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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.1 São Paulo enero/abr. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p170-185 

ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Pais em busca de diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo para o filho

 

 

Jucineide S. XavierI; Thais MarchioriII; José Salomão SchwartzmanIII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
IIIPrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo averiguou o percurso de pais em busca de diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) para seus filhos e foi realizado em duas fases. Na fase 1, foi realizada a análise de 20 prontuários de pessoas atendidas em uma clínica entre 2015-2017 e que receberam diagnóstico de TEA. Nessa amostra, constatou-se que a maioria dos pais percebeu os sintomas entre 13-24 meses; o sintoma mais relatado foi atraso na comunicação verbal; os profissionais que mais levantaram suspeita de TEA foram diferentes neuropediatras; o tratamento mais realizado foi o fonoaudiológico. Na fase 2, para complementar os achados da fase 1 e caracterizar a clínica, o banco de dados foi analisado (total de 311 casos). Nessa amostra, verificou-se que 65,5% dos casos tiveram diagnóstico de TEA; as origens da maioria dos encaminhamentos eram um único neuropediatra e os pais. Apesar de detectarem alterações em idades precoces e buscarem ajuda, os pais, algumas vezes, receberam orientações de que o desenvolvimento da criança estava adequado para a idade.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; trajetória dos pais; primeiros sintomas; tratamento; profissionais.


 

 

1. Introdução

O Transtorno do Especto Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, com etiologia multifatorial (American Psychiatric Association, 2014; Schwartzman, 2015). Presente em cerca de 1,5 milhões de brasileiros, segundo dados internacionais (Paula, Fombonne, Gadia, Tuchman, & Rosanoff, 2011), é quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas (American Psychiatric Association, 2014). Publicações recentes sobre o assunto passaram a utilizar o termo TEA, que engloba condições como o transtorno autístico, o de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento sem outras especificações que, antes, eram diagnosticadas separadamente (Zanon, Backes, & Bosa, 2014). Na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014) houve algumas alterações nos critérios diagnósticos, que passaram a ser classificados em dois: déficits na interação social e comunicação, e padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses ou atividades. O prejuízo de linguagem deixou, então, de ser um critério que define o TEA e passou para a categoria de características associadas que apoiam o diagnóstico (American Psychiatric Association, 2014).

Entre as manifestações do TEA que constam no DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014), podem ser observadas: hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais; interesse incomum para aspectos sensoriais, como indiferença a dor/temperatura e fascínio por luzes ou movimento; interesses fixos e altamente restritos; movimentos motores; insistências nas mesmas coisas, pouca tolerância à mudança, comportamentos agressivos e autoagressivos; déficit no desenvolvimento, manutenção ou compreensão de relacionamentos; prejuízo na comunicação e dificuldade para estabelecer uma conversa ou responder a interações sociais. Essa complexidade e heterogeneidade na manifestação do transtorno dificulta a sua identificação pelos pais em crianças com sintomas mais leves (Larsen, 2015). Além disso, o TEA, muitas vezes, está associado a problemas psiquiátricos, epilepsia e síndromes genéticas (Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010; Schwartzman, 2015).

Em estudo realizado com 141 pais de crianças indianas diagnosticadas com TEA, Chakrabarti (2009) observou que atraso na fala foi o sintoma que mais chamou a atenção dos pais e os levaram à busca por ajuda profissional. Noterdaeme e Hutzelmeyer-Nickels (2010) realizaram um estudo na Alemanha com 601 crianças com diagnóstico de autismo e constataram que os primeiros sintomas que os pais (que compuseram a amostra) perceberam foram prejuízos em relação à linguagem (48% dos casos) e déficit na interação social (25% dos casos). Já Sampedro-Tobón, González-González, Vélez-Vieira, & Lemos-Hoyos (2013) realizaram um estudo retrospectivo por meio de revisão de prontuários médicos e entrevistas semiestruturadas com pais de 42 crianças colombianas diagnosticadas com TEA, e verificaram que os sintomas iniciais que fizeram com que os pais desconfiassem de desenvolvimento atípico foram prejuízos na interação social, 92% dos casos, e linguagem, 50%. Segundo Cortez Bellotti de Oliveira e Contreras (2007), tanto os estudos longitudinais quanto os transversais indicam que os sintomas observados tendem a mudar conforme a idade e o nível de desenvolvimento da criança, pois alterações observadas em idades precoces, como prejuízo na comunicação não verbal, são diferentes das relatadas em idade posterior: déficit na habilidade de interação social (Becerra-Culqui, Lynch, Owen-Smith, Spitzer, & Croen, 2018).

Nos últimos anos, os pesquisadores vêm investigando, por meio de entrevistas com pais, a idade em que eles identificaram os primeiros sintomas de TEA (Zanon et al., 2014). De acordo com Visani e Rabello (2012), em 36,4% dos casos, a criança tinha 12 meses ou menos quando foram observados os primeiros sintomas; em 27,3%, 24 meses; e em 18,2%, 36 meses. No entanto, Fortea Sevilla, Escandell Bermúdez, & Castro Sánchez (2013) relatam que em 9% dos casos a suspeita de um desenvolvimento atípico se deu quando a criança tinha menos de 12 meses; 40%, entre 12 e 18 meses; 23%, entre os 24 e 36 meses e apenas 10%, após os 36 meses.

Em seu estudo, Sampedro-Tobón et al. (2013) constataram que foram os pais que perceberam os primeiros sinais do TEA (59,5% dos casos), seguidos de profissionais da educação (21,4%) e médicos (apenas 2,4% dos casos). Algumas pesquisas ressaltam a importância de ter o diagnóstico precoce para realizar o tratamento e amenizar o estresse vivenciado diariamente pelas famílias em busca de diagnóstico (Gomes, Lima, Bueno, Araújo, & Souza, 2015; Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010). Em uma revisão da literatura sobre os procedimentos de triagem adotados na Europa, García-Primo et al. (2014) discutem a questão do diagnóstico em crianças muito jovens, visto que as dificuldades em diferenciar o TEA de outros transtornos do desenvolvimento em idade muito precoce podem levar a falsos positivos. Em geral, não é possível estabelecer com segurança o diagnóstico de autismo antes dos três anos, mesmo que a criança apresente alguns sintomas do transtorno. Todavia, isso não impede que os tratamentos voltados às dificuldades da criança sejam realizados. Eles deverão ser mantidos até que os sinais e os sintomas suspeitos desapareçam ou, então, é necessário prosseguir com o diagnóstico caso fique evidente que um TEA está realmente presente (Schwartzman, 2015).

Segundo Paula et al. (2011), embora a quantidade de estudos brasileiros sobre o TEA tenha aumentado nos últimos anos, eles não estão focados em como promover o cuidado adequado no sistema de saúde. Todavia, esse cenário vem se modificando. Em 2013, por exemplo, o Ministério da Saúde lançou duas cartilhas: uma sobre diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com TEA e outra sobre a linha de cuidado para a atenção às pessoas com autismo e seus familiares no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Tais documentos ressaltam não apenas a importância da articulação entre os sistemas de saúde, a fim de promover inclusão das pessoas com TEA no mercado de trabalho, em atividades sociais e de vida diária, como também o respeito à singularidade de cada indivíduo na criação de Projeto Terapêutico Singular (Oliveira, Feldman, Couto, & Lima, 2017). Essas medidas são significativas e ajudam a nortear as condutas dos profissionais que atuam no SNS, pois, como o autismo não pode ser considerado um distúrbio raro, faz-se necessário que os órgãos públicos de educação e saúde estejam capacitados para receber e tratar as pessoas com o transtorno (Wilkinson, 2011).

Há um atraso considerável entre as primeiras preocupações parentais e a obtenção do diagnóstico de TEA. Segundo o estudo de Araujo (2012), realizado no município de Barueri (São Paulo) com 38 pais de crianças com TEA, quase 90% das famílias levaram mais de um ano para obter o diagnóstico. A pesquisa dos brasileiros Ribeiro, Paula, Bordini, Mari, & Caetano (2017), com 19 mães de crianças com autismo, constatou que, em alguns casos, a peregrinação por consultórios, hospitais e profissionais de saúde pode durar até três anos. Segundo Wilkinson (2011) e Sampedro-Tobón et al. (2013), as famílias costumam visitar, em média, quatro ou cinco profissionais da saúde para obter ou confirmar o diagnóstico. Em outras ocasiões, o número de profissionais e instituições de saúde frequentadas pode chegar a seis (Visani & Rabello, 2012).

O diagnóstico de TEA deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, isto é, por uma equipe que possua profissionais com domínio tanto das fases do desenvolvimento típico quanto dos sintomas do transtorno (Fortea Sevilla et al., 2013; Larsen, 2015). Para Cortez Bellotti de Oliveira e Contreras (2007), Favero-Nunes e Santos (2010) e Zanon et al. (2014), somado ao fato de que, muitas vezes, os profissionais que prestam assistência a crianças menores de três anos não recebem formação adequada e contínua, há carência de equipamentos de saúde especializados e, também, de equipes multidisciplinares que facilitariam a detecção dos sinais e sintomas do transtorno. É recomendado, portanto, que os profissionais adotem escalas e testes para auxiliá-los na conclusão diagnóstica, pois profissionais não adequadamente capacitados geram atraso no diagnóstico, no planejamento da intervenção, nos serviços médicos e, também, educacionais - serviços aos quais a criança deve ter acesso (Fortea Sevilla et al., 2013).

Assim, este estudo teve como objetivo geral averiguar o percurso de pais que procuraram e obtiveram o diagnóstico de TEA para seus filhos, por meio do serviço especializado de uma clínica na Universidade Presbiteriana Mackenzie. A clínica possui um protocolo específico para diagnóstico de TEA e todo processo de avaliação é realizado exclusivamente pela equipe que compõe o serviço: neuropediatra, geneticista, psicólogo, fonoaudiólogo, psiquiatra e psicopedagogo. Os objetivos específicos consistiram em identificar: a idade da criança quando os pais suspeitaram de um desenvolvimento atípico; os primeiros sintomas detectados pelos pais; quanto tempo, depois da suspeita, os pais procuraram o auxílio profissional; quais profissionais sugeriram pela primeira vez o diagnóstico de TEA; se os pais obtiveram tratamento para seus filhos e a qual tipo de intervenção tiveram acesso; a origem e a quantidade de encaminhamentos recebidos pela clínica; quantas pessoas tiveram diagnóstico de TEA. Por fim, objetivamos comparar esses dados com os achados na literatura sobre o tema.

 

2. Métodos

2.1 Amostra

Este estudo foi realizado em duas fases e por esse motivo contém duas amostras distintas. Fase 1: essa amostra foi utilizada para averiguar o percurso dos pais em busca de diagnóstico para seus filhos, objetivo geral deste estudo. Para tanto, foram analisados 20 prontuários (amostra por conveniência) referentes aos casos que tiveram diagnóstico de TEA pela clínica entre o primeiro semestre de 2015 até o primeiro semestre de 2017. Tais diagnósticos foram realizados na clínica, com a mesma equipe profissional, e os critérios do DSM-5 foram atendidos. O recorte deu-se pelo fato de a clínica ter passado por um processo de atualização dos protocolos de avaliação em 2015 e esses prontuários continham informações mais robustas e atualizadas. Como critério de exclusão nessa fase, foram descartados da amostra os casos atendidos no mesmo período que não tiveram o diagnóstico de TEA confirmado.

Fase 2: com o intuito de complementar os achados da Fase 1, realizou-se uma análise completa do banco de dados da clínica, em que constavam todos os casos atendidos no serviço entre 2005 e 2016: 311 casos. Essa ampliação na amostra foi realizada para a caracterização geral da clínica, analisando a quantidade de atendimentos realizados, o número de diagnósticos de TEA, bem como o perfil das origens dos encaminhamentos recebidos. Como o intuito dessa fase era caracterizar o serviço, nenhum caso foi excluído da amostra.

2.2 Procedimentos

Inicialmente, foram consultados arquivos físicos dos últimos casos atendidos e com diagnóstico (total de 20 prontuários) para coletar os dados referentes à idade da criança quando os pais suspeitaram de um desenvolvimento atípico, aos primeiros sintomas observados, ao profissional que levantou a suspeita de TEA e ao tratamento que a criança teve acesso após o diagnóstico. Posteriormente, foi consultado o banco de dados para caracterizar o serviço. Os dados utilizados neste estudo são provenientes de casos nos quais os pais ou os responsáveis pelos pacientes assinaram o Termo de Consentimento pós-informação (obrigatório em pesquisas com seres humanos) e foram aprovados pelo comitê de ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie sob o n. 658.06.04.

 

3. Resultados

Entre 2005 e 2016, a clínica recebeu 311 encaminhamentos (Tabela 3.1), dos quais 204 (65,5%) receberam o diagnóstico de TEA, e 107 (34,5%) não receberam. Foi possível realizar a verificação da origem dos encaminhamentos em 278 prontuários, pois alguns (11%) não continham a informação de indicação ou faziam parte de projetos de pesquisa específicos, e, nesses casos, os protocolos ficaram em posse do pesquisador responsável. Dos 278 protocolos, foi compreendido que quem mais realizou encaminhamentos foram: um único neuropediatra (18,35%), pais (18,35%), fonoaudiólogos (10,79%), psicólogos (10,07%), escolas (9,35%), indicação de outros pais, amigos ou familiares (7,55%), pediatras (3,24%), neurologistas (2,88%), psiquiatras (2,52%), outros (16,71%).

 

 

Com relação especificamente aos 20 casos atendidos entre 2015 e 2017, conforme a Tabela 3.2, em 65% dos casos os pais detectaram os primeiros sinais de comportamento atípico quando os filhos tinham entre 13 e 24 meses; em 20%, antes dos 12 meses; e 15%, entre 25 e 30 meses. Cada família relatou ter observado mais de um sinal de que o desenvolvimento da criança não estava ocorrendo dentro do esperado para a idade. Conforme a Tabela 3.2, os primeiros sintomas que chamaram a atenção dos familiares foram: o atraso na comunicação verbal (24,49%), o prejuízo na interação social (14,29%), a falta de contato visual apropriado (12,24%), a falta de resposta quando chamado (10,20%), além de outras manifestações do TEA (agrupamento de sintomas mencionados pelos pais) encontradas em 38,78% dos casos.

 

 

Assim que perceberam tais alterações no desenvolvimento de seus filhos, 40% dos pais buscaram imediatamente ajuda profissional, enquanto 35% demoraram até 6 meses para fazê-lo. Já 15% dos pais procuraram ajuda entre 7 e 12 meses e apenas 10%, com mais de 12 meses. Todavia, não foi possível mensurar quanto tempo após buscar auxílio os pais obtiveram o diagnóstico de TEA, pois os prontuários continham apenas a data da primeira triagem, sem data da conclusão diagnóstica e devolutiva para os familiares.

Na Tabela 3.3, é possível observar que os neuropediatras foram, na maioria dos casos, os primeiros profissionais a levantarem a suspeita diagnóstica de autismo (25%) - nos casos observados, tratam-se de inúmeros neuropediatras; diferentemente da Tabela 3.1, em que um único profissional foi responsável por encaminhar grande parte dos pacientes para a clínica. Em segundo lugar, foram os pediatras (20%) que suspeitaram de TEA, seguidos de psiquiatras (15%), neurologistas (10%), psicólogos (10%), entre outros (pedagogos; pesquisas na internet realizadas sobre o assunto pelo paciente adulto; os próprios pais da criança, pois o pediatra não concordava com a suspeita; médicos clínicos) em 20% dos casos. Entretanto, como a amostra foi composta por prontuários, cujos pacientes tinham diagnóstico de TEA entre 2015 e o primeiro semestre de 2017, não foi possível verificar, em dois dos casos diagnosticados no primeiro semestre de 2017, o tipo de tratamento que a criança teve acesso, uma vez que o diagnóstico era recente. Dessa forma, do total de 20 prontuários analisados, obteve-se a informação sobre o tipo de tratamento em 18 deles. Cada criança teve acesso a mais de um tipo de intervenção após receber o diagnóstico (Tabela 3.3), sendo elas: fonoaudiológica (34,15%); psicológica (21,95%); psicológica, baseada na abordagem Applied Behavior Analysis - ABA (12,20%); terapêutica ocupacional (17,07%); outras, como CAPSi, APADE, Projeto Quixote (14,63%).

 

 

4. Discussão

Uma das principais fontes de encaminhamento para a clínica, conforme Tabela 3.1, foi um único neuropediatra especialista em TEA. Esse dado pode justificar o fato de que 65,5% dos pacientes foram diagnosticados com o transtorno, pois a população que chega à clínica por intermédio desse profissional é altamente indicativa de TEA. Como o autismo é um transtorno bastante heterogêneo na sua manifestação, o diagnóstico só é concluído quando há um consenso entre a equipe multiprofissional. Ainda na Tabela 3.1, constata-se que 34,5% dos casos não obtiveram nenhum diagnóstico, pois a clínica realiza, exclusivamente, investigação e diagnóstico de autismo. Assim, quando existe a suspeita que se trata de outro distúrbio do desenvolvimento, os profissionais informam aos pais que a criança não tem autismo e os orientam a buscar outros locais ou profissionais para continuar investigando a condição do filho.

Os pais são os primeiros a suspeitar de algo diferente no desenvolvimento da criança. Na pesquisa de Fortea Sevilla et al. (2013), por exemplo, em 79% dos casos, foi a própria família que percebeu um desenvolvimento atípico; em 15%, os profissionais de educação; e em 6%, os profissionais da saúde (4% pediatras e 2% psicólogos). Do total de pais (51 casos, que equivalem a 18% da amostra) que buscaram espontaneamente a clínica para obter o diagnóstico, 82% eram mães. Segundo Favero-Nunes & Santos (2010) e Gomes et al. (2015), são elas que buscam auxílio profissional e, frequentemente, assumem a responsabilidade de cuidar da criança, abdicando, muitas vezes, da carreira profissional para ter mais tempo para se dedicar exclusivamente ao filho, fator que pode, de acordo com os autores, gerar uma sobrecarga física e emocional.

Araujo (2012) apurou que, em média, os primeiros sintomas são observados por volta de 21 meses de idade. Esses dados somam-se aos descritos tanto por pesquisas nacionais quanto internacionais, como Chakrabarti (2009), Cortez Bellotti de Oliveira e Contreras (2007), Noterdaeme e Hutzelmeyer-Nickels (2010), Ribeiro et al. (2017) e Sampedro-Tobón et al. (2013), na qual a idade média em que os pais relataram uma suspeita no desenvolvimento do filho foi entre 12 e 24 meses. Tais dados condizem com o achado do presente estudo, que apontou (Tabela 3.2), em 65% dos casos, que os pais foram mais sensíveis para detectar sinais de desenvolvimento atípico quando o filho tinha entre 13 e 24 meses. De modo geral, os estudos, tanto este quanto os citados anteriormente, mostram que a época em que os pais mais observam sinais de TEA nos filhos são nos primeiros 24 meses de vida deles.

A principal queixa relatada pelos pais (Tabela 3.2) foi o atraso na comunicação verbal (24,49%), seguida pelo prejuízo na interação social (14,29%), a falta de contato visual apropriado (12,24%), a falta de resposta por parte da criança quando chamada (10,20%), ao lado de outras manifestações do TEA presentes em 38,78% dos casos. Nessa amostra de 20 famílias brasileiras, os primeiros sintomas que os pais perceberam em seus filhos foram semelhantes aos observados por outras famílias ao redor do mundo, visto que atraso na comunicação verbal também é relatado na pesquisa do brasileiro Rodrigo Araujo (2012) como a principal queixa em 42,1% dos casos. Além disso, estudos realizados na Índia (Chakrabarti, 2009), Alemanha (Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010), Brasil (Ribeiro et al., 2017) e Colômbia (Sampedro-Tobón et al., 2013) também relatam prejuízos de linguagem como queixa frequente nas suas amostras, além de déficits em relação à interação social (Noterdaeme & Hutzelmeyer-Nickels, 2010; Sampedro-Tobón et al., 2013).

Em seu estudo, Sampedro-Tobón et al. (2013) observaram que o neurologista infantil foi o profissional que mais realizou o diagnóstico de autismo. Araujo (2012) também relata que foi o neurologista quem mais sugeriu o TEA como diagnóstico e, além disso, em 60,5% dos casos, os primeiros profissionais a quem os pais recorreram não deram nenhuma hipótese diagnóstica. Logo, os dados encontrados neste estudo, conforme a Tabela 3.3, diferem dos achados de Araujo (2012) e Sampedro-Tobón et al. (2013), pois os neuropediatras foram os primeiros profissionais a suspeitarem de autismo em 25% dos casos; seguido pelos pediatras (20%); outras fontes (somado profissões como pedagogo; médico sem especialização definida; pesquisas na internet e pais) em 20% dos casos; psiquiatras (15%); psicólogos (10%) e neurologistas (10%). Embora a diferença entre os achados deste estudo e os citados por Araujo (2012) e Sampedro-Tobón et al. (2013) possa indicar uma possível mudança no perfil dos profissionais que primeiro detectam o autismo, seria interessante a realização de uma pesquisa com amostra maior para confirmar se os profissionais da primeira infância realmente estão mais atentos aos sinais que indicam distúrbios no desenvolvimento.

Três das famílias que compuseram a amostra deste estudo relataram que, após desconfiarem que houvesse algo de errado no desenvolvimento dos filhos, procuraram auxílio, mas os profissionais consultados não concordaram com suas suspeitas. Uma delas contou que o pediatra informou que não havia nada atípico com o desenvolvimento da criança. Não satisfeita, a família buscou a clínica e teve confirmação da suspeita de autismo. Infelizmente, esses relatos não são isolados; em suas pesquisas, os brasileiros Araujo (2012) e Ribeiro et al. (2017) também descrevem um cenário de desamparo semelhante: ao buscarem ajuda, muitas vezes, os pais receberam orientações de que não havia motivos para se preocuparem. Segundo Ribeiro et al. (2017), a não valorização das percepções dos pais sobre o desenvolvimento do filho, por parte dos pediatras, pode contribuir para o atraso do diagnóstico formal de TEA.

Os pesquisadores Araujo (2012), Chakrabarti (2009), Fortea Sevilla et al. (2013) e Ribeiro et al. (2017) apresentam em seus estudos dados que mostram que, em muitos casos, o pediatra é o primeiro profissional ao qual os pais levam seus filhos em busca de um diagnóstico de TEA, embora não seja esse profissional que, geralmente, sugira o transtorno como diagnóstico. Em 2017, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 13.438, de 26 de abril de 2017, que torna obrigatória a adoção por parte do SNS de instrumentos ou protocolos para avaliar todas as crianças nos primeiros 18 meses de vida. A expectativa é que, com essa obrigatoriedade, os pediatras que atuam no SNS fiquem mais amparados instrumentalmente para a realização de diagnósticos.

Com relação ao tratamento, de acordo com a Tabela 3.3, todas as crianças tiveram acesso a mais de um tipo de intervenção, e a maioria realizou ou realiza um acompanhamento fonoaudiológico (34,15%), psicológico (21,95%), terapêutico ocupacional (17,07%), na categoria "outros" na tabela de resultados tratamento em instituições de atendimento infantil (14,63%) e tratamento psicológico (12,20%) baseado no método ABA. A principal queixa trazida pelos pais dessas crianças e que os fizeram buscar ajuda foi o atraso na comunicação verbal. Esse atraso pode ter contribuído para que os pais buscassem, por conta própria ou por intermédio de outros profissionais, a terapia fonoaudiológica para seus filhos. Tal hipótese explicaria o fato de o tratamento fonoaudiológico ter sido o mais realizado pelos pacientes após obterem o diagnóstico.

Por ser um estudo baseado em recordações dos pais sobre a idade e os primeiros sintomas observado nos filhos e conter uma amostra pequena, não se pode afirmar que há uma imagem completa do percurso que eles percorreram desde a suspeita até o diagnóstico da criança. Embora seja necessário um estudo com uma amostra maior para obter um panorama mais completo da trajetória dos pais em busca do diagnóstico, este trabalho permitiu observar que mais da metade da população que procurou a clínica da Universidade Presbiteriana Mackenzie para investigar a condição do filho obteve diagnóstico de TEA. Além disso, a maioria dos pais apresentou boa percepção do desenvolvimento da criança, uma vez que conseguiram identificar sinais de autismo (frequentemente atraso na comunicação verbal) quando elas tinham, na maioria das vezes, entre 13 e 24 meses. Ademais, verificou-se que os neuropediatras foram os profissionais que sugeriram pela primeira vez o diagnóstico de TEA e que o tratamento fonoaudiológico foi o mais realizado após o diagnóstico. Além disso, a maioria dos dados encontrados na literatura sobre o tema foi corroborada por este estudo. Apesar de detectarem alterações em idades precoces e buscarem ajuda de outros pais, algumas vezes, receberam orientações de que o desenvolvimento da criança estava ocorrendo dentro do esperado para a idade. Dessa maneira, é necessário que os profissionais que atuam na infância estejam atentos não só aos sinais de distúrbios, como também às queixas trazidas pelos pais, pois são eles que convivem diariamente com a criança e, na maioria das vezes, percebem o desenvolvimento atípico.

 

Referências

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Endereço de correspondência:
Jucineide S. Xavier
Rua Itápolis, 188, Cotia
São Paulo, SP, Brasil. CEP 06716-235
E-mail: juxavier03@gmail.com

Submissão: 18/12/2017
Aceite: 14/11/2018

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