoio recebido não é suficiente.

 

 

3.2 Escala de Estresse Parental

A Escala de Estresse Parental avalia diferentes estressores agrupados em quatro fatores gerais: preocupações parentais (Fator 1), satisfação com o papel parental (Fator 2), falta de controle (Fator 3) e medos e angústias (Fator 4). No entanto, os resultados desta investigação apontaram baixo nível de estresse entre os participantes (escore total médio de 34,0 no Estudo 1 e 36 2 no Estudo 2), sem diferença estatística significativa. Quando os escores médios dos fatores foram comparados entre os participantes do Estudo 1 e do Estudo 2, também não foram encontradas diferenças significativas (ver Tabela 3.2.1). É válido retomar que a amostra estudada participava de um programa de reabilitação estruturado, o que possivelmente influenciou de modo positivo e contribuiu para diminuir o nível de estresse dos cuidadores. Além disso, na presente pesquisa, pode ter havido um processo de adaptação progressivo dos familiares à situação de deficiência do(a) filho(a), pois os pacientes tinham, em média, 12 anos no Estudo 1 e 10 anos, no Estudo 2 e, possivelmente, o diagnóstico de paralisia cerebral foi feito por ocasião do nascimento ou nos primeiros meses de vida.

 

 

3.3 Comparação entre Dados Sociodemográficos, Suporte Social e Estresse Parental

Como não foram observadas diferenças entre o Estudo 1 e o Estudo 2 ao se analisar os dados gerados pelas escalas separadamente, optou-se pela apreciação das características sociodemográficas e das respostas às escalas da amostra geral (n = 51). Verificou-se que não houve correlação entre suporte social e deficiência intelectual, tampouco entre estresse e deficiência intelectual. Também não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre o escore médio de suporte social e estresse, com a distribuição motora dos pacientes (agrupados em casos de tetraplegia e não tetraplegia). O escore médio de suporte social em pacientes classificados como não tetraplégicos foi de 76,1 (desvio padrão = 20,8), e para os pacientes tetraplégicos a média encontrada foi de 74,0 (desvio padrão = 18,9). Já o escore médio de estresse em casos de tetraplegia foi de 37,1 (desvio padrão = 9,6), e nos casos de pacientes não tetraplégicos a média foi de 34,4 (desvio padrão = 10,0).

Tanto os escores de suporte social quanto os de estresse foram classificados como baixos. Observou-se uma correlação inversamente proporcional entre os indicadores de suporte social e os de estresse parental. A correlação entre os escores da Escala de Percepção de Suporte Social e da Escala de Estresse Parental foi de -0,454 (p = 0,03) entre os participantes do Estudo 1, e -0,458 (p = 0,01) entre os participantes do Estudo 2.

3.4 Questão de enumeração do grau de importância do suporte social

No Estudo 1, o cônjuge foi a fonte de suporte mais citada em prioridade 1 e 2, e os serviços de saúde foram reconhecidos em terceira posição. Ao se agrupar as fontes de suporte familiar (cônjuge, avós, tios e outros filhos), foi possível constatar uma fonte de suporte expressiva (Figura 3.4.1).

 

 

No Estudo 2, os tios do paciente foram a fonte de suporte mais citada (prioridade 1, 2, 3 e 4). Em seguida, avós e cônjuge também foram indicados por essa subamostra, o que reafirma a relevância do suporte familiar (Figura 3.4.2). Nesse sentido, é conveniente lembrar que, para Dessen e Braz (2000), o suporte advindo da família pode se apresentar de diversas maneiras: apoio material e financeiro, auxílio nas tarefas domésticas, cuidado com os filhos, orientações e suporte emocional.

 

 

3.5 Registros de casos

A categorização do material qualitativo baseou-se nos principais eixos de interesse da literatura atual sobre suporte social em saúde. Seguem-se alguns trechos ilustrativos dessas vivências dos cuidadores:

• Categoria suporte emocional
"Se eu não acreditasse em Deus, não estaria aqui. Até o Projeto do Sarah foi uma bênção."
"Na igreja, a gente encontra mais conforto."
"Precisa sempre de ajuda de parentes, da família."
"Apoio psicológico sempre, grupos para desabafos."
"A gente tem que aceitar para mais tarde eles aceitarem também. Acho que precisa mais de psicológico do que financeiro."

• Categoria suporte instrumental
"Tem que correr atrás dos profissionais [...]"
"Vou dedicar com o máximo que eu puder, eu vou de ônibus até a rodoviária, pego outro até chegar na escola. Volto pra casa 20h. Tem gente que acha que não compensa ir para a escola, mas eu levo, ele não fala, mas vê alguém de mochila e já sorri. Tem uma amiga dele que até desistiu da escola."

• Categoria suporte informacional
"Procurar os direitos que a criança tem."
"Informação sobre paralisia cerebral. Tem muitas mães que não têm informação sobre o próprio filho."

Foram registrados 42 relatos de participantes no Estudo 1 e 54, no Estudo 2, havendo predomínio da categoria "suporte emocional". Alguns participantes não foram capazes de reconhecer uma fonte de suporte social. Esses relatos denotaram sofrimento pessoal:

"Morro de inveja do povo, porque não tenho apoio da família."
"Sou só eu mesma, porque a família mora longe."
"Se alguém se preocupa, não demonstra."
"É difícil demais conseguir ajuda."

Por fim, é relevante destacar que não houve diferenças em relação às modalidades de atendimento: individual versus grupal. No entanto, o fato de se averiguar baixo nível de estresse parental nos Estudos 1 e 2 pode revelar que uma prática instituída e consistente de uma equipe multiprofissional de reabilitação constitui condição para assegurar tal benefício aos usuários.

 

4. Discussão

Inicialmente, em relação à condição física do paciente, a análise da variável "distribuição motora" da lesão não foi conclusiva, tendo em vista o tamanho e a heterogeneidade da amostra. Contudo, é relevante ponderar que, em muitas circunstâncias, essa distribuição topográfica não traduz o grau de funcionalidade do repertório comportamental, pois um indivíduo diagnosticado, por exemplo, com diplegia e deficiência intelectual grave pode exigir mais auxílio do que outro com tetraplegia sem distúrbios associados (Braga & Campos da Paz, 2008, citado por Silva, 2016). Particularmente sobre a deficiência intelectual, também não se extraíram resultados suficientes que confirmem associação com o nível de estresse dos cuidadores. Ou seja, não foi possível correlacionar as condições clínicas dos pacientes com o nível de estresse entre os cuidadores ou a demanda de suporte social.

A maioria dos cuidadores desta investigação foi constituída por mulheres (quase sempre mães de pacientes), o que atesta a participação feminina - seja entre os profissionais que formam as equipes especializadas, seja como membro da rede social de apoio ao paciente - nas atividades de cuidado em saúde (Dantas, Pontes, Assis, & Collet, 2012; Polita & Tacla, 2014; Silva, Amorim, Silva, & Correia, 2013). Cabe mencionar que, para Ribeiro et al. (2014), trabalho remunerado e lazer são fatores redutores do estresse de mães de crianças e adolescentes com paralisia cerebral. No presente estudo, não se verificou correlação entre essas variáveis. No entanto, os indicadores de atividade laboral encontrados foram melhores do que os dados obtidos pela pesquisa de Pfeifer et al. (2014), em que 80% dos cuidadores familiares não tinha trabalho remunerado em consequência da multiplicidade de funções exercidas durante os cuidados.

Constatou-se um número expressivo de pais como principal fonte de apoio oferecida às mães e ao restante do grupo familiar, o que converge com a perspectiva de Dessen e Braz (2000) sobre o assunto. Esses resultados parecem sinalizar que a colaboração dos pais pode ser estimulada em serviços de reabilitação por meio de uma orientação que favoreça a inclusão de pessoas do gênero masculino. Ou seja, a evolução social requer que as equipes de saúde elaborem protocolos de acompanhamento que estejam adaptados às diferenças de gênero (por exemplo, modelos de crença em saúde, funcionamento cognitivo e papéis socioculturais), com o intuito de fomentar a diversificação da rede de apoio, assim como a redução do estresse da genitora (Silva, 2016).

Outrossim, merece ênfase que, no Estudo 1 e no Estudo 2, as subamostras comunicaram uma percepção de suporte social limitado. Tal resultado contrapõe-se à noção de que é imprescindível contar com fontes diversificadas e consistentes de apoio, uma vez que o acompanhamento deverá ser providenciado ao longo do ciclo de desenvolvimento tanto do paciente quanto de sua família (Dantas et al., 2012; Ogden, 2014; Polita & Tacla, 2014; Silva et al., 2013). Assim, a equipe multiprofissional de reabilitação deve planejar ações em prol da ampliação da rede de apoio social. Isso pressupõe incentivar a participação ativa de membros da família mais disponíveis e aptos a prodigar os cuidados necessários durante determinados períodos.

Ademais, considerando a primazia do suporte percebido na esfera familiar, é essencial que os profissionais da área de reabilitação implementem medidas visando estender os recursos disponíveis nos espaços sociocomunitários, seja pela articulação dos serviços prevista nos cuidados contínuos em saúde, seja pelo aprimoramento das políticas públicas para o setor.

Como limitação deste trabalho, vale mencionar que ele foi executado em única rede institucional de reabilitação. Então, a similaridade dos protocolos de cuidados adotados pode ter induzido resultados mais satisfatórios no que diz respeito ao estresse.

É preciso frisar, ainda, que a literatura especializada recomenda que a avaliação do estresse também seja feita por ocasião da eclosão do evento adverso. Entretanto, no presente estudo, os familiares já lidavam com a condição clínica das crianças quando foram convidados a participar da investigação. Portanto, podem ter ocorrido alguma adaptação e, por conseguinte, influência positiva nas reações de uma população que se encontrava em acompanhamento de reabilitação.

Quanto às restrições de composição e tamanho da amostra, é importante realçar que se trata de um desafio existente em pesquisas realizadas em serviços de saúde. De fato, foi desenvolvido um estudo descritivo de natureza exploratória, inclusive com dados secundários produzidos pelo acompanhamento de rotina dos pacientes, o que reduz a generalização das análises.

Recomendam-se, portanto, mais estudos comparativos de diferentes modalidades de atendimento em reabilitação. Chama-se a atenção para os aportes da abordagem centrada na família, a qual se revelou significativa tanto nos atendimentos grupais quanto nos individuais nesta pesquisa.

Por fim, sugerem-se estudos multicêntricos em variadas unidades de reabilitação dedicadas aos cuidados de crianças com paralisia cerebral para a identificação de parâmetros mais adequados às diversas condições socioculturais e assistenciais, extrapolando-se, desse modo, o enfoque nas dimensões biológica e individual.

Para tanto, será importante criar instrumentos específicos para a avaliação de suporte social e de estresse dos cuidadores em reabilitação. Tais recursos poderão contribuir para o aperfeiçoamento de serviços engajados no atendimento das populações em países desenvolvidos ou não. Em suma, essa pesquisa fornece elementos para subsidiar tal avaliação em futuras investigações.

 

Referências

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Endereço de correspondência:
Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo
Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro, Departamento de Psicologia Clínica
Brasília, DF, Brasil. CEP 70910-900
E-mail: araujotc@unb.br

Submissão: 09/06/2017
Aceite: 10/10/2018

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