SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 issue1Family secret and artistic-expressive resources in family psychotherapy: a theoretical-clinical study author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p328-343 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Ansiedade e depressão em familiares de pessoas internadas em terapia intensiva

 

 

Gabriella M. FonsecaI; Katia S. FreitasII; Aloisio M. da S. FilhoIII; Pollyana P. PortelaIV; Elaine G. FontouraV; Marluce A. N. OliveiraIV

IDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
IIDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
IIIDepartamento de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
IVDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
VDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
VIDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudo transversal que objetivou analisar a prevalência de ansiedade e depressão em familiares de pessoas internadas em unidade de terapia intensiva, bem como os fatores associados. Participaram 135 familiares de pessoas adultas, hospitalizadas no interior da Bahia. Foram aplicadas as fichas de dados sociodemográficos e a Escala de Hospitalar de Ansiedade e Depressão. Dos familiares participantes, 39,3% apresentaram sintomas de ansiedade e 28,9%, sintomas de depressão. Segundo o modelo de regressão logística, ser familiar com idade inferior a 40 anos (OR 2,20, IC 1,049-4,6540, p = 0,037) e morar com o parente internado (OR 2,37, IC 1,121-5,024, p = 0,024) pode ser associado à presença de sintomas de ansiedade. Quanto à depressão, a prevalência está associada ao grau de parentesco (OR 2,52, IC 1,096-5,814, p = 0,003). Os resultados reforçam as evidências de associação entre o processo de hospitalização e o estado de saúde mental da família.

Palavras-chave: ansiedade; depressão; família; terapia intensiva; hospitalização.


 

 

1. Introdução

A doença aguda afeta todas as dimensões da vida pessoal e social do indivíduo que adoece e de sua família, significando um fator desorganizador da dinâmica familiar, que exige o redimensionamento de aspectos da vida para se adaptar a essa nova condição (Schmidt & Azoulay, 2012). A vivência da hospitalização de um familiar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode impulsionar o desenvolvimento de problemas psíquicos que são prejudiciais à integridade física e mental da família. Em decorrência das mudanças impostas pela inserção em um novo ambiente e aliada à incerteza da recuperação da pessoa que adoece, a família passa a viver uma situação de crise que pode provocar efeitos negativos, de forma expressiva, na vida dessas pessoas (Maruiti, Galdeano, & Farah, 2008).

Entre essas mudanças, existe consenso na literatura sobre o estado de desconforto severo provocado pela angústia da possibilidade de perda do parente, a separação física e emocional, o aumento da responsabilidade e a tomada de decisões difíceis que podem devastar o ânimo da família. Além disso, as mudanças na vida social e profissional, associadas ao comprometimento das atividades de trabalho, estudo e lazer, bem como a atenção centrada no parente hospitalizado, culminam na dificuldade para o cuidado de si próprio e de suas necessidades individuais, como sono, repouso e alimentação, que podem produzir efeitos nocivos a curto e longo prazo (Freitas, Mussi, & Menezes, 2012; Schmidt & Azoulay, 2012).

A família vivencia momentos de tensão decorrentes tanto dos sentimentos do indivíduo relativos à pessoa internada e à sua capacidade de enfrentamento quanto dos fatores provenientes do ambiente onde se encontra, especialmente na UTI, que se trata de espaço hospitalar associado a impressões negativas, relacionadas à morte e a incapacidades, cuja representação ameaça a integridade, a segurança e a vulnerabilidade do grupo familiar. Tais experiências contribuem para o surgimento de alterações psicológicas na família (Davidson et al., 2017).

Somado a isso, a UTI é um ambiente hospitalar associado a impressões negativas, relacionadas à morte e a incapacidades, que pode representar forte ameaça à integridade, à segurança e à vulnerabilidade do grupo familiar. Todos esses fatores contribuem para o surgimento da depressão e da ansiedade, com destaque para os familiares de pacientes inconscientes, que são responsáveis pela tomada de decisão em situações problemas que representam risco para a saúde do familiar (Köse et al., 2015).

Reconhecendo a importância do papel do apoio familiar nos cuidados, a atenção centrada na família vem sendo priorizada na terapia intensiva. Dessa forma, a prevalência de ansiedade e depressão em membros da família é proposta como marcador para a qualidade do cuidado e da informação fornecida ao familiar (Belayachi et al., 2014; Köse et al., 2015). No entanto, os números, relativamente altos, de sintomas relacionados à ansiedade e à depressão têm sido identificados. Há exemplo de investigações internacionais que relatam a prevalência de ansiedade entre parentes de pacientes de UTI de 72,8% (Rusinova, Kukal, Simek, & Cerny, 2014) e 69,1% (Pochard et al., 2001) e prevalência de depressão de 53,6% (Rusinova et al., 2014) e 53,8% (Kourti, Christofilou, & Kallergis, 2015).

Ademais, existem lacunas na literatura brasileira sobre a temática. Uma revisão realizada nas bases de dados Scielo, LILACS e MEDLINE evidenciou que, na realidade internacional, a investigação do impacto psicológico da internação de um parente no contexto da UTI tem sido foco de vários estudos, principalmente em relação à prevalência de sintomas de ansiedade e depressão (Anderson, Arnold, Angus, & Bryce, 2008; Fumis & Deheizelin, 2009; Fumis, Ranzani, Faria, & Schettino, 2015; Hwang et al., 2014; McAdam & Puntillo, 2009; Pochard et al., 2001). Contudo, na literatura nacional, somente dois estudos avaliaram os sintomas de ansiedade e depressão na família no contexto da UTI: Fumis e Deheizelin (2009) e Maruiti et al. (2008). Assim, este estudo objetivou estimar a prevalência e verificar a existência de fatores associados a sintomas de ansiedade e depressão em familiares de pessoas internadas em UTIs.

 

2. Métodos

O estudo transversal foi desenvolvido em duas UTIs de uma instituição hospitalar pública, no município de Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, no período de julho de 2015 a fevereiro 2017.

2.1 Participantes

Os participantes foram 135 familiares de pessoas internadas nas UTIs que atenderam aos critérios de seleção. A técnica de amostragem foi do tipo não probabilística por conveniência e foram eleitos para o estudo até dois familiares por pessoa hospitalizada, a fim de captar a diversidade da experiência dentro do mesmo grupo familiar. O critério adotado para o tamanho da amostra considerou no mínimo dez casos do evento do desfecho (variável dependente) para cada variável independente inserida no modelo final de regressão logística multivariado (Peduzzi, Concato, Kemper, Holford, & Feinstein, 1996).

Após o período superior a 48 horas da internação do paciente na UTI, ocorria a abordagem aos familiares e a inclusão no estudo quando eles possuíam idade igual ou superior a 19 anos, já tinham visitado o paciente pelo menos uma vez e eram considerados próximos do convívio com a pessoa internada (informação obtida com os próprios familiares). Neste estudo, entende-se a família como um grupo de indivíduos com vínculos emocionais, afetivos, ligados ou não por consanguinidade, que possuem sentimento de pertença, convivem ou conviveram juntos por determinado período, com existência de compromissos, deveres e responsabilidades com vistas ao cuidado uns com os outros.

2.2 Procedimentos

A seleção dos familiares ocorria, inicialmente, após a checagem do censo diário das UTIs, a fim de identificar as pessoas internadas há mais de 48 horas, bem como a verificação de suas características clínicas. A abordagem ocorria na sala de espera das UTIs, antes ou após o horário de visitas, pela manhã e pela tarde, com a possibilidade de entrada de até dois familiares por turno. O familiar que aceitava participar do estudo era convidado a se dirigir a uma sala privativa, próxima à sala de espera, para a garantia da sua privacidade. Os dados foram coletados por meio da entrevista, após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi registrado na Plataforma Brasil e aprovado pelo parecer CAAE n. 25608213.8.0000.0053.

2.3 Instrumentos

O questionário utilizado era composto por variáveis sociodemográficas, clínicas, bem como tópicos relacionados ao familiar e à pessoa internada. A análise da ansiedade e depressão foi feita por meio da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), validada e traduzida para o contexto brasileiro (Botega, Bio, Zomignani, Garcia Jr, & Pereira, 1995). Tal escala possui fácil aplicação com reduzido número de itens, tem demonstrado boas propriedades psicométricas em diversos contextos e, por isso, é amplamente utilizada como indicador em triagens para diagnóstico de ansiedade e depressão em familiares de pessoas internadas em UTIs (DeSousa, Moreno, Gauer, Manfro, & Koller, 2013; Köse et al., 2015).

A HADS possui 14 itens, distribuídos em duas subescalas - sete itens para ansiedade e sete para depressão. Para cada item, as categorias de resposta variam de zero a três, em uma escala tipo Likert de quatro pontos, obtendo um escore total que pode variar de 0 a 21 pontos. O ponto de corte adotado foi o valor de dez pontos para cada subescala − valores inferiores a esses foram interpretados como ausência de sintomas de ansiedade e depressão.

2.4 Análise dos dados

As informações coletadas compuseram um banco de dados e foram analisadas por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0, plataforma para Windows. Para a análise das variáveis categóricas referentes à caracterização dos familiares e aos casos de ansiedade e depressão, foram utilizadas frequências absoluta e relativa. Para as variáveis quantitativas, foram calculadas as medidas descritivas de centralidade e de dispersão.

Para verificar os fatores associados à ansiedade e à depressão e as variáveis relativas aos familiares e à pessoa internada, foi utilizado o modelo de regressão logística multivariada, com critério de entrada stepwise, considerando o p valor < 0,20, com o objetivo de inserir o máximo de variáveis no primeiro passo da modelagem. As variáveis dependentes foram ansiedade e depressão, testadas separadamente; já as variáveis independentes relacionadas à pessoa internada foram idade e tempo de internação; as relacionadas ao familiar foram sexo, idade, escolaridade, religião, grau de parentesco, residir com a pessoa internada e possuir experiência anterior em UTI. Para fins de análise, as variáveis contínuas que entraram no modelo foram recategorizadas com base no referencial teórico.

Após ajustamento do modelo pelo estimador "máxima verossimilhança", foi avaliada a significância das variáveis do modelo por meio do Teste de Wald. Para avaliar o grau de acurácia e a qualidade do ajuste do modelo logístico, foi utilizado o teste de Hosmer-Lemeshow. Após estabelecimento do modelo multivariado final, prosseguiu-se com a interpretação dos coeficientes estimados em termos dos odds ratio (OR). O nível de significância estatística adotado foi de 5%.

 

3. Resultados

A idade média das pessoas internadas foi de 48 anos e o tempo de internação, aproximadamente, 11 dias. Prevaleceram familiares do sexo feminino (67,4%), com idade média de 40 anos, casados (40%), católicos (51,7%), que possuíam ensino médio (53,3%). A maior parte era filho(a) (29,6%) ou com outra ligação de parentalidade − como tio, sobrinho ou primo (22,2%). No entanto, 61,5% não residiam com o paciente e não possuíam experiência anterior em UTI (68,1%).

 

 

A prevalência de sintomas de ansiedade foi de 39,3% e para depressão, 28,9%.

 

 

 

 

A prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em relação ao grau de parentesco evidenciou que os filhos apresentaram mais sintomas quando comparados com demais membros da família. Dos filhos, 50% apresentaram sintomas de ansiedade e 37,5%, de depressão. Quanto aos sintomas de depressão em cônjuges/pais e irmãos, apresentaram-se prevalências bem semelhantes, 32,4% e 32,1%, respectivamente. Ainda em relação aos filhos, 27,5% apresentaram sintomas de ansiedade ou depressão e 30%, os dois sintomas simultaneamente. Porém, tios, sobrinhos e primos apresentaram maior prevalência (36,67%) de sintomas de ansiedade ou depressão, como também a menor prevalência desses sintomas conjuntamente (3,33%).

O modelo de regressão final identificou que ser familiar com idade inferior a 40 anos (OR 2,20, IC 1,049-4,6540, p = 0,037) e morar com o parente internado (OR 2,37, IC 1,121-5,024, p = 0,024) foi associado a casos de ansiedade na população estudada. Quanto à presença dos sinais de depressão, ela foi associada à variável grau de parentesco, o que aponta para a seguinte constatação: pais, filhos e cônjuges apresentam um direcionamento para o surgimento da depressão (OR 2,52, IC 1,096-5,814, p = 0,003).

 

 

4. Discussão

Nas últimas décadas, tem crescido o número de investigações que visam avaliar a saúde mental de pessoas em situações de hospitalização e de seus familiares. O foco das investigações sobre a família no âmbito da UTI estava centralizado nas necessidades e satisfação desse grupo. Porém, nos últimos dez anos, houve um aumento significativo do número de pesquisas dirigidas às alterações psicológicas sofridas pela família. Verifica-se, no contexto internacional, iniciativas nesse sentido com ênfase em pesquisas mais estruturadas e, inclusive, já reproduzidas (Fumis et al., 2015; Hwang et al., 2014; Kourti et al., 2015; McAdam & Puntillo, 2009; Rusinova et al., 2014; Schmidt & Azoulay, 2012). No cenário brasileiro, essa avaliação ainda é incipiente, com poucos estudos mas que já permitem confirmar as impressões de pesquisadores da área (Fumis & Deheizelin, 2009; Fumis et al., 2015; Maruiti et al., 2008). Nesse sentido, o presente estudo desponta como nova possibilidade de análise dos sintomas de ansiedade e depressão no cenário nacional.

A análise da prevalência de ansiedade mostrou que 39,3% dos familiares apresentaram esses sintomas. A ansiedade pode desencadear diversas consequências negativas na vida dos indivíduos, de modo geral, como incapacidade para o desempenho das tarefas cotidianas, perda de apetite e de peso, mal-estar gástrico, sudorese excessiva, cefaleia e alterações no padrão do sono. Na família que possui parente hospitalizado, essas consequências podem ser exacerbadas pelo sentimento de incerteza que se configura de forma permanente, resultado das frequentes flutuações nas condições clínicas dos pacientes durante a internação (Schmidt & Azoulay, 2012).

No âmbito nacional, duas investigações avaliaram os sintomas de ansiedade em familiares que possuíam pessoa internada em UTI. O primeiro realizado em UTI geral particular, no município de São Paulo, com 39 familiares, em que 43,6% apresentaram sintomas prováveis de ansiedade (Maruiti et al., 2008), e o segundo, de Fumis e Deheizelin (2009), avaliou 300 familiares de pessoas com câncer internadas em UTI − com média de internamento de 9 dias − e encontrou prevalência de sintomas de ansiedade superior a 71%. Tal prevalência justificou-se pela associação desses sintomas com as condições clínicas do parente hospitalizado em ventilação mecânica prolongada, com presença de metástase ou doença progressiva reconhecida como indicativa de um mau prognóstico. No estudo de Maruiti et al. (2008), bem como no presente estudo, os níveis menores de ansiedade justificam-se pela esperança que a família tem na possibilidade de recuperação seguida do retorno da pessoa hospitalizada ao convívio social.

No presente estudo, a idade do familiar e o fato de residirem juntos foram identificados como possíveis fatores associados à ansiedade. Assim, os parentes mais jovens e os que moravam com a pessoa internada apresentaram maiores estimativas de chances de manifestar ansiedade. Dessa forma, os dados encontrados nesta pesquisa corroboram os do estudo de Pochard et al. (2005), em que a idade mais jovem também esteve associada a mais chances de desenvolver ansiedade.

Quanto ao fato de residirem juntos, os resultados do presente estudo foram semelhantes aos da investigação de Rusinova et al. (2014), no qual compartilhar a mesma residência foi associado a mais chances de desenvolver ansiedade e depressão. Assim, ter um parente internado que residia junto com o familiar gerava, primeiramente, o impacto da separação física − por interromper a vida em conjunto e impedir as atividades de vida habituais −, como também o surgimento de uma lacuna a ser preenchida pela falta desse membro no dia a dia. Essa ausência no meio familiar expressa-se como uma perda antecipada devido à probabilidade de cisão definitiva que coloca a família diante do desconhecido, da incerteza, da vulnerabilidade e, por consequência, gera sofrimento mental (Freitas et al., 2012).

Em contrapartida, o desenvolvimento de sintomas de ansiedade tem sido relacionado ao sexo feminino, ao fato de a pessoa ser cônjuge do parente internado, ao diagnóstico do paciente se associar a doenças neurológicas e traumáticas, ao nível de instrução mais baixo, à falta de encontros regulares com médicos e enfermeiras, ao fato de não existir uma sala de reuniões específica, ao desejo por um profissional psicólogo que oriente para estratégias de enfrentamento, ainda que a família tenha necessidades não atendidas (McAdam & Puntillo, 2009). Dessa forma, conhecer o comportamento dessas variáveis em parentes de pessoas internadas em UTI é relevante para que indicativos de ações sejam propostos, a fim de reduzir o impacto da internação na saúde mental dos familiares.

De acordo com Davidson et al. (2017), quando a família recebe suporte efetivo, os sintomas de ansiedade são minimizados. O suporte está relacionado à provisão de assistência e ajuda aos familiares, com o intuito de propiciar a eles condições para expressarem os próprios sentimentos e emoções. Assim, há o melhor enfrentamento da experiência, fator que reflete o apoio oferecido por amigos, profissionais e outros familiares, ou o apoio espiritual − que juntos podem funcionar como uma rede de suporte para a família (Freitas et al., 2012).

Belayachi et al. (2014) correlacionaram os sintomas de ansiedade e a falta de comunicação eficaz e ressaltaram que a ansiedade e a depressão são susceptíveis de afetar o desempenho nas áreas de compreensão, raciocínio e comunicação, fato que deve ser considerado durante a comunicação de informações no ambiente hospitalar. Nesse contexto, um nível elevado de ansiedade pode demandar da equipe de saúde o estabelecimento de uma escuta qualificada com fornecimento contínuo de informações. Deve-se atentar, entretanto, à qualidade das informações fornecidas na comunicação dos serviços de saúde, que devem ser precisas e fornecidas de modo compreensível. Além disso, a complexidade do conteúdo informativo para aqueles com baixo nível de escolaridade deve ser considerada (Davidson et al., 2017).

A análise da prevalência de depressão em familiares mostrou que 28,9% apresentaram sintomas prováveis de depressão, isto é, apresentaram um escore superior a dez pontos ao responderem ao instrumento de avaliação HADS. Os sintomas de depressão nos indivíduos, de modo geral, relacionam-se a dificuldade de concentração, cansaço fácil e desânimo, que, consequentemente, interferem na rotina diária, trabalho, estudo e lazer, além de estarem ligadas a crises de choro, desesperança, pensamentos de cunho negativo e dificuldade no autocuidado (Schmidt & Azoulay, 2012). No mais, foi possível notar, na avaliação dos familiares a partir da HADS, que estão presentes outros sintomas, como não sentir gosto pelas mesmas coisas, lentidão para pensar e fazer atividades diárias, não conseguir dar risada ou se sentir alegre, dificuldade em sentir prazer em atividades rotineiras, podendo, dessa forma, ser confirmatório como caso de depressão naqueles familiares que forem submetidos a análises complementares.

Na realidade nacional, a avaliação de sintomas de depressão dos familiares que possuíam parente internado no âmbito da UTI tem sido restrita. Maruiti et al. (2008) verificaram que 17,9 % dos familiares apresentaram sintomas de depressão. No entanto, em estudo realizado para a avaliação da depressão em uma UTI para pacientes com câncer em São Paulo, 50,3% dos familiares apresentaram sintomas da referida doença (Fumis & Deheizelin, 2009). Na presente investigação, os familiares com laços de parentalidade mais estreitos, como filhos, pais e cônjuges, apresentaram direcionamento para desenvolverem sintomas depressivos quando comparados aos irmãos, tios, sobrinhos e primos, dados que corroboram o estudo de Pochard et al. (2001, 2005).

Pode-se depreender esse resultado a partir da concepção de que a ausência repentina do membro da família gera mais vulnerabilidade para filhos, pais e cônjuges. Normalmente, são esses que mais estabelecem relações com o membro internado, decorrente do estreito vínculo afetivo, de convivência diária e de dependência emocional. Além disso, esses familiares, com vínculo mais estreito ou de primeiro grau, têm mais responsabilidades e são mais cobrados em relação ao internamento de um ente, seja por ser a principal referência da equipe no momento de tomada de decisões relacionadas a tratamentos, seja por ser o responsável pela autorização para a realização de exames. Esses familiares, muitas vezes, são os únicos responsáveis pela transmissão de informações e comunicações sobre o parente internado para os outros membros da família (Pochard et al., 2005). Tais fatores evidenciam a vulnerabilidade desse grupo, indicando que a eles deve ser dirigida atenção especial − visto que são os mais sobrecarregados durante a internação.

Apesar de, no presente estudo, sintomas depressivos estarem associados a grau de parentesco, estudos internacionais encontraram, ainda, o aumento da possibilidade do desenvolvimento de sintomas depressivos relacionados aos familiares do sexo feminino − informações transmitidas de forma inconsistente pela equipe, o desejo de mais informações sobre o prognóstico e ainda o desejo de suporte psicológico (Rusinova et al., 2014; Schmidt & Azoulay, 2012; Pochard et al., 2001).

A associação de sintomas de ansiedade e depressão com o tempo de permanência na UTI não foi evidenciada neste estudo, embora tenha sido destaque em discussões sobre a temática.

Com relação à ansiedade, o estudo de Kourti et al. (2015) não evidenciou diferenças entre os períodos de internação. No entanto, em uma pesquisa que avaliou a ansiedade dos familiares de pessoas com uma média de internação de 5 a 8 dias do ente na UTI, a prevalência foi a mais baixa (15,1%) (Hwang et al., 2014).

Os sintomas de ansiedade e depressão tendem a diminuir após a alta hospitalar do parente internado, porém podem continuar presentes até seis meses ou anos após a vivência. Atrelados a esses fatores, após a alta da UTI, os familiares podem apresentar o risco de desenvolver sintomas de estresse pós-traumático e, após dois meses de alta hospitalar ou morte do ente, podem começar a surgir sintomas não só de estresse pós-traumático, como também de luto complicado (Anderson et al., 2008; Davidson et al., 2017), eventos que requerem investigações adicionais na realidade brasileira.

Assim, aponta-se que a hipótese da inclusão da família como foco do cuidado deve ser reforçada no ambiente hospitalar. Davidson, Daly, Agan, Brady, & Higgins (2010), ao escreverem sobre programas de apoio à família em cuidados intensivos, apontam que as intervenções devem ser direcionadas para identificar e satisfazer as necessidades de informação da família, treinando-a para visitar e satisfazer as próprias necessidades, proporcionando a ela apoio e possibilidades de atividades significativas para executar à beira do leito.

A avaliação da saúde mental dos familiares para rastreamento de possíveis alterações psíquicas durante o período de internamento pela equipe de psicologia e demais profissionais de saúde é essencial. A avaliação rotineira das famílias pelos profissionais de saúde, especialmente aqueles com histórico de problemas psíquicos, deve ser implementada. É necessário, também, a instituição de estratégias preventivas que visem melhorar o bem-estar da família, fatores fundamentais para tornar essa experiência mais confortável e prevenir a exacerbação desses sintomas. Como exemplo dessas iniciativas, pode-se citar encontros grupais regulares e a implementação da visita aberta na UTI. Tendo em vista a escassez de estudos que investiguem as condições da família após o internamento do ente da UTI, são viáveis intervenções precoces que visem diminuir a carga psicológica da família. Schmidt e Azoulay (2012) advertem que algumas consequências podem ser ocasionadas pela exposição intensa a sintomas de ansiedade, como a evolução para transtorno da ansiedade generalizada, ou dos sintomas de depressão para transtorno depressivo maior.

A experiência de internamento é inerentemente estressante e sofrida para a família. Nesse sentido, triagem e encaminhamento adequado tornam-se passos fundamentais para a redução dos efeitos negativos dessa experiência, em aspectos tanto mentais quanto físicos. Para isso, é necessário que os profissionais incorporem o cuidado da família em sua prática. Para um atendimento integral e de qualidade, porém, é necessário que os profissionais conheçam o papel do familiar no período de internamento do ente, como também as necessidades dele e os encargos psicológicos que a internação acarreta. Para alcançar esse objetivo, é necessário substituir uma prática hospitalar essencialmente normativa, controladora e hierarquizada, por uma práxis que incorpore o cuidado ético, sensível, solidário e responsável (Carlson, Spain, Muhtadie, McDade-Montez, & Macia, 2015).

Algumas limitações da pesquisa podem ser destacadas, a exemplo do tamanho da amostra utilizada ser um estudo transversal do tipo intencional ou de conveniência. O estudo foi realizado em uma instituição pública da Bahia, nesse sentido, os resultados obtidos podem não ser extensivos a todos os familiares que possuem um ente na UTI. Acredita-se, ainda, que novos estudos devem ser realizados para avaliar desempenho da HADS nesse grupo.

 

Referências

Anderson, G., Arnold, R. M., Angus, D. C., & Bryce, C. L. (2008). Posttraumatic stress and complicated grief in family members of patients in the intensive care unit. Journal of General Internal Medicine, 23(1),1871-1876. doi: 10.1007/s11606-008-0770-2        [ Links ]

Belayachi, J., Himmich, S., Madani, N., Abidi, K., Dendane, T., Zeggwagh, A. A., & Abouqal, R. (2014). Psychological burden in patient relatives: The forgotten side of medical management. QJM, 107(2),115-122. doi: 10.1093/qjmed/hct210        [ Links ]

Botega, J. N., Bio, M. R., Zomignani, M. A., Garcia Jr, C., & Pereira, W. A. B. (1995). Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Revista de Saúde Pública, 5(29),355-363. doi: 10.1590/S0034-89101995000500004        [ Links ]

Carlson, E. B., Spain, D. A., Muhtadie, L., McDade-Montez, L., & Macia, K. S. (2015). Care and caring in the ICU: Family members' distress and perceptions about staff skills, communication, and emotional support. Journal Critical Care, 30(3),557-561.         [ Links ]

Davidson, J. E., Daly, B. J., & Agan, D. (2010). Facilitated sensemaking: A feasibility study for the provision of a family support program in the intensive care unit. Critical Care Nursing Quarterly, 33(2),177-189. doi: 10.1097/CNQ.0b013e3181d91369        [ Links ]

Davidson, J. E., Aslakson, R., Long, A., Puntillo, K., Kross, E., Hart, J., ... Curtis, J. (2017). Guidelines for family-centered care in the neonatal, pediatric, and adult ICU. Critical Care Medicine, 45(1),103-128. doi: 10.1097/CCM.0000000000002169        [ Links ]

DeSousa, D. A., Moreno, A. L., Gauer, G., Manfro, G. G., & Koller, S. H. (2013). Revisão sistemática de instrumentos para avaliação de ansiedade na população brasileira. Avaliação Psicológica, 12(3),397-410.         [ Links ]

Freitas, K. S., Mussi, F. C., & Menezes, I. G. (2012). Desconfortos vividos no cotidiano de familiares de pessoas internadas na UTI. Escola Anna Nery, 16(4),704-711. doi: 10.1590/S1414-81452012000400009        [ Links ]

Fumis, R. R. L., & Deheizelin, D. (2009). Family members of critically ill cancer patients: Assessing the symptoms of anxiety and depression. Intensive Care Medicine, 35(5),899-902. doi: 10.1007/s00134-009-1406-7        [ Links ]

Fumis, R. R., Ranzani, O. T., Faria, P. P., & Schettino, G. (2015). Anxiety, depression, and satisfaction in close relatives of patients in an open visiting policy intensive care unit in Brazil.Journal of Critical Care, 30(20),440.e1-440.e6. doi: 10.1016/j.jcrc.2014.11.022        [ Links ]

Hwang, D. Y., Yagoda, D., Perrey, H. M., Currier, P. F., Tehan, T. M., Guanci, M., ... Rosand, J. (2014). Anxiety and depression symptoms among families of adult intensive care unit survivors immediately following brief length of stay. Journal of Critical Care, 29(2),278-282. doi: 10.1016/j.jcrc.2013.11.022        [ Links ]

Kourti, M., Christofilou, E., & Kallergis, G. (2015). Anxiety and depression symptoms in family members of ICU patients. Avances en Enfermería, 33(1),47-54. doi: 10.15446/av.enferm.v33n1.48670        [ Links ]

Köse, I., Zincircioğlu, Ç., Öztürk, Y. K., Çakmak, M., Güldoğan, E. A., Demir, H. F., ... Gonullu, M. (2015). Factors affecting anxiety and depression symptoms in relatives of intensive care unit patients. Journal of Intensive Care Medicine, 31(9),611-617. doi: 10.1177/0885066615595791        [ Links ]

Maruiti, M. R., Galdeano, L. E., & Farah, O. G. D. (2008). Ansiedade e depressão em familiares de pacientes internados em unidade de cuidados intensivos. Acta Paulista de Enfermagem, 21(4),536-542. doi: 10.1590/S0103-21002008000400016        [ Links ]

McAdam, J. L., & Puntillo, K. (2009). Symptoms experienced by family members of patients in intensive care units. American Association of Critical Care, 18(3),200-209. doi: 10.4037/ajcc2009252        [ Links ]

Peduzzi, P., Concato, J., Kemper, E., Holford, T. R., & Feinstein, A. R. (1996). A simulation study of the number of events per variable in logistic regression analysis. Journal of Clinical Epidemiology, 49(12),1373-1379.         [ Links ]

Pochard, F., Azoulay E., Chavret, S., Lemaire, F., Hubert, P., Canoui, P., ... French FAMIREA Group (2001). Symptoms of anxiety and depression in family members of intensive care unit patients: Ethical hypothesis regarding decision-making capacity. Critical Care Medicine, 29(10),1983-1987.         [ Links ]

Pochard, F., Darmon, M., Fassier, T., Bollaert, P. E., Cheval, C., Coloigner, M., ... French FAMIREA Study Group (2005). Symptoms of anxiety and depression in family members of intensive care unit patients before discharge or death: A prospective multicenter study. Journal of Critical Care, 20(1),90-96.         [ Links ]

Rusinova, K., Kukal, J., Simek, J., & Cerny, V. (2014). Limited family members/staff communication in intensive care units in the Czech and Slovak Republics considerably increases anxiety in patients relatives: The DEPRESS study. BMC Psychiatry, 14(21),1-7. doi: 10.1186/1471-244X-14-21        [ Links ]

Schmidt, M., & Azoulay, E. (2012). Having a loved one in the ICU: The forgotten family. Current Opinion in Critical Care, 18(5),540-547. doi: 10.1097/MCC.0b013e328357f141        [ Links ]

 

 

Endereço de correspondência:
Katia Santana Freitas
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS - Departamento de Saúde, Módulo VI - MT 63
Av. Transnordestina, S/n, Novo Horizonte
Feira de Santana, BA, Brasil. CEP 44036-900
E-mail: ksfenfpro@hotmail.com

Submissão: 17/05/2018
Aceite: 20/12/2018

Creative Commons License