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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n3p255-281 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Políticas educacionais e psicologia: uma revisão da literatura

 

 

Carolina M. MoraesI; Leilanir de S. CarvalhoII; Tatiane dos S. CostaIII; Fauston NegreirosIV; Sandra Elisa de A. FreireV

IPostgraduate Program in Psychology Department, Federal University of Piauí (UFPI)
IIPostgraduate Program in Psychology Department, Federal University of Piauí (UFPI)
IIIPostgraduate Program in Psychology Department, Federal University of Piauí (UFPI)
IVPostgraduate Program in Psychology Department, Federal University of Piauí (UFPI)
VPostgraduate Program in Psychology Department, Federal University of Piauí (UFPI)

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RESUMO

Trata-se de uma revisão de literatura sobre os estudos das políticas educacionais e sua relação com a Psicologia Escolar e Educacional. O estudo é de natureza exploratório-descritiva. Após o refinamento a partir dos critérios de inclusão/exclusão, restaram 23 artigos categorizados de acordo com os aspectos gerais (ano de publicação e país de origem do estudo) e quanto ao foco dos estudos encontrados. Pode-se constatar que houve um aumento de pesquisas sobre o fenômeno a partir de 2011 e que a maioria dos estudos era originária de países da América Latina, principalmente do Brasil. A maioria dos estudos abordou unicamente políticas educacionais, contudo houve também pesquisas correlacionadas com outras políticas. A investigação quanto à intercessão entre políticas educacionais e Psicologia Escolar e Educacional ainda é incipiente.

Palavras-chave: políticas públicas; políticas educacionais; Psicologia Educacional; Psicologia Escolar; atuação do psicólogo.


 

 

1. Introdução

O conceito de políticas públicas é amplo, pois envolve ações governamentais diversas, além do envolvimento de entidades, grupos e da população em geral (Momma, Cardoso, & Bryan, 2013). Em linhas gerais, as políticas públicas consistem em ações diversificadas e específicas, regulamentadas por diretrizes documentais, cujo objetivo é fornecer respostas às demandas da sociedade e garantir os direitos sociais em diversas áreas, como saúde, trabalho e educação. Essas políticas vão se moldando conforme o país, a cultura e a dinâmica social, ganhando características próprias conforme as necessidades vigentes (Teixeira, 2002; Secchi, 2014; Fernandes & Mélo, 2016).

Para a compreensão de políticas públicas, este estudo foi pautado na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Considera, portanto, que os objetos são sínteses de múltiplas determinações e que para explicá-los é importante considerar três dimensões: a História, a totalidade e as contradições (Meira, 2014; Vygotsky, 2007).

O cenário histórico em que as políticas públicas ganharam forma é um importante elemento para o entendimento da relação entre esse objeto e outros. Com a liberalização do mercado iniciada no século XVI, intensificou-se a defesa do mínimo de intervenção na economia e na sociedade (Santos, 2017). Houve, com isso, o crescimento e a acumulação do capital e a superprodução de bens que culminou, em 1929, na maior crise da história do capitalismo e na deflagração de guerras, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e tantos outros conflitos entre países nos anos que se seguiram. O resultado foi a transição hegemônica de poder e o extermínio de milhares de pessoas (Barroco, Matos, & Orso, 2018).

As relações objetivas estabelecidas por tais contextos revelam um modo de produzir vida extremamente injusto e excludente. Se, por um lado, há o acirramento de conflitos entre países, a violência, o desmantelamento de Estados nacionais, a destruição do meio ambiente e ataques aos direitos sociais, emerge, por outro, a expropriação de recursos e riquezas de países periféricos. Ainda há a acumulação de capital nas mãos de uma minoria e a busca por estabelecer sucessivos acordos e alianças entre as nações na intenção de promover a paz e o desenvolvimento social, sem, contudo, fomentar transformações efetivas nas desigualdades e na estrutura social, deixando evidentes as relações de contradição dessa forma de organização econômica e social (Barroco et al., 2018).

Diante das mazelas enfrentadas pela sociedade nos períodos pós-guerra, as políticas públicas passaram a ganhar força. O contexto econômico e político passou a requerer do Estado uma maior intervenção na regulação das relações sociais, tendo em vista diferentes interesses e a garantia do bem-estar social. Nesse sentido, essas políticas não nasceram do acaso, mas de demandas por proteção social em um dado momento histórico, e expressam uma forma de organização social e das relações de produção, e reproduzem, assim, realidades objetivas (Leonardo, Rossato, & Constantino, 2018).

Dessa forma, as políticas educacionais resultam da necessidade de garantir aos cidadãos o direito à educação e a capacidade de lutar por maior qualidade de vida e condições reais de desenvolvimento humano; as políticas educacionais instituem as práticas educativas e interferem diretamente no desenvolvimento dos indivíduos e das atividades dentro do sistema educacional (Zibetti, Pacífico, & Tamboril, 2018).

Para Lessa e Tonet (2013), com a universalização da educação ocorrida na década de 1930, sob a égide do bem-estar social, propagou-se um discurso de justiça social, distribuição de renda e possibilidade de ascensão social por meio da educação. Os autores advertem, contudo, que, embora se tenha aberto o acesso dos filhos de trabalhadores aos sistemas de educação, a razão para isso não partiu da necessidade de diminuir a participação diferenciada entre classes, mas da exigência do sistema capitalista por mão de obra qualificada.

O resultado disso, segundo Santos (2017), é um duplo modelo de educação sistematizada, um para a classe mais abastada e outro para a sociedade propriamente dita, os trabalhadores, de forma que o "desempenho escolar determina se a criança seria educada para atividades profissionais, cursos profissionalizantes ou para as universidades" (Lessa & Tonet, 2013, p. 33). Desse modo, diante de tais contradições, é evidente que as desigualdades entre escolas têm sido produto e produtora da manutenção das desigualdades entre as classes.

No Brasil, durante o século XX, surgiram diversas proposições incipientes do Estado quanto a uma educação formal, embora tenha sido apenas no final desse século, com o fim do regime ditatorial, a reabertura política e econômica e os intensos movimentos de luta pelos direitos sociais, que a educação escolar passou a ser um direito assegurado a todos os cidadãos (Zibetti et al., 2018). Com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, o Estado passou a assumir responsabilidades sobre as complexas demandas sociais e as políticas públicas no campo da educação, que passaram a ter bases constitucionais efetivas. Foi por meio de uma série de marcos regulatórios que leis e estatutos, atribuições agora dadas a diversos órgãos e instâncias federativas, foram estabelecidos, bem como os procedimentos e o financiamento a serem instituídos (Barroco et al., 2018).

É a partir desse contexto, com a organização de grandes eixos de políticas públicas, que a Psicologia passou a ganhar espaço e a ser requerida nas esferas da educação, da saúde e da assistência social. Evidencia-se, aí, não somente o movimento da Psicologia em direção a essas políticas, mas também se iniciam mudanças quanto ao status social dessa ciência. Se, nas primeiras décadas do século XX, a Psicologia estava aliada à classe dominante, no fim do século, ela se volta ao atendimento às camadas populares, havendo com isso a chamada proletarização das atividades profissionais (Barroco et al., 2018).

As considerações até aqui expostas, embora de modo sucinto, são elementos importantes para a compreensão de que o fenômeno estudado não ocorre isoladamente, mas está em constante movimento, numa relação dialética de interdependência e reciprocidade. As políticas públicas produzem e reproduzem condições de vida, tanto determinam quanto são determinadas pelos sujeitos que delas usufruem, e só podem ser compreendidas se forem integradas ao todo, ou seja, à sua materialidade histórica e aos conceitos com os quais formam unidade, recebendo, assim, um significado autêntico (Kosik, 1965). A introdução da Psicologia nesse complicado contexto tem implicações importantes para as decisões em políticas públicas na educação e deve ser estudada.

Ante o assinalado, o presente estudo tem por objetivo realizar uma revisão de literatura acerca das políticas educacionais que vêm sendo alvo de pesquisas nos últimos dez anos, com vista a verificar em que medida tem sido estabelecida a relação com a Psicologia Escolar e Educacional. Para tanto, será exposto a seguir o percurso metodológico adotado, bem como os resultados obtidos, a discussão da temática e a síntese integradora do que se pode constar.

 

2. Método

Trata-se de uma revisão de literatura, de natureza exploratório-descritiva, sobre as políticas públicas educacionais na interface com a Psicologia Escolar e Educacional. O procedimento metodológico para a coleta das informações foi: 1. seleção da temática e elaboração do problema de pesquisa; 2. busca na literatura e delimitação dos descritores; 3. busca nas bases de dados; 4. extração dos artigos de acordo com os critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos; 5. análise e sínteses dos dados obtidos; 6. produção dos resultados e publicação.

As bases de dados consultadas foram: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Scopus, Web of Science, Medline (Pubmed) e ScienceDirect. Para selecioná- las, foi feita a consulta ao Portal de Periódicos Capes sobre o tema, a fim de identificar as bases de dados que indexam artigos sobre o assunto, dentre as quais foram selecionadas cinco. A busca foi realizada por meio do acesso ao endereço eletrônico dessas bases. Os descritores e operadores boolianos utilizados foram: ("Public Policy" OR "Public Policies") AND "Educacional Policies" AND ("Educacional Psychology" OR "School Psychology").

Como critério de inclusão, consideraram-se artigos que apresentassem estudos teóricos e empíricos, publicados entre janeiro de 2008 e dezembro de 2017, em português, inglês ou espanhol. Excluíram-se livros, teses, dissertações ou outras publicações que não estavam disponíveis na íntegra, assim como estudos que não envolviam políticas educacionais como objeto de estudo. Optou-se pelo formato de artigo por ser um tipo de publicação que revela um trato analítico sistemático calcado em um processo editorial, pois, para a sua aprovação, há uma avaliação feita por pareceristas ad hoc.

Localizaram-se 381 artigos, dentre os quais foram excluídos 290 por não terem relação com o tema principal, 61 por duplicata e sete por não terem acesso livre às bases. As duplicatas descartadas foram realizadas de maneira randômica, como mostra a Figura 2.1. A amostra final foi constituída por 23 artigos, lidos integralmente e analisados quanto aos aspectos gerais - o ano de publicação e o país de origem do estudo - e também acerca da identificação das principais políticas educacionais enfocadas e suas problematizações. A partir desse extrato, surgiram três categorias analíticas: políticas educacionais propriamente ditas; políticas educacionais correlacionadas a outras políticas; e relação entre políticas educacionais e Psicologia Escolar e Educacional.

 

 

3. Resultados

Quanto aos aspectos gerais, não foram encontradas pesquisas sobre o assunto nos anos de 2008, 2009 e 2010 - a partir de 2011 existem estudos. Observou-se certa estabilidade no que se refere ao número de publicações nos anos subsequentes, variando de um a seis artigos. Destaca-se, contudo, o ano de 2012 com 11 artigos do referido tema. Como mostra a Figura 3.1.

 

 

No que se refere à origem dos estudos, foram encontrados oito países: Brasil, Chile, Portugal, Uruguai, Canadá, Estados Unidos, Finlândia e Argentina. Houve uma maior prevalência de estudos concentrados em países da América Latina. É importante apontar que o Brasil foi o país onde houve o maior número de estudos, com o total de 16, sendo três deles correlacionados com outros países, um com Portugal, um com Argentina e outro com a Finlândia. Houve, ainda, estudos correlacionais entre Chile e Uruguai.

A título de informação, quanto aos aspectos metodológicos dos estudos, foram encontradas 16 pesquisas teóricas, ou seja, estudos que realizaram uma análise de documentos ou literaturas acerca das políticas educacionais. São elas: Pretto (2011), Bentancur e Nicolás (2012), Guzzo, Menzzalira e Moreira (2012), Munhoz e Melo-Silva (2012), Farenzena (2012), Guimarães (2012), McDonald (2012), Cloth et al. (2014), Werle (2014), Tello e Almeida (2014), Oliveira e Scortegagna (2015), Catellane e Zibetti (2016), Marcon, Prudêncio e Gesser (2016), An-tunes e Peroni (2017), Fajardo (2017) e Jorquera-Martínez (2017). Além dessas pesquisas, há sete outras de caráter empírico: Vaillant (2012), Sarmento e Fossatti (2012), Amaral e Monteiro (2013), Castro et al. (2014), Patrício (2016), Ferreira, Amorim, Mäkinen e Moura (2016) e Matiello et al. (2017). Dessas pesquisas, seis descreveram o uso de abordagem qualitativa (Bentancur e Nicolás, 2012; Amaral & Monteiro, 2013; Oliveira & Scortegagna, 2015; Patrício, 2016; Fajardo, 2017; Jorquera-Martínez, 2017) e duas trataram da abordagem mista (Vaillant, 2012; Castro et al., 2014), enquanto as demais não sinalizaram o tipo de abordagem empregada no estudo (ver Tabela 3.1).

 

 

Quanto às políticas educacionais com foco nos estudos, constatou-se uma diversidade de políticas-alvo de pesquisas que serão aqui descritas, considerando três categorias analíticas, descritas a seguir. No que diz respeito às políticas educacionais propriamente ditas, essa categoria foi a que agrupou o maior número de estudos (n = 17). Foram considerados aqui estudos que enfocaram unicamente algum tipo de política educacional. Obtiveram-se, então, pesquisas cujo escopo referia-se aos planos anuais, currículos e sistemas de avaliação e temas transversais, como educação sexual (Bentancur e Nicolás, 2012; Jorquera-Martínez, 2017; Marcon et al., 2016, Werle, 2014). Verificaram-se ainda estudos sobre as políticas educacionais de formação de adultos, na educação básica e na educação superior, que discutem propostas desiguais de atendimento e intervenção em programas para desenvolvimento e formação de adultos (Guimarães, 2012; Oliveira & Scortegagna, 2015; Catellane & Zibetti, 2016).

Ainda nessa categoria, há as políticas educacionais de formação continuada e incentivo a professores, que discutem a prática e a profissionalização docente (Vaillant, 2012; Sarmento & Fossatti, 2012; Tello & Almeida, 2014; Patrício, 2016). Há ainda as políticas educacionais de assistência financeira e educacional, que tratam do financiamento e monitoramento da educação pública (Farenzena, 2012; McDonald, 2012; Antunes e Peroni, 2017). As políticas educacionais de inclusão educacional de pessoas com deficiência abordam normativas, normas e leis nacionais e internacionais em educação e políticas das instituições de ensino que possibilitam a viabilização da criação de programas e modelos de cuidados para pessoas com deficiência (Cloth et al., 2014; Fajardo, 2017). Por fim, constam as políticas educacionais relacionadas à alimentação escolar, que versam acerca da adaptação do cardápio à cultura dos estudantes (Castro et al., 2014).

No que se refere às políticas educacionais correlacionadas a outras políticas, foram identificadas pesquisas cujo enfoque contemplou a relação entre políticas educacionais e áreas afins (n = 4), tais como assistência social, cultura, trabalho e arquitetura. Tais estudos abordam conteúdos educacionais a partir de programas que contemplam instrumentos de avaliação e percepção do espaço físico da escola, orientação e carreira profissional, e inclusão tecnológica e digital de estudantes (Pretto, 2011; Munhoz & Melo-Silva, 2012; Matiello et al., 2017; Amaral & Monteiro, 2013).

No tocante à relação entre políticas educacionais e Psicologia Escolar e Educacional (n = 2), os estudos encontrados discutiram sobre as políticas educacionais como um espaço profícuo para a inserção de psicólogos e delinearam uma atuação no âmbito escolar com foco no desenvolvimento humano (Guzzo et al., 2012; Ferreira et al., 2016).

Diante dos resultados encontrados, constata-se que as políticas educacionais vêm sendo estudadas nos últimos anos sob diferentes enfoques. As pesquisas têm buscado não apenas a análise unicamente dessas políticas, mas também suas relações com outros campos do conhecimento. Estudos voltados à relação entre tais políticas e a Psicologia Escolar e Educacional são ainda incipientes.

 

4. Discussão

Com base no levantamento de dados realizado, pode-se apresentar uma descrição abrangente sobre os estudos atuais relacionados às políticas educacionais e evidenciar que com a universalização da educação essas políticas têm gradativamente ganhado espaço na garantia de direitos civis (Lessa & Tonet, 2013). Tendo em vista a totalidade das políticas públicas educacionais, que são explicadas dialeticamente a partir da relação com demais objetos (Kosik, 1965), pode-se observar sua relação com o desenvolvimento econômico e os processos de reestruturação produtiva, pois, diante das novas e maiores exigências quanto à qualificação profissional, ou seja, de mão de obra, as políticas educacionais vêm se constituindo respostas não só para as demandas sociais, mas também para as econômicas.

No período estimado desta pesquisa (2008-2017), pode-se constatar que a quantidade de estudos em relação aos anos de publicação não está distribuída uniformemente, visto que não foram encontradas pesquisas a respeito entre 2008 e 2010. Evidenciou-se, contudo, que nos últimos anos os pesquisadores têm se debruçado sobre o estudo das políticas educacionais. Parte significativa das discussões aponta para uma gama diversificada de propostas e programas governamentais voltados ao campo da educação, que, apesar de se dedicarem a atender às demandas regionais de cada país, articulam-se em torno dos pressupostos estabelecidos por órgãos e programas internacionais, a exemplo do Banco Mundial, do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), da Organização das Nações Unidas (ONU/Unesco), do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e outros (Zibetti et al., 2018).

As origens das pesquisas encontradas mostram que o fenômeno tem sido estudado principalmente por países da América Latina, como Brasil, Chile, Argentina e Uruguai. Destaca-se aqui o Brasil como o país com maior número de produções. Os estudos realizados por Antunes e Peroni (2017), Oliveira e Scortegagna (2015), Jorquera-Martínez (2017) e Vaillant (2012) promovem a reflexão sobre a democratização e ampliação dos direitos à educação e concluem que, com a crise do capitalismo, os países da América Latina, principalmente o Brasil (e também Portugal), vêm buscando dar respostas às demandas de suas populações.

No que tange ao Brasil, a redemocratização na década de 1990 e posteriormente a instituição de diversas leis, acordos e estatutos demarcaram um período fecundo para a formulação de políticas no âmbito da educação. São marcos desse período a democratização do acesso às instituições escolares, a descentralização do financiamento público, a gestão participativa e a definição do plano salarial nacional para o magistério (Zibetti et al., 2018; Silva & Oliveira, 2018). Tal cenário histórico e político pode ter sido um importante contribuinte para a larga produção científica no país sobre o assunto, assim como para a implantação da diversidade de políticas educacionais com foco nos estudos encontrados.

Os aspectos metodológicos dos artigos selecionados indicam que as pesquisas acerca da temática correspondem em sua maioria à análise de documentos ou literatura. Pesquisas empíricas ou de campo, entretanto, ainda são poucas. Nesse sentido, embora seja reconhecida a importância das análises documentais, elas podem não ser suficientes para a compreensão de como as políticas educacionais têm se efetivado na realidade política, social e educacional. Diante dessa constatação, sugere-se o investimento em pesquisas empíricas, tendo em vista a necessidade de avanços no conhecimento sobre as políticas educacionais, além de subsidiar pesquisas posteriores, como afirmam Mainardes e Tello (2016).

Quanto às categorias analíticas delineadas neste estudo, quando são relacionadas com o aumento do número de publicações sobre o tema nos últimos anos (2011-2017) e sua origem, percebe-se a estreita relação entre política e economia. Além disso, para o entendimento dessas políticas é importante considerar que devem ir além da dimensão pedagógica e institucional, é imprescindível que ofereçam alicerce para o estabelecimento de condições objetivas e concretas, ou seja, que favoreçam a apropriação do conhecimento historicamente acumulado e que, para tanto, medeiem as relações sociais e individuais.

Com os sistemas de bem-estar (Welfare State), os governos são responsabilizados por atender aos interesses do mercado ao mesmo tempo que devem responder às demandas de proteção social (Lessa & Tonet, 2013). Cabe ao Estado, portanto, garantir os direitos sociais, em especial o direito à educação, e com isso instituir políticas educacionais que atendam à sua realidade (Patto, 1997; Draibe, 2007; Sloan, 2009; Dimenstein, 2011; Gewirtz & Ball, 2011; Leonardo et al., 2018). Com isso, diante da instituição de diversas políticas educacionais, houve também uma alavancagem no número de pesquisas sobre esse fenômeno.

Ainda nessa direção, pode-se apontar que a maioria das nações-alvo das pesquisas encontradas são aquelas em via de desenvolvimento. Tais países, com vista a alcançar a modernização, reverter os indicadores educacionais e sociais ruins e corresponder às exigências do mercado de consumo, vêm buscando investir na educação pública e na alfabetização para a qualificação da força de trabalho por meio de planos e programas educacionais, assunto discutido nos trabalhos de Castro et. al. (2014), Amaral e Monteiro (2013), Farenzena (2012) e Bentancur e Nicolás (2012). Vale ressaltar que a base capitalista, segundo afirma Saviani (2008), favorece as classes dominantes e condiciona produções sobre a política educacional tratada de forma subordinada à política econômica.

Foram encontradas ainda outras seis pesquisas (Fajardo, 2017; Catellane & Zibetti, 2016; Ferreira et al., 2016; Werle, 2014; Tello & Almeida, 2014; Sarmento & Fossatti, 2012) que discutiram as contradições nas políticas educacionais por meio de diferentes situações: diversidade de modalidades de ensino, atuação dos profissionais envolvidos na área escolar e formação desses profissionais.

Atualmente, há uma valorização do conhecimento, principalmente por meio dos sistemas de avaliações nacionais que destacam as escolas com melhores resultados, sem considerar, contudo, as condições objetivas e simbólicas dos processos educativos para aprendizagem e desenvolvimento humano de todos os atores envolvidos, quer sejam alunos, professores, gestores ou demais profissionais (Leonar-do et al., 2018; Zibetti et al., 2018). O discurso de democratização das oportunidades, explicando o sucesso e fracasso pela ideologia das aptidões naturais ou pelo esforço individual, fundamenta o princípio da meritocracia e tem sido uma das muitas contradições que sustentam as políticas educacionais (Dardot & Laval, 2016).

Outras contradições apontadas dizem respeito à relação entre o nível ou grau de escolaridade da população e a sua capacidade de entrar e permanecer no mercado de trabalho. Essa discussão é vista no estudo de Munhoz e Melo-Silva (2012) que discute a relação entre a escola, a sociedade e as exigências do mercado. Nesse sentido, há uma busca pela promoção educacional com vista a uma maior produtividade, qualidade e competitividade, marcas de uma economia de mercado em crescente processo de globalização, em detrimento de uma educação para formação humana ou, em outras palavras, que viabilize o processo de humanização (Saviani, 2007).

Vale ressaltar que as políticas educacionais não acontecem de maneira isolada, mas se correlacionam a outras políticas. As pesquisas sinalizam para a intersetorialidade com outras áreas de conhecimento, tais como arquitetura e assistência Social. Indicam, portanto, a possibilidade de diálogo entre a educação e as condicionalidades do Programa Bolsa Família (Amaral & Monteiro, 2013), para o uso educativo das tecnologias digitais a partir do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva (Pretto, 2011), para a relação entre o contexto educativo e a preparação para o trabalho e carreira, considerando o que estabelece o Ministério do Trabalho e Emprego - MTE (Munhoz & Melo-Silva, 2012) e, ainda, a avaliação do espaço urbano no entorno de escolas em tempo integral (Matiello et al., 2017).

No que se refere à relação entre políticas educacionais e Psicologia Escolar e Educacional, as pesquisas encontradas são originárias do Brasil. Evidenciou-se que, apesar de a Psicologia historicamente ter assumido um papel de contribuição para as tendências teóricas e os ideários pedagógicos que fundamentam as práticas educacionais no Brasil (Tanamachi & Meira, 2003), e mesmo com o movimento de aproximação das políticas públicas apontadas por Barroco et al. (2018), poucos tiveram como foco a intercessão com a Psicologia Escolar e Educacional. Juntamente com isso, percebe-se que o psicólogo pouco tem participado da formulação e implantação das políticas educacionais, e não é reconhecido, no âmbito legislativo, como ator fundamental na composição da equipe escolar (Guzzo & Wechsler, 2001; Oakland & Sternberg, 2001; Guzzo, 2008), sendo uma possível explicação para a pouca produção relacionando Psicologia e políticas educacionais.

Desnuda-se, portanto, a contradição de que, embora o estudo analisado sobre políticas educacionais e correlacionadas demonstre ser um campo fecundo para a atuação do psicólogo, são poucas as pesquisas que têm em seu escopo de fato a atuação desse profissional (Urt, 2017). Os estudos encontrados (Guzzo et al., 2012; Ferreira et al., 2016) discutem, de modo incipiente, a atuação do psicólogo escolar, apontando os elementos que influenciam a entrada e permanência dele na escola e como se configura o papel do psicólogo escolar.

Corroborando isso, Martinez (2009, 2010) e Souza (2009) indicam que a implantação de políticas públicas não tem sido foco da ação dos psicólogos e das instituições escolares. Apesar disso, é preciso ponderar que, ao debaterem sobre formas emergentes de atuação no campo educacional, esses profissionais precisam, para além da dimensão psicoeducativa, considerar a dimensão psicossocial; nesse ponto, urge discutir acerca da formulação e efetivação das políticas educacionais

 

5. Considerações finais

Este estudo objetivou realizar uma revisão de literatura acerca das políticas educacionais que têm sido alvo de pesquisas nos últimos dez anos, com vistas a verificar em que medida tem sido estabelecida a relação com a Psicologia Escolar e Educacional. O tema foi objeto de investigações recentes, e identificou-se uma tendência para estudos correlacionando a educação com outras áreas de conhecimento, todavia, no que se refere à Psicologia Escolar e Educacional, esses estudos ainda são escassos.

Apesar do rigor metodológico adotado nesta pesquisa, faz-se necessário apontar algumas limitações. Tendo em vista que se trata de um recorte de pesquisas realizadas a partir de determinados descritores e bases de dados específicas, tais escolhas podem ter limitado o alcance da totalidade de estudos envolvendo o fenômeno, podendo haver, por isso, estudos que não foram incluídos nesta investigação. Além disso, ao serem estabelecidos critérios de inclusão/exclusão para a busca dos artigos, não foram considerados outros tipos de documento. Porém, isso não tira a relevância do estudo realizado, mas aponta um caminho para revisões de literaturas posteriores sobre o assunto.

Em face de tais considerações, sabe-se que a instituição das diversas políticas educacionais tem propiciado a democratização do acesso à educação escolar, porém essas políticas não estão desconectadas do sistema de produção e das relações sociais e individuais dele derivadas; antes estabelecem condições objetivas e concretas de vida, e que podem implicar o processo de humanização dos sujeitos. Nesse sentido, a Psicologia, seja por meio de pesquisas ou pela atuação profissional, numa perspectiva crítica, precisa tomar ciência das determinações históricas e sociais que envolvem a sociedade, além das políticas educacionais, para assim aparelhar o caminho que a leve a assumir o papel ativo na interposição de obstáculos e na contribuição para o desenvolvimento humano.

 

Referências

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Correspondência:
Carolina Martins Moraes
Rua Deoclécio Brito, 3180, Planalto Ininga
Teresina, PI, Brasil. CEP 64050-050
E-mail: carolinamm12@gmail.com

Submissão: 02/10/2018
Aceite: 03/06/2019

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