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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.3 São Paulo sept./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n3p345-365 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Efeito da terapia cognitivo-comportamental um ano após tratamento para adultos com transtorno depressivo maior

 

 

Gessyka W. VeledaI; Mariane L. MolinaII; Ricardo A. da SilvaIII; Karen JansenIV; Carmem Beatriz NeufeldV; Luciano D. de M. SouzaVI

IDepartamento de Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
IIDepartamento de Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
IIIDepartamento de Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
IVDepartamento e Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
VDepartamento de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP)
VIDepartamento e Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas (UCPel)

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RESUMO

No Brasil, pouco se sabe sobre a manutenção dos resultados pós-tratamento da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para o transtorno depressivo maior (TDM). Objetivou-se verificar a efetividade do tratamento psicoterápico individual a partir da TCC para os sintomas depressivos em um período de 6 e 12 meses pós-intervenção. Avaliaram-se 94 participantes com TDM a partir do Inventário Beck de Depressão (BDI-II). Houve resposta significativa pós-tratamento (p < 0,001), não ocorrendo diferenças entre o final do tratamento e a avaliação dos sintomas aos 6 (p = 0,486) e 12 meses (p = 0,098). Uma correlação positiva significativa foi observada entre a intensidade dos sintomas depressivos no baseline e a redução de sintomas iniciais para o acompanhamento de 12 meses (r = 0,49; p < 0,001). A TCC reduz significativamente os sintomas depressivos mantendo essa condição até 12 meses pós-intervenção sem influência significativa de outras características além da intensidade dos sintomas depressivos no início do processo terapêutico.

Palavras-chave: transtorno depressivo; sintomas depressivos; terapia cognitivo-comportamental; follow-up; efetividade.


 

 

1. Introdução

O transtorno depressivo maior (TDM) é conhecido como uma condição clínica comum geradora de grande carga econômica para as políticas de saúde, seja por causa da alta prevalência, seja por sua natureza debilitante (Greenberg, Fournier, Sisitsky, Pike, & Kessler, 2015). Adicionalmente, o impacto desses sintomas na vida das pessoas é premente, gerando prejuízos e sofrimento clinicamente significativos (Marcus & Olfson, 2010). Em virtude dessas características, nas últimas décadas ocorreu um aumento substancial na procura por alternativas de tratamento para depressão, principalmente no que se refere às intervenções psicoterapêuticas. Nesse sentido, a literatura tem apresentado estudos controlados e comparativos comprovando a eficácia dos tratamentos psicológicos na redução dos sintomas depressivos (Cuijpers et al., 2011).

Entre as alternativas psicoterapêuticas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) está em posição de destaque, sendo a abordagem psicoterapêutica mais indicada e pesquisada para o tratamento da depressão em adultos (Cuijpers et al., 2013). Essa abordagem tem se mostrado favorável por se tratar de um modelo breve, passível de ser empiricamente testado, com diminuição dos sintomas evidenciada em curto prazo, além de apresentar menores índices de recaída (Lang & Borgwardt, 2013).

Em uma metanálise realizada com 115 estudos, em que se compararam os efeitos da TCC com os obtidos em grupos controles, outras psicoterapias e intervenção farmacológica, constatou-se que a TCC é um tratamento eficaz para a depressão em adultos (Cuijpers et al., 2013). Esses achados parecem estender-se também aos indivíduos com depressão resistentes ao tratamento, visto que duas metanálises evidenciam que a TCC é tão eficaz quanto o tratamento com medicação antidepressiva sozinha e que a combinação de ambos melhora significativamente a eficácia do tratamento (Cuijpers et al., 2014).

Contudo, os maiores desafios encontrados no tratamento da depressão estão relacionados às taxas de recaídas ou recorrência de sintomas que se mantêm elevadas e tendem a aumentar com o número de episódios anteriores (Koster, Hoorelbeke, Onraedt, Owens, & Derakshan, 2017). Após um primeiro episódio de depressão, a probabilidade do aparecimento de um episódio adicional é de aproximadamente 50%, o qual aumenta para 70% após dois episódios e 90% após um terceiro episódio (Burcusa & Iacono, 2007). Além disso, fatores como idade do primeiro episódio, gravidade, comorbidade, histórico familiar, cognições disfuncionais, personalidade (neuroticismo), apoio social deficiente e eventos estressantes da vida são apontados como fatores de risco para o aparecimento de novos episódios (Kessler et al., 1996).

Quando avaliados em médio e longo prazos, acredita-se que os benefícios da TCC são mantidos, auxiliando em uma resposta ao tratamento eficaz. Em dois ensaios clínicos randomizados (Nakagawa et al., 2017; Wiles et al., 2016), realizados com adultos diagnosticados com TDM resistente ao tratamento, mostrou-se que, entre 6 e 12 meses após a intervenção, as taxas de remissão eram significativamente maiores no grupo exposto a essa psicoterapia, além de os escores do Inventário Beck de Depressão (BDI-II) igualmente apresentarem redução ao longo do tempo. No estudo de Wiles et al. (2016), o grupo tratado com TCC, 46 meses após intervenção, apresentou escores menores de sintomatologia depressiva do que o grupo controle. Em análises de medidas repetidas, usando dados de 6, 12 e 46 meses, os indivíduos no grupo de intervenção apresentaram um escore no BDI-II que foi, em média, quatro pontos menor ao longo dos 46 meses em comparação ao grupo que utilizava apenas os psicotrópicos. Entretanto, a presença de recaída e recorrência foi bastante comum mesmo entre aqueles que responderam à TCC. Vittengl, Clark, Dunn e Jarrett (2007), em uma metanálise que reuniu 28 estudos incluindo 1.800 adultos, concluíram que, um ano após o tratamento, 29% dos pacientes apresentaram recaídas ou recorrência de episódios, aumentando para 54% dois anos depois.

Mesmo com resultados promissores, ainda existem lacunas referentes à efetividade da TCC em médio e longo prazos, sobretudo no contexto brasileiro. Desse modo, o objetivo deste estudo foi verificar o impacto do tratamento psicoterápico para a resposta dos sintomas depressivos entre seis meses e um ano pós-intervenção.

 

2. Método

2.1 Design do estudo e participantes

Trata-se de uma pesquisa quase experimental de série temporal alinhada a um estudo do tipo ensaio clínico randomizado que teve início em julho de 2012 e final de avaliações de acompanhamentos em janeiro de 2017, sob aprovação do Comitê de Ética da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) (Parecer n. 02855312.6.0000.5339). O ensaio clínico objetivou testar a eficácia de dois modelos breves de psicoterapia para depressão (psicoterapia dinâmica suportivo-expressiva e TCC). Este trabalho apresentará somente os dados referentes à TCC. Todos os participantes receberam informações sobre o estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram convidados a participar do estudo indivíduos com idades entre 18 e 60 anos, captados por conveniência, por meio de divulgação nas unidades básicas de saúde (UBS), nos centros de atenção psicossocial (Caps) e em outros serviços de atenção à saúde no município, além de escolas e meios de comunicação da cidade de Pelotas (jornais, sites, rádio e televisão). Após avaliados e diagnosticados pela equipe de pesquisa, os pacientes foram randomizados para os dois modelos de intervenção do estudo maior, e 158 adultos foram randomizados para o tratamento com TCC. Os critérios de inclusão adotados foram os seguintes: ter entre 18 e 60 anos, ter sido avaliado e diagnosticado com TDM pela equipe de pesquisa e ter permanecido no mínimo até a terceira do total de 16 sessões.

Foram excluídos os indivíduos que, no momento da avaliação, estavam em tratamento psicoterapêutico ou farmacológico para TDM em outro local e apresentavam risco de suicídio moderado ou grave, sintomas psicóticos e uso abusivo de alguma substancia psicoativa (exceto tabaco e álcool), avaliados, respectivamente, pelos módulos C, K e L da Mini International Neuropsychiatric Interview na versão Plus (MINI Plus) (Sheehan et al., 1998). A amostra final foi composta por 94 participantes, dos quais 56 concluíram a intervenção e realizaram a avaliação final, 65 responderam à avaliação de 6 meses e 61 foram avaliados 12 meses após o tratamento.

2.2 Instrumentos

A condição econômica dos participantes foi mensurada a partir dos Critérios de Classificação Econômica Brasil, fornecidos pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Essa classificação caracteriza a população em classes econômicas; A, B, C, D e E. Para a análise de dados, essa variável foi considerada dicotômica: A/B ou C/D/E.

O diagnóstico de TDM e as comorbidades psiquiátricas foram aferidos por meio da MINI Plus. Essa é uma entrevista adaptada ao contexto clínico e representa uma alternativa adequada e econômica para seleção e avaliação de pacientes, segundo critérios internacionais, tanto em estudos clínicos quanto epidemiológicos (Azevedo Marques & Zuardi, 2008; Amorim, 2000).

Para aferir os transtornos de personalidade, foi utilizado o Millon Clinical Multiaxial Inventory - III (MCMI-III), composto de 175 afirmativas, com opção de resposta do tipo "verdadeiro" ou "falso". A partir desses dados, apresentaram-se os indicativos de transtorno de personalidade esquizoide, esquizotípico, paranoide, borderline, antissocial, narcisista, histriônico, dependente, evitativo e obsessivo- -compulsivo (Rocha et al., 2011).

Por fim, para a mensuração e comparação da intensidade dos sintomas depressivos no início, no final e no prazo de 6 meses e um 1 após tratamento, foram utilizados os escores totais do instrumento BDI-II. Essa escala autoaplicável é composta por 21 itens, sendo cada um deles mensurado por meio de escala tipo Likert de 0 a 3 pontos, gerando assim um escore total de 0 a 63 pontos, representando a severidade dos sintomas depressivos. Esse instrumento tem sido utilizado amplamente para avaliar a presença e intensidade de sintomas depressivos (Gomes-Oliveira, Gorenstein, Lotufo, Andrade, & Wang, 2012). A partir dessas avaliações, elaborou-se uma variável quantitativa discreta nomeada como delta de redução de sintomas depressivos que representa a diferença entre quantidade de sintomas depressivos no início e 12 meses após o tratamento.

2.3 Procedimentos

Os pacientes elegíveis a esta pesquisa responderam a um questionário contendo dados sociodemográficos (sexo, idade, classificação econômica, escolaridade, ocupação, situação conjugal) e passaram por uma avaliação da sintomatologia por meio do BDI-II (Gomes-Oliveira et al., 2012). Após essa etapa, os pacientes receberam 14 sessões individuais de TCC, uma vez por semana, com 50 minutos de duração. Além dessas sessões, duas, a primeira e a última, foram destinadas à aplicação de instrumentos, totalizando 16 encontros. Na última sessão, assim como na primeira, realizou-se a avaliação dos sintomas depressivos por meio do mesmo instrumento.

No processo de tratamento em TCC, as quatro sessões iniciais foram destinadas à psicoeducação do TDM e do modelo cognitivo e à elaboração de conceitualização cognitiva do caso (Beck, 2013). As próximas oito sessões foram direcionadas à aplicação de técnicas cognitivas (automonitoramento, questionamento socrático, resolução de problemas, vantagens e desvantagens, entre outras) com foco na reestruturação cognitiva e ativação comportamental. Tais técnicas foram adaptadas conforme as demandas e os contextos apresentados por cada paciente. Todas as sessões obedeceram à estrutura proposta por Beck (2013), e os tópicos da agenda da sessão eram propostos pelos pacientes e selecionados em conjunto com a(o) psicoterapeuta(o). As últimas três sessões tiveram o objetivo de trabalhar o término e a prevenção de recaída, seguido pela avaliação final na última sessão.

A psicoterapia foi realizada no Ambulatório de Pesquisa e Extensão em Saúde Mental por psicólogos e alunos do último ano do curso de graduação em Psicologia da UCPel e do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da mesma instituição. Todos os terapeutas receberam um treinamento em TCC dos coordenadores deste estudo. Estes foram supervisionados por um dos pesquisadores que possui formação e atuação clínica no modelo proposto.

Os pacientes foram avaliados após a intervenção psicoterapêutica e em mais dois momentos, aos 6 e 12 meses após o término da psicoterapia. Para contatar os pacientes após a intervenção, foram realizados telefonemas a partir dos dados disponibilizados inicialmente. Nessas avaliações de follow-up, mensurou-se a sintomatologia depressiva por meio do BDI-II e aplicou-se um questionário contendo as principais informações clínicas do paciente no período posterior ao tratamento.

2.4 Processamento e análise de dados

Os dados foram processados em tablets por meio do sistema Open Data Kit (ODK). Após transferidos, foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS 21.0). Inicialmente, realizou-se a análise univariada a fim de descrever por meio de frequência absoluta e relativa as variáveis qualitativas do presente estudo. Além disso, ainda na análise univariada, apresentaram-se medidas de tendência central e dispersão das variáveis quantitativas investigadas.

Com objetivo de realizar a análise por intenção de tratamento, as informações perdidas relativas ao instrumento BDI-II nas avaliações de final do tratamento, de acompanhamento de 6 meses e 12 meses, foram substituídas por imputações de acordo com a mediana apresentada pelo grupo em questão.

O teste de Friedman foi utilizado para comparação da intensidade de sintomas depressivos no início, no final, nos 6 meses e 1 ano depois do tratamento. O teste de Wilcoxon foi utilizado para avaliar a significância da redução dos sintomas depressivos em relação à intensidade deles no início da psicoterapia, bem como a diferença dos acompanhamentos em relação aos escores do final do tratamento.

Para a análise da distribuição das variáveis independentes em relação à diferença dos sintomas depressivos iniciais e 12 meses pós-acompanhamento, utilizaram-se o teste U de Mann-Whitney, o teste de Kruskal-Wallis e o coeficiente de correlação de Spearman. Por fim, conduzimos a análise ajustada por meio da regressão linear para a análise da variável delta de redução de sintomas depressivos, sem hierarquia de variáveis, sendo inseridas aquelas com valor de significância p < 0,20 na análise bruta. Foram consideradas associações estatisticamente significativas aquelas que apresentaram p < 0,05.

 

3. Resultados

Entre os participantes, a maioria era composta de mulheres (87,2%), brancas (80,9%), com média de idade de 37 anos (19-59; ± 11,7) e pertencentes à classe econômica C, D ou E (53,2%). Mais da metade tinham nove ou mais anos de estudo (73,4%), trabalhavam e/ou estudavam no momento da entrevista (68,1%) e tinham filhos (69,1%) e companheiro(a) (61,7%).

Quanto à caracterização clínica da amostra, 80,9% dos participantes apresentavam, além do TDM, outras comorbidades psiquiátricas avaliadas pela entrevista clínica MINI PLUS.

Ao longo do tratamento e nas avaliações posteriores, a mediana dos escores dos sintomas depressivos apresentou decréscimo: no início do tratamento, a mediana do BDI-II foi de 31 pontos (IIQ 24,00 a 41,00), diminuindo para 17,53 (IIQ 10,50 a 21,25) ao final da intervenção psicoterapêutica. Nos acompanhamentos de 6 e 12 meses após o tratamento, as medianas do BDI-II foram 16,74 (IIQ 7,00 a 20,00) e 16,22 (IIQ 7,00 a 16,41), respectivamente. Houve redução significativa de sintomas depressivos do início do tratamento para o final do tratamento (z = -7,599; p < 0,001); para o acompanhamento de 6 meses (z = -7,762; p < 0,001) e de 12 meses (z = -7,963; p < 0,001). Não houve diferenças significativas em relação aos escores de sintomas depressivos do final do tratamento quando comparados ao acompanhamento de 6 meses (z = -0,698; p = 0,486), indicando uma manutenção desses escores após a intervenção e tendência a menor intensidade de sintomas aos 12 meses (z = -1,659; p = 0,098).

 

 

A diferença do escore de sintomas depressivos do início do tratamento para o acompanhamento de 12 meses apresentou mediana de 14,89 pontos no escore de BDI-II (IIQ 8,59 a 26,03) (Tabela 3.1). Em relação às características sociodemográficas, houve diferença estatisticamente significativa entre as categorias da classe econômica (p = 0,027). Os participantes das classes C, D ou E apresentaram maiores diferenças nos escores de sintomas depressivos (18,00; IIQ 8,6 a 30,84), quando comparados aos participantes da classe A/B (12,78; IIQ 8,03 a 20,50).

 

 

Analisando as variáveis clínicas, a presença de transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TOC) esteve relacionada significativamente (p = 0,012) a maiores diferenças de escores de BDI-II (26,28; IIQ 11,6; 32,25), em relação aos participantes que não apresentavam TOC (13,00; IIQ 7,20; 22,00) (Tabela 3.2). Igualmente, houve diferenças importantes quanto às diferenças nos escores dos sintomas depressivos iniciais e 12 meses pós-tratamento entre os participantes com transtorno de personalidade esquizoide (p = 0,030), evitativo (p = 0,008) e dependente (p = 0,006). Entre estes, os deltas eram maiores em comparação aos participantes sem essas comorbidades (Tabela 3.3). Em contrapartida, os participantes com TOC apresentaram a mediana do delta menor (12,78; IIQ 3,78 a 17,00) em comparação aos participantes sem o transtorno (17,00; IIQ 10,78 a 28,00), tendendo à diferença significativa (p = 0,054).

 

 

 

 

A intensidade de sintomas depressivos ao início do tratamento foi moderadamente correlacionada com a diferença de sintomas depressivos entre o início e os 12 meses (r = 0,49; p < 0,001). O restante das variáveis sociodemográficas e clínicas não apresentou diferenças significativas em relação às medianas da diferença dos escores do BDI -II na avaliação inicial e acompanhamento de 12 meses (Tabela 3.1).

A análise multivariada apontou apenas o escore de sintomas depressivos inicial com associação significativa como a diminuição dos sintomas depressivos (p < 0,001). Já a condição econômica não apresentou associação significativa, contudo permaneceu no modelo de análise (p = 0,123).

 

 

4. Discussão

O presente estudo avaliou a efetividade do tratamento psicoterápico a partir da TCC, nos sintomas depressivos, num período de 6 meses e 1 ano após a intervenção, verificando uma redução significativa destes logo após o tratamento, mantendo-se 12 meses depois. A intensidade dos sintomas depressivos no início do processo terapêutico está positivamente correlacionada a uma diminuição dos sintomas depressivos após 12 meses, sem influência significativa de outras características sociodemográficas ou clínicas.

Em acompanhamento pós-intervenção, Wiles et al. (2016) também constataram diminuição dos escores de BDI-II ao longo de 6 e 12 meses em comparação com os escores iniciais na amostra de 285 adultos com TDM resistente ao tratamento que receberam intervenção em TCC mais farmacoterapia. Ao final de 46 meses após o acompanhamento, a média dos escores de BDI-II foi igual a 19,2 pontos, não apresentando diferença significativa em relação aos escores de 6 e 12 meses. Nossos resultados igualmente indicam que, logo após a intervenção, os sintomas diminuem, embora ao longo do tempo não sofram mudanças significativas, chegando a apresentar mediana de 16,22 pontos, demonstrando assim uma manutenção dos ganhos terapêuticos. É importante ressaltar que a mediana dos escores finais, quando comparada à mediana dos escores de 12 meses pós-intervenção, apresentou tendência a menor intensidade de sintomas, porém não significativa. Mesmo com as diferenças entre os aspectos clínicos das duas amostras, os escores dos sintomas depressivos avaliados por meio do mesmo instrumento foram aproximados no início do tratamento e no acompanhamento de 12 meses, possivelmente refletindo o mesmo fenômeno.

Utilizando diferentes instrumentos para avaliação dos sintomas depressivos, outros estudos também encontraram benefícios da TCC em longo prazo. Nakagawa et al. (2017), ao compararem sujeitos com TDM resistente ao tratamento que receberam também 16 sessões de TCC mais tratamento com farmacoterapia com um grupo que recebeu apenas medicação, encontraram uma maior proporção de remissão nos sintomas depressivos (avaliados pela GRID-Hamilton Depression Rating Scale, versão alterada da escala Hamilton) no fim do tratamento no grupo TCC. No follow-up de seis e 12 meses, os escores da intensidade dos sintomas depressivos se mantiveram ainda menores no grupo da TCC. É importante ressaltar que, quando se analisaram esses sintomas a partir da escala BDI-II, não foram encontradas diferenças significativas. A maior variabilidade da expressão dos sintomas depressivos possibilitada pelo BDI-II pode estar relacionada a tais diferenças.

Além de efetiva, a TCC parece ser indicada para diferentes perfis de pacientes com TDM, pois não foram encontradas evidências de que características sociodemográficas, como sexo, escolaridade e condição econômica, ou aspectos clínicos específicos, como a comorbidade com outros transtornos, interfiram no resultado da intervenção, exceto a intensidade de sintomas depressivos no início do tratamento. Barth et al. (2016), em uma metanálise com 198 estudos clínicos randomizados que utilizavam diferentes intervenções clínicas para tratamento de TDM (inclusive a TCC), também não constataram diferenças no efeito para as diferentes populações de pacientes e formatos de intervenção. Assim, pessoas com diferentes características sociais e clínicas parecem responder de forma semelhante e efetiva ao tratamento em TCC.

De forma similar à correlação encontrada entre a intensidade dos sintomas depressivos no início do tratamento e a redução desses sintomas um ano após a intervenção, Hollon et al. (2014) verificaram uma melhora significativa para os pacientes com depressão mais grave em relação ao tratamento combinado em longo prazo (TCC mais farmacoterapia) quando comparado ao tratamento exclusivamente farmacológico. Desse modo, sugere-se que indivíduos com sintomas depressivos mais graves, em longo prazo, se beneficiam mais tanto de intervenção psicoterapêutica exclusiva quanto de combinada, embora sejam necessárias mais investigações. Contudo, não há indicações na literatura para uma melhora significativa dos sintomas depressivos referente à intensidade inicial destes quando se pesquisaram exclusivamente os efeitos da TCC. Cabe salientar que este estudo não excluiu pacientes com depressão grave indicada pelo BDI-II, porém excluiu indivíduos que poderiam apresentar maior complexidade terapêutica ao relatarem risco de suicídio moderado ou grave, sintomas psicóticos e/ou uso abusivo de alguma substância psicoativa na avaliação inicial.

Uma das possibilidades explicativas para a o efeito expressivo da TCC no tratamento em longo prazo se dá pelo seu caráter psicoeducativo. Por meio do ensino de novas habilidades, os pacientes passam a gerenciar melhor seu humor e, portanto, apresentam benefícios cognitivos e comportamentais que são sustentados além do término da psicoterapia. Metanálises de ensaios nessa área mostram que o acesso ao conhecimento sobre o transtorno e o modelo cognitivo proposto pela TCC reduz o risco de recaída da depressão (Cuijpers et al., 2013; Vittengl et al., 2007). Essa possibilidade corrobora um estudo qualitativo que entrevistou nove indivíduos sobre seu uso de habilidades adquiridas no tratamento com a TCC, dez meses após o término do tratamento, demonstrando que os pacientes ainda continuavam a usar algumas das habilidades aprendidas (Glasman, Finlay, & Brock, 2004).

Os achados do estudo devem ser interpretados considerando algumas limitações. Um número importante de pacientes não completou o tratamento ou as avaliações de acompanhamento. No entanto, a análise por intenção de tratamento visa minimizar esse potencial efeito negativo (Barth et al., 2016). A utilização de apenas um instrumento para de avaliação do desfecho igualmente limita as conclusões. O BDI-II, embora recomendado e confiável, se propõe a avaliar apenas a sintomatologia depressiva, não resultando em uma análise clínica sobre a remissão do TDM após o acompanhamento. Ainda, a falta de um grupo controle, como lista de espera ou uso exclusivo de intervenção farmacológica, também limita os achados, pois poderia subsidiar análises sobre os benefícios específicos da intervenção cognitivo-comportamental em comparação a outras condições.

Entretanto, o estudo apresenta pontos fortes interessantes para a interpretação dos achados. Para a composição da amostra, um dos critérios de exclusão foi o uso de medicações indicadas para o tratamento de sintomas depressivos. Isso pode se configurar um benefício, tendo em vista que os resultados encontrados não são provenientes de outras intervenções específicas de tratamentos em saúde mental. Na aferição de longo prazo, os resultados referentes à busca de tratamentos psiquiátricos e/ou psicológicos ao longo dos 12 meses não apresentaram relação significativa com a diferença de sintomas depressivos do início para o acompanhamento.

Poucos estudos utilizaram modelo de intervenção único. Na pesquisa de Hollon et al. (2014), 114 indivíduos com TDM grave e moderado foram randomizados em três grupos e acompanhados durante 12 meses: pacientes que responderam à terapia cognitiva (TC) de fase aguda após 16 sessões (n = 35), pacientes que responderam ao tratamento farmacológico na fase aguda e mantiveram tratamento farmacológico de continuação (n = 34) e pacientes que responderam ao tratamento farmacológico na fase aguda, mas este foi retirado e substituído por placebo (n = 35). Pacientes do grupo TC tiveram probabilidade significativamente menor de recaída durante os 12 meses em comparação àqueles que seguiram utilizando placebo e não estavam mais propensos à recaída do que os pacientes que mantiveram a medicação de continuação. Assim, de forma similar aos resultados do presente estudo, a TCC exclusiva apresenta resultados satisfatórios após o tratamento, possivelmente reduzindo o risco de recaídas.

Contudo, quando se analisam os pontos de corte para indicados pelo BDI-II para avaliação da intensidade dos sintomas depressivos - sendo eles: mínimo (013 pontos), leve (14-19 pontos), moderado (20-28 pontos) e grave (29-63 pontos) (Gorenstein, Pang, Argimon, & Werlang, 2011) -, percebe-se que os participantes ao longo de 12 meses deixaram de preencher os critérios para predominantemente sintomas depressivos graves (31,00; IIQ 24,00 a 41,00) e passaram a enquadrar-se predominantemente nos grupo de sintomas leves (16,22; IIQ 7,00 a 16,41). Apesar disso, ao final do tratamento e um ano após, esses pacientes ainda apresentaram sintomas significativos de depressão e não passaram para categoria de sintomas mínimos. Tais resultados sinalizam a necessidade de aperfeiçoamento nas práticas da referida intervenção. Uma alternativa para a maximização dos resultados é a implementação de sessões mensais de manutenção, como fase de continuação de protocolos baseados na TCC. Vittengl et al. (2007), em uma metanálise com 28 estudos, descobriram que o tratamento com fase de continuação reduz significativamente recaída e/ou recorrência em comparação a tratamentos de fase aguda durante o período em que o tratamento em fase de continuação está em vigor e após descontinuação da fase de continuação em seguimentos posteriores. Novos estudos que incluam tais sessões mensais de acompanhamento devem ser realizados a fim de avaliar uma maior redução dos sintomas depressivos um ano após o tratamento semanal com um total de 16 sessões.

Por fim, conclui-se que a TCC foi efetiva na diminuição dos sintomas depressivos ao final da intervenção e na manutenção desses ganhos ao longo dos 12 meses seguintes, inclusive para os pacientes com sintomas graves no início do tratamento, não se diferenciando em relação ao perfil de pacientes atendidos.

 

Referências

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Correspondência:
Gessyka Wanglon Veleda
Rua Gonçalves Chaves, 373, sala 418 C, Centro
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E-mail: gessykawveleda@gmail.com

Submissão: 19/10/2018
Aceite: 03/06/2019

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