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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n1p109-126 

ARTIGO
AVALLIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Propriedades psicométricas da Escala de Engajamento no trabalho de Professores (EEP)

 

 

Domingos I. da Silva Júnior; Maria Cristina Ferreira; Felipe Valentini

Universidade Salgado de Oliveira (Universo), Niterói, RJ, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O engajamento no trabalho caracteriza-se por um estado afetivo-motivacional que gera disposição no empregado, envolvimento com o trabalho e esforço concentrado na realização das tarefas. O estudo reuniu evidências de validade da Escala de Engajamento de Professores (EEP) no contexto brasileiro. A amostra foi composta por 417 professores, de ambos os sexos (62,1% feminino). As análises fatoriais confirmatórias evidenciaram que o modelo original do instrumento, composto por 16 itens, distribuídos em quatro fatores, foi o de melhor ajuste aos dados. A escala apresentou invariância para sexo, tipo de aplicação (presencial ou online), faixa etária e tempo de docência. Os índices de consistência interna dos fatores variaram de 0,66 a 0,85. A escala apresentou, ainda, indicadores de validade convergente com o engajamento no trabalho e o comprometimento organizacional afetivo. As boas qualidades psicométricas da escala recomendam seu uso futuro na pesquisa do engajamento em professores.

Palavras chave: engajamento no trabalho; professor; engajamento do professor; análise fatorial confirmatória; psicometria.


 

 

1. Introdução

Os professores possuem posição estratégica no ambiente escolar, em função de desempenharem importante papel na articulação da escola com os alunos e a sociedade (Ramos, 1999). Além disso, eles constituem parte fundamental do processo ensino-aprendizagem, ao compartilharem seus conhecimentos com os alunos (Song, Kim, Chai, & Bae, 2014). No entanto, a escola brasileira, seja pública ou privada, apresenta um histórico de alunos com problemas de comportamento, de falta de interesse pelo conteúdo e de desrespeito aos professores em sala de aula, o que os leva por vezes a se sentirem impotentes e até mesmo indiferentes a tais problemas (Ramos 1999). Nesse contexto, adquire particular relevância o fato de os alunos poderem contar com professores engajados em seu trabalho, em função do papel decisivo que esses profissionais exercem no desenvolvimento pessoal e profissional dos discentes (Bakker & Bal, 2010).

De acordo com Schaufeli (2013), o engajamento no trabalho caracteriza-se por um estado afetivo-motivacional que gera disposição no empregado, envolvimento com o trabalho e esforço concentrado na realização das tarefas. Tal construto costuma ser relativamente estável, embora possa sofrer também algumas variações ao longo do tempo, por se tratar de fenômeno associado ao desempenho de papéis individuais que pode flutuar em função de aspectos contextuais (Schaufeli, Bakker, & Salanova, 2006). O referido construto manifesta-se por meio de níveis elevados de energia (vigor), sentimentos de entusiasmo (dedicação) e envolvimento com o trabalho (absorção) (Schaufeli, 2013).

O modelo de Demandas e Recursos no Trabalho (Job Demands-Resources -JD-R) tem sido adotado com frequência no estudo do engajamento no trabalho, em função de tal construto constituir-se em importante mediador das relações dos recursos e demandas do trabalho com a realização das tarefas laborais (Bakker & Demerouti, 2017). As demandas consistem em variáveis que prejudicam o desenvolvimento das tarefas, em função de exigirem dos empregados custos físicos e psicológicos que inibem e desgastam toda a sua energia. Tais demandas, como a alta pressão no trabalho, a burocracia, o ambiente físico desfavorável e os conflitos de papéis, têm sido percebidas como demandas que frustram o desenvolvimento pessoal e o alcance das metas de trabalho (Bakker & Demerouti, 2017).

Por sua vez, os recursos do trabalho, como o suporte social, as oportunidades de desenvolvimento, o feedback e a participação na tomada de decisões, combatem as demandas e levam os trabalhadores ao alcance de seus objetivos, bem como a se desenvolver e crescer pessoal e profissionalmente (Bakker & Demerouti, 2017). Desse modo, as demandas do trabalho são as principais responsáveis pelo burnout, enquanto os recursos do trabalho consistem nos principais preditores do engajamento no trabalho (Bakker & Demerouti, 2017). O modelo JD-R preconiza ainda que os recursos pessoais, que se referem às crenças dos indivíduos acerca de suas capacidades de controle sobre as tarefas, impactam as demandas do trabalho e também se constituem em preditores do engajamento no trabalho (Bakker & Demerouti, 2017).

Um dos instrumentos utilizados com frequência na mensuração do engajamento é a Escala de Engajamento no Trabalho (Ultrech Work Engagement Scale - UWES-17), desenvolvida por Schaufeli, Salanova, González-Romá e Bakker (2002). Ela se compõe de 17 itens, divididos por três dimensões: vigor (seis itens), dedicação (cinco itens) e absorção (seis itens). Estudos posteriores levaram também à elaboração de uma versão reduzida da escala (UWES-9), composta por nove itens distribuídos em três dimensões (vigor, dedicação e absorção), com três itens cada (Schaufeli et al., 2006).

As escalas UWES-9 e UWES-17 vêm sendo adotadas como medida do engajamento no trabalho, em diferentes grupos ocupacionais, tais como funcionários públicos, empresários, médicos, policiais militares e enfermeiros, entre outros (Schaufeli, 2013). Ademais, ambas as versões da UWES têm apresentado boas características psicométricas em amostras de diferentes países, e no Brasil elas também apresentaram bons índices psicométricos (Ferreira et al., 2016; Vazquez, Mag-man, Pacico, & Hutz, 2015).

No entanto, a UWES é uma escala destinada à avaliação do engajamento no trabalho, em ambientes empresariais (Bakker, Albrecht, & Leiter, 2011), não abordando, assim, aspectos relacionados ao ambiente escolar e aos docentes. Justifica-se, dessa forma, a construção de uma escala que favoreça a avaliação e a compreensão do engajamento no trabalho de professores, na medida em que as atitudes e os níveis motivacionais dos docentes são transmitidos diretamente para os alunos, o que torna seu engajamento vital para o processo educacional (Klassen et al., 2012).

Fundamentando-se nessas considerações, Klassen, Yederlen e Durksen (2013) propuseram mais recentemente uma escala de engajamento específica para professores - denominada de Escala de Engajamento de Professores (Engaged Teachers Scale - ETS) - com o intuito de avaliar o engajamento desses profissionais no desenvolvimento de suas tarefas escolares. Inicialmente, os autores construíram uma escala com 48 itens e a aplicaram a uma amostra de 224 professores de ensino fundamental ou médio, e, com a adoção de análises fatoriais exploratórias, a escala foi reduzida para 27 itens. Tal versão foi aplicada a outra amostra de 265 professores, e as novas análises fatoriais exploratórias realizadas levaram à opção por uma versão final da escala composta por 16 itens, distribuídos em quatro dimensões: engajamento cognitivo, engajamento emocional, engajamento social com os estudantes e engajamento social com os colegas. Posteriormente, a versão final da escala foi aplicada a uma amostra de 321 professores, e os resultados da análise fatorial confirmatória evidenciaram que o instrumento apresentou bons índices de ajuste (X2/gl = 292.67 (98); CFI = 0,97; GFI = 0,90; NFI = 0,96; RMSEA = 0,08), além de ter apresentado alfas de Cronbach variando de 0,79 a 0,84. Correlações positivas de moderadas a fortes foram ainda obtidas entre o engajamento dos professores avaliado pela EEP e seu engajamento no trabalho avaliado pela UWES-9, bem como sua autoeficácia. Tais resultados mostram-se promissores e recomendam a utilização da EEP em investigações futuras com esse grupo ocupacional.

No Brasil, porém, não foram localizados estudos sobre a referida escala, conforme levantamento realizado nas bases de dados nacionais (SciELO, PePSIC e banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Capes), no mês de agosto de 2019, com os seguintes descritores: engajamento no trabalho, professores e engajamento no trabalho de professores. Justificam-se, assim, estudos adicionais que busquem identificar as evidências de validade da escala em professores brasileiros. Tal investigação poderá contribuir para o avanço do entendimento acerca da rede nomológica desse construto, bem como colaborar na realização de diagnósticos do engajamento no trabalho em professores e na avaliação de intervenções voltadas à estimulação desse construto, que vem se revelando de vital importância para o bom desempenho no trabalho docente (Bakker & Bal, 2010). Ademais, avaliar o engajamento no trabalho dos professores é fundamental para a compreensão dos processos psicológicos subjacentes ao ensino de qualidade. Tendo como referência tais considerações, foi objetivo geral deste estudo adaptar e reunir evidências iniciais de validade de estrutura interna, invariância quanto ao sexo (masculino ou feminino), modalidade de coleta de dados (presencial ou on-line), faixa etária e tempo de docência, e correlações com variáveis externas, bem como de consistência interna, da EEP em amostras brasileiras.

Na correlação com variáveis externas, foram utilizadas as variáveis exaustão emocional, engajamento no trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Como o engajamento no trabalho leva os empregados a se mostrar mais motivados com suas tarefas, suas chances de ficarem muito estressados acabam por diminuir, por vivenciarem uma sensação de conexão energética com seu trabalho (Schaufeli, 2013). Seria assim de se esperar uma correlação negativa moderada entre o engajamento de professores e a exaustão emocional (H1). Considerando-se, contudo, que tanto o engajamento no trabalho quanto o engajamento no trabalho de professores levam a um estado motivacional que favorece a obtenção de resultados desejáveis, motivados por razões intrínsecas que orientam a realização das tarefas (Klassen et al., 2013), seria de se esperar uma associação positiva alta entre esses construtos (H2). Por fim, como o engajamento no trabalho consiste em um estado afetivo-motivacional decorrente do trabalho (Schaufeli et al., 2002), que orienta o desejo de se comprometer com a execução das atividades laborais (Klassen et al. (2013), levantou-se a hipótese de que a EEP apresentaria uma correlação positiva moderada com o comportamento organizacional afetivo, que também consiste em um estado afetivo emocional positivo relacionado ao trabalho, mas decorrente da organização (Hakanen, Bakker, & Schaufeli, 2006) (H3).

 

2. Método

2.1 Participantes

A presente investigação utilizou uma amostra de conveniência composta por professores de ambos os sexos, que atuavam em distintos níveis de ensino, em instituições públicas e privadas da Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro. Para a inclusão no estudo, foi utilizado o critério de o professor estar trabalhando e possuir pelo menos um ano de experiência em sua respectiva função. A amostra foi composta por 417 professores, de ambos os sexos (62,1% feminino), com idades variando entre 20 e 70 anos (M = 40,97; DP = 11,01), que lecionavam nos ensinos fundamental (44,7%), médio (26,4%) ou superior (28,9%). O tempo de trabalho total desses profissionais variou de um a 47 anos (M = 16,8; DP = 10,8), e o seu tempo de serviço na docência, de 1 a 55 anos (M = 9,4; DP = 7,7). Quanto ao setor de trabalho, 61,4% dos professores eram provenientes de escolas públicas e 38,6% de escolas privadas. A carga horária semanal desses profissionais, em sua maioria, era de 20 horas. Em relação à escolaridade, 5,7% possuíam ensino médio; 13,02%, ensino superior incompleto; 15,9%, ensino superior completo; 40,1%, especialização; 20,2% mestrado; e 4,9%, doutorado. Apesar do baixo percentual de professores com ensino médio e superior incompleto, eles, ainda assim, foram mantidos na amostra, em função de o estudo envolver análises estatísticas complexas que implicavam amostras de tamanhos maiores.

2.2 Instrumentos

O engajamento no trabalho dos docentes foi avaliado pela EEP (Klassen et al., 2013), composta por 16 itens, a serem respondidos em escalas tipo Likert de sete pontos, variando de 1 (nunca) a 7 (sempre). Tais itens distribuem-se em quatro dimensões: engajamento cognitivo (quatro itens), exemplo de item: "Enquanto ensino, trabalho com intensidade"; engajamento emocional (quatro itens), exemplo de item: "Sinto-me feliz em ensinar"; engajamento social com os estudantes (quatro itens), exemplo de item: "Em sala de aula, sou caloroso(a) com meus alunos"; e engajamento social com os colegas (quatro itens), exemplo de item: "Na escola eu me dou bem com meus colegas". Conforme mencionado anteriormente, tal versão original da escala apresentou bons índices de ajuste, bem como índices de consistência interna adequados (entre 0,79 e 0,84). Na adaptação da escala para o português do Brasil, ela foi traduzida da língua inglesa para o português por dois profissionais da área da Psicologia com domínio da língua inglesa e retraduzida para o inglês por outros dois profissionais com domínio da língua inglesa. Depois desse processo, um outro profissional verificou a equivalência semântica entre a primeira e segunda traduções, para se chegar a um consenso final acerca da versão brasileira inicial da escala (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012).

O engajamento no trabalho foi mensurado pela versão reduzida da UWES-9 (Schaufeli et al., 2006), adaptada para o contexto brasileiro por Ferreira et al. (2016). Ela contém nove itens, a serem respondidos em escalas Likert de sete pontos, variando de nunca (1) a sempre (7): exemplo de item: "Sinto-me feliz quando trabalho intensamente". A consistência interna da escala na adaptação de Ferreira et al. (2016) foi igual a 0,91; e na presente pesquisa, de 0,93.

A dimensão de exaustão emocional do burnout foi avaliada por meio do Inventário de Burnout de Maslach - General Survey, adaptado para o Brasil por Silva Júnior e Ferreira (2009). A referida escala compõe-se de cinco itens, a serem respondidos em escalas tipo Likert de sete pontos, variando de nunca (1) a sempre (7): exemplo de item: "Sinto-me consumido pelo meu trabalho". Na adaptação de Silva Júnior e Ferreira (2009), a dimensão apresentou alfa de Cronbach de 0,80; e, neste estudo, de 0,92.

O comprometimento organizacional afetivo no trabalho foi avaliado pela subescala de comprometimento organizacional afetivo da Escala de Comprometimento Organizacional de Meyer e Allen (1991), validada em amostras brasileiras por Ferreira et al. (2002). A subescala também é unifatorial, sendo composta por seis itens, a serem respondidos em escalas de cinco pontos, variando de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (5): exemplo de item: "Sinto-me, de fato, pertencendo à minha organização". No processo de validação original em amostras brasileiras, a escala obteve um índice de consistência interna igual a 0,85, e, neste estudo, foi de 0,90.

2.3 Procedimentos de coleta e análise de dados

A coleta de dados foi realizada em versão on-line (23,3%) e em versão impressa (76,7%). Na versão on-line, a solicitação de preenchimento foi realizada por meio de e-mails individuais e coletivos dirigidos a professores de diversas instituições escolares, constantes da rede de contatos dos autores. O instrumento foi inserido no Google Docs e continha informações relativas ao objetivo geral do estudo, bem como instruções sobre o preenchimento do questionário. Na versão impressa, os diretores das escolas da Região dos Lagos foram inicialmente contatados, com o propósito de se solicitar autorização para a realização da pesquisa com os docentes da instituição. Após a permissão, agendaram-se dia e hora para a coleta de dados, momento em que se explicitaram os objetivos do estudo e as instruções. Em seguida, os questionários foram entregues, preenchidos e recolhidos ao final da aplicação. Os participantes optaram por participar voluntariamente da pesquisa, e, em ambas as modalidades de aplicação, preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ademais, foi assegurado o sigilo acerca das informações prestadas a todos os respondentes.

Os dados foram analisados por meio de análises fatoriais confirmatórias realizadas no software MPlus, versão 6.12, com os parâmetros sendo estimados por meio do estimador Weighted Least Squares Mean and Variance Ajusted (WLSMV). Os índices de ajuste avaliados e os valores de referência adotados contemplaram, no mínimo, os seguintes requisitos: X2/gl < 5; CFI > 0,95; TLI > 0,95; RMSEA < 0,05. A invariância dos parâmetros em relação ao sexo dos participantes e aos grupos que responderam às versões eletrônica ou presencial, à faixa etária e ao tempo de docência foi verificada por meio da análise fatorial confirmatória multigrupos (AFCMG), estimador Maximum Likelihood (MLR). A avaliação da consistência interna foi realizada por meio do coeficiente alfa de Cronbach, e efetuou-se a investigação da associação com variáveis externas por meio do cálculo de correlações de Pear-son. Na interpretação da magnitude dos coeficientes de correlação, adotaram-se os critérios de Miles e Shevlin (2001), de acordo com os seguintes intervalos: 0,10 - 0,29 (baixa), 0,30 - 0,49 (moderada) e maior que 0,50 (elevada).

2.4 Procedimentos éticos

A pesquisa foi inicialmente submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores e aprovada: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 65061316.8.0000.5289.

 

3. Resultados

Com base nos estudos anteriores sobre a EEP (Engaged Teachers Scale - ETS) (Klassen et al., 2013), testaram-se inicialmente três modelos: de primeira ordem com quatro dimensões independentes; de quatro dimensões independentes com um fator geral; um modelo bifator, caracterizado por uma dimensão geral e quatro dimensões específicas. O resultado da comparação dos índices obtidos em cada um dos modelos (Tabela 3.1) demonstrou que o modelo bifator se ajustou aos dados de maneira levemente superior ao modelo de primeira ordem. Contudo, esse modelo é mais complexo e exige a estimação de um número maior de parâmetros (Reise, 2012), além de o modelo de quatros fatores ser mais coerente com a escala original de engajamento no trabalho de professores desenvolvida por Klassen et al. (2013). Nesse sentido, optou-se pelo modelo de quatro fatores de primeira ordem como solução final.

 

 

Na Tabela 3.2, são apresentados os parâmetros não padronizados de tal solução, na qual é possível observar que no intervalo de confiança de 95% não está incluído nenhum valor 0, além de todos os valores de razão crítica serem maiores que 1,96, numa indicação de que os parâmetros avaliados são significativamente diferentes de 0 e podem, consequentemente, ser considerados úteis ao modelo. As cargas fatoriais padronizadas obtidas no modelo final são apresentadas na Tabela 3.3.

 

 

 

 

Com o objetivo de averiguar se havia diferenças entre os respondentes quanto ao sexo (masculino e feminino), foi realizada a análise de invariância do instrumento segundo tal variável. Os resultados apresentados na Tabela 3.4 demonstraram haver invariância configural (relativa ao número de itens e fatores), invariância métrica (associada às cargas fatoriais) e invariância escalar (relacionada aos interceptos) entre os sexos masculino e feminino. Verificou-se ainda a existência de invariância configural e métrica entre as formas de aplicação on-line e presencial. Não foi, porém, evidenciada a invariância escalar. Entretanto, com a liberação do intercepto do item 12, de modo a de ser estimado livremente entre os grupos, a diferença de ajuste para o modelo de invariância métrica voltou a ser pequena (∆CFI = 0,004) (Tabela 3.4). Ademais, buscou-se avaliar se a faixa etária do participante e o tempo de docência poderiam influenciar na parametrização dos itens. Como essas variáveis foram coletadas de maneira intervalar (tempo), criaram-se para a análise de invariância multigrupos três faixas etárias e três faixas de tempo de docência a partir dos tercis (isto é, percentis aproximados, de 33 e 66). Essa estratégia foi adotada para manter uma amostra de, ao menos, 100 participantes por grupo. Os resultados também apontaram para a invariância da medida entre os grupos de faixa etária e tempo de docência. Em outras palavras, a idade e o tempo de docência não parecem influenciar a estrutura dos escores e os parâmetros dos itens.

 

 

Os índices de consistência interna das quatro dimensões (engajamento emocional - 0,82; engajamento social com os colegas - 0,66; engajamento cognitivo - 0,85; engajamento social com os estudantes - 0,80) indicaram que todas apresentaram precisão adequada na estimação dos escores, na medida em que todos os índices foram superiores a 0,70, à exceção da dimensão engajamento com os colegas que apresentou índice muito próximo ao aceitável (0,66).

Para a verificação das relações com variáveis externas, calcularam-se inicialmente as médias, os desvios padrão e as correlações entre as dimensões da EEP e as demais escalas do estudo. Os resultados evidenciaram que, em relação à exaustão, as dimensões da escala de engajamento apresentaram correlações negativas de moderada a baixas (engajamento emocional: r = -0,31; engajamento social com os colegas do trabalho: r = -0,09; engajamento cognitivo: r = -0,17; engajamento social com os estudantes: r = -0,15). Quanto ao engajamento no trabalho, as dimensões apresentaram correlações positivas de alta a moderadas (engajamento emocional: r = 0,54; engajamento social com os colegas: r = 0,31; engajamento cognitivo: r = 0,45; engajamento social com os estudantes: r = 0,46), além de terem apresentado correlações positivas de baixas a moderadas com o comprometimento organizacional afetivo (engajamento emocional: r = 0,30; engajamento social com os colegas: r = 0,30: engajamento cognitivo: r = 0,27; engajamento social com os estudantes: r = 0,29).

 

4. Discussão

O presente trabalho teve como objetivo investigar as evidências iniciais de validade de estrutura interna, invariância quanto ao sexo, modalidade de coleta de dados, faixa etária e tempo de docência, e correlações com variáveis externas, bem como de consistência interna, da EEP (Klassen et al., 2013) em amostras brasileiras. Após a análise fatorial confirmatória, observou-se que o modelo de melhor ajuste foi o de quatro dimensões de primeira ordem. Tais resultados confirmam, portanto, o mode-lo multifatorial proposto por Klassen et al. (2013).

Os índices de consistência interna de todas as dimensões da escala foram bons (0,82; 0,66; 0,85; 0,80), à exceção do engajamento social com os colegas (alfa = 0,66). Esses resultados vão parcialmente ao encontro dos achados de Klassen et al. (2013), que encontraram índices de 0,84, 0,87, 0,83 e 0,79 para as dimensões de engajamento cognitivo, engajamento emocional, engajamento com os estudantes e engajamento com os colegas do trabalho, respectivamente. O resultado ora obtido pode se dever ao fato de a dimensão de engajamento com os colegas ainda não ter sido suficientemente testada nos mais diversos contextos sociais de interação dos professores. Esses contextos diferem, por exemplo, em função do número de alunos em sala de aula e do número de professores que trabalham na escola (Guvenc, 2015).

No que diz respeito à correlação da escala com variáveis externas, foi possível verificar que as dimensões da EEP apresentaram em geral correlações negativas baixas com a exaustão emocional, o que contraria parcialmente a hipótese 1, que previa relações negativas moderadas entre esses dois construtos. O presente achado também contraria os resultados obtidos por Høigaarda, Giskeb e Sundsli (2012), cujos índices de correlação foram de moderadas a altos. Uma possível explicação para tais discrepâncias pode ser o fato de os participantes do estudo de Høigaarda et al. (2012) serem docentes que exerciam suas atividades laborais em tempo integral (ao contrário do observado na presente amostra, em que a maioria trabalhava em tempo parcial, o que provavelmente os levou a vivenciar situações de maior carga cognitiva e emocional, condição que costuma deixá-los mais vulneráveis ao estresse (Rudow, 1999). Além disso, o fato de a escola brasileira apresentar em geral um histórico de alunos com problemas de comportamento (Ramos 1999) pode fazer com que seus professores recorram com maior frequência a estratégias de combate ao estresse provocado por tais situações, o que também contribuiria para a menor vulnerabilidade ao estresse.

Em relação ao engajamento no trabalho, as correlações da EEP foram de moderadas a altas, confirmando parcialmente a hipótese 2. Esses resultados corroboram achados anteriores (Klassen et al., 2013) que também concluíram pela existência de correlações positivas de moderadas a alta entre essas variáveis. Tais resultados podem estar associados ao fato de o engajamento de professores ter certa variabilidade no indivíduo, a depender da época de execução do trabalho. Tal variabilidade pode acarretar diferenças na motivação e no envolvimento cognitivo e emocional, o que resultaria em maior instabilidade de sentimentos e de atitudes positivas em relação ao trabalho (Klassen et al., 2012).

Por fim, as dimensões da EEP apresentaram correlações positivas de baixas a moderadas com o comprometimento organizacional afetivo, o que confirmou parcialmente a hipótese 3, na medida em que a previsão era de que haveria uma associação somente moderada entre esses construtos. De todo modo, esse achado vai ao encontro dos resultados obtidos por Hakanen et al. (2006) que observaram correlações moderadas entre essas duas variáveis. Uma possível razão para tal resultado pode estar atrelada ao fato de que, embora os professores gostem do trabalho que executam e estejam socialmente envolvidos e gratificados com o mesmo, não se sentem reconhecidos e tampouco valorizados pelas instituições de ensino (Klassen et al., 2013), por não receberem os recursos necessários ao desenvolvimento de suas atividades docentes, o que diminui o seu comprometimento com essas instituições (Hakanen et al., 2006).

Os resultados ora obtidos indicam, portanto, que a EEP apresentou evidências iniciais de validade em amostras brasileiras. Cumpre registrar, porém, que a amostra foi de conveniência e composta principalmente por professores de uma região específica do estado do Rio de Janeiro (Região dos Lagos), razão pela qual a generalização dos resultados presentemente obtidos deve ser feita com cautela, na medida em que os indicadores psicométricos ora apresentados mostram-se restritos a esse tipo de amostra. Outra limitação diz respeito à ausência de invariância escalar entre as amostras on-line e em lápis e papel, o que pode se dever ao tamanho da amostra, já que o número de participantes on-line era bem menor que o de respondentes do questionário impresso, motivo pelo qual essa questão mereceria ser mais bem investigada em estudos posteriores. Cumpre ressaltar ainda que o fato de haver ampla variação na faixa etária e no tempo de docência dos participantes também poderia se constituir em uma limitação da presente pesquisa. No entanto, as análises de invariância demonstraram que o instrumento se mostrou invariante em relação a esses dois aspectos.

No que tange à realização de estudos futuros, seria interessante aprofundar a rede nomológica do construto engajamento de professores em amostras brasileiras, especialmente no que diz respeito a seu impacto sobre o bem-estar no trabalho. Tais pesquisas deveriam ser preferencialmente de natureza longitudinal, o que permitiria a obtenção de maior compreensão acerca de tais relações. A associação do engajamento dos professores com variáveis sociodemográficas e profissionais, como o nível de escolaridade em que o docente atua e o seu salário, também poderia ser objeto de investigações futuras, por tratar-se de variáveis que podem influenciar a energia, a dedicação e o envolvimento dos professores na realização de suas tarefas (Klassen et al., 2013). De todo modo, as evidências iniciais de validade ora obtidas recomendam o uso futuro da EEP em investigações brasileiras destinadas a avaliar o grau de engajamento docente e suas implicações para o bem-estar e a qualidade de vida desses indivíduos no contexto laboral.

 

Referências

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Correspondência:
Domingos Isidório da Silva Júnior
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo)
Alameda das Flores, quadra 16, lote 12, Condomínio Terramar, Tamoios
Cabo Frio, RJ, Brasil. CEP. 28929-300
E-mail: domingosisjunior@hotmail.com

Submissão: 19/12/2017
Aceite: 15/10/2019

Nota dos autores
Domingos Isidório da Silva Júnior, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo); Maria Cristina Ferreira, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo); Felipe Valentini, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo).

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