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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.2 São Paulo maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n2p277-293 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Desempenho em provas de vocabulário receptivo e compreensão leitora em escolares do ensino fundamental

 

 

Cláudia SilvaI; Franciany B. PereiraII

IUniversidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
IIUniversidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Objetiva delinear o perfil do desempenho de escolares do 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental, da rede pública, do estado do Rio de Janeiro, em provas de vocabulário receptivo e compreensão de leitura. Participaram 42 escolares, distribuídos em: GI (15 escolares do 3º ano); GII (15 escolares do 4º ano); e GIII (12 escolares do 5º ano). Os instrumentos de avaliação utilizados foram os testes TVfusp e PROCOMLE. Os resultados indicaram diferença estatisticamente significante para vocabulário e compreensão leitora no decorrer das seriações, sugerindo influência de fatores extrínsecos, como o meio em que o indivíduo está inserido, e fatores intrínsecos, como o processamento da informação e a memória. Podemos concluir que houve desempenho crescente, na comparação dos grupos, em vocabulário, assim como, em variáveis relacionadas à compreensão dos gêneros textuais analisados, possibilitando traçar o perfil destes escolares.

Palavras-chave: leitura, compreensão de leitura, vocabulário, aprendizagem, ensino fundamental.


 

 

1. Introdução

A leitura é um ato de grande importância para a aprendizagem do ser humano. Por meio dela, somos capazes de adquirir novos conhecimentos, obter entendimento e informações sobre diversos assuntos, expandir o vocabulário, desenvolver e ampliar a escrita, e, além disso, é uma habilidade essencial para a inserção social (Cunha & Capellini, 2016). Modelos provenientes da Psicologia Cognitiva têm contribuído consideravelmente para o entendimento do funcionamento do sistema cognitivo para os processos envolvidos na compreensão de leitura, apontando para dois componentes fundamentais: a decodificação, relacionada à conversão letra-som, e a compreensão linguística, relacionada diretamente ao entendimento da linguagem oral (Gough & Tunmer, 1986; Oliveira, Silva, Dias, Seabra, & Macedo, 2014).

Para que o processo da leitura ocorra, torna-se necessário que o indivíduo tenha adquirido habilidades que incluem a linguagem, atenção, memória auditiva, memória visual, identificação de palavras, análise estrutural e contextual da língua, síntese lógica, expansão do vocabulário, compreensão e fluência na leitura (Federmeier, Kutas, & Schul, 2010; Ávila & Chang, 2014; Martins & Capellini, 2014). Dentre as habilidades citadas, o presente estudo se propõe a verificar a relação do vocabulário para a compreensão de leitura, mais especificamente do vocabulário receptivo.

O vocabulário corresponde às palavras que fazem parte do léxico de um indivíduo e pode ser dividido em vocabulário expressivo e receptivo. O vocabulário expressivo diz respeito ao que é emitido pelas palavras que o indivíduo é capaz de pronunciar, o que está diretamente relacionado à aquisição da linguagem escrita e leitura. O vocabulário receptivo corresponde às palavras que o indivíduo é capaz de compreender, possibilitando o entendimento e o conhecimento do significado delas. Dessa forma, o vocabulário receptivo torna-se parte importante do processo de compreensão de leitura, uma vez que a percepção e o processamento da informação correspondem às palavras cujos conceitos e significados foram adquiridos com êxito (Miller et al., 2014; Psyridou, Eklund, Poikkeus, & Torppa, 2018).

Sabe-se que o reconhecimento de palavras não é suficiente para que a leitura seja efetiva, pois, apesar de o reconhecimento ativar o significado armazenado na nossa memória, ainda não é capaz de atingir o principal objetivo da leitura, que é a extração do conteúdo da mensagem escrita, e, para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que haja a compreensão do que foi lido (Oliveira & Capellini, 2013; Van Dyke, Johns, & Kukona, 2014; Lucio, Kida, Carvalho, Cogo-Moreira, & Ávila, 2015).

A compreensão é um processo complexo que, assim como a leitura, necessita do desenvolvimento de diversas habilidades linguísticas e cognitivas. Pode ser dividida basicamente em compreensão oral e de leitura, e, para que ocorram com êxito, ambas envolvem aspectos cognitivos complexos, como a recepção da informação pelas vias de entrada (visual ou auditiva), o acesso à informação prévia armazenada, a interpretação do conteúdo novo e a associação entre os aspectos mencionados (Ávila & Chang, 2014; Zuanetti et al., 2018).

Segundo Cunha e Capellini (2016), os aspectos cognitivos envolvidos no processo de compreensão leitora são a memória de trabalho, o conhecimento armazenado, o monitoramento, a integração de informações e as inferências. Os aspectos linguísticos envolvidos são os elementos sintáticos, semânticos e lexicais e a habilidade de decodificação. Essas habilidades participam da construção e integração de significados, contribuindo para que a compreensão seja efetiva (Horowitz-Kraus et al., 2014; Hall-Mills & Apel, 2015; Bovo, Lima, Silva, & Ciasca, 2016).

A compreensão leitora tem um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem dos escolares, pois na fase escolar são utilizadas várias práticas que necessitam de habilidades de leitura para a aquisição de novos conhecimentos e concretização de aprendizagens. Um dos principais obstáculos para efetivação da aprendizagem é a dificuldade nessa compreensão. Dessa forma, é necessário que os escolares adquiram as habilidades de decodificação, mas também sejam capazes de extrair significado do que é lido (Silva, 2017; Gray, Catts, Logan, & Pentimonti, 2017).

Machado e Capellini (2016) apontam como características de leitores com dificuldade na compreensão leitora as falhas no processo de decodificação, a carência de vocabulário, a deficiência de integração das informações e da memória, a leitura oral pobre e a falta de estratégias de aprendizagem adequadas. Essas dificuldades são umas das causas do insucesso escolar de alunos do ensino fundamental. A compreensão leitora passa a ser, então, fundamental para a construção de uma aprendizagem significativa.

Segundo Ávila e Chang (2014), de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), é esperado que o aprendiz seja capaz de extrair significado do conteúdo lido no texto, de forma integral e consistente, até o fim do ensino fundamental I, pois, nessa etapa da alfabetização, é esperado que o escolar tenha desenvolvido habilidades e um acúmulo gradativo de experiências que o tornam capaz de dominar desde o princípio alfabético até certo nível de compreensão leitora. Dessa forma, é esperado que o escolar, ao final do ensino fundamental I, seja capaz de extrair significado, de forma explícita e implícita, de diferentes gêneros textuais, com extensões variadas, uma vez que o aprendizado tem contato direto com os diversos tipos de textos inseridos na alfabetização a partir do terceiro ano do ensino fundamental (Portal MEC, 2018).

Sabe-se que um dos fatores que interferem na compreensão leitora efetiva é a carência de vocabulário. A identificação rápida e o conhecimento prévio das palavras, apesar de não serem o suficiente para a efetivação da leitura, facilitam a compreensão leitora. O leitor, ao se deparar com uma palavra familiarizada, da qual é capaz de extrair o significado, torna-se apto a obter maiores detalhes do material que está lendo (Crookston et al., 2013). Segundo Nalom, Soares e Cárnio (2015), quanto maior o número de vocábulos o escolar reconhecer em um material gráfico, mais fácil será a interpretação da mensagem. Dessa forma, ao reconhecer as palavras de um texto (ou qualquer material lido), o leitor consegue ter maior domínio sobre a leitura e, consequentemente, compreendê-la melhor.

No entanto, a amplitude do vocabulário de uma criança sofre a influência direta de fatores extrínsecos ao indivíduo, como a estimulação da linguagem, a pouca variedade de vocabulário, a relação com interlocutores que possibilitem novos aprendizados, o meio no qual está inserido e o nível socioeconômico como gerenciador de novos aprendizados e experiências com o meio externo (Capellini, Butareli, & Germano, 2010).

No Brasil, o sistema de ensino divide-se entre escolas públicas e privadas. A carência do sistema público é um dos impulsionadores ao desenvolvimento de pesquisas em escolas pertencentes à rede pública de ensino, visando identificar déficits no perfil educacional e auxiliar o delineamento de intervenções, via profissionais da saúde e educadores (Marques & Marandino, 2018).

Com base no exposto, este estudo tem como objetivo delinear o perfil do desempenho de escolares do terceiro, quarto e quinto anos do ensino fundamental, da rede pública, pertencente ao estado do Rio de Janeiro, em provas de vocabulário receptivo e compreensão de leitura.

 

2. Métodos

2.1 Participantes

Participaram deste estudo 42 escolares regularmente matriculados no terceiro, quarto e quinto anos do ensino fundamental I, pertencentes à rede de ensino público, do estado do Rio de Janeiro, sem queixa de dificuldades escolares (com média escolar acima de 7,0 em dois bimestres consecutivos em leitura e escrita - Portal MEC, 2018), de ambos os gêneros, na faixa etária de 8 a 11 anos de idade, sendo distribuídos em três grupos: GI: composto por 15 escolares pertencentes ao terceiro ano; GII: composto por 15 escolares pertencentes ao quarto ano; GIII: composto por 12 escolares pertencentes ao quinto ano. A descrição da amostra por gênero e idade referente a cada ano escolar segue na Tabela 2.1.

 

 

A seleção dos escolares foi realizada de acordo com os critérios de inclusão e exclusão preestabelecidos. Sendo os critérios de inclusão: ausência de queixas relacionadas ou de indicadores de alterações da audição e visão, e ausência de queixas relacionadas ou de indicadores de presença de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. Os critérios de exclusão foram, portanto, a não assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsáveis, presença de queixas de alterações auditivas e/ou visuais, e presença de distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos. As informações para os critérios de inclusão e exclusão foram identificadas por meio de consulta aos prontuários escolares.

2.2 Instrumentos

Para a avaliação do vocabulário receptivo, foi utilizado o Teste de Vocabulário por Figuras USP - Tvfusp (Capovilla, 2011): o uso desse teste teve por objetivo avaliar o grau de desenvolvimento do vocabulário receptivo auditivo, indicado para crianças de 7 a 10 anos, pertencentes à educação infantil até o quinto ano do ensino fundamental. O teste consiste em cinco pranchas de treino e 139 pranchas do teste, ordenadas por dificuldade crescente, sendo aplicado, neste estudo, de forma individual. Cada item contém quatro alternativas compostas por figuras em que o escolar foi orientado a apontar a figura que melhor representasse a palavra falada pelo avaliador, e, ao final, computou-se o número total de acertos de cada escolar. Com base no escore estabelecido pelo instrumento, por meio da pontuação total obtida foi possível classificar o desempenho entre "muito rebaixado" e "muito elevado". Assim, analisou-se a pontuação de acordo com a nomeação total das figuras (139 itens), no entanto, a análise dos itens aplicados foi realizada de acordo com a seriação do escolar, sendo indicado no instrumento o intervalo de itens para cada ano escolar.

Para este estudo, foi adotado o nível socioeconômico (NSE) médio, de acordo com a classificação obtida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2015-2017), levando em consideração a localização da escola e os índices obtidos na Prova Brasil (2011-2013).

Para a avaliação da compreensão de leitura, utilizou-se o Protocolo de Avaliação da Compreensão de Leitura - PROCOMLE (Cunha & Capellini, 2014): o uso desse instrumento teve como objetivo identificar em quais níveis da estrutura do texto encontram-se as dificuldades relacionadas à compreensão de leitura do escolar. Esse instrumento pode ser aplicado de forma coletiva ou individual e é composto por quatro textos, sendo dois textos narrativos e dois textos expositivos. Cada texto acompanha oito perguntas de compreensão de múltipla escolha, sendo quatro relacionadas à microestrutura do texto (duas literais e duas inferenciais) e quatro relacionadas à macroestrutura do texto (duas literais e duas inferenciais).

Na presente pesquisa, optou-se por utilizar os textos do tipo narrativo (N1), intitulado "O guarda-chuva", e expositivo (E1), intitulado "O piolho", com aplicação de forma individual, para avaliar a compreensão de leitura dos escolares deste estudo. Todos os participantes foram solicitados a ler o texto em voz alta e, em seguida, responder às questões referentes à compreensão do texto. Os textos foram apresentados aos escolares em papel A4, digitado em letra Arial, tamanho 12, cor preta, espaço duplo.

A análise da leitura dos textos foi realizada a partir do tempo total de leitura e velocidade de leitura, que deve ser expressa em palavras por minuto, conforme descrito por Condemarin e Blomquist (1989). O número de palavras por minuto foi calculado multiplicando o número de palavras do texto por 60 segundos, e esse valor foi dividido pelo tempo total da leitura em segundos, conforme a seguinte fórmula:

2.3 Procedimento de coleta de dados

Os escolares foram convidados a participar da pesquisa e instruídos quanto ao sigilo das respostas. A aplicação dos instrumentos ocorreu de forma individual, em uma sala cedida pela escola, após liberação de horário pela direção e pelos professores, sendo os instrumentos aplicados em horário de aula. A aplicação dos dois instrumentos teve tempo de duração em torno de 40 a 50 minutos.

2.4 Procedimentos éticos

Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (CEP/UFF) sob o Protocolo n. 1.870.336. A instituição assinou um termo de autorização para a realização da pesquisa, assim como os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram entregues e assinados pelos responsáveis, conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n. 466/2012, e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos participantes da pesquisa.

2.5 Procedimento de análise dos dados

Os resultados foram analisados estatisticamente para as variáveis quantitativas, apresentadas por média e desvio padrão. Realizou-se o teste de normalidade dos dados pelo teste de Shapiro-Wilk. Para comparar as variáveis e os acertos e erros da prova de vocabulário por figuras, segundo o grupo de comparação, foi realizado o teste de Kruskal-Wallis, com o teste post hoc de Dunn. Para associar os desempenhos das variáveis do PROCOMLE segundo os grupos de comparação, foram realizados os testes de Kruskal-Wallis e de Anova, com base no teste de normalidade dos dados. Como testes post hoc, adotaram-se o Dunn e Bonferroni, respectivamente. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. O programa estatístico utilizado foi o Stata versão 11.0.

 

3. Resultados

A Tabela 3.1 apresenta os resultados da comparação dos desempenhos dos escolares do GI, GII e GIII para a prova de vocabulário por figuras - Tvfusp, em que podemos observar que houve diferença estatisticamente significante para as duas variáveis analisadas: acertos e erros.

 

 

Para a análise dos resultados do texto narrativo do PROCOMLE, a Tabela 3.2 apresenta a distribuição das médias, do desvio padrão e do valor de p, para a comparação dos grupos GI, GII e GIII. Houve diferença estatisticamente significante para as variáveis de compreensão literal para macroestrutura (LMA) na comparação entre GI e GII e GI e GIII, número de acerto e erros entre GI e GII e GI e GIII, palavras lidas por minuto (PPM) entre GI e GIII e GII e GIII, e tempo total de leitura (TTL) na comparação entre GI e GII, GI e GIII e GII e GIII.

 

 

De acordo com a Tabela 3.3, podemos verificar que houve diferença estatisticamente significante na comparação entre GI, GII e GIII, para as variáveis de compreensão para inferência em macroestrutura (IMA) entre GII e GIII, número de acertos e erros na comparação de GI e GIII, palavras lidas por minuto (PPM) para GI e GIII e GII e GIII, e tempo total de leitura (TTL) para os grupos GI e GII, GI e GIII e GII e GIII, de acordo com a distribuição das médias, do desvio padrão e do valor de p.

 

 

4. Discussão

Os resultados deste estudo nos permitiram descrever o desempenho dos escolares do terceiro, quarto e quinto anos do ensino fundamental de uma escola pública de NSE médio pertencente ao estado do Rio de Janeiro. Compararam-se os desempenhos obtidos nas provas que compõem os testes de Tvfusp e de compreensão de textos narrativos e expositivos do PROCOMLE.

Na análise dos resultados do teste de vocabulário receptivo, podemos verificar que houve aumento das médias de desempenho, no decorrer das seriações, com base nos acertos obtidos pelos grupos. O conhecimento do significado do vocábulo é uma variável que se amplia de acordo com o desenvolvimento, associada a fatores sociais e de conhecimento de mundo, que também sofre influência dos aprendizados obtidos no processo escolar durante a alfabetização. Sendo assim, o vocabulário receptivo é o reflexo da associação de fatores extrínsecos (relacionados às experiências socioculturais e ao aprendizado educacional formal) e intrínsecos (associados ao processamento da informação auditiva e/ou visual para a formação de memória) (Martins & Capellini, 2014; Van Dyke et al., 2014; Gray et al., 2017).

Para a análise da compreensão do texto narrativo, houve aumento das médias de desempenho para a variável compreensão literal de macroestrutura (LMA) na comparação de GI e GII e GI e GIII. Tais achados sugerem que os escolares apresentaram maior domínio em compreender as informações literais relacionadas ao texto como um todo, no sentido amplo da informação ofertada pelo texto narrativo. Assim como nos permitem inferir que houve maior dificuldade em realizar inferências relacionadas à microestrutura textual, sugerindo uma dificuldade pontual quanto à habilidade de extrair as informações que estão implícitas e em partes específicas do texto. Tal desempenho identifica a complexidade para a realização de inferências, uma vez que essa habilidade exige a associação e elaboração de mecanismos perceptuais relacionados às experiências e ao conhecimento de mundo, específicos e únicos de cada indivíduo (Crookston et al., 2013; Hall-Mills & Apel, 2015).

As variáveis palavras lidas por minuto (PPM) e tempo total de leitura (TTL) apresentaram médias de desempenho crescente e decrescente, respectivamente, indicando reciprocidade em termos de desempenho. De acordo com a literatura, a eficácia na decodificação de palavras de forma rápida e precisa gera o aumento da velocidade de leitura, uma vez que o acesso à informação ocorre de forma automatizada para uma decodificação sem erros de palavras de alta, média ou baixa frequência (Horowitz-Kraus et al., 2014). Tal característica sugere uma relação entre automatismo (precisão e rapidez) no reconhecimento de palavras, reflexa ao tempo de execução para a decodificação (Saine, Lerkkanen, Ahonen, Tolvanen, & Lyytinen, 2010; Miller et al., 2014; Bovo et al., 2016; Psyridou et al., 2018).

Em relação ao texto expositivo, para a compreensão por inferência em macroestrutura (IMA), os escolares apresentaram desempenho estatisticamente significante na comparação entre GII e GIII, sugerindo que o desempenho na leitura do texto expositivo intensifica-se a partir do quarto ano do ensino fundamental, pois se trata de uma seriação que exige maiores habilidades para extrair informações de forma específica e pontual do material de leitura.

Acredita-se que os estudantes pertencentes aos últimos anos escolares já foram expostos a aprendizados específicos associados à leitura de textos expositivos, como decodificação de símbolos, uso de regras ortográficas, integração sintática e semântica nas frases, resultantes na fluência de leitura. Tais aspectos refletem na análise da informação para a abstração do conteúdo, para que a informação faça sentido ao leitor (Federmeier et al., 2010; Nalom et al., 2015). Esses fatores podem contribuir para a diminuição das médias de desempenho dos escolares do GI e GII, uma vez que esses escolares ainda não foram expostos de forma explícita e conceitual a esse aprendizado.

O aumento da média para o número de palavras lidas por minuto (PPM) e a diminuição do tempo total de leitura (TTL), no uso do texto expositivo, sugerem a influência da seriação, assim como o uso associado da compreensão do significado da palavra e das junções de enunciados presentes no texto. Estudos sugerem que os mecanismos de compreensão para o texto expositivo exigem manobras associativas quanto ao monitoramento do tipo de informação acessada, sofrendo influência direta da memória de curto prazo verbal para a recuperação de informações após a leitura e o entendimento das informações (Van Dyke et al., 2014; Murphy, Pagan-Neves, Wertzner, & Schochat, 2015; Cunha & Capellini, 2016).

De acordo com a literatura nacional e internacional, o acesso aos textos narrativos faz-se presente na vida da criança desde momentos anteriores à escolarização, uma vez que o contato com esse gênero textual ocorre por meio de contações de histórias, o que torna essa estrutura textual familiar à criança. Por sua vez, o contato com textos expositivos é realizado formalmente nas séries mais avançadas, pois o gênero textual expositivo é utilizado para transferir informações, como ferramenta para o aprendizado formal de conteúdos específicos, e sugere que os escolares já tenham desenvolvido habilidades básicas para se tornarem leitores fluentes e capazes de compreender e interpretar conteúdos mais densos (Nalom et al., 2015; Cunha, Martins, & Capellini, 2017).

Sendo assim, a comparação entre o desempenho em leitura de texto narrativo e expositivo aponta para o aumento da média de desempenho, sugerindo um processo de aprendizagem contínuo formal e informal, que sofre influência do meio externo/social e dos padrões de estimulação recebidos dentro e fora do âmbito educacional. Na compreensão de um texto, narrativo ou expositivo, o leitor deve fazer uso de habilidades que envolvem o reconhecimento da palavra, a extração do significado do vocabulário dentro de uma oração, seguindo para a integração das orações e o conhecimento de mundo associado ao conteúdo. Assim, a ausência de conexão entre esses fatores gera falhas no processo de compreensão, tornando-a ineficiente para a captação da informação literal ou inferencial, associada à micro ou macroestrutura textual (Van Dyke et al., 2014, Cunha & Capellini, 2016, Marques & Marandino, 2018).

 

5. Conclusão

De acordo com os resultados, conclui-se que, quando se compararam GI, GII e GIII em relação ao desempenho em vocabulário receptivo e compreensão de leitura dos gêneros narrativo e expositivo, tornou-se possível traçar o perfil de desempenho para esta amostra específica. Dessa forma, para a prova de vocabulário receptivo, houve desempenho crescente ao longo da seriação, com desempenho similar na compreensão de macroestrutura ao ser comparado com a microestrutura. Esse resultado implica um perfil decorrente do melhor desempenho na compreensão do texto narrativo em relação ao expositivo, especificado no aumento da média de desempenho obtida em macroestrutura para a compreensão literal do texto narrativo e de inferência no texto expositivo.

Ainda que o estudo tenha o intuito de proporcionar contribuições para a reflexão sobre o perfil dos escolares pertencentes ao ensino fundamental de escolas públicas, localizadas no estado do Rio de Janeiro, identificamos como limitação e possíveis questionamentos a necessidade de ampliação da amostra para comparação entre escolares provenientes de escolas e NSE diferentes, pertencentes ao mesmo município, com o objetivo de ampliar os achados. Além disso, é necessária a aplicação dos instrumentos com escolares com dificuldades específicas de leitura e compreensão, visando identificar achados relacionados diretamente à influência do vocabulário receptivo.

 

Referências

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Correspondência:
Cláudia Silva
Rua Monsenhor Miranda, 38, ap. 503
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E-mail: claudiasilvafono@yahoo.com.br

Submissão: 16/03/2018
Aceite: 28/02/2019

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