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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n1p399-430 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Programas de orientação de pais em grupo: uma revisão sistemática

 

 

Thaís B. Benedetti; Isabela P. Rebessi; Carmem Beatriz Neufeld

Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A orientação de pais é importante para um acompanhamento deles na terapia dos filhos. Este estudo teve como objetivo levantar as principais características de programas de orientação de pais em grupo de artigos publicados nos últimos anos e verificar semelhanças e diferenças entre eles correlacionando-as com os outcomes dos artigos selecionados. Utilizou-se o método de revisão sistemática da literatura nas bases de dados PubMed, PsycINFO, Lilacs e SciELO. A busca foi realizada entre junho e agosto de 2019 e incluíram-se os artigos publicados nos anos de 2013 a 2018 de programas em grupo para pais, cuidadores ou familiares, grupos de treinamento/orientação, de promoção/prevenção de saúde, com mínimo de quatro sessões. Vinte artigos cumpriram todos esses critérios e foram incluídos no estudo em questão. Os artigos incluídos na revisão apresentaram ganhos e resultados positivos das intervenções e sua importância no tratamento e/ou na prevenção e promoção de saúde dos filhos.

Palavras chave: revisão sistemática; programas; orientação de pais; abordagem cognitivo-comportamental; grupo.


 

 

1. Introdução

Os encaminhamentos mais comuns realizados para crianças e adolescentes à psicoterapia englobam problemas de comportamento, como agressividade, birras e desobediência excessiva, além da dificuldade com o manejo das emoções (Petersen & Wainer, 2011). Nas últimas décadas, aumentou o número de pesquisas que buscam entender os determinantes do surgimento do comportamento pró-social e antissocial, e a respeito dos fatores que favorecem um desenvolvimento infantil adequado. Essas pesquisas destacam as práticas parentais como fundamentais preditores dos comportamentos infantis e do consequente desenvolvimento infantil saudável (Dishion & McMahon, 1998; Salvo, Silvares, & Toni, 2005; Bolsoni-Silva, Silveira, & Marturano, 2008; Batista & Weber, 2014).

Indagações a respeito da melhor maneira de educar os filhos e as dúvidas sobre como agir em determinadas circunstâncias são comuns no meio parental. Muitos pais acreditam que estão certos no modo de educar por terem sido educados da mesma forma, no entanto muitas vezes não sabem lidar com as dificuldades que os filhos possuem. Considerando a importância de se intervir em problemas de comportamento apresentados por crianças e adolescentes, diversas intervenções com pais têm sido desenvolvidas (Bolsoni-Silva et al., 2008).

Desse modo, é notório que os programas de orientação de pais são de extrema relevância, uma vez que auxiliam no acompanhamento do caso clínico dos filhos, nas suas estratégias de educação, em suas crenças e sentimentos a respeito da dificuldade da criança ou do adolescente. Entrementes, esses programas buscam estimular os comportamentos pró-sociais e diminuir os comportamentos desadaptativos dos filhos, visto que são empregados principalmente no tratamento de crianças que mostram problemas de comportamentos manifestos, como agressões, birras e desobediência excessiva. A orientação de pais tem como objetivo terapêutico intervir no contexto familiar, buscando observar quais reforçadores contribuem para a manutenção do comportamento desadaptativo da criança. Esse pressuposto indica que, quando se adotam ações para a modificação dos elementos que atuam sobre a criança, esta poderá obter um tratamento mais eficaz (Caminha & Pelisoli, 2007).

Os estudos brasileiros, ainda que possuam tendência semelhante aos internacionais, são escassos, entretanto ressaltam a importância da qualidade do relacionamento entre pais e filhos no desenvolvimento das crianças. Dado que há uma relação entre os estilos parentais e a gênese posterior de problemas comportamentais infantis (Carvalho & Gomide, 2005), diversas intervenções com pais têm sido desenvolvidas a fim de auxiliá-los na obtenção de um melhor relacionamento com seus filhos (Bolsoni-Silva et al., 2008; Batista & Weber, 2014).

Revisões sistemáticas da área abordaram temas como programas que melhoraram o comportamento dos pais (Rios & Williams, 2008), o bem-estar psicológico dos pais (Barlow, Smailagic, Huband, Roloff, & Bennett, 2012), a prevenção de problemas de comportamento nas crianças (Rios & Williams, 2008), a efetividade de programas para a redução de práticas parentais de risco e aumento de práticas parentais positivas em países de baixa renda (Knerr, Gardner, & Cluver, 2013) e os programas de prevenção universal contra violência e maus-tratos infantis para pais (Altafim & Linhares, 2016). Visando ampliar o conhecimento sobre o tema de forma abrangente, o objetivo da presente revisão foi levantar as principais características de programas de orientação de pais em grupo de artigos publicados nos últimos anos, bem como verificar possíveis semelhanças e diferenças entre eles correlacionando-as com os outcomes dos artigos selecionados.

 

2. Método

De acordo os passos exigidos na elaboração de uma revisão sistemática, foi definida a pergunta da pesquisa em questão:

• Quais são as características dos programas de orientação de pais em grupo e em quais principais características esses programas se assemelham e se diferem?

Após definida a questão da revisão, consultaram-se as palavras-chave nos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), e os termos localizados foram combinados com os operadores boolianos: (parent OR caregivers) AND (training OR orientation OR intervention) AND (program) AND (group) para a busca nas bases PubMed, PsycINFO, Lilacs e SciELO. A busca da revisão sistemática foi realizada entre junho e agosto de 2019, nos artigos publicados de 2007 a 2018. Porém, em razão do grande número de publicações sobre o tema nos últimos anos e pelo fato de as últimas revisões sistemáticas brasileiras com a mesma temática abrangerem artigos publicados até 2013, adicionou-se o critério de a publicação ser posterior a esse ano para assim avaliar e comparar o avanço científico de programas de orientação de pais em grupo com artigos que não foram incluídos em outros estudos. Dessa forma, foram selecionados os artigos publicados nos anos de 2013 a 2018, uma vez que nenhum artigo publicado em 2019 atendeu aos critérios de inclusão desta revisão.

Realizada a busca inicial nas bases, realizou-se uma análise dos títulos e resumos dos artigos e selecionaram-se os artigos publicados nos anos de 2013 a 2018, estudos com humanos e nos idiomas inglês, português e espanhol. Excluíram-se os artigos teóricos, como aqueles que não tinham como objetivo avaliar uma intervenção, os artigos de revisão de literatura, os programas que não eram relacionados à psicologia e os que eram aplicados a um contexto sem um protocolo, para uma demanda específica (como pacientes vítimas de tragédias), que enfocassem mais os resultados para essa demanda específica e não os impactos da intervenção na maneira de os pais lidarem com seus filhos, por exemplo. Foram incluídos os artigos de programas aplicados no formato grupal para pais, cuidadores ou familiares, grupos de treinamento/orientação e promoção e prevenção de saúde, com o mínimo de quatro sessões ou que totalizaram de quatro a oito horas de intervenção. Os artigos que cumpriram todos esses critérios foram analisados e lidos na íntegra pela pesquisadora principal e por uma colaboradora de pesquisa do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Universidade de São Paulo (LaPICC-USP) e incluíram-se na revisão os artigos com o consentimento de ambas. Utilizaram-se os critérios Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) para a redigir o relatório da revisão. O PRISMA é utilizado para orientar o desenvolvimento de protocolos de revisões sistemáticas (Shamseer et al., 2015).

 

3. Resultados

Com as palavras-chave utilizadas para a busca nas bases de dados, foram encontradas 19.105 publicações no total. Inicialmente, eliminaram-se 17.303 publicações nos filtros: publicações dos anos de 2007 a 2018, apenas artigos, nos idiomas inglês, português e espanhol, estudos com humanos e textos disponíveis gratuitamente. Após isso, foram lidos os títulos e resumos de 1.802 artigos, e, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, selecionaram-se 51 artigos. Como citado anteriormente, em função do grande número de publicações sobre esse tema nos últimos anos e pelo fato de as últimas revisões sistemáticas brasileiras com a mesma temática abrangerem artigos publicados até 2013, foi adicionado o critério de a publicação ser posterior a esse ano. Com isso, 31 artigos foram excluídos, e 20 artigos preencheram todos os critérios de elegibilidade e foram incluídos nesta revisão. Todas essas informações foram resumidas no fluxograma feito a partir do método PRISMA (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & The PRISMA Group, 2009).

 

 

A Figura 3.2 ilustra o número de artigos que foram incluídos na revisão sistemática pelo ano de publicação. Observou-se um crescimento no número de artigos sobre programas de orientação de pais em grupos ao longo do tempo até o ano de 2017, em específico no ano de 2016 contendo sete artigos, ou seja, 35% dos artigos desta revisão.

 

 

A Tabela 3.1 apresenta os títulos dos artigos revisados, os autores, o ano, o país e o objetivo do estudo. Em relação aos países dos estudos, notou-se que 30% (n = 6) foram realizados na Espanha (5, 6, 7, 10, 12, 20), 20% (n = 4), nos Estados Unidos (1, 2, 4, 8) e 10% (n = 2), no Brasil (3,19). Quantos aos outros artigos (n = 8), selecionou-se um de cada país: China, Noruega, Coreia, México, Taiwan, Dinamarca, Suécia e Alemanha. Em relação aos objetivos, os mais prevalentes foram os estudos dos efeitos em 30% (n = 6), 25% de efetividade (n = 5), 15% de eficácia (n = 3) e 10% de avaliação sem especificação (n = 2) dos programas avaliados.

 

 

Na Tabela 3.2, encontram-se as características dos estudos especificando a metodologia, o tamanho da amostra de intervenção, o público-alvo do tratamento, o número, a duração e frequência das sessões, os temas trabalhados, a linha teórica e os resultados dos estudos. Em relação à metodologia, 13 artigos (65%) adotaram a metodologia experimental (2, 4, 6, 7, 8, 9, 11, 13, 15, 16, 17, 18); quatro, (20%) a metodologia quase experimental; um, a pré-experimental (5%); um, o delineamento pré e pós-teste (5%); e um artigo (5%) não especificou. Em quatro artigos (20%), foi realizada uma avaliação longitudinal dos resultados, com um artigo (5%) apresentando o follow-up de um e quatro anos (11), outro estudo (5%) de seis meses e um ano (17), outro (5%) de um ano (20) e o último (5%) de seis meses apenas (18).

Em 15 estudos (75%), a intervenção foi realizada somente com os pais, familiares ou cuidadores. Em cinco estudos (25%), as crianças ou os adolescentes tiveram tratamento paralelamente ao grupo de intervenção com os pais. Sobre o tamanho da amostra das pesquisas, estas variaram de 17 a 1318 participantes. Em relação ao público-alvo, nove estudos (45%) não tinham uma demanda específica ou remetiam à comunidade não clínica, quatro (20%) foram realizados com pais de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), com (10%) pais com crianças com problemas de comportamento, um (5%) com a comunidade em risco psicossocial, um (5%) com cuidadores de crianças com câncer, um (5%) com pais de crianças do espectro autista, um (5%) com pais de crianças com epilepsia, um (5%) com cuidadores de pacientes diagnosticados com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo.

No número de sessões dos programas, foi observada uma variação de quatro a 14 sessões. Em relação à linha teórica apontada nos programas, observou-se que, em 12 artigos (60%), não foi nomeada a linha teórica específica do programa (1, 5, 6, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18); em cinco (25%), os programas eram da linha comportamental (2, 3, 4, 8, 11); e três (15%) abordavam programas da terapia cog-nitivo-comportamental (7, 19, 20). Considerando os resultados dos programas, um estudo não apresentou os dados após a intervenção e de follow-up que era o foco do artigo (17), e, em todos os artigos, os objetivos foram alcançados apontando melhora após a intervenção no grupo de pais.

Os programas, de modo geral, mostraram resultados satisfatórios acerca das intervenções. Dos 20 artigos, apenas um não apresentou evidências de que poderia ser considerado um programa universal para treinamento de pais de bebês (artigo 16), e outro não especificou os resultados de sua intervenção nesse artigo citado (os resultados desse estudo foram achados posteriormente em outro artigo publicado em um período anterior ao filtro de busca desta revisão). Nos outros 18 artigos, por mais que os temas trabalhados fossem diversos e a duração e frequência dos grupos variassem, os pais relataram uma melhora na relação com os filhos, passaram a ter mais práticas parentais positivas e diminuíram as negativas, melhoraram a comunicação com seus filhos, aumentaram sua percepção de competência para lidar com os problemas dos filhos e, em alguns estudos, relataram diminuição de sintomas dos próprios filhos.

Em relação às semelhanças observadas nas principais características dos programas, identificaram-se o uso da técnica de resolução de problemas na intervenção parental e o foco em desenvolver habilidades parentais positivas nas relações com seus filhos por meio do desenvolvimento de práticas parentais adequadas. Dos 20 artigos, oito (40%) apresentaram como tema a comunicação/o relacionamento entre pais e filhos e quatro (20%) abordaram a autorregulação/regulação emocional dos pais como objeto de discussão. Outra característica semelhante refere-se à duração das sessões dos programas, que variaram de 90 a 120 minutos, com a exceção dos artigos 17 (2,5 horas), 18 (de 14 horas em dois ou três dias) e 19 (uma hora). A diferença entre os programas concentrou-se no número de sessões das intervenções: uma intervenção (5%) em um fim de semana (de dois a três dias) (18), cinco programas (25%) com quatro sessões (6, 9, 12, 14, 17), três programas (15%) com cinco sessões (2, 4, 5), um programa (5%) com seis sessões (11), quatro intervenções (20%) com oito sessões (7, 8, 15, 16), uma intervenção (5%) com 11 sessões (10), quatro programas (20%) com 12 sessões (2, 13, 19, 20) e um (5%) com 14 sessões (1). O número de temas trabalhados também foi um grande diferencial, com alguns programas abordando oito temas ao longo de suas sessões e outros focando o desenvolvimento de habilidades específicas, como resolução de problemas ou estabelecimento de regras.

 

4. Discussão

Uma pesquisa com base na metodologia da revisão sistemática da literatura com a temática programas de orientação de pais em grupo foi realizada com o propósito de levantar as principais características de programas de orientação de pais em grupo de artigos publicados nos últimos anos, bem como verificar possíveis semelhanças e diferenças entre eles, correlacionando-as com os outcomes dos artigos selecionados. No processo da busca dos artigos nas bases de dados, constatou-se um maior número de publicações na base de dados PubMed. Analisaram-se 20 artigos que cumpriram os critérios para a inclusão nesta revisão. Predominaram os estudos da literatura internacional, especificamente da Espanha e dos Estados Unidos, e foram incluídos dois estudos brasileiros.

Um estudo brasileiro recente de revisão sistemática buscou analisar as características dos estudos empíricos sobre treinamento de pais em grupo de crianças e/ou adolescentes. A amostra foi composta de 27 artigos publicados entre 2006 e junho de 2014 nas bases de dados Lilacs, SciELO, Medline e PsycINFO. Os resultados mostraram uma grande quantidade de artigos com o delineamento de ensaios clínicos randomizados, a maioria da literatura internacional, com domínio de programas com técnicas cognitivo-comportamentais (Bochi, Friedrich, & Pacheco, 2016). Esses dados se assemelham aos resultados da presente revisão sistemática, com exceção do apontamento das linhas teóricas, pois, nessa última revisão, a maioria dos artigos não nomeou a linha teórica dos programas e os estudos que citaram a linha teórica fizeram referência à abordagem comportamental. Algumas diferenças são observadas entre a revisão sistemática de Bochi et al. (2016) e a revisão sistemática em foco. Inicialmente, vale ressaltar que 38,8% (n = 7) da amostra de artigos foi publicada em 2016, o que não abrange os anos de coleta dos artigos incluídos na primeira revisão. Outra divergência se refere aos termos de busca utilizados e à sua combinação. Na primeira revisão, foram utilizados os termos: parent training or family intervention nas bases Medline e PsycINFO, e treinamento ou intervenção e pais, família ou pais e intervenção nas bases Lilacs e SciELO. Na revisão em discussão, os termos foram cuidadosamente associados aos operadores boolianos (parent OR caregivers) AND (training OR orientation OR intervention) AND (program) AND (group) para a busca nas bases PubMed, PsycINFO, Lilacs e SciELO. Dessa forma, foi encontrado um número considerável de publicações em comparação ao artigo discutido.

Um dado desta revisão sistemática e condizente com os dois artigos brasileiros de revisão sobre a temática de orientação de pais em grupo se refere ao detalhamento do procedimento da intervenção. A maioria dos artigos apresentou apenas os temas gerais da intervenção, mas não houve menção à estrutura e aos detalhes relacionados à abordagem deles no programa. Poucos artigos demonstraram o programa na íntegra, sessão a sessão. Esse dado é uma limitação importante quando se procura identificar as técnicas que poderão favorecer melhores resultados e a replicação dos programas. Em relação ao público-alvo, observou-se uma maior prevalência de estudos com pais em geral da comunidade não clínica, o que foi seguido de pais de crianças com TDAH e problemas de comportamento. A literatura que engloba orientação de pais ressalta o encaminhamento de crianças e adolescentes à psicoterapia por problemas de comportamentos manifestos e reforça o acompanhamento dos pais no caso clínico de seus filhos como uma forma de contribuição para um tratamento mais eficaz e duradouro (Caminha & Pelisoli, 2007).

Por causa dos critérios de inclusão e exclusão selecionados para esta revisão, não apareceram, entre os artigos selecionados, os dois programas de orientação de pais recomendados pela Organização Mundial da Saúde (Hardcastle, Bellis, Hughes, & Sethi, 2015): Triple P-Positive Parenting Program (Sanders, Kirby, Tellegen, & Day, 2014) e ACT-Raising Safe Kids (Silva, 2009). O Triple P consiste em uma intervenção multinível a depender da intensidade desejada/necessária e do contato possível com os cuidadores e aplicadores. Dividida em cinco níveis, ele abrange desde estratégias de mídia sobre parentalidade positiva (nível 1, menos complexo) até intervenções avançadas de oito a dez sessões em grupo ou individuais para a discussão de parentalidade positiva e problemas adicionais (nível 5, mais complexo) (Sanders et al., 2014). Já o ACT é considerado um programa de intervenção parental baseado em evidências. Fundamentado na teoria da aprendizagem social de Bandura, o ACT tem mais probabilidade de ser efetivo com famílias de crianças mais novas (Altafim, Pedro, & Linhares, 2016).

Os estudos de validação e busca de eficácia e efetividade desses programas apresentaram resultados semelhantes aos estudos incluídos nesta revisão, com melhora na interação parental com seus filhos, aumento de práticas parentais positivas e diminuição de práticas parentais de risco. Apesar de as pesquisas aqui abordadas terem indicado um número muito variado de sessões, o Triple P e o ACT trabalham com oito a dez sessões em seus programas. Vale salientar que, no caso do Triple P, apenas os últimos níveis de intervenção (níveis 4 e 5), que consistem em sessões presenciais, assemelham-se aos formatos de grupo encontrados no presente estudo (Silva, 2009; Sanders et al., 2014).

O artigo 17 desta revisão, que diz respeito ao programa ABC for Parents, não retratou explicitamente os resultados do programa em sua escrita. Quando se buscaram posteriormente tais resultados, constatou-se que o programa possui eficácia no aumento de práticas parentais positivas, percepção de autoeficácia dos pais e bem-estar das crianças, contando apenas com quatro sessões (Enebrink et al., 2014). O número variado de sessões e os resultados satisfatórios em ambos os casos, além do fato de os outros níveis do Triple P também obterem resultados tão satisfatórios quanto às sessões presenciais e de o ABC for Parents também mostrar eficácia mesmo sendo composto apenas por quatro sessões, tornam possível a hipótese de que o número de sessões em um grupo de orientação de pais pode ser variado, desde que alguns temas-chave sejam trabalhados e que as sessões tenham uma duração mínima de 60 a 120 minutos, a depender do número de sessões do protocolo.

Com relação aos temas trabalhados nos estudos, notou-se que um ponto em comum entre os programas foi o uso da técnica de resolução de problemas na intervenção parental, além do desenvolvimento de habilidades parentais positivas nas relações com os filhos. A técnica da resolução de problemas vem sendo utilizada na terapia cognitiva convencional como uma importante estratégia, uma vez que foca o aqui e agora (Melo, Oliveira, Fava, & Bakos, 2014). A técnica consiste na identificação de um problema para posterior verificação específica e definição dele; são levantados pensamentos divergentes e convergentes sobre o problema, pensados recursos para sua resolução, que depois são monitorados e avaliados para entender se o objetivo foi alcançado (Sternberg, 2000; Melo et al., 2014). O uso dessa técnica na orientação a pais pode proporcionar inúmeros benefícios, uma vez que permite uma reflexão mais clara e precisa sobre o problema a ser resolvido, além de servir como time-out para um manejo eficaz de emoções, como raiva e estresse, que podem surgir nos pais em momentos de interação com os filhos.

Já o desenvolvimento de habilidades parentais positivas vem sendo apontado em diversos estudos como fator de proteção no desenvolvimento de crianças e adolescentes. A metanálise conduzida por Pinquart (2016) integrou pesquisas de 1.015 estudos que tratavam da associação entre dimensões familiares e práticas parentais e sintomas internalizantes, como sintomas depressivos, e externalizantes, como desvios de conduta, em crianças e adolescentes. Os resultados dessa pesquisa indicaram que práticas parentais de carinho, controle razoável de comportamento, garantia de autonomia e "autoritarismo" mostraram uma correlação muito baixa com sintomas internalizantes. Em contraste, controle severo, chantagem psicológica, estilos autoritários e, em parte, estilo negligente são associados com índices mais altos de sintomas internalizantes. Logo, programas de orientação de pais que trabalham práticas parentais positivas e regulação emocional, visando à diminuição de práticas negativas e estilos autoritários e negligentes de parentalidade, tendem a obter resultados positivos tanto para os pais quanto para os filhos, como evidenciado pela maioria dos estudos desta revisão.

 

5. Considerações finais

Os resultados do presente trabalho permitiram verificar algumas semelhanças e diferenças, além das características gerais, de grupos de orientação de pais publicados em artigos científicos dos últimos seis anos. Nas principais semelhanças, estão alguns temas trabalhados, como a resolução de problemas e a importância de práticas parentais positivas, além de regulação emocional dos pais e comunicação entre pais e filhos; o tempo de duração das sessões da maioria dos artigos também foi semelhante, ficando entre 90 e 120 minutos a depender do número de sessões dos protocolos. A principal diferença entre os grupos foi o número de sessões de cada programa, que variou de um final de semana intensivo a 14 sessões. Os resultados de 18 dos 20 artigos selecionados mostraram que os grupos foram efetivos para melhoria da comunicação entre pais e filhos, aumento de práticas parentais positivas, diminuição de práticas parentais negativas e melhora na capacidade de autorregulação emocional. Tais achados permitem apontar a seguinte hipótese: mesmo com uma grande variação no número de sessões, quando se trabalha com esses temas-chave e se garante uma duração mínima de 60 a 90 minutos, a depender do protocolo, é possível alcançar a efetividade de um programa de orientação a pais.

Este estudo avança no campo dessa temática, uma vez que permite inferir essa possibilidade de flexibilidade no número de sessões e mostra temas específicos trabalhados pela maioria dos programas de orientação de pais. Sugere-se que estudos futuros façam revisões específicas separando grupos de promoção e prevenção de saúde de grupos de orientação a pais de filhos com algum transtorno, como o TDAH, a fim de verificar possíveis diferenças nos temas trabalhados e nos resultados.

 

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Correspondência:
Isabela Pizzarro Rebessi
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
Avenida Bandeirantes, 3900
Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP 14040-030
E-mail: isabela.rebessi@hotmail.com

Submissão: 06/05/2019
Aceite: 07/10/2019

Nota dos autores
Thaís B. Benedetti, Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP); Isabela P. Rebessi, Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP); Carmem Beatriz Neufeld, Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP). Essa pesquisa contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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