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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.21 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n3p386-404 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Estratégias metodológicas para avaliação e análise funcional do comportamento obsessivo-compulsivo

 

 

Paola E. de M. AlmeidaI; Carolina M. OrtegaII; Helena D. MelettiIII; João Manoel Rodrigues NetoVI; Weslem M. SantosV

IPrograma de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
IIPrograma de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
IIIPrograma de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
IVPrograma de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
VPrograma de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Correspondência

 

 


RESUMO

O estudo teve por objetivo identificar variáveis controladoras de comportamentos obsessivo-compulsivos de um participante adulto, com base em três estratégias de avaliação. Na primeira, Avaliação Funcional Indireta, recuperaram-se registros de sessões de terapia frequentadas pelo participante, em que foram descritas condições favorecedoras dos comportamentos obsessivo-compulsivos. Na segunda, Avaliação Funcional Descritiva, observou-se o comportamento do participante em sessões nas quais se dispunham tarefas antes indicadas como desencadeantes do comportamento-problema. Na terceira, Análise Funcional Breve - Teste de Função Única, foram manipuladas condições de demanda e controle, a fim de examinar a hipótese funcional de que o comportamento-problema seria mantido por fuga/ esquiva de tarefas. Embora divergentes, os resultados das avalições permitiram descartar a hipótese de que o comportamento-alvo seria mantido pela retirada da tarefa. Discutem-se a pertinência da adoção de diferentes estratégias de avaliação no trabalho clínico e a fragilidade de intervenções unicamente orientadas por relatos verbais.

Palavras-chave: análise do comportamento; análise funcional; transtorno obsessivo-compulsivo (TOC); avaliação funcional indireta; avaliação funcional descritiva.


 

 

1. Introdução

A Análise do Comportamento pode ser compreendida como um sistema psicológico que entende o ser humano em sua interação com o ambiente. Dada essa posição, a compreensão e alteração do comportamento do indivíduo dependem da identificação das relações estabelecidas com diferentes ambientes, o que envolve a descrição das condições que antecedem e seguem uma determinada resposta. Para a identificação dessas condições, diferentes estratégias têm sido propostas, conhecidas como métodos de Avaliação Funcional Indireta, Avaliação Funcional Descritiva e Análise Funcional (Hanley, 2012).

A Avaliação Funcional Indireta envolve a construção de hipóteses acerca dos determinantes do comportamento com base em informações obtidas durante entrevistas ou aplicação de instrumentos padronizados, respondidos por um participante ou informante qualificado. A Avaliação Funcional Descritiva, por sua vez, estaria baseada na observação direta de variáveis ambientais presentes no momento da emissão da resposta de interesse, sem garantir, no entanto, uma relação de dependência entre os eventos observados. Diferentemente dos demais métodos, a Análise Funcional do Comportamento permite não apenas o levantamento, mas também o teste de hipóteses acerca das variáveis determinantes do comportamento, a partir da manipulação experimental (Hanley, 2012).

Embora desejável, procedimentos de Análise Funcional têm sido pouco frequentes na identificação dos determinantes comportamentais, quando comparados aos métodos de Avaliação Funcional Indireta ou Descritiva, especialmente no contexto clínico de aplicação da Análise do Comportamento (Slaton, Hanley, & Raftery, 2017). Entre os motivos citados para o uso restrito de análises funcionais nesse contexto estão sua complexidade, a escassez do tempo e as dificuldades do pesquisador para o acesso e a coleta de dados, especialmente no caso de intervenções dirigidas a adultos não institucionalizados (Hanley, 2012).

Ainda que pouco frequentes, análises funcionais vêm sendo desenvolvidas também com essa população, como nos estudos de Wilder, Masuda, O'Connor e Baham (2001), Britto, Rodrigues, Alves e Quinta (2010) e Marcon e Britto (2015) que investigaram a função de vocalizações bizarras/falas inapropriadas de participantes diagnosticados com esquizofrenia com base na análise funcional de múltiplos elementos, proposta por Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richman (1994). Os estudos apresentaram quatro condições: 1. condição demanda, na qual o participante foi exposto a tarefas do dia a dia, retiradas contingentemente à emissão das vocalizações bizarras; 2. condição de atenção contingente, na qual o terapeuta atentava ao participante após a emissão de verbalizações bizarras; 3. condição sozinho, na qual o participante permanecia isolado e nenhuma consequência social era fornecida para seus comportamentos; e 4. condição controle, na qual não havia apresentação de atenção contingente às vocalizações bizarras. Como resultado, os estudos identificaram que as vocalizações bizarras ocorreram em maior frequência na condição de atenção. Desafios encontrados para a condução das análises funcionais no contexto clínico foram citados, como a ausência de controle sobre a dificuldade das demandas impostas no ambiente ambulatorial (Britto et al., 2010) ou a impossibilidade de apresentar todas as condições planejadas, por conta das mudanças imprevistas na moradia de um dos participantes (Marcon & Britto, 2015).

Situações como essas, provavelmente enfrentadas no trabalho ambulatorial, impõem a necessidade de mudanças na condução da análise funcional, tais como as sugeridas por Iwata e Dozier (2008) e Hanley (2012) para abreviar o tempo de avaliação, fazendo-se uso de procedimentos que envolvam a investigação de uma única hipótese funcional, inicialmente sugerida por estratégias indiretas. O chamado Teste de Função Única envolveria, assim, a manipulação alternada de apenas uma condição-teste e outra controle, levando ao planejamento direto da intervenção nos casos em que a hipótese funcional fosse empiricamente confirmada (Iwata & Dozier, 2008). No presente trabalho, foi utilizado o Teste de Função Única, bem como ou tras estratégias de avaliação, para identificar a função de comportamentos de um jovem atendido em regime ambulatorial, portador de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) pode ser caracterizado pela observação de comportamentos repetitivos relacionados com limpeza, ordenação, colecionismo, contagem, preocupações sexuais ou religiosas, entre outros, acompanhados por grande desconforto emocional, sendo vigente a interpretação de que os comportamentos compulsivos teriam a função de esquiva das reações emocionais desagradáveis produzidas pelas obsessões (American Psychiatric Association, 2013).

Para a Análise do Comportamento, processos de aprendizagem operante e respondente estariam envolvidos na origem e manutenção de qualquer comportamento, sendo possível identificar, também no caso do TOC, variáveis ambientais relacionadas com sua emissão. No estudo de Vermes e Banaco (2013), algumas dessas variáveis foram investigadas, sendo avaliada a ocorrência e duração de comportamentos descritos como TOC de limpeza de três crianças diante da imposição de tarefas aversivas ou diante de brinquedos de alta, média ou baixa preferência, associados ou não à disposição de sujeira no ambiente. Os resultados obtidos revelaram que a ocorrência de comportamentos de limpeza e outros indicativos de ansiedade (roer unhas, por exemplo) foi maior diante da imposição de tarefas aversivas, especialmente quando associadas à sujeira. Também foi observado que, diante de brinquedos de alta preferência, a duração desses comportamentos teria sido menor do que diante de brinquedos de média ou baixa preferência, indicando a importância das condições ambientais na mudança de probabilidade das respostas descritas como TOC, provavelmente devido ao engajamento em atividades competitivas. De modo geral, os comportamentos observados por Vermes e Banaco (2013) ocorreram em menor frequência do que o relatado pelos pais nas entrevistas iniciais, o que foi interpretado como resultado da maior aversividade condicionada presente no contexto natural do que a programada no ambiente clínico, aspecto discutido como um limite da investigação.

Outros estudos apontaram também a importância das variáveis ambientais na determinação de comportamentos descritos como TOC, sendo identificados processos de reforçamento positivo (Abreu & Hübner, 2011; Neil, Vause, Jaksic, & Feldman, 2017), negativo (Aguayo, Melero, & Lázaro, 2014) e automático (Rodriguez, Thompson, Schlichenmeyer, & Stocco, 2012) como responsáveis por sua manutenção.

O presente trabalho pretende contribuir para a discussão acerca das variáveis determinantes dos comportamentos obsessivo-compulsivos com base nas estratégias de Avaliação Funcional Indireta, Avaliação Funcional Descritiva e Análise Funcional Breve - Teste de Função Única. Pretende-se debater a convergência ou divergência entre os resultados obtidos com o uso dessas estratégias, ampliando a discussão acerca das possibilidades e dos limites de sua aplicação na prática clínica.

 

2. Método

2.1 Participante

Participou do estudo um jovem de 25 anos de idade, solteiro, ensino médio completo, estudante de cursinho pré-vestibular, com diagnóstico de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). O participante declarou interesse na pesquisa após ser informado que o objetivo do estudo era a identificação de condições de que favoreciam os comportamentos obsessivo-compulsivos, tendo sido informado que os procedimentos da pesquisa exigiriam sua participação em um horário semanal individual (uma hora), antes do início do grupo terapêutico que frequentava na instituição. Durante esse horário, eram realizadas atividades de estudo diante dos terapeutas, já que o participante referia ser essa uma condição favorecedora para emissão dos comportamentos obsessivo-compulsivos.

A coleta de dados foi iniciada após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo sido autorizado o registro em áudio e vídeo das sessões.

O estudo foi também submetido à avaliação da Comissão de Ética para Pesquisa com Humanos, recebendo aprovação no Parecer n. 53649616.6.0000.5482.

2.2 Materiais e ambiente

Durante a coleta de dados, foram utilizados os seguintes materiais: câmera de vídeo, tripé, folhas de registro e materiais de estudo selecionados pelos experimentadores e/ou apostilas do próprio participante.

As folhas de registro foram construídas com base no relato do participante sobre condições que acompanhavam a emissão dos comportamentos obsessivo-compulsivos, sendo compostas por cinco colunas, referentes 1. à origem do material de estudo (se pessoal ou preparado pelos terapeutas); 2. ao tipo de exercício realizado (se teórico ou de cálculo); 3. à acurácia no exercício anterior, aferida com base no acesso do participante ao gabarito; 4. à acurácia no exercício atual, que seria indicativo da dificuldade da tarefa; e 5. à indicação da universidade.

Todas as sessões experimentais foram realizadas na sala-espelho da clínica-escola, na qual havia uma mesa, três ou quatro cadeiras e um divã (não utilizado). Foram integralmente registradas, em áudio e vídeo, todas as sessões, com exceção da primeira, pois um problema técnico permitiu o registro apenas dos primeiros 12 minutos. Atuaram como terapeutas dois estudantes do curso de Psicologia da instituição, supervisionados pelos pesquisadores do estudo.

2.3 Procedimentos

Fase 1: Avaliação Funcional Indireta: Com o objetivo de levantar informações acerca dos comportamentos obsessivo-compulsivos do participante, os pesquisadores utilizaram os registros de cinco sessões do grupo psicoterapêutico frequentado pelo participante em diferentes anos. Após a leitura de cada sessão, os pesquisadores selecionaram trechos nos quais o participante relatava a ocorrência de comportamentos obsessivo-compulsivos, identificando as condições antecedentes e subsequentes que pareciam acompanhar as respostas descritas como obsessões e compulsões. Ao todo, foram identificados e analisados cinco episódios de ocorrência de comportamentos obsessivo-compulsivos. Para a condução da Avaliação Funcional Indireta também foram considerados os relatos feitos pelo participante enquanto realizava as sessões iniciais da segunda fase do estudo, quando tratavam de descrições de condições que usualmente acompanhavam a emissão dos comportamentos obsessivo-compulsivos no ambiente natural.

Fase 2: Avaliação Funcional Descritiva das condições relacionadas aos comportamentos obsessivo-compulsivos: Essa fase foi composta por nove sessões, nas quais o participante era solicitado a realizar tarefas de estudo diante dos terapeutas, na tentativa de reproduzir as situações que o participante descrevia como desencadeantes de seus comportamentos obsessivo-compulsivos. Durante essa fase, buscou-se identificar se os comportamentos obsessivo-compulsivos ocorriam diante das demandas propostas e, mais especificamente, quais características da demanda acompanhavam a ocorrência dos comportamentos de interesse. As condições apresentadas foram planejadas a partir da obtenção dos dados da etapa de avaliação indireta e variaram em relação aos seguintes itens:

Material pessoal ou preparado pelos pesquisadores: Conforme relato do participante, os comportamentos que caracterizavam o TOC ocorriam com frequência quando usava seu material de estudo pessoal. Por esse motivo, parte dos exercícios apresentados durante a fase 2 foi realizada nas apostilas e nos cadernos trazidos pelo próprio participante, enquanto outros exercícios foram apresentados em folhas avulsas, com exercícios extraídos de apostilas de cursinhos pré-vestibular, trazidas pelos pesquisadores.

Exercícios de diferentes disciplinas: Os exercícios apresentados durante as sessões foram de diferentes disciplinas, uma vez que o participante havia relatado maior ocorrência de comportamentos descritos como TOC durante a realização de atividades de matemática, química e física, e menor ocorrência desses comportamentos diante da disciplina de língua portuguesa.

Exercícios teóricos ou de cálculo: De acordo com relatos do participante, exercícios de cálculo acompanhavam a ocorrência do TOC. Para avaliar diretamente a relação entre esses eventos, exercícios teóricos e de cálculo de uma mesma disciplina foram apresentados ao longo dessa etapa, a fim de verificar se essas condições acompanhariam frequente e sistematicamente a ocorrência dos comportamentos obsessivo-compulsivos.

Acurácia no exercício presente: A fim de avaliar se a dificuldade da tarefa alteraria a ocorrência dos comportamentos obsessivo-compulsivos, os exercícios apresentados ao participante durante as sessões foram classificados como fáceis ou difíceis, com base no acerto ou erro na realização desses exercícios.

Acurácia no exercício anterior: Essa condição foi realizada para avaliar se o feedback de acerto ou erro no exercício anterior poderia influenciar a ocorrência de comportamentos obsessivo-compulsivos durante a realização do próximo exercício apresentado ao participante. Para isso, durante as sessões experimentais, o participante podia ter acesso ao gabarito após a realização de alguns exercícios, enquanto em outros, não.

Indicação da universidade: A identificação de universidades renomadas, conforme relato do participante, era uma condição que frequentemente acompanhava a ocorrência do TOC. Desse modo, exercícios com e sem identificação de diferentes universidades foram apresentados, sendo registrada a emissão de TOC diante dessas condições.

Fase 3: Análise Funcional Breve - Teste de Função Única: Após a identificação das

condições que frequentemente acompanhavam a ocorrência do TOC, segundo os dados obtidos nas duas fases iniciais do estudo, conduziu-se uma análise funcional denominada Teste de Função Única (Iwata & Dozier, 2008). O teste foi realizado em uma única sessão experimental (décima), na qual foram manipuladas condições de demanda e controle, de dez minutos de duração cada, em um delineamento de reversão do tipo A-B-A-B-A:

Condição (A) com demanda: Envolveu a apresentação de exercícios preparados pelos terapeutas, considerados de grande dificuldade. Os exercícios eram predominantemente de matemática, exigiam atividade de cálculo e não tinham indicação de universidade nem feedback de acerto ou erro no exercício anterior. Nessa condição, caso a resposta de TOC fosse emitida, a demanda apresentada seria retirada pelo período de cinco segundos, e uma nova atividade seria apresentada após esse período.

Condição (B) sem demanda: Nenhum exercício era apresentado, e um dos terapeutas conversava com o participante sobre assuntos de seu interesse, enquanto comiam um lanche.

A fim de aumentar o controle discriminativo sobre as condições propostas durante a fase 3, no período de tarefas (Condição A), o terapeuta 1 direcionava a sessão, e, no período de conversação (Condição B), o terapeuta 2 o fazia, embora ambos permanecessem na sala durante toda a sessão.

2.4 Análise dos dados

Os dados coletados a partir da fase de avaliação indireta foram extraídos dos registros das sessões frequentadas pelo participante e categorizadas as condições antecedentes e subsequentes às respostas descritas como TOC. Todas as sessões das fases 2 - Avaliação Funcional Descritiva - e 3 - Teste de Função Única - foram registradas em vídeos e posteriormente categorizadas , conforme indicado na seção de Método.

Para a análise dos dados, definiu-se como TOC a classe de respostas de: 1. alinhar/organizar o material de estudo; 2. refazer ou reler repetitivamente um exercício; 3. medir o exercício com régua; e 4. descrever verbalmente tendência comportamental para emitir resposta de TOC, ainda que, a resposta não tenha sido emitida durante a sessão. Neste caso, considerou-se que se o cliente relatava, diante de uma certa configuração de estímulos da tarefa, que, em casa, mediria com a régua (mesmo que não medisse em sessão), ele estaria tateando uma mudança na probabilidade da resposta diante daquela configuração de estímulos, sendo registrada a ocorrência de um comportamento obsessivo-compulsivo. Apenas uma resposta de TOC foi registrada dessa forma durante a pesquisa.

Também foram definidos e categorizados outros comportamentos apresentados pelo participante ao longo das sessões experimentais: 1. recusar-se a realizar o exercício e 2. deixar o exercício incompleto. Esses comportamentos, embora não constituíssem diretamente o comportamento-problema de interesse no estudo, foram frequentemente observados ao longo das sessões experimentais, tendo sido incluídos na análise por proporcionarem uma caracterização abrangente do desempenho do participante no contexto de estudo.

A recusa em realizar o exercício foi, assim, categorizada sempre que o participante evitasse iniciar a leitura e/ou a realização de um exercício, solicitando passar para um próximo exercício. Deixar o exercício incompleto foi categorizado quando o participante iniciava a leitura e/ou realização do exercício e, no decorrer de sua resolução, dizia que não iria continuar, fosse por não entender o que se pedia, fosse por não saber de elementos fundamentais que o ajudariam a realizar a tarefa.

Os dados coletados foram avaliados por um segundo observador, e o cálculo de concordância entre observadores considerou o total concordância/concordância + discordância x 100, computado para cada categoria e para o total de categorias avaliadas. Os dados revelaram alto índice de concordância de cada item categorizado e o resultado total de todos os itens, sendo 1. exercícios (100%); 2. disciplinas (98,40%); 3. indicação da universidade (100%); 4. material preparado (100%); 5. material pessoal (100%); 6. cálculo (98,40%); 7. teoria (100%); 8. aces-so ao gabarito (100%); 9. acerto (94%); 10. erro (94%); 11. TOC (98,40%); 12. fuga (100 %); 13. esquiva (100%). O resultado de todos os itens obteve um percentual de 98% de concordância entre os observadores.

 

3. Resultados

Os dados analisados nesta seção referem-se às condições que frequentemente acompanharam a ocorrência dos comportamentos obsessivo-compulsivos, identificadas com base nos diferentes métodos de avaliação.

Inicialmente, os dados obtidos na Avaliação Funcional Indireta (fase 1) permitiram a identificação das topografias de respostas que compuseram a classe dos comportamentos caracterizados como TOC, tal como antes mencionado: alinhar o material; refazer ou reler repetitivamente o exercício; medir o exercício com a régua; e passar a limpo o conteúdo. Essas topografias ocorreram sempre associadas ao contexto de estudo, segundo análise dos episódios descritos durante as sessões terapêuticas avaliadas. Uma análise dos comentários do participante durante a fase 2 - Avaliação Funcional Descritiva - permitiu também identificar que tais respostas seriam mais prováveis quando o material de estudo era pessoal do que quando preparado pelo experimentador. A análise das condições descritas como subsequentes à emissão das respostas de TOC indicou, por sua vez, que tais respostas seriam seguidas pelo adiamento ou pela desistência das tarefas de estudo, o que parecia sugerir que pudessem ser negativamente reforçadas, tendo uma provável função de fuga/esquiva de demandas.

Durante a fase 2, 62 exercícios de diferentes disciplinas foram apresentados ao participante, sendo observada a ocorrência de comportamentos obsessivo-compulsivos durante a realização de apenas sete exercícios. O desempenho do participante, 24 acertos e 38 erros, indicou que as tarefas apresentadas tinham graus variados de dificuldade. A maior quantidade de erros ocorreu diante de exercícios de matemática (16 de 25 exercícios), seguida por física (10 de 18 exercícios) e química (10 de 15 exercícios). Foram apresentados ainda dois exercícios de literatura, um resultante em erro e outro resultante em acerto; e outros dois exercícios, um de biologia e outro de língua portuguesa, ambos resultantes em acerto.

Na Figura 3.1, é possível observar os resultados do cálculo de probabilidade condicional das respostas definidas como TOC em relação às condições que acompanharam sua ocorrência durante a fase 2. Para cada condição, foi calculada a proporção de vezes em que sua presença esteve associada à ocorrência de TOC, sendo o cálculo realizado como se segue: quantidade de vezes em que a condição acompanhou a ocorrência do TOC/quantidade de vezes total em que a condição esteve presente ao longo das sessões experimentais. Assim, a probabilidade condicional de TOC, dadas as condições manipuladas, seria maior quanto mais próximo de 1,0 fosse o valor encontrado.

 

 

Inspecionando visualmente a Figura 3.1, nota-se que os dados de probabilidade condicional revelam que não houve forte correlação entre as condições avaliadas e a emissão do TOC, mesmo diante das condições inicialmente relatadas pelo participante como desencadeantes desses comportamentos. O cálculo de probabilidade condicional manteve-se abaixo do valor de 0,35 para todas as condições avaliadas, indicando fraca correlação entre eventos.

Quando considerados os índices alcançados, nota-se, no entanto, que as disciplinas de matemática e física, tarefas de cálculo e o uso de material pessoal estiveram mais vezes relacionadas com a emissão do comportamento obsessivo-compulsivo, dados que corroboram os obtidos pela avaliação indireta.

Uma análise da Figura 3.1 revela, entretanto, que a ocorrência de TOC pareceu independer da imposição de demandas difíceis, uma vez que não houve diferença apreciável na emissão de TOC diante de exercícios resolvidos com maior ou menor acurácia. Dado que os resultados da avaliação funcional indireta pareceram indicar que os comportamentos obsessivo-compulsivos poderiam ter função de fuga/esquiva de tarefas, seria especialmente esperada a emissão desses comportamentos diante de tarefas difíceis, o que não ocorreu. De mesma forma, a constatação de erros no exercício anterior não resultou em maior probabilidade de TOC nas tentativas seguintes.

Uma caracterização ampla do repertório do participante revelou, por sua vez, que outras respostas (desistência ou recusa em realizar a tarefa) foram frequentes durante a realização de exercícios, sendo, então, conduzido o cálculo da probabilidade condicional dessas respostas diante da presença ou ausência das diferentes condições.

Os dados reunidos na Figura 3.2 permitem identificar que, tal como no caso do comportamento obsessivo-compulsivo, as disciplinas de matemática e física estiveram correlacionadas com a maior probabilidade de emissão de respostas de desistência ou recusa em fazer exercícios. No caso dessas respostas, nota-se também que a disciplina de química esteve associada à sua maior probabilidade de ocorrência, especialmente diante de tarefas que envolvessem cálculo, em quaisquer das três disciplinas.

 

 

Ao contrário do observado em relação ao TOC, não houve diferença apreciável na probabilidade condicional de respostas de desistência ou recusa em realizar exercícios diante de material preparado ou pessoal, ou diante de indicação (ou não) da universidade. Nota-se, contudo, que a dificuldade da tarefa pareceu fortemente correlacionada com a maior probabilidade de respostas de desistência ou recusa em realizar a atividade, o que sugere a presença de um repertório alternativo ao comportamento obsessivo-compulsivo capaz de garantir a fuga/esquiva de demandas. No caso desse repertório, o cálculo de probabilidade condicional indica correlações um pouco mais fortes entre a presença das condições analisadas e a ocorrência de respostas de desistência ou recusa em realizar exercícios, mas que não superam o valor de 0,5.

Tomados em conjunto, os dados parecem contrariar a hipótese de que os comportamentos obsessivo-compulsivos do participante estivessem sendo mantidos por fuga/esquiva de tarefas de estudo, sendo observada, ao menos nas condições presentes, a existência de um repertório alternativo capaz de promover a suspensão dessas demandas. Diferentemente do que indicavam os resultados da fase garantida por respostas de TOC, mas por comportamentos de desistência ou recusa em realizar exercícios, que parecem mesmo ter sido fortalecidos ao longo da fase 3, como se observa na Figura 3.3.

 

 

Nota-se, portanto, que a imposição de demandas, sua dificuldade ou configurações específicas da tarefa (disciplinas de exatas, exigência de cálculo) não foram responsáveis pela ocorrência de TOC durante as tarefas de estudo, diferentemente do que foi relatado, no início, pelo participante durante a fase 1, o que corresponde aos resultados que apontaram fraca correlação entre eventos, durante a fase 2. Nesse caso, novos testes experimentais devem ser conduzidos, a fim de avaliar diferentes variáveis controladoras dos comportamentos obsessivo-compulsivos do participante.

 

4. Discussão

A prestação de serviços analítico-comportamentais exige a identificação de variáveis determinantes de problemas comportamentais para elaboração de tratamentos efetivos. No presente estudo, diferentes estratégias de avaliação foram aplicadas para identificação das variáveis responsáveis pelos comportamentos obsessivo-compulsivos de um participante, sendo destacada a convergência ou divergência entre os resultados produzidos com base nessas avaliações.

Quando comparadas, as avaliações produziram resultados divergentes e contrários à hipótese inicialmente formulada com base no relato do participante, que indicava que o contexto de estudos seria desencadeante de comportamentos obsessivo-compulsivos, fortalecidos por garantir a suspenção de tarefas. O dado parece relevante na medida em que grande parte da prática clínica se sustenta em práticas verbais para construção de hipóteses funcionais, na ausência de medidas de observação ou manipulação direta do comportamento (Gadaire, Kelley, & DeRosa, 2010). Os resultados evidenciam os desafios para a identificação de relações funcionais na prática clínica e podem contribuir para o exame de uma metodologia de avaliação pouco utilizada nesse contexto. Embora os dados sugiram que a imposição de demandas de estudo não teria exercido função motivadora para o TOC e que, portanto, outras variáveis responsáveis por sua manutenção precisam ser investigadas, algumas considerações devem ser apresentadas.

Com relação à aversividade da tarefa, é possível assumir que, diferentemente do que ocorreu no estudo de Britto et al. (2010), a etapa de Avaliação Descritiva permitiu selecionar tarefas de elevado grau de dificuldade a serem apresentadas durante a etapa de Análise Funcional, o que não garantiu, ainda assim, a emissão de comportamentos obsessivo-compulsivos. Outros comportamentos de fuga/esquiva, descritos como desistência ou recusa em realizar as tarefas, foram, no entanto, observados, atestando a aversividade das tarefas apresentadas.

Embora aversivas, seria possível ainda assim especular que as demandas apresentadas no presente estudo fossem distintas daquelas exigidas no ambiente natural, o que poderia diminuir a probabilidade de TOC, resultado próximo do encontrado por Vermes e Banaco (2013).

Também seria possível questionar se, nas condições planejadas, a presença dos terapeutas como mediadores das tarefas possa ter sido evocativa para a ocorrência de outras respostas (desistir/recusar) funcionalmente equivalentes ao TOC, que teriam produzido, no contexto experimental, a remoção da tarefa. No ambiente natural, essas respostas poderiam não ter as mesmas consequências, tendo sido, então, estabelecido um controle discriminativo sobre a classe de respostas negativamente reforçada nos diferentes contextos.

Diante das considerações anteriormente dispostas, sugere-se que futuras pesquisas organizem condições experimentais de apresentação de tarefas aos participantes, mas de modo que eles possam executar tais tarefas sozinhos, a fim de minimizar o possível efeito evocativo dos experimentadores para respostas verbais funcionalmente equivalentes ao TOC (por exemplo, pedir para não fazer o exercício), que poderiam competir com sua emissão. No presente estudo, a ausência desse controle pode ter inviabilizado a ocorrência do TOC e a apresentação das consequências programadas pelo experimentador (retirada de tarefas por 5s contingente à emissão de comportamentos obsessivo-compulsivos), dificultando a análise pretendida. Cuidados como esses indicam a necessidade de refinamento das estratégias de Análise Funcional a serem empregadas para a avaliação do comportamento quando direcionada a indivíduos cujos repertórios apresentem mais complexidade (Gadaire et al, 2010).

 

5. Conclusão

Conforme Slaton et al. (2017), os dados de análises funcionais resultam, em sua maioria, de aplicações dirigidas para indivíduos com deficiências de desenvolvimento, devendo ser testadas adaptações que possam garantir a eficiência e a generalidade de sua aplicação a novos ambientes e populações.

Na presente pesquisa, o Teste de Função Única, sugerido para abreviar o tempo para a condução de análises funcionais, parece ter revelado a possibilidade de descartar, em uma única sessão, a hipótese sugerida, com base nos dados coletados a partir de uma avaliação funcional indireta, e corroborar dados produzidos a partir da avaliação funcional descritiva, cumprindo, portanto, com seus objetivos.

Um limite do uso do Teste de Função Única deve ser, no entanto, considerado, dado que sua aplicação pode, por vezes, permitir descartar hipóteses funcionais inicialmente levantadas, mas não identificar uma fonte específica de reforçamento responsável pela manutenção dos comportamentos de interesse. Nesse sentido, o uso do Teste de Função Única pode ser contraindicado, ao menos nos casos em que a função avaliada tenha sido sugerida com base no relato de um único informante (como no presente estudo, o próprio participante) e sem o apoio de recursos que pudessem favorecer a precisão do relato, como o uso de instrumentos padronizados ou automonitoramento.

Próximas investigações podem contribuir para a promoção de uma metodologia própria para a identificação de contingências que controlam comportamentos problemáticos observados na prática clínica, permitindo romper com a utilização indiscriminada de avaliações indiretas como únicas norteadoras de intervenções analítico-comportamentais nesse contexto.

 

Referências

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Correspondência:
Paola Esposito de Moraes Almeida
Rua Monte Alegre, 984, Perdizes
São Paulo, SP, Brasil. CEP 05014-901
E-mail: pealmeida@pucsp.br

Submissão: 02/01/2019
Aceite: 03/06/2019

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