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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n3p45-60 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Versão de rastreio do teste de bender para avaliar o desempenho escolar

 

 

Fernanda OtoniI; Fabián Javier M. RuedaII

IUniversidade São Francisco (USF), São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade São Francisco (USF), São Paulo, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi buscar evidências de validade de critério para a versão de rastreio do teste de Bender - Sistema de Pontuação Gradual por meio do desempenho escolar. Participaram 333 crianças, com idades entre 6 e 10 anos (M = 8,39; DP = 1,37), matriculadas entre o primeiro e o quinto ano. Por meio da Anova, verificou-se que as três figuras dessa versão foram capazes de diferenciar apenas o grupo de crianças com baixo desempenho escolar, indicando que elas cometeram mais erros de distorções. O coeficiente de Pearson apresentou correlações significativas entre a versão de rastreio e as disciplinas de português e matemática, indicando que maturidade perceptomotora bem desenvolvida tende a ser facilitadora na consolidação dos conteúdos propostos nas disciplinas do ensino fundamental I. Destarte, sugere-se que a versão de rastreio é uma medida com potencial para avaliar de possíveis dificuldade de aprendizagem.

Palavras-chave: habilidade perceptomotora; psicologia escolar; avaliação psicológica; avaliação infantil; avaliação cognitiva.


 

 

1. Introdução

Entre os diversos motivos pela busca de avaliação psicológica estão as queixas de dificuldades de aprendizagem (Vagostello, Albuquerque, Queiroz, Lopes, & Silva, 2017). De acordo com Vagostello et al. (2017), a imaturidade cognitiva é uma das principais causas que levam as crianças a ter dificuldade de apresentar um bom rendimento escolar. Nessa perspectiva, Pires e Simão (2017) apontam para a importância de se compreender quais funções cognitivas estão envolvidas no processo de aprendizagem e como elas podem influenciar o desempenho das crianças que ainda estão no início da escolarização. Conhecer os fatores cognitivos que tornam a aprendizagem deficitária poderia contribuir para a criação de estratégias de intervenção que possam minimizar o impacto de comprometimentos mais graves (Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2008; Silva, Oliveira, & Ciasca, 2017; Soto, 2014). Sendo assim, no processo de avaliação psicológica, o psicólogo precisa recorrer a testes que permitam avaliar aspectos cognitivos subjacentes ao processo de aprendizagem, como a percepção visual, a linguagem, a coordenação motora, o raciocínio lógico, a capacidade de organização temporal e espacial, a atenção e a memória (Batista & Gonçalves, 2016; Silva et al., 2017).

Nesse contexto, por estar associado a possíveis dificuldade de aprendizagem, um dos instrumentos que têm sido bastante utilizados no Brasil é o Teste Gestáltico Visomotor de Bender, corrigido pelo Sistema de Pontuação Gradual - B-SPG (Rueda, Sousa, Santos, & Noronha, 2016; Sisto, Noronha, & Santos, 2006; Suehiro, Santos, & Rueda, 2015). De acordo com Bender (1955), precursora desse instrumento, dificuldades em reproduzir adequadamente o desenho das figuras poderiam ser provenientes de imaturidade perceptomotora ou comprometimento intelectual. Desse modo, o B-SPG tem sido utilizado para avaliar a maturidade perceptomotora, compreendida como a capacidade de perceber visualmente estímulos externos e expressá-los uma ação motora (Bender, 1955).

Composto por nove figuras que seguem os princípios de proximidade, similaridade e fechamento, Bender (1955), Kacero (2005) e Sisto et al. (2006) sugerem que, ao copiar os desenhos do teste, a criança é livre para perceber e integrar os traços e as formas das figuras. A partir dessa consideração, pode-se considerar que esses princípios são formas primitivas da experiência que biologicamente tendem a apresentar um padrão sensório-motor de ação e um caráter evolutivo. Sendo assim, a maturidade perceptomotora avaliada pelo Teste de Bender é considerada como um fator que opera de forma constante e que acompanha o desenvolvimento evolutivo da criança e está integrada com o sistema neurológico. Os autores ainda afirmam que é a observação dessas cópias que permite ao psicólogo compreender a maneira como as crianças estão orientadas dentro de um determinado quadro de referência e como conseguem lidar com as relações espaciais (Bender, 1955; Kacero, 2005; Koppitz, 1989). Nesse contexto, Kacero (2005) considera que o processo de reprodução das figuras do Teste de Bender ocorre como um esquema no qual o input sensorial se refere à integração, elaboração e planificação, gerando o output motor e efetivando a junção da percepção visual com a ação motora. Para Soto (2014), esse esquema sensorial tende a influenciar no processo de aprendizagem de crianças no início dos anos escolares. Koppitz (1989), por sua vez, sugere que a tarefa de copiar figuras gestálticas é uma atividade complexa, pois ver, perceber e copiar figuras é um processo de integração que demanda uma gama de habilidades cognitivas, como percepção visual, conceitos espaciais, organização, planejamento, atenção, memória e coordenação motora.

Nessa perspectiva, Sousa e Salgado (2015) ponderam que a maneira como os estímulos são percebidos exerce grande influência na execução das ações, e a evocação das informações tende a ser transmitida de acordo com a percepção visual e consequentemente reproduzida da mesma forma. Desse modo, Sousa e Rueda (2017) sugerem que a capacidade atentiva é um dos fatores mais importantes e fundamentais para a percepção visual, pois é a atenção que possibilitará a seleção dos estímulos mais relevantes a serem fixados. Alves e Brito (2007), por sua vez, defendem que a memória é tão importante quanto a atenção, pois, quando se seleciona um estímulo, é essencial que ele seja armazenado, uma vez que é a evocação dessas informações que contribuirá para a formação de uma imagem concreta. Sendo assim, a maneira como a criança irá desenvolver a percepção visual dependerá de diversas habilidades a ela subjacentes. Destarte, diversos autores sugerem que a maturidade perceptomotora bem desenvolvida é uma habilidade facilitadora no processo de aprendizagem, uma vez que bem consolidada se torna um aspecto importante para um bom desempenho escolar (Batista & Gonçalves, 2016; Silva et al., 2017) e está atrelada ao desenvolvimento neurológico da criança (Bender, 1955; Sisto et al., 2006).

Estudos realizados com o B-SPG indicaram correlações significativas quando associado a instrumentos que avaliam habilidades escolares (Batista & Gonçalves, 2016; Carvalho, Noronha, Pinto, & Luca, 2012; Noronha, Santos, & Rueda, 2013; Suehiro & Santos, 2005; Suehiro et al., 2015). Suehiro e Santos (2005) buscaram comparar o desempenho de 287 crianças, com idades entre 7 e 10 anos, no B-SPG e na Escala de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (ADAPE). As autoras verificaram que crianças sem indícios de dificuldades na escrita e em fase final do processo de alfabetização formaram o grupo com melhor desempenho no B-SPG, diferenciando-se daquelas que apresentaram níveis leve e médio. Esses resultados evidenciam que crianças que apresentam dificuldades importantes em relação à escrita tendem a apresentar dificuldades perceptomotora.

Carvalho et al. (2012), por sua vez, verificaram a relação entre a maturidade perceptomotora e o Teste do Reconhecimento de Palavras. A pesquisa foi desenvolvida com 297 crianças, com média de 9,04 anos. A correlação estatisticamente significativa (r = -0,29; p < 0,001) entre os instrumentos indicou que, conforme a pontuação no B-SPG diminui, melhor é a compreensão em leitura e escrita. Em estudo semelhante, Suehiro et al. (2015) analisaram protocolos de 199 crianças com idades entre 7 e 10 anos. A correlação significativa e de magnitude moderada (r = - 0,56; p < 0,001) entre o B-SPG e a Escala de Avaliação da Escrita (EAVE) permitiu às autoras inferir que a maturidade perceptomotora bem desenvolvida tende a facilitar o processo de aprendizagem da escrita. Silva et al. (2017) compararam o desempenho entre o B-SPG em crianças com e sem queixas de dificuldades de aprendizagem. Participaram 26 crianças com idade entre os 7 e 9 anos. De acordo com as autoras, o grupo sem queixa escolar apresentou desempenho muito superior ao dos alunos com queixas de aprendizagem, indicando que crianças sem comprometimento intelectual tendem a cometer menores erros de distorção na reprodução das figuras do Bender.

A partir do exposto, verifica-se que as nove figuras do B-SPG têm capacidade para predizer possíveis dificuldades de aprendizagem, pois crianças com facilidade em reproduzir os desenhos tendem a apresentar melhor desempenho nos instrumentos que avaliam habilidades cognitivas intrínsecas ao processo de aprendizagem (Carvalho et al., 2012; Silva et al., 2017; Suehiro et al., 2015). Recentemente Rueda et al. (2016) tiveram o interesse de verificar se com um conjunto menor de figuras seria possível obter uma medida de maturidade perceptomotora, consonante com a proposta original do B-SPG. Os autores aplicaram as nove figuras do teste em 787 crianças com idades entre 6 e 10 anos e, por meio da análise fatorial, observaram que as figuras 3, 4, 7a e 7b explicaram 80% da variância do escore total do B-SPG. Verificaram ainda que essa versão é capaz de diferenciar o desempenho das crianças em função da idade, pois, conforme a idade aumentava, melhor era o desempenho. Diante desses resultados, os autores afirmam que essas quatro figuras são capazes de mensurar a maturidade perceptomotora e poderiam ser utilizadas para avaliar possíveis dificuldades de aprendizagem.

Nesse contexto, pretende-se confirmar empiricamente o potencial dessa versão de rastreio para mensurar o desempenho escolar e, para fornecer resultados confiáveis, é essencial que todos os instrumentos psicológicos apresentem propriedades psicométricas que lhes assegurem avaliações mais adequadas das variáveis a serem medidas (American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education, 2014). Portanto, este estudo tem como objetivo buscar evidências de validade de critério para a versão de rastreio do Bender - B-SPG por meio do rendimento escolar de crianças estudantes do ensino fundamental I.

 

2. Método

2.1 Participantes

Participaram deste estudo 333 crianças mineiras (53,8% meninas), com idades entre 6 e 10 anos (M = 8,39; DP = 1,37), todas estudantes de escola pública, matriculadas entre o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental I. A Tabela 2.1.1 indica a distribuição dos participantes considerando a idade e o ano escolar.

 

 

2.2 Instrumentos

Neste estudo, utilizou-se a versão de rastreio do Teste Gestáltico Visomotor de Bender do B-SPG (Rueda et al., 2016).

A versão de rastreio do Bender B-SPG (Rueda et al., 2016) avalia a maturidade perceptomotora por meio dos erros de distorção da forma, que se referem aos aspectos estruturais do desenho. O instrumento é composto por três figuras (figuras 3, 4 e 7), formadas por linhas contínuas ou pontos, curvas sinuosas ou ângulos, no qual a atribuição de notas é de 0 a 2 pontos. Considerando o fato de a figura 7 poder ser corrigida duas vezes (7a e 7b), a pontuação máxima pode ser de 8 pontos. Ressalta-se que são pontuados os erros, portanto, quanto maior a pontuação, pior o desempenho no teste. Além da vantagem de se utilizar apenas uma folha em branco e um lápis de escrever, o instrumento pode ser aplicado de forma individual ou coletiva.

2.3 Procedimentos

Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE: 73102617.1.0000.5514), foram entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos alunos para que os pais assinassem. No momento da administração dos instrumentos, as crianças foram informadas sobre o objetivo da pesquisa, assim como a não obrigatoriedade de suas participações. A coleta de dados foi acompanhada pela professora e mais uma psicóloga. Inicialmente, estabeleceu-se um rapport grupal com as crianças, para que elas se sentissem motivadas a fazer o teste da melhor forma possível. Os alunos foram direcionados para uma sala de aula, na qual havia o data show para a projeção das figuras do Bender. Todos receberam um lápis de escrever preto e uma folha sulfite, na qual deveriam escrever o nome, a idade e o ano escolar. O teste foi administrado coletivamente em uma única aplicação, de aproximadamente 30 minutos, e as salas de aula contavam com uma média de 20 crianças.

Posteriormente à aplicação do teste, a supervisora responsável pelo ensino fundamental I da escola permitiu que a pesquisadora tivesse acesso às notas escolares das disciplinas de português, matemática, geografia, história, ciências, artes e educação física referentes ao semestre em que ocorreu a aplicação do teste. Assim, as professoras forneceram as notas de todos os alunos, e nessa escola a pontuação dos alunos ocorria da seguinte forma: 3 = era para o aluno com ótimo desempenho que até aquele momento havia alcançado todos os objetivos propostos; 2 = o aluno apresentava um bom desempenho, porém ainda faltava consolidar alguns objetivos propostos; e 1 = o aluno apresentava baixo desempenho, indicando dificuldades de aprendizagem.

2.4 Análise de dados

As análises deste estudo foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences 21 (SPSS). Após verificar a precisão entre avaliadores, por meio da correlação de Pearson, realizaram-se as estatísticas descritivas e inferenciais das médias dos participantes. Em seguida, recorreu-se à correlação de Pearson para verificar a relação entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e os níveis de desempenho escolar. Por fim, realizaram-se novas correlações entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e as disciplinas que compõem a grade curricular do ensino fundamental I.

 

3. Resultados

Para assegurar maior confiabilidade sobre os resultados desta pesquisa, 20% (n = 66) dos protocolos foram submetidos à avaliação às cegas. O coeficiente de precisão entre os dois avaliadores indicou correlação estatisticamente significativa, positiva e de magnitude forte (r = 0,90; p < 0,001). Sugere-se que a correção dos protocolos não apresenta viés e que os resultados apresentados tendem a ser confiáveis. Com o propósito de atender aos objetivos deste estudo, primeiramente se verificou que a média geral na pontuação da versão de rastreio do B-SPG foi de 4,07 (DP = 2,04). Pode-se observar que apenas 2,3% das crianças não apresentaram nenhum erro de distorção ao reproduzirem o desenho das figuras. Com relação ao nível de desempenho escolar fornecido pelas professoras e obtido pela junção das notas gerais das crianças, constatou-se que 44,7% (n = 150) dos estudantes não apresentavam dificuldades de aprendizagem. Alunos que apresentavam bom desempenho, mas ainda sem consolidar alguns objetivos propostos nas disciplinas, foram classificados como medianos (31,2%; n = 104); por fim, 24,1% (n = 80) apresentavam baixo desempenho, indicando dificuldades de aprendizagem.

Na sequência, buscou-se verificar se a versão de rastreio seria capaz de diferenciar crianças com alto, médio e baixo desempenho escolar. Os resultados da análise de variância (Anova) indicaram diferenças estatisticamente significativas na reprodução das figuras da versão de rastreio do B-SPG entre os grupos [F (131, 1308) = 65,53; p < 0,001]. No entanto, conforme exposto na Tabela 3.1, a prova post hoc por método de Tukey indicou que apenas dois grupos se diferenciaram entre si.

 

 

De acordo com a Tabela 3.1, verificou-se que as crianças com alto e médio desempenhos formaram um grupo diferenciando significativamente daquelas que apresentavam maiores dificuldades de aprendizagem. Observou-se que o primeiro grupo apresentou maior facilidade em reproduzir os desenhos do Bender, e as crianças com baixo desempenho escolar reproduziram os maiores erros de distorção. Também foi realizada a correlação entre o desempenho na versão de rastreio e as disciplinas da grade curricular do ensino fundamental I. Os resultados são apresentados na Tabela 3.2.

 

 

Verificou-se que todas as correlações foram estatisticamente significativas, negativas e de magnitude variando de fraca a moderada (Cohen, 1988). Ressalta-se que no Teste de Bender são pontuados os erros de distorção, portanto, quanto maior a pontuação, menor é a maturidade perceptomotora. Já a distribuição das notas escolares indica que, quanto maior a pontuação, melhor é o desempenho do aluno. Assim, os resultados sugerem que, à medida que os erros de distorção na reprodução das figuras do Bender diminuem, melhor tende a ser o rendimento escolar das crianças, o que justifica o valor negativo das correlações. De modo geral, a correlação entre as disciplinas de português (r = - 0,50) e matemática (r = - 0,49) foi a que apresentou as magnitudes mais fortes. Por fim, buscou-se averiguar se a magnitude das correlações entre a versão de rastreio no B-SPG e o desempenho nas disciplinas se manteria quando considerada a idade. Os resultados podem ser observados na Tabela 3.3.

 

A partir da Tabela 3.3, pode-se verificar que, para o grupo de crianças com 6, 7 e 8 anos, as correlações foram estatisticamente significativas e negativas apenas para as disciplinas de português e matemática. Em relação ao grupo de estudantes com 9 e 10 anos, todas as disciplinas indicaram correlações significativas. De modo geral, a magnitude das correlações foi de moderada a forte (Cohen, 1988), e os coeficientes variaram de r = - 0,34 a r = - 0,59.

 

4. Discussão

Este estudo teve a finalidade de verificar se, assim como na versão original do B-SPG (Sisto et al., 2006), as três figuras que compõem a versão de rastreio seriam capazes de diferenciar crianças em diferentes níveis de aprendizagem. Os resultados obtidos sugerem que a versão de rastreio do B-SPG é capaz de diferenciar apenas o rendimento escolar daquelas crianças que têm apresentado maiores dificuldades de aprendizagem. Esses achados ainda permitem inferir que as professoras da instituição onde foi realizada a coleta de dados apresentam maior clareza para diferenciar os alunos com ótimo desempenho escolar daquelas crianças que têm apresentado possíveis dificuldades de aprendizagem. Além disso, observou-se também que as professoras tendem a diferenciar os alunos com nível médio de desempenho das crianças com dificuldades de aprendizagem, pois estas ainda conseguiram aprender alguns objetivos propostos nas disciplinas que compõem a grade curricular do ensino fundamental I. Nessa perspectiva, pondera-se que a versão de rastreio do B-SPG não apresenta uma limitação para diferenciar os níveis de desempenho escolar, mas sim que a forma de avaliação das professoras em relação às crianças de desempenho médio pode não ser tão objetiva.

De modo geral, verificou-se que, conforme aumentam os erros de distorções na reprodução das figuras do Bender, maior é a dificuldade de as crianças reterem o conteúdo proposto em sala de aula. Segundo os professores da escola na qual foi realizada a coleta de dados, as crianças com baixo desempenho escolar apresentam dificuldades de aprendizagem, pois ainda não conseguiram consolidar os conceitos ensinados nas disciplinas. Esses resultados corroboram o estudo de Silva et al. (2017), que constataram que crianças com dificuldades de aprendizagem tendem a ter um menor desempenho no Teste de Bender. Isso ocorre porque a ampla gama de habilidades cognitivas que são intrínsecas à maturidade perceptomotora pode facilitar o processo de aprendizagem, pois elas são subjacentes à capacidade de reter, integrar e processar informações que possibilitarão a emissão de uma resposta endereçada a algo (Batista & Gonçalves, 2016).

Quando se verificaram o desempenho nas diferentes disciplinas e sua relação com a pontuação da versão de rastreio do Bender, observou-se que, conforme diminuem os erros de distorção na reprodução das figuras, maior é a tendência de os alunos se saírem melhor nas disciplinas de português, matemática, ciências, geografia, história e artes. Quando se pensa na aprendizagem como parte de um processo de aquisição e assimilação de novas formas de perceber, compreender e agir, a maturidade perceptomotora bem desenvolvida seria um facilitador para a evolução das habilidades escolares, podendo favorecer e potencializar a integração e a interpretação do conteúdo apreendido (Batista & Gonçalves, 2016; Sousa & Rueda, 2017). Com base nessas considerações, pode-se afirmar que a maturidade perceptomotora avaliada pela versão de rastreio do B-SPG é uma medida bastante associada ao rendimento escolar, uma vez que foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre a versão de rastreio do B-SPG e o desempenho nas disciplinas acadêmicas.

Quando se considerou o caráter evolutivo da maturidade perceptomotora e da aprendizagem, decidiu-se comparar separadamente o desempenho nas disciplinas e na versão de rastreio do B-SPG em razão das idades. Os resultados evidenciaram que as crianças que estão no início da escolarização (6, 7 e 8 anos de idade) apresentaram correlações significativas apenas nas disciplinas de português e matemática. Esses resultados já eram esperados, pois, de acordo com Oliveira et al. (2008), essas disciplinas (português e matemática) são básicas para a aquisição de novos conteúdos. Ademais, a supervisora da escola em que se coletaram os dados informou que, embora todas as disciplinas sejam cobradas com os mesmos critérios, a quantidade de horas aulas das disciplinas de português e matemática é maior e que grande parte desse conteúdo é ensinada de forma lúdica. Deve-se ainda considerar que, por estarem no início da escolarização, as crianças estão em processo de alfabetização e ainda não consolidaram alguns conceitos necessários para um melhor rendimento nas demais disciplinas, como o planejamento, o monitoramento e a regulação do próprio processo de aprendizagem (Carvalho et al., 2012; Oliveira et al., 2008). Outro ponto que sustenta essa suposição é o fato de que, para o grupo de crianças de 9 e 10 anos, a versão de rastreio do B-SPG foi significativa para todas as disciplinas. Além disso, a não correlação significativa de algumas disciplinas com o grupo de crianças com idades entre 6 e 8 anos sugere que o aprendizado nas disciplinas de ciências, geografia, história e artes também poderia estar relacionado a valores culturais e experiências. Ainda que o eixo temático de ensino-aprendizagem seja o mesmo, é preciso considerar que as especificidades do local podem influenciar na interação com o objeto de conhecimento.

Para Soto (2014), a idade tende a influenciar o processo de aquisição da maturidade perceptomotora e da inteligência não verbal à medida que favorece o maior desenvolvimento da capacidade de visuoconstrução, da percepção visual e da coordenação motora fina. De acordo com Pires e Simão (2017), a aprendizagem é um processo lento, individual e estruturado, no qual a criança aos poucos vai consolidando os conceitos simbólicos que envolvem a leitura, a escrita e o cálculo que vão propiciar melhor rendimento escolar. Desse modo, a maturidade perceptomotora bem desenvolvida possibilita que a criança selecione e estabeleça uma relação hierárquica entre as diferentes informações de um estímulo (Alves & Brito, 2007). Nesse sentido, os diferentes tipos de traçado das figuras do Teste de Bender permitem compreender como as crianças integram as informações externas e como lidam com as orientações espaciais e temporais que também envolvem o processo da escrita (Kacero, 2005).

De modo geral, verificou-se que as correlações de magnitude forte foram entre o desempenho na versão de rastreio do B-SPG e as disciplinas de português e matemática. Ao retomarem o conceito de que a maturidade perceptomotora é a junção da capacidade de integrar a percepção visual com movimentos motores, Suehiro e Santos (2005), Carvalho et al. (2012) e Suehiro et al. (2015) já apontavam para a estreita relação dessa habilidade com a leitura e a escrita. As autoras verificaram que crianças com baixo desempenho no B-SPG tendem a ter dificuldades na compreensão da leitura e execução da escrita. Com relação à matemática, a integração da percepção visual também é essencial na resolução de tarefas matemáticas, pois é um processo que requer uma compreensão analítica e sintética das informações recebidas (Alves & Brito, 2007).

Sabe-se que uma das principais formas de se avaliar a aprendizagem é por meio de provas didáticas, nas quais o aluno deve escrever o que compreendeu do conteúdo administrado pelos professores. Nessa perspectiva, pode-se considerar que uma percepção distorcida poderia resultar no baixo rendimento escolar. Para além dessas considerações, Oliveira et al. (2008) indicam que apenas saber ler e escrever não é o bastante para um melhor desempenho escolar, é preciso também ter uma compreensão crítica e reflexiva que permita demonstrar o que se aprendeu do conteúdo proposto.

Diante dos resultados obtidos neste estudo, pode-se afirmar que foram encontradas evidências de validade de critério para a versão de rastreio do B-SPG pelos níveis de desempenho escolar, pois, conforme os erros de distorções diminuem, melhor é o rendimento nas disciplinas administradas no ensino fundamental I. Quando se verifica que crianças com problemas para reproduzir as figuras do Bender também tendem a apresentar dificuldades para aprender o conteúdo ministrado nas disciplinas, considera-se que a versão de rastreio pode ser útil na avaliação de possíveis dificuldades de aprendizagem. É importante ressaltar que, para Rueda et al. (2016), as figuras da versão de rastreio do B-SPG abarcam diferentes tipos de traçado, possibilitando uma interpretação mais adequada dos erros de distorção cometidos por cada criança. Portanto, quando utilizadas no processo de avaliação psicológica, poderão contribuir para o diagnóstico precoce de dificuldades de aprendizagem, além de possibilitarem a criação de estratégias de intervenção que minimizem o impacto de dificuldades de aprendizagem ainda no início da escolarização.

Embora os resultados tenham sido positivos em relação à capacidade da versão de rastreio do B-SPG para avaliar o desempenho escolar, esta pesquisa apresenta algumas limitações. Uma delas é o fato de a amostra ser composta apenas por crianças de escola pública e de uma única região do Brasil. Além disso, não foram utilizados outros instrumentos relacionados ao desempenho escolar que permitissem a comparação do desempenho das crianças em diferentes tarefas. Espera-se que a realização de novos estudos possa sanar essas limitações e buscar outras evidências de validade para a versão de rastreio do B-SPG. Uma sugestão é utilizar instrumentos que avaliem medidas relacionais e que permitam verificar como a maturidade perceptomotora pode servir de incremento para avaliar outras habilidades cognitivas.

 

Referências

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Correspondência:
Fernanda Otoni Silva
Avenida Engenheiro Antonio Francisco de Paula Sousa, 2601
Campinas, SP, Brasil. CEP 13044-502
E-mail: fer_ottoni@hotmail.com

Submissão: 28/11/2018
Aceite: 03/06/2019

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