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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.2 São Paulo maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n2p153-171 

ARTIGOS
DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Estresse, parentalidade e suporte familiar no transtorno do déficit de atenção/hiperatividade

 

 

Fernanda P. RezendeI; Sandra L. CalaisII; Hugo F. CardosoIII

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)
IIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)
IIIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)

Correspondência

 

 


RESUMO

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) gera prejuízos para o desenvolvimento infantil. Pais de crianças com esse diagnóstico podem apresentar estresse e problemas no gerenciamento de limites, comprometendo o estilo parental, além de perceberem o suporte familiar como baixo. O objetivo do estudo foi caracterizar estresse, estilo parental e percepção de suporte familiar em pais de crianças com TDAH, estabelecendo relações entre essas variáveis. Assim, 42 pais (pai e mãe) responderam ao Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), Inventário de Estilos Parentais (IEP) e Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Os resultados indicaram que as mães apresentaram mais estresse do que os pais; também houve associação do estresse das mães com práticas parentais negativas e baixa percepção de suporte familiar. Outro achado foi que, quanto maior a idade da criança, pior o estilo parental que a família apresenta. Novas pesquisas devem dar apoio a esses dados.

Palavras-chave: TDAH; estresse; família; parentalidade; apoio.


 

 

1. Introdução

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), de acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014), é caracterizado essencialmente por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade. Pode se apresentar em três tipos: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e do tipo combinado. Sua prevalência está em torno de 5% nas crianças em idade escolar e é considerado um dos transtornos psiquiátricos mais comuns na infância (American Psychiatric Association, 2014).

Para Barkley (2008), o TDAH é um transtorno do desenvolvimento do autocontrole, pois se caracteriza predominantemente por problemas em manter atenção, problemas no controle de impulsos e de nível de atividade. Apesar de ser considerado uma condição neurobiológica, no DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014) se enfatiza que os padrões de interação familiar no início da infância não causam o transtorno, mas não são desconsideradas as influências da família no curso e agravamento do TDAH. Pires, Silva e Assis (2012) identificaram que famílias com estratégias mais disfuncionais tiveram 2,7 vezes mais crianças com o transtorno do que as com melhor funcionamento. Variáveis como agressão verbal materna sobre a criança e o pai, violência física severa praticada pelo pai sobre a mãe e brigas físicas ou verbais entre as crianças e os irmãos estão associadas com o agravamento de sintomas relacionados ao TDAH.

O ambiente familiar no qual as crianças com TDAH estão inseridas é descrito por resultados de pesquisas como conturbado, pois pais e crianças apresentam, em geral, conflitos no relacionamento e podem ocorrer brigas conjugais e violência familiar com mais frequência do que em famílias sem o transtorno (Pires et al., 2012; Pires, Silva, & Assis, 2013). Desse modo, diante do fracasso em disciplinar os filhos, os pais podem percebê-los com caraterísticas negativas, ou seja, como inoportunos e desobedientes, o que pode gerar estresse parental e dificuldades no manejo do comportamento da criança.

Estudos como os de Bargas e Lipp (2013), Bellé, Andreazza, Ruschel e Bosa (2009), Healey, Flory, Miller e Halperin (2011), Del Bianco Faria e Cardoso (2016), Teixeira, Marino e Carreiro (2015) e Yousefia, Far e Abdolahian (2011) revelam que mães de crianças com TDAH apresentam estresse elevado. E isso se agrava conforme há predominância de sintomas hiperativos na criança (Bargas & Lipp, 2013; Bellé et al., 2009) ou impulsivos (Healey et al., 2011), o que, por sua vez, afeta o estilo parental que tende a ser inconsistente ou punitivo (Healey et al., 2011) e autoritário ou permissivo (Yousefia et al., 2011).

Guerro-Prado, Mardomingo-Sanz, Ortiz-Guerrac, García-García e Soler-López (2015), com o objetivo de avaliar a evolução clínica do estresse dos pais (pai e mãe) de crianças e adolescentes com TDAH, acompanharam 429 famílias de pacientes com o transtorno. Verificaram que pais de crianças em tratamento com bons resultados (100% com terapia psicoeducacional e 97% com medicamento) apresentaram melhoras significativas no estresse.

No estudo de Yousefia et al. (2011), que correlacionou estresse com estilo parental e comparou grupo clínico com não clínico, foi possível identificar que houve diferenças significativas entre os grupos: mães de crianças com TDAH apresentaram mais estresse e utilizaram métodos mais punitivos no manejo de seus filhos que o grupo não clínico. Os autores indicam que o estresse parental pode piorar o comportamento das crianças, pois a relação com os filhos torna-se mais negativa em função das práticas punitivas que essas mães tendem a utilizar.

Healey et al. (2011) constataram que o estresse afeta o estilo parental e que o estilo parental positivo funciona como moderador dos sintomas de TDAH. O estudo mostrou que, quanto mais severos forem os sintomas de TDAH, maiores serão os níveis de estresse materno, e estes afetavam o estilo parental, independentemente das características da criança, já que mais estresse pode gerar mais punição e inconsistência parental pelas mães. Teixeira et al. (2015) também encontraram correlações positivas entre problemas de comportamento das crianças com TDAH que estão associados aos estilos parentais caracterizados pelo uso de punição e negligência.

Tancred e Greeff (2015) acompanharam 98 mães de crianças com TDAH, a fim de verificar que estilos parentais estão associados às estratégias de enfrentamento e adaptação da família com uma criança com TDAH. De acordo com os autores, o estilo parental autoritativo, em que as mães apresentam habilidades de dar afeto, estimular autonomia e regulação emocional e disciplinar de modo coerente, está relacionado a estratégias de melhor adaptação. Assim, o TDAH de crianças cuja mãe tenha em seu repertório o estilo autoritativo não mostrou impactos negativos, pois esse estilo favoreceu a interação mãe/criança. Nesse caso, o uso de medicação pode potencializar esse efeito adaptativo.

Bargas e Lipp (2013), Del Bianco Faria e Cardoso (2016), Healey et al. (2011), Tancred e Greeff (2015) e Yousefia et al. (2011) revelam em seus estudos como o TDAH das crianças se relaciona com o estresse e estilo parental nas mães. Chang, Chiu, Wu e Gau (2013) exploraram como a paternidade se relaciona com o transtorno, e, entre as varáveis investigadas, estava o estilo parental. Referiram que o TDAH na criança se associou com impacto negativo no estilo parental paterno e nas interações pai/criança.

Assim, os pais passam por dificuldades significativas, evidenciando a necessidade de enfrentamento e recebimento de algum tipo de apoio. Uma das formas de apoio social é o suporte familiar, visto como a manifestação de atenção, carinho, diálogo, liberdade, proximidade afetiva, autonomia e independência entre os integrantes da família. O principal efeito do suporte familiar é que, quando os membros da família o percebem como satisfatório, encontram meios para enfrentar situações adversas (Baptista, 2009).

Pires et al. (2013), em estudo longitudinal com 479 crianças que estudavam em escolas públicas, constataram que as mães de crianças com TDAH praticavam com maior frequência violência psicológica com seus filhos, e, no geral, a prevalência do transtorno nas crianças foi maior quando havia disfunção familiar, diferentemente daquelas famílias que tinham melhores formas de interação familiar. Nesse sentido, Pires et al. (2013), quando relacionaram eventos adversos com o TDAH, salientaram que mães que relataram não sentir apoio social foram 2,6 vezes mais propensas a ter filhos com TDAH. Outros fatores contextuais também foram descritos por Muñoz-Silva, Lago-Urbano, Sanchez-Garcia e Carmona-Márquez (2017) e exerceram função mediadora no estresse parental, por exemplo, enquanto o menor apoio social percebido esteve relacionado com mais estresse.

Bellé et al. (2009) e Moreira (2010) também relacionaram o apoio social dos pais com o TDAH. No primeiro estudo, as mães de crianças com TDAH perceberam menos apoio social e pouca satisfação com o que receberam. Entretanto, no caso de satisfação, é possível notar que o apoio funcionou como atenuante para o estresse. Para Moreira (2010), a percepção de apoio familiar dos pais (pais/mães) foi menor, especialmente naqueles com mais tempo de convivência com o diagnóstico do filho.

Dessa forma, é possível afirmar que os pais têm influência na manifestação do transtorno, da mesma forma que o comportamento da criança influencia o comportamento dos pais. Isso revela uma bidirecionalidade nessa interação, pois, ao mesmo tempo que o TDAH pode ser um gerador de conflitos e tensões familiares, estes podem intensificar os sintomas do transtorno. Embora a literatura mostre que crianças com TDAH geram condições estressoras, o que está relacionado com a utilização de práticas parentais negativas e com pais que percebem menos apoio social, não foram encontrados estudos que relacionem apoio social, estilo parental e estresse, e que comparem essas variáveis em mães e pais, especialmente relacionando paternidade e TDAH. Assim, o presente estudo teve por objetivo verificar associações entre indicadores de estresse, estilos parentais e percepção de suporte familiar em uma amostra de pais (pais e mães) de crianças com TDAH.

 

2. Métodos

O estudo proposto teve seu desenho metodológico em um survey transversal com amostra não probabilística e intencional.

2.1 Participantes

Participaram 42 pais de crianças com o diagnóstico de TDAH, totalizando um grupo de 20 pais e 22 mães de 26 crianças. As crianças estavam na faixa etária de 6 a 13 anos e eram atendidas em uma clínica fonoaudiológica do Laboratório de Desvios de Aprendizagem (Lida) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília-SP, encaminhadas pela escola com dificuldades na alfabetização. O critério de inclusão para os pais participarem da pesquisa foi ter filhos com diagnóstico médico de TDAH.

2.2 Instrumentos

Além da ficha de dados sociodemográficos, utilizaram os seguintes instrumentos:

Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (Lipp, 2000): Esse instrumento tem como objetivo oferecer dados sobre a sintomatologia do estresse em adultos. É composto por três quadros referentes às fases do estresse: no primeiro quadro, há 15 itens sobre sintomas físicos ou psicológicos que a pessoa tenha experimentado nas últimas 24 horas; no segundo, há dez sintomas físicos e cinco psicológicos que estão relacionados aos sintomas experimentados na última semana; no terceiro, há 12 sintomas físicos e 11 psicológicos referentes a sintomas experimentados no último mês. As respostas classificam o estresse em quatro fases: alerta, resistência, quase exaustão e exaustão. Além disso, verifica-se a predominância de sintomas em psicológicos ou físicos. A fase de alerta é considerada positiva, pois prepara o organismo para ação, há produção de adrenalina, e a pessoa fica mais atenta, produtiva e motivada. A fase de resistência ocorre quando se ficamuito tempo em alerta. Assim, o organismo busca restabelecimento do equilíbrio, e há produção de cortisol, com vulnerabilidade para vírus e bactérias. Quando a tensão excede os limites possíveis de gerenciamento, não há mais resistência física e emocional. Nesse caso, passa-se para a fase de quase exaustão, em que o indivíduo faz muito esforço para produzir. Pode surgir ansiedade e haver maior produção de cortisol e queda significativa no sistema imunológico. A última fase é considerada mais patológica, pois o organismo entra em exaustão e ocorre desequilíbrio considerável. Além disso, podem ocorrer depressão, dificuldade de concentração e doenças graves.

Inventário de Estilos Parentais (IEP) (Gomide, 2006): É composto por 42 questões, assinaladas em opção Likert de três pontos, que devem ser respondidas pelos pais. Ele avalia as estratégias parentais predominantes que podem ser positivas (monitoria positiva e comportamento moral) ou negativas (punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada, monitoria negativa e abuso físico). A monitoria positiva se refere ao uso adequado da atenção, ao estabelecimento de regras, à distribuição contínua e segura de afeto, ao acompanhamento e à supervisão das atividades escolares dos filhos. O comportamento moral implica passar para os filhos valores éticos e morais da sociedade, tais como senso de justiça, empatia, responsabilidade, trabalho, generosidade, conhecimentos sobre uso de álcool e drogas e informações sobre sexo seguro. A negligência refere-se à ausência de atenção e afeto. O abuso físico e psicológico tem relação com tapas, ameaça de abandono, chantagens e humilhação. A disciplina relaxada está relacionada ao ato de permitir que a criança não cumpra as regras estabelecidas. A punição inconsistente ocorre quando os pais punem ou reforçam de acordo com o próprio humor. E a monitoria negativa é caracterizada por excesso de instruções que, independentemente de serem cumpridas, tornam o ambiente hostil. O instrumento classifica os estilos parentais em diferentes tipos: estilo parental ótimo (predominância de práticas positivas), regular acima da média (presença de práticas positivas, mas apresenta algumas práticas negativas), regular abaixo da média (presença de práticas positivas, mas com presença de muitas práticas negativas) ou de risco (predominância de práticas negativas).

Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF) (Baptista, 2009): Trata-se de um inventário com 42 itens que são assinalados em opção Likert de três pontos. Visa avaliar o quanto o indivíduo percebe seu suporte familiar, que pode ser tanto da família nuclear quanto de sua família constituída (este estudo considerou a família constituída). Os pais respondem às questões que se referem a três fatores: o fator 1 é o afetivo-consistente, corresponde à comunicação familiar, ao interesse, à atenção, à simpatia, ao acolhimento, à consistência nos comportamentos e às habilidades de resolução de problemas. O fator 2 é adaptação e está relacionado com sentimentos negativos, como raiva, isolamento, exclusão e falta de compreensão. O fator 3 é autonomia que avalia relações de confiança, liberdade, privacidade e capacidade de autonomia dos membros. Como resultado, o instrumento classifica assim a percepção de suporte familiar de cada fator: alto, médio alto, médio baixo e baixo.

2.3 Procedimento

Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (Parecer n. 1.184.997), os pais foram abordados em sala de espera de atendimento de seus filhos. Houve esclarecimento dos procedimentos, e, com a concordância pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi iniciada a aplicação dos instrumentos. Os cuidados éticos foram tomados conforme a Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

A aplicação dos instrumentos foi realizada em horário de atendimento das crianças enquanto os pais as aguardavam. Os instrumentos foram respondidos individualmente em sala de atendimento disponibilizada pela instituição, assegurando privacidade aos participantes. A sequência de aplicação dos instrumentos foi ficha de dados sociodemográficos, ISSL, IEP e IPSF. A duração variou de 20 a 40 minutos.

2.4 Análise dos dados

As análises estatísticas foram realizadas de forma descritiva e inferencial. Quanto às descritivas, os dados sociodemográficos e dos escores dos instrumentos foram analisados em termos de frequências e porcentagens. Das análises inferenciais, para comparar os grupos em relação às médias de respostas dos escores dos instrumentos, adotou-se o teste t de Student, e, para verificar as associações entre os escores dos instrumentos, utilizou-se a análise de correlação de Pearson, com 5% de nível de significância.

 

3. Resultados

Dos participantes da amostra, 38 eram casados e quatro divorciados, as idades variaram de 28 a 57 anos. Quanto à escolaridade, um possuía ensino fundamental completo; 20, ensino médio completo; dois, ensino médio incompleto; 17, ensino superior completo; e, dois ensino superior incompleto. Com relação à díade pai e mãe, havia 16 casais, 20 pessoas do sexo masculino e 22 do sexo feminino, perfazendo um grupo de pais (apenas do sexo masculino) e um grupo de mães.

Em relação às crianças, 73% eram do sexo masculino e 27% do sexo feminino, com idades de 6 a 13 anos. O diagnóstico de TDAH foi de apresentação combinada em 73%, de apresentação desatenta em 23% e de apresentação hiperativa em 3,8%. Por causa do alto número de crianças com índice de apresentação da forma combinada do transtorno, não foram testadas correlações entre o tipo de TDAH e as variáveis dos estilos parentais e do suporte familiar.

Dos 42 pais que participaram da pesquisa, houve presença de sintomas de estresse em 40,5% dos participantes, sendo 33,3% das mães e 7,1% dos pais. Das mães, 45,5% estavam em resistência, 9,1% em quase exaustão e 9,1% em exaustão, 59,1% com predominância de sintoma físicos e 4,5% com predominância de sintomas psicológicos. Dos 7,1% pais com estresse, estavam todos na fase de resistência, 5% com predominância de sintomas físicos e 10% com predominância de sintomas psicológicos. Esses dados mostram que as mães apresentam mais estresse do que os pais.

No que se refere aos estilos parentais das 22 mães, 27,3% apresentaram estilo ótimo, 27,3% regular acima da média, 22,7% regular abaixo da média e 22,7% de risco. Dos 20 pais, 25% apresentaram estilo ótimo, 25% regular acima da média, 25% regular abaixo da média e 25% de risco. Dessa forma, dos 42 participantes, 52,4% utilizam práticas parentais mais negativas.

Sobre a percepção de suporte familiar materno, no fator 1 (afetivo consistente), 40,9% percebem como baixo; no fator 2 (adaptação), 31,8% percebem como médio baixo e 31,8% como baixo; no fator 3 (autonomia), 40,9% percebem como alto e 36,4% como médio baixo; e, na percepção final, 40,9% percebem como baixo. A percepção de suporte familiar nas mães é mais favorável no fator 3 (autonomia) e menos favorável no fator 1 (afetivo consistente) e na percepção final.

Quanto à percepção de suporte familiar paterno, no fator 1 (afetivo consistente), 40% percebem como médio alto e 35% como médio baixo; no fator 2 (adaptação), 40% percebem como médio baixo e 30% como baixo; no fator 3 (autonomia), 35% percebem como baixo; e, na percepção final, 30% percebem como médio baixo e 35% como baixo. Nos pais, é mais favorável o fator 1 (afetivo consistente), e, nos outros fatores, predominam médio baixo e baixo. A análise estatística com o teste t de Student, no que se refere às variáveis dos instrumentos relacionadas ao sexo dos participantes, mostra que há diferença em relação às médias de respostas de forma significativa no ISSL em relação ao sexo. No caso, as mães apresentaram mais estresse do que os pais.

 

 

A comparação da presença/ausência de estresse materno com estilos parentais e com a percepção de suporte familiar indica que há diferenças significativas no estilo parental de mães com estresse e de mães sem estresse. Da mesma forma, há diferenças de percepção de suporte familiar no fator 2 (adaptação) em mães com e sem estresse, assim como no fator 3 (autonomia), já que nos dois casos as mães sem estresse pontuaram de forma superior. A comparação da presença/ausência de estresse paterno com estilos parentais e com a percepção de suporte familiar não apresenta significância estatística.

 

 

Na correlação de Pearson, para avaliar a associação entre as variáveis do tipo ordinal (instrumentos e idade), incluindo todos os participantes, os resultados mostram que houve significância com relação ao IEP e à idade dos filhos. Observa- -se que, quanto maior a idade da criança com TDAH, pior o estilo parental dos participantes.

 

 

Na correlação entre os instrumentos, no que se refere aos dados das mães, foi possível observar significância estatística do ISSL com o IEP, já que, quanto mais estresse, pior o estilo parental. O ISSL com o IPSF fator 2 (adaptação) também apresentou significância: quanto mais estresse, pior a percepção de suporte familiar nesse fator, e, quanto mais estresse, pior a percepção de suporte familiar no fator 3 (autonomia). Com relação ao IEP e ao IPSF fator 3, quanto melhor o estilo parental, melhor a percepção de apoio familiar nesse fator para as mães.

 

 

4. Discussão

Nas pesquisas referentes à família, são as mães quem geralmente participam, como ocorreu em Bargas e Lipp (2013), Bellé et al. (2009), Del Bianco Faria e Cardoso (2016), Healey et al. (2011), Teixeira et al. (2015) e Yousefia et al. (2011). Em Pires et al. (2012), os informantes foram pais e responsáveis, e, em Pires et al. (2013), mães e professores. Neste estudo, foi possível contar com a participação paterna (20 participantes), em número proporcionalmente semelhante ao de mães (22 participantes).

Os estudos que avaliam a literatura que envolve a paternidade associada a estresse, estilo parental, percepção de suporte familiar e TDAH são escassos, tendo sido encontrado um artigo de Chang et al. (2013) com a participação apenas do pai. Outras pesquisas, como as de Guerro-Prado et al. (2015) e Moreira (2010), contam com a participação paterna e materna, mas em nenhuma delas há a presença das três variáveis mencionadas.

Quando se comparam os dados entre mães e pais, é possível afirmar que as mães apresentaram, com diferença estatisticamente significativa, mais estresse do que os pais, o que está de acordo com Calais, Andrade e Lipp (2003), pois, em todos os grupos avaliados, as mulheres mostraram mais estresse do que os homens. Além disso, das mães que apresentaram sintomas de estresse, duas estavam na fase de quase exaustão e duas em exaustão, o que indica uma condição preocupante com a qualidade de vida materna, dados corroborados por Del Bianco Faria e Cardoso (2016), Bargas e Lipp (2013), Bellé et al. (2009), Guerro-Prado et al. (2015), Healey et al. (2011) e Yousefia et al. (2011) que evidenciaram a presença de estresse em mãe de crianças com TDAH.

No estudo foi verificado que, quanto mais estresse, pior o estilo parental, e esse resultado comparativo sobre o tipo de estilo parental relevou diferenças estatisticamente significativas. Ter ou não estresse no grupo de mães, quando comparado com os estilos parentais, apresentou significância. Esses dados correspondem aos de Bargas e Lipp (2013), Bellé et al. (2009), Del Bianco Faria e Cardoso (2016), Healey et al. (2011) e Yousefia et al. (2011), que verificaram estresse mais elevado nas mães de crianças com TDAH e uso de estilo parental coercitivo e punitivo. Os autores indicam que as práticas negativas predominam na interação criança-mãe com estresse e o estresse afeta o modo como as mães vão interagir com a criança.

Teixeira et al. (2015) também salientam o uso de punição e negligência pelas mães. Por sua vez, as mães em Tancred e Greeff (2015) apresentaram como mais frequente o estilo parental autoritativo porque elas participavam de grupos de apoio que podem favorecer o aprendizado de práticas parentais positivas.

A criança com TDAH demanda estratégias específicas dos pais que podem adotar práticas educativas negativas embora não apresentem a sintomatologia de estresse, pois os problemas de comportamento infantil requerem manejo adequado que podem não fazer parte do repertório parental. Com as mães, o estresse pode intensificar a interação negativa, conforme mostram as pesquisas com essa associação (estresse/estilo parental materno) (Bargas & Lipp, 2013; Yousefia et al., 2011).

No entanto, neste trabalho, os dados relativos aos pais não apontaram os mesmos resultados das mães. Com pais, não houve dados suficientes (em relação às diferenças e associações, analisadas pelo teste t de Student e pelas correlações de Pearson) para estabelecer essa mesma associação com a figura paterna, o que pode abrir um novo caminho de investigação. Chang et al. (2013) relacionaram o estilo parental paterno de pais de crianças com TDAH que foi predominantemente negativo na interação pai/criança em comparação com pais de crianças sem o transtorno. Na presente pesquisa, 50% dos homens apresentaram estilo de risco e regular abaixo da média, embora não apresentassem estresse.

Outro dado significativo referente aos estilos parentais foi que, quanto mais elevada a idade dos filhos, pior o estilo parental dos pais. Talvez isso aconteça pelo tempo de convivência com os comportamentos específicos do TDAH, pois, à medida que as crianças se desenvolvem, novos desafios surgem. Assim, os pais podem ter mais dificuldades com as crianças mais velhas em função das mudanças no desenvolvimento, do surgimento de comorbidades. Além disso, quanto mais velhas, as crianças tornam-se mais propensas a verbalizar o que querem e impor seus desejos, dificultando ainda mais a interação com seus pais (Gomide, 2006).

Quanto ao estresse e à percepção de suporte familiar, no grupo de mães, há associação entre essas variáveis, sendo o suporte familiar percebido como mais baixo nas mães com estresse em todos os fatores do IPSF. De acordo com os resultados, foi possível mostrar que o estresse materno está correlacionado significativamente com a percepção de suporte familiar nos fatores 2 (adaptação) e 3 (autonomia), já que, quanto mais estresse, pior a percepção de suporte familiar nesses fatores.

Isso quer dizer que as mães com estresse percebem sentimentos negativos na família, como raiva, isolamento e exclusão, e há pouca clareza de regras, o que corresponde ao fator 2. Da mesma forma, há pouca relação de confiança, liberdade e privacidade, o que é avaliado no fator 3. Os dados corroboram os achados de Bellé et al. (2009), Muñoz-Silva et al. (2017) e Pires et al. (2013), em que as mães relatam sentir pouco apoio de seus familiares.

Moreira (2010) mostrou correlação significativa entre a satisfação com o apoio social e o estresse parental: o apoio social atuou como moderador de estresse nos pais de crianças com TDAH, tanto com os pais quanto com as mães, do mesmo modo ocorreu em Muñoz-Silva et al. (2017), mas a amostra foi composta apenas de mães. Os dados dessa pesquisa não podem confirmar os de Moreira (2010), pois com a figura paterna não houve correlação significativa no que se refere ao estresse e ao suporte social/familiar.

Outra associação com a percepção de suporte familiar das mães no fator 3 (autonomia) foi em relação aos estilos parentais: quanto melhor o estilo parental das mães, melhor a percepção do suporte familiar nessa categoria. Como esse fator refere-se a autonomia, relações de confiança e liberdade, supõe-se que mães com estilos parentais melhores percebem uma relação de confiança e liberdade favorável com seus familiares, o que pode ser um auxílio na educação da criança com TDAH.

 

5. Considerações finais

Com essa pesquisa, foi possível verificar os indicadores de estresse, estilos parentais e percepção de suporte familiar, bem como suas associações em uma amostra de pais de crianças com TDAH, tendo sido a presença de estresse predominante nas mães. Ambos utilizaram mais práticas parentais negativas, especialmente as mães com estresse. Além disso, a percepção de suporte familiar foi mais baixa para pais e mães, estando também correlacionada com o estresse materno.

Houve, portanto, diferenças entre pais e mães, principalmente em relação ao estresse e à associação com as outras variáveis. Espera-se que em futuros projetos o pai seja considerado e acessível, para que os dados corroborem ou refutem os achados.

A literatura sobre percepção de suporte familiar associado ao estilo parental no contexto da família com TDAH parece ser escassa, não há produções que englobem essas variáveis juntas. Com relação ao estresse e à percepção de suporte familiar, há muitas referências, mas, quando se acrescenta o TDAH nesse contexto, são poucas. Assim, englobar esses construtos em uma mesma pesquisa pode trazer algo novo para a literatura.

A amostra do estudo não foi muito grande, mas corrobora dados de amostras maiores. Outra limitação foi não ter sido considerada a gravidade dos sintomas ou a idade das crianças que receberam o diagnóstico, o que poderia trazer mais dados relacionados aos sintomas de estresse dos pais e ao estilo parental. Sugere-se que, nos próximos trabalhos dessa natureza, essas variáveis possam complementar os achados.

Embora tenha havido ausência de grupo controle para comparação, o que também é uma limitação, e essa estratégia poderia enriquecer os dados, houve comparação entre dados de mães e pais, o que é um diferencial em relação a essa temática. Além disso, o uso de instrumentos normatizados permitiu inferir dados de cada instrumento de acordo com amostras normativas, o que auxilia no estabelecimento de indicadores de estresse dos pais comparado com a população.

Não há dados de pesquisa que tenham por foco a manifestação de estilo mais negativo a partir do crescimento das crianças com TDAH. Essa seria uma nova possibilidade de estudos futuros científicos.

Almeja-se que os pais sejam considerados no momento da avaliação diagnóstica da criança, pois se sabe que a interação familiar não é causa do transtorno, mas influencia no seu curso, e, se os pais receberem atenção nesse processo, pode ser que o tratamento seja mais eficaz. Espera-se que as variáveis analisadas possam ter espaço no momento da avaliação da criança.

Os dados encontrados também podem auxiliar os professores na compreensão das dificuldades da família que possui uma criança com o transtorno. Recomendar-se-ia à escola a necessidade de acompanhamento do aluno e de sua família, chamando a sua atenção para o efeito do estresse e da percepção do apoio da família, pois a escola também requer da família responsabilidade que nem sempre ela está em condições de oferecer ao filho com TDAH. Exigida muitas vezes desses pais pelos professores, poderia se transformar em empatia.

 

Referências

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Barkley, R. A. (2008). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

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Correspondência:
Sandra Leal Calais
Centro de Psicologia Aplicada CPA Unesp
Av. Edmundo Carrijo Coube, 14-01
Bauru, SP, Brasil. CEP 17033-360
E-mail: sandra.l.calais@unesp.br

Submissão: 30/06/2017
Aceite: 20/12/2018

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