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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.1 São Paulo jan./abr. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p265-281 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Clima escolar e satisfação com a escola entre adolescentes de ensino médio

 

 

Clara C. de A. CoelhoI; Débora D. Dell'AglioII

IDepartamento de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
IIDepartamento de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade La Salle

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou relações entre clima escolar e satisfação de adolescentes com a escola, a partir de uma amostra de 504 estudantes matriculados no ensino médio de escolas públicas. Os estudantes responderam à Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Adolescentes e à Delaware School Climate Survey. Uma análise de regressão múltipla, utilizando-se o método forward, identificou um modelo com três domínios do clima escolar que contribuíram para a explicação de 30% da variação da satisfação com a escola (p < 0,001): relacionamento professor-estudante (β = 0,28), justeza das regras e clareza de expectativas (β = 0,21) e relacionamento estudante-estudante (β = 0,17). Os resultados sugerem que os relacionamentos, assim como a estrutura oferecida no ambiente escolar, são fundamentais para a explicação da satisfação com a escola. Além disso, os resultados indicam que a melhoria da satisfação dos estudantes com a escola pode ocorrer por meio de aspectos relacionados ao clima escolar, com destaque para a relação professor-estudante.

Palavras-chave: satisfação escolar; clima escolar; desenvolvimento positivo; adolescência; relação professor-estudante.


 

 

1. Introdução

O estudo da satisfação de vida insere-se em uma perspectiva que enfatiza aspectos saudáveis e positivos do desenvolvimento, em diferentes etapas do ciclo vital. Satisfação de vida tem sido relacionada à avaliação cognitiva da vida do indivíduo, feita pela própria pessoa, em diferentes domínios (Segabinazi, Giacomoni, Dias, Teixeira, & Moraes, 2010). Entre os domínios específicos da satisfação com a vida em adolescentes, encontra-se a satisfação com a escola, com a família e com o lazer. No Brasil, de modo geral, os jovens apresentam bons níveis de satisfação com a vida (Segabinazi et al., 2010), o que corrobora os achados da literatura internacional (Huebner & McCullough, 2000; Huebner, Gilman, Reschly, & Hall, 2009). No entanto, entre os domínios específicos da satisfação de vida para adolescentes, a escola tem sido aquele a apresentar as menores médias, em estudos nacionais e internacionais (Huebner & McCullough, 2000; Segabinazi et al., 2010). A baixa satisfação com as experiências escolares tem gerado questionamentos relacionados ao papel das escolas na prevenção e promoção de saúde dos adolescentes. Como os jovens passam a maior parte do tempo na escola, esse contexto deve ser considerado um cenário-chave para intervenções destinadas à promoção do bem-estar dos alunos.

A satisfação com a escola associa-se à avaliação feita pelos próprios estudantes sobre como se sentem em relação àquele ambiente, considerando a importância da escola, da comunidade escolar e dos relacionamentos interpessoais vivenciados nesse contexto (Huebner & McCullough, 2000). Essa medida, no entanto, é complexa e não linear, uma vez que a percepção do aluno acerca da experiência escolar não deriva apenas de acontecimentos e sentimentos referentes à escola em si. De fato, outras experiências de vida relacionadas à família, aos amigos, ao lazer e à saúde física e mental podem estar afetando esse julgamento. Estudos têm demonstrado a relevância de variáveis contextuais e individuais (autopercepções, recursos individuais) para melhor compreender a satisfação do estudante com sua experiência escolar. Entre as evidências empíricas existentes, alguns dos principais fatores que se correlacionam com a satisfação com a escola são a idade e o desempenho escolar (Alves, Zappe, Patias, & Dell'Aglio, 2015), o sentimento de autoestima (Karatzias, Power, Flemming, Lennan, & Swanson, 2002), o suporte/apoio dos professores e colegas, a autoeficácia geral e acadêmica (Suldo, Bateman, & Gelley, 2014), as expectativas de futuro (Alves et al., 2015) e o clima escolar (Suldo, Thalji-Raitano, Gelley, & Hoy, 2013). Além desses fatores, em pesquisa longitudinal, os estudantes que reportaram mais experiências positivas na escola também registraram maiores níveis de saúde mental e física, e foram menos propensos a engajamento em comportamentos de risco, como abuso de álcool (Huebner et al., 2009).

A partir dessa perspectiva positiva, a avaliação do processo de escolarização (resultados escolares) não deve se centrar apenas em variáveis referentes ao sucesso acadêmico. É importante considerar resultados mais abrangentes, incluindo variáveis não acadêmicas, como a percepção dos alunos sobre a qualidade de seus ambientes escolares, bem como o seu bem-estar psicológico (Huebner et al., 2009). Pesquisas têm demonstrado que as experiências escolares e os níveis de satisfação com a escola influenciam os níveis de satisfação global com a vida e de bem-estar (Suldo et al., 2013). Desse modo, é importante buscar compreender quais fatores promovem a satisfação com a escola para os estudantes.

O clima escolar tem sido associado a importantes resultados escolares. Evidências crescentes sugerem que o clima escolar pode afetar os níveis de aprendizagem e o desempenho acadêmico dos estudantes. Segundo estudo da Organization of Economic Cooperation and Development (OECD, 2017), o clima escolar foi o elemento que mais explicou a variação dos resultados de desempenho entre as escolas pesquisadas. Além disso, o ambiente ou o clima escolar no qual os estudantes convivem podem predizer e promover satisfação deles com a vida e satisfação com a escola (Suldo et al., 2013). Quase todas as definições de clima escolar incluem referência à importância das relações interpessoais positivas. Por exemplo, Aldridge et al. (2016) definem clima escolar como a qualidade das interações com a comunidade escolar que influencia o desenvolvimento cognitivo, social e psicológico dos alunos. Outras definições incluem a importância de alunos e funcionários sentirem-se psicológica e fisicamente seguros nesse ambiente (Cohen, Mccabe, & Michelli, 2009).

Apesar de não ser um conceito novo, o interesse pelo estudo do clima escolar tem aumentado não apenas entre os pesquisadores da área, mas entre educadores que objetivam a construção de políticas públicas baseadas nos aspectos de prevenção de comportamentos indesejados e na promoção de saúde no ambiente escolar (Bear et al., 2015). No entanto, a maior parte dos estudos e das intervenções baseadas no construto de clima escolar, assim como sobre satisfação com a escola, é conduzida nos Estados Unidos e no Canadá, e pouco se sabe sobre esses conceitos em outros contextos, incluindo a realidade brasileira (Holst, Weber, Bear, & Lisboa, 2016). Em uma revisão de literatura conduzida por Holst et al. (2016), foi encontrado apenas um estudo no contexto brasileiro, o qual utilizou uma medida de clima escolar, mas, ainda assim, não foi apresentada nenhuma evidência da adaptação do instrumento utilizado (originalmente construído para o contexto canadense) ou da validade e da fidedignidade de seus resultados.

No presente estudo, a medida do clima escolar baseia-se na perspectiva de Stockard e Mayberry (1992) e nas teorias que abordam a forma de disciplina autoritativa (Baumrind & Larzelere, 2010). Ambas as teorias compartilham a visão de que a qualidade do clima escolar e da disciplina entre os alunos são compostas por duas dimensões: suporte e estrutura. O suporte refere-se ao grau em que adultos e pares se mostram responsivos, ou seja, demonstram aceitação, cuidado e atenção às necessidades emocionais do adolescente; a estrutura, por sua vez, indica o nível em que, na escola, há clareza de expectativas e das regras, monitoramento e supervisão dos comportamentos dos alunos, por exemplo.

Tradicionalmente, diversos estudos sobre o contexto escolar enfatizam a identificação de déficits psicológicos ou problemas comportamentais dos adolescentes, em lugar de suas forças e habilidades (Clonan, Chafouleas, Mcdougal, & Riley-Tillman, 2004). Tal ênfase pode levar pesquisadores, profissionais e gestores de políticas voltadas a esse público a se preocuparem em atuar somente junto às "limitações" dos jovens, em vez de buscar promover suas potencialidades nos diferentes contextos em que o jovem está inserido. A partir de uma perspectiva que considera marcadores favoráveis ao desenvolvimento positivo (Clonan et al., 2004; Dawood, 2013), procura-se destacar aspectos que promovam saúde e bem-estar na vida estudantil, em vez de considerar apenas problemas e déficits. No ambiente escolar, isso implica a atenção a modelos de prevenção e promoção da saúde que proporcionem aos estudantes ambientes social e psicologicamente saudáveis.

Nesse sentido, considerando a escola como um espaço privilegiado para o desenvolvimento saudável do adolescente, buscou-se encontrar determinantes e correlatos da satisfação dos adolescentes nesse importante ambiente. Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar a satisfação com a escola em estudantes do ensino médio, considerando as variáveis sociodemográficas (sexo, ano escolar, tipo de escola, repetência, situação laboral), e identificar quais as dimensões do clima escolar melhor explicam a satisfação dos estudantes com a escola.

 

2. Método

2.1 Participantes

Participaram deste estudo 504 adolescentes, sendo 58,3% do sexo feminino e 41,7%, do masculino, com idades entre 14 e 19 anos (M = 15,88; DP = 0,88). Os participantes estavam cursando entre o primeiro e o terceiro ano do ensino médio em escolas da rede pública da cidade de Sobral, CE, sendo 58,5% da amostra advinda de escolas profissionais e 41,5%, escolas regulares.

Da amostra total que completou a pesquisa, dez sujeitos foram excluídos por terem respondido "discordo" ou "discordo muito" no item de validade que consta na pesquisa: "Estou falando a verdade neste questionário". Não foram utilizados outros critérios de exclusão. Assim, a amostra final consistiu de 494 estudantes matriculados nas séries do ensino médio, 1º ano (n = 238; média de idade = 15,27; DP = 0,62), 2º ano (n = 184; média de idade = 16,15; DP = 0,56) e 3º ano (n = 72; média de idade = 17,15; DP = 0,46). Dos participantes, 10,4% trabalhavam e 8,2% já havia reprovado em alguma etapa da escolarização. A amostra foi composta por conveniência e foram incluídas seis escolas de diferentes regiões da cidade de Sobral.

2.2 Instrumentos

Questionário sociodemográfico: investiga as características biossociodemográficas de cada participante (sexo, série, tipo de escola, repetência, situação laboral).

Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Adolescentes - EMSV (Segabinazi et al., 2010): escala composta por 52 itens divididos em sete componentes - família, amigos, self, escola, self-comparado, não violência e autoeficácia. Para o presente estudo, foi utilizada apenas a subescala satisfação com a escola, que inclui itens que descrevem a importância da escola, do ambiente escolar, dos relacionamentos interpessoais nesse espaço e o nível de satisfação em relação a esse ambiente, tais como "eu me sinto bem na minha escola", "meus professores são legais comigo", entre outros. Os itens são respondidos por meio de uma escala do tipo Likert com cinco opções de resposta, variando de 1 (nem um pouco) a 5 (muitíssimo). No estudo de Segabinazi et al. (2010), foi encontrada uma adequada consistência interna da escala (α = 0,93), assim como na subescala satisfação com a escola (α = 0,85).

Delaware School Climate Survey - Versão Estudante (Holst et al., 2016): o instrumento é composto por 35 itens (excluindo dois itens de validade) distribuídos em seis subescalas - relacionamento professor-estudante; relacionamento estudante-estudante, justeza das regras e clareza de expectativas, segurança na escola, bullying e engajamento estudantil. Cada subescala é composta por 4 a 6 itens, respondidos por meio de uma escala Likert com quatro opções de resposta, variando de 1 (discordo muito) a 4 (concordo muito). O estudo de adaptação do instrumento para a realidade brasileira apresentou boa consistência interna, com alfa de Cronbach de 0,86 (Bear et al., 2015).

2.3 Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS, sob o protocolo n. 1.588.302. Foi realizado o contato com a Secretaria Estadual de Educação do Ceará, que autorizou a coleta de dados nas escolas. Após isso, o projeto de pesquisa foi apresentado nas escolas participantes e foi obtida a assinatura do termo de concordância de cada escola. As seis escolas públicas foram selecionadas por conveniência, em diferentes regiões da cidade de Sobral. Foi solicitado o Termo se Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os pais ou cuidadores e o termo de assentimento para os adolescentes que concordaram em participar. A aplicação dos instrumentos foi realizada de forma coletiva, em auditórios das escolas ou na sala de aula dos participantes, conforme disponibilidade da escola.

Por meio do software SPSS (versão 21), realizou-se testes t de Student e análise de variância (Anova) para comparar as médias de satisfação com a escola em diferentes subgrupos da amostra (sexo, ano escolar, tipo de escola, atividade laboral e repetência). Após essa análise, calculou-se o tamanho de efeito das diferenças entre os grupos. Foram também analisadas as correlações entre as variáveis (Pearson). Posteriormente, foram testados modelos de regressão stepwise (forward), tendo como variáveis explicativas as dimensões do clima escolar e variável de desfecho, a satisfação com a escola.

 

3. Resultados

As médias e desvios padrão referentes às variáveis de interesse são apresentadas na Tabela 3.1.

 

 

Em seguida, realizou-se testes t para amostras independentes ou Anovas para comparar as médias nos escores de satisfação escolar em subgrupos da amostra. Não houve diferença estatisticamente significativa nos escores de satisfação escolar entre homens (M = 23,17; DP = 4,52) e mulheres (M = 23,16; DP = 3,87), t(386,94) = 0,25, p = 0,80; nem entre aqueles que trabalham (M = 24,18; DP = 4,16) e aqueles que não (M = 23,03; DP = 4,14), t(488) = 1,49, p = 0,13. No entanto, encontrou-se diferença estatisticamente significativa na média dos escores de satisfação escolar entre quem repetiu (M = 21,92; DP = 4,34) e quem não repetiu de ano (M = 23,32; DP = 4,13), t(490) = 2,05, p = 0,04, d = 0,33; e entre quem estuda em escola regular (M = 22,46; DP = 4,39) e quem estuda em escola profissional (M = 23,65; DP = 3,92), t(387,38) = 3,19, p = 0,002, d = 0,28. Os alunos que não repetiram de ano e que estudavam em escolas profissionais obtiveram médias de satisfação escolar mais elevadas. O tamanho de efeito (d) para a diferença entre as médias de satisfação escolar foi pequeno entre os grupos repetência e tipo de escola. Além disso, uma Anova indicou diferenças na satisfação escolar entre os alunos nas diferentes séries do ensino médio, F(2, 490) = 5,35, p = 0,005. Por meio de um teste post hoc de Bonferroni, identificou-se que essa diferença ocorreu entre os alunos de 1º ano (M = 23,33; DP = 3,82) e 3º ano (M = 21,79; DP = 5,36), p = 0,017, d = 0,33, e entre os alunos de 2º ano (M = 23,66; DP = 3,91) e 3º ano (M = 21,79; DP = 5,36), p = 0,004, d = 0,40. Os alunos que cursavam o 1º ano e 2º ano obtiveram médias de satisfação com a escola mais elevadas em relação aos que cursavam o 3º ano. O tamanho de efeito (d) para as diferenças entre as médias de satisfação escolar foi pequeno entre os alunos do primeiro e terceiro ano e médio entre os alunos de segundo e terceiro ano.

A partir da análise de correlações de Pearson (dispostas na Tabela 3.2), observou-se que todas as dimensões do clima escolar apresentaram correlação estatisticamente significativa com a variável satisfação com a escola, o que permitiu que pudessem ser incluídas posteriormente na análise de regressão.

 

 

Com o objetivo de investigar quais das dimensões de clima escolar melhor explicam a variância nos escores de satisfação escolar, realizou-se uma regressão linear múltipla, utilizando-se o método forward (para frente) para a entrada das variáveis no modelo. Esse método de entrada de variáveis é utilizado para situações em que se busca analisar os dados de forma exploratória (Field, 2009). De acordo com esse método, a variável que entra na primeira etapa da regressão é aquela que melhor prevê a variável de desfecho, pois apresenta maior correlação simples. Nas etapas sucessivas, cada previsor, partindo do que tem o maior coeficiente de correlação semiparcial com a variável de desfecho e que aumentam de modo estatisticamente significativo a habilidade do modelo prever a variável de saída, é incorporado. As variáveis que não atendem à esse requisito, são descartadas do modelo.

Para realizar essa análise de regressão, as seis variáveis que compõem o clima escolar foram selecionadas como possíveis preditoras de satisfação com a escola. Os dados dessa análise estão apresentados na Tabela 3.3.

 

 

Na Etapa 1, a variável relação professor-estudante permaneceu no modelo, com F(1, 481) = 168,22, p < 0,001, explicando 25% da variação do clima escolar. Na Etapa 2, permaneceram as variáveis relação professor-estudante e justeza das regras e clareza das expectativas, com F(2, 480) = 98,53, p < 0,001, explicando 29% da variação. Por fim, na Etapa 3, o modelo incluiu as variáveis relação professor-estudante, justeza das regras e clareza das expectativas e relação estudante-estudante, com F(3, 479) = 71,37, p < 0,001. Apesar de todos os modelos terem sido estatisticamente significativos, o modelo disposto na Etapa 3 explicou o maior percentual de satisfação com a escola (30% da variação). No entanto, pode-se observar que a relação professor-estudante é a variável mais importante para explicar o clima escolar, pois as demais variáveis que se mostraram significativas na Etapa 3 pouco acrescentaram ao poder explicativo do modelo. As demais variáveis de clima escolar não entraram no modelo final por não terem contribuído de forma estatisticamente significativa com a habilidade do modelo de prever satisfação com a escola, após a inclusão das variáveis anteriormente mencionadas.

 

4. Discussão

O objetivo do presente estudo foi investigar a satisfação com a escola em estudantes do ensino médio e identificar quais as dimensões do clima escolar explicam melhor a satisfação dos estudantes com a escola. Com relação às características sociodemográficas investigadas no estudo, não foi observada diferença significativa nos níveis de satisfação escolar entre homens e mulheres. Outros estudos (Huebner et al., 2009, Zullig, Huebner, & Patton, 2011) também não encontraram variação por sexo para níveis de satisfação com a escola, tampouco houve diferença significativa entre os níveis de satisfação escolar e a atividade laboral dos estudantes. Uma hipótese é que as relações que ocorrem dentro do ambiente escolar podem ser mais determinantes para a avaliação das experiências nesse contexto (Suldo et al., 2013). Os alunos das escolas profissionais obtiveram melhores níveis de satisfação com a escola. Com relação ao público das escolas regulares, essas escolas apresentam, no geral, menores índices de reprovação, evasão e distorção idade/série e melhores notas no ensino fundamental (Inep, 2015). Esses fatores estão relacionados a melhores níveis de satisfação com a escola. No entanto, uma avaliação mais aprofundada das práticas pedagógicas e relações interpessoais que se estabelecem nas diferentes escolas pesquisadas são necessárias para entender essas diferenças.

Foi observada menor média nos níveis de satisfação com a escola entre aqueles alunos que repetiram de ano pelo menos uma vez durante sua escolaridade em comparação com os que não repetiram. Ainda que não seja possível estabelecer uma relação causal entre repetência e baixos níveis de satisfação com a escola, essa associação entre as variáveis sugere que a estratégia da repetência deve ser utilizada com o suporte adequado da escola, de forma a reduzir possíveis consequências sociais e psicológicas que afetem negativamente a relação do estudante com o ambiente escolar. Houve também diferença significativa nos níveis de satisfação escolar entre os níveis de escolaridade, e os alunos de primeiro e segundo ano obtiveram maior satisfação com a escola se comparados aos alunos de terceiro ano. Esse resultado é consistente com achados anteriores, que indicam diminuição na satisfação ao longo do percurso escolar (Karatzias et al., 2002). Possíveis explicações para esse declínio na satisfação com a escola podem decorrer do aumento das exigências acadêmicas ou mesmo da redução da atenção individual por parte dos professores, além de preocupações com o futuro (Madjar & Cohen-Malayev, 2016).

A avaliação conjunta do clima escolar e da satisfação com a escola permitiram determinar quais variáveis do clima escolar (e em que medida) estão relacionadas significativamente com a satisfação dos alunos na escola. Este estudo confirmou pesquisas anteriores, que sugerem que existem diferenças na percepção do clima escolar (por exemplo, relações professor-aluno, relações entre pares) entre os alunos que gostam e os que não gostam da sua experiência escolar (DeSantis, Huebner, & Suldo, 2006; Huebner et al., 2009).

Os resultados deste estudo apontam quais as dimensões do clima escolar têm potencialmente maiores chances de aumentar a satisfação dos alunos com a escola e melhorar a experiência escolar. Os resultados das análises de regressão múltipla indicam que as dimensões de clima escolar que melhor explicaram a variância nos escores de satisfação com a escola foram relacionamento professor-estudante, justeza das regras e clareza das expectativas e relacionamento estudante-estudante. Em contraste, as dimensões segurança na escola, bullying e engajamento não foram significativas para explicar a variação na satisfação escolar dos participantes do estudo. Apesar de tais dimensões de clima escolar também serem relevantes por se correlacionarem positivamente com a satisfação com a escola, elas não acrescentaram poder explicativo ao modelo encontrado após as variáveis anteriores terem sido incorporadas.

Os resultados apontaram a importância das relações interpessoais (professores e pares) na escola para a satisfação dos estudantes com esse contexto. Com efeito, as definições de clima escolar presentes na literatura enfatizam a importância de boas relações interpessoais como um aspecto central para a percepção de um bom clima escolar pelos estudantes (Bear et al., 2015; Cohen et al., 2009). Esses resultados estão de acordo com pesquisas anteriores conduzidas com estudantes norte-americanos e japoneses. Ito e Smith (2006) demonstraram que um clima escolar positivo em que os estudantes se sentem respeitados, incentivados e apoiados na escola por seus professores e pares foi o melhor preditor de satisfação escolar. No presente estudo, a qualidade da relação professor-estudante teve destaque para explicar a variação nos escores de satisfação com a escola dos estudantes. Com efeito, os estudantes que se sentiram mais satisfeitos em suas escolas perceberam seus professores como cuidadosos, respeitosos e capazes de fornecer suporte quando necessário. No contexto escolar, os estudantes que percebem seus professores e pares como fontes de suporte têm maior probabilidade de apresentar melhor desempenho acadêmico e mais engajamento nas atividades escolares (OCDE, 2017).

Com relação à dimensão justeza das regras e clareza de expectativas, Cohen et al. (2009) destacam a importância de os estudantes se sentirem emocional e fisicamente seguros como aspectos centrais do clima escolar. Neste estudo, a justeza das regras e clareza de expectativas, que, segundo os autores, são aspectos que conferem segurança emocional aos estudantes, adicionaram mais explicação à satisfação dos alunos com a escola do que a segurança física, representada pela subescala segurança na escola. Estudos anteriores também encontraram que a percepção da escola como um ambiente ordenado, cujos estudantes seguem as regras e sabem o que é esperado deles naquele contexto, está relacionada a melhores níveis da satisfação dos alunos com a escola (Suldo et al., 2013).

Apesar das variáveis bullying, segurança na escola e engajamento com a escola serem consideradas, em geral, relevantes no contexto escolar, não acrescentaram poder explicativo ao modelo encontrado. Neste estudo, a subescala utilizada para medir o engajamento com a escola inclui itens referentes apenas ao engajamento comportamental e cognitivo (por exemplo, prestar atenção às aulas, entregar os temas de casa). Provavelmente, o engajamento emocional (como gostar do ambiente escolar, ter sentimento de pertencimento e de identificação com a escola) estaria mais relacionado com a satisfação com a escola, mas não é incluído no instrumento utilizado.

 

5. Conclusões

Neste estudo, tanto a dimensão de suporte (relacionamento professor-estudante e relacionamento estudante-estudante) quanto a de estrutura (justeza e clareza das expectativas) foram relevantes para a explicação da satisfação dos estudantes com a escola. Esse resultado está de acordo com estudos que baseiam teoricamente o instrumento de clima escolar (Baumrind & Larzelere, 2010; Stockard & Mayberry, 1992). No entanto, considerando que o modelo encontrado neste estudo explicou apenas 30% da variância da satisfação com a escola, é importante que pesquisas futuras possam investigar quais variáveis adicionais poderiam explicar de forma mais completa a satisfação com a escola para os estudantes no contexto brasileiro, incluindo aspectos relativos ao engajamento emocional.

Com relação às limitações do presente estudo, destaca-se que o método de amostragem utilizado não permite a generalização dos resultados, uma vez que as escolas e os alunos foram escolhidos por conveniência, em uma cidade no interior do estado do Ceará. Além disso, o estudo concentrou-se inteiramente nas percepções dos estudantes, não considerando outras fontes de informação, tais como professores, equipe diretiva e a família dos participantes. Futuras pesquisas precisam ser conduzidas com outras populações em diferentes regiões do país, de forma que os resultados possam ser representativos ou generalizáveis. Pesquisas futuras devem incorporar diferentes fontes de evidências, o que permitiria também a triangulação dos dados. Além disso, estudos longitudinais também são recomendados para examinar essas variáveis ao longo do tempo e estabelecer relações causais.

Apesar dessas limitações, esta pesquisa tem implicações para os profissionais da escola. A investigação sobre a satisfação dos alunos com a escola e o clima escolar possibilita a análise de padrões de interações sociais presentes no contexto escolar que interferem no cotidiano dos envolvidos no processo pedagógico, aspectos fundamentais na dinâmica educativa. Além disso, o presente estudo destaca a centralidade do relacionamento professor-estudante, a justeza das regras e a clareza das expectativas e o relacionamento estudante-estudante como dimensões-chave que podem guiar propostas de intervenção com a finalidade de promover a melhoria da satisfação dos alunos com a escola, aumento da motivação, dos resultados acadêmicos, do sentimento de bem-estar geral e da autoestima discente, conforme enfatizado na literatura (OCDE, 2017). Por fim, esta pesquisa sugere os benefícios de incluir, em avaliações mais abrangentes das experiências escolares dos alunos, medidas referentes à percepção dos sujeitos do ambiente escolar (clima escolar), bem como medidas de diferenças individuais (satisfação escolar), além de destacar a importância das relações interpessoais nesse contexto.

 

Referências

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Endereço de correspondência:
Clara Cela de Arruda Coelho
Av. Bagé, 379, apt. 403, Petrópolis
Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90460-080
E-mail: claracela@gmail.com

Submissão: 29/01/2018
Aceite: 14/11/2018

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