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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.2 São Paulo maio/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n2p406-428 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

A morte de pais por homicídio e o luto infantil: revisão sistemática

 

 

Karolline J. S. Menezes; Juliane C. Borsa

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A morte parental associada a circunstâncias violentas traz importantes repercussões para o luto infantil, representando um fator de risco para o desenvolvimento. Nesse sentido, este artigo visou identificar, nas literaturas nacional e internacional, as características biopsicossociais envolvidas no luto de crianças entre 0 e 12 anos decorrente da morte de pais vítimas de homicídio, e as abordagens psicoterapêuticas aplicadas nesse contexto. Foram realizadas buscas nas bases de dados: PsycInfo, PubMed, BVS-Psi e Portal de Periódicos Capes utilizando os descritores: luto, criança e homicídio. Esta revisão foi registrada no PROSPERO (CRD42019120703). Foram encontrados 158 artigos, e foram seguidas as recomendações PRISMA para avaliação sistemática. Após análise, sete artigos constituíram a amostra final. Constatou-se carência de estudos sobre o tema. Todavia, a amostra assinalou as especificidades do luto decorrente de homicídio e as intervenções psicoterapêuticas aplicadas a essa demanda. Sugerem-se novos estudos sobre luto infantil decorrente de morte parental por homicídio.

Palavras-chave: luto infantil; morte dos pais; homicídio; características biopsicossociais; abordagens psicoterapêuticas.


 

 

1. Introdução

A morte ainda pode ser considerada tabu, sobretudo na sociedade ocidental, na medida em que não é debatida e nem tratada como um processo inerente ao ciclo de vida (Basso & Wainer, 2011). Comumente, a noção de terminalidade é percebida quando ocorre a perda de uma pessoa significativa, sendo o luto entendido como um processo natural e esperado ante a perda vivenciada a partir da singularidade de cada indivíduo e de seu contexto sócio-histórico (Bromberg, 2000; Parkes, 1998).

O luto é considerado uma das dores mais intensas que o ser humano pode sentir (Tinoco, 2007). Quando a reação de pesar não é administrada, o processo de luto pode culminar em intenso sofrimento, estando associado a sintomas de ansiedade, culpa, distúrbios do sono, mudança de apetite, desorientação, dificuldades de memória, isolamento social, choro descompensado, entre outros (Breyer, Sanfeliz, Cieurzo, & Meyer, 2006). Esses sintomas estão presentes em grande parte dos indivíduos que experienciam a perda de um ente querido e são, geralmente, característicos de um luto sadio. Porém, quando há aumento da intensidade e persistência dos sintomas, o luto pode ser entendido como complicado (Parkes, 1998). Em síntese, entende-se por luto complicado a manifestação de sintomas físicos e mentais que promovem a negação e a repressão da dor pela perda e, por consequência, impossibilitam o reconhecimento, o reajuste e o investimento em novos vínculos ante a perda de ente querido (Parkes, 1998).

O processo de luto decorrente de morte violenta pode gerar sentimentos de angústia, dor, estresse, desorientação e perplexidade nos familiares sobreviventes (Burke, Neimeyer, & McDevitt-Murphy, 2010). Pelo seu caráter irreparável e por culminar na completa negação dos direitos, o homicídio é considerado um tipo de morte violenta e pode promover significativas repercussões pessoais e sociais (Costa, Njaine, & Schenker, 2017). Estima-se que cada homicídio afete, direta ou indiretamente, a vida de aproximadamente sete a dez indivíduos, entre familiares, amigos e vizinhos (Costa et al., 2017). Dentre os principais impactos que a morte por homicídio pode ocasionar, citam-se o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e a depressão (Costa et al., 2017).

Considerando o contexto da violência no cenário brasileiro, estatísticas divulgadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), por meio do Atlas da violência 2019 (Cerqueira et al., 2019), informaram a ocorrência de 65.602 mortes por homicídios (uma taxa de 31,6% homicídios para cada 100 mil habitantes no país) no ano de 2017. Entre os estados brasileiros, o Rio Grande do Norte apresentou crescimento da taxa da referida causa de morte (+17,7%), enquanto Rondônia apresentou decréscimo (-22,0%). Foram contabilizados 35.783 homicídios de jovens (69,9% considerando um grupo de 100 mil jovens no país). Ademais, 75,5% das mortes por homicídio em 2017 ocorreram entre a população negra (isto é, negros e pardos), cuja taxa de vítimas entre 2007 e 2017 cresceu 33,1% em relação à referida população. Ressalta-se o crescimento de homicídios de mulheres no país em 2017, sendo, ao todo, 4.936 vítimas (equivalente a 13 óbitos por dia). Por fim, a taxa de homicídios perpetrados por arma de fogo foi equivalente a 72,4% em 2017, indicando um aumento de 26,9% no período de 2007 e 2017 (Cerqueira et al., 2019).

Da mesma forma que os adultos, as crianças também são impactadas pela experiência do luto e podem apresentar respostas particulares à perda. Tais reações podem ser influenciadas pela maneira como os adultos compreendem a morte (Walsh & McGoldrick, 1998). Igualmente, a forma como os adultos vivenciam o luto pode influenciar diretamente a reação emocional da criança e a maneira de assimilar o próprio luto (Andrade, 2013).

O caso é ainda mais delicado quando se trata da morte prematura de um ou ambos os pais, a qual representa um fator de risco para a saúde física e mental da criança (Parkes, 1998). Tal evento, quando tem origem em um homicídio, oferece riscos ainda maiores para a criança se comparado à morte natural, que, em geral, não é traumática (Domingos & Maluf, 2003). Associado ao caráter repentino e violento, o impacto da morte dos pais decorrente de homicídio repercute significativas mudanças físicas, emocionais, intelectuais e sociais na vida da criança e em seu processo de luto (Parkes, 1998; Worden, 1998). Logo, sugere-se que seja oferecido à criança o devido atendimento psicoterapêutico por meio de estratégias que favoreçam a expressão das reações de pesar das crianças enlutadas (Andrade, 2013).

Isso posto, a presente revisão visou investigar, nas literaturas nacional e internacional, as características biopsicossociais envolvidas no luto infantil decorrente da morte de pais vítimas de homicídio, assim como as abordagens psicoterapêuticas aplicadas a essa demanda.

 

2. Método

2.1 Critérios de inclusão do material

O material selecionado para o presente estudo consistiu, especificamente, em artigos sobre o luto de crianças entre 0 e 12 anos decorrente da morte por homicídio de um ou ambos os pais, com o intuito de analisar as características biopsicossociais envolvidas no luto infantil e as abordagens psicoterapêuticas aplicadas ao referido contexto de perda.

Como fonte de análise, foram utilizados artigos disponíveis na íntegra, em português e/ou inglês, sem delimitação temporal, nas bases de dados American Psychological Association (PsycInfo), US Nacional Library of Medicine National Institute of Health (PubMed), Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia (BVS-Psi) e Portal de Periódicos Capes. Tais bases de dados foram definidas levando em consideração o conteúdo e a abrangência de estudos multidisciplinares, contemplando produções nacionais e internacionais, e os enfoques teórico e metodológico, alvos desta pesquisa.

2.2 Procedimentos de coleta de dados documentais

Inicialmente, realizaram-se buscas no Thesaurus of Psychological Index Terms (Thesaurus), no Medical Subject Headings da U.S. National Library of Medicine (MESH) e nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para definição dos descritores, os quais foram definidos em conjunto com os operadores booleanos: "Griefs" OR "Mourning" OR "Mournings" OR "Grief" OR "Bereavements" OR "Bereavement" AND "Child" OR "Children" OR "Minors" OR "Development, Child" OR "Development, Infant" OR "Infant Development" OR "Child, Preschool" OR "Children, Preschool" OR "Preschool Child" OR "Preschool Children" OR "Child" OR "Infant" OR "Infancy" OR "Preschool Child" OR "Children, Preschool" OR "Preschool Children" AND "Homicides" OR "Murder" OR "Murders" OR "Killing" OR "Killings" OR "Homicide". O recurso das aspas foi adotado com o intuito de refinar as buscas. Utilizou-se a opção "Busca Avançada" para restringir os campos de pesquisa (títulos, assuntos, resumos e palavras-chave). Optou-se pela seleção de artigos nos idiomas inglês e português, sendo utilizado o filtro "idioma", quando disponível na base de dados. Excepcionalmente no Portal de Periódicos da Capes, os seguintes filtros para o cumprimento dos critérios de inclusão foram selecionados: tópico (criança) e tipo de material (artigo). A última busca manual foi conduzida pelas autoras em janeiro de 2019.

Na busca, recuperaram-se 79 artigos na BVS-Psi, 39 no PubMed, 37 no Portal de Periódicos Capes e três na PsycInfo, totalizando 158 trabalhos. Todos os artigos (n = 158) foram exportados para uma planilha Excel. Em seguida, excluíram-se 119 artigos duplicados, ou seja, os resultados que apareceram em mais de uma base de dados.

O restante dos artigos (n = 39) teve seus resumos lidos, avaliados e submetidos aos seguintes critérios de inclusão: 1. tema: luto; 2. população: crianças (0-12 anos); 3. tipo de morte: homicídio; 4. vítima(s): um ou ambos os pais; e 5. tipos de estudo: quantitativo, qualitativo e/ou misto. Dessa maneira, foram excluídos 22 artigos, considerando os seguintes critérios de exclusão: 1. estudos teóricos e revisões sistemáticas; 2. pôsteres, resumos, dissertações/teses e anais de eventos/congressos; e 3. população e tipo de morte: distintos e/ou heterogêneos.

Os artigos selecionados (n = 17) foram, então, lidos na íntegra. Destes, dez artigos foram excluídos, considerando os referidos critérios de inclusão e exclusão como análise, sendo apontadas as justificativas: população híbrida (por exemplo, crianças e adolescentes; crianças e adultos), causas de morte heterogêneas (por exemplo, homicídio e suicídio; homicídio e "causas naturais") e membro familiar distinto do definido (por exemplo, irmãos). Dessa forma, selecionaram-se sete artigos para compor a análise qualitativa, que visou identificar os conceitos e métodos para análise dos principais aspectos apontados nos estudos.

O fluxograma das etapas do processo de avaliação sistemática dos artigos (Figura 2.2.1) mostra o número de estudos selecionados e eliminados em cada uma das etapas do processo de avaliação sistemática, considerando as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA (Liberati et al., 2009). O levantamento dos artigos foi conduzido de forma independente pelas autoras. Ressalta-se que não ocorreram divergências durante a análise dos critérios de inclusão e exclusão em cada etapa, uma vez que todas as questões foram previamente debatidas e esclarecidas de forma consensual entre as autoras.

 

 

2.3 Procedimentos de análise

Atendendo aos objetivos do estudo e visando à identificação e à sistematização, foram propostas as seguintes categorias para análise qualitativa dos resultados: 1. objetivos dos estudos; 2. aspectos gerais dos estudos; 3. características biopsicossociais de crianças decorrentes da morte parental por homicídio; e 4. abordagens psicoterapêuticas com crianças no contexto de perda parental por homicídio. A primeira categoria buscará descrever a finalidade de cada estudo. A segunda categoria auxiliará na identificação dos estudos e das metodologias por estes utilizadas. Já na terceira categoria, serão identificados os aspectos biológicos, psicológicos e sociais apontados nos estudos que podem contribuir para a avaliação psicológica e para a intervenção psicoterapêutica. Por fim, na quarta categoria, serão analisados os objetivos, a regularidade e as técnicas aplicadas nas intervenções psicoterapêuticas direcionadas às crianças e aos respectivos familiares. Outrossim, serão apontadas as informações relevantes e os mecanismos de ação sugeridos pelos autores nas duas últimas categorias.

O presente estudo foi registrado na base de dados International Prospective Register of Systematic Reviews - PROSPERO, do Centro de Revisões Sistemáticas e Disseminação (Centre for Reviews and Dissemination) da Universidade de York (Inglaterra), sob o código: (CRD42019120703).

 

3. Resultados

3.1 Objetivos dos estudos

Schonfeld, Shekunov, Jellinek e Stein (2016) apresentaram o relato de caso de uma menina de 9 anos, que vivenciou o luto pela morte da mãe vítima de homicídio após assalto em uma loja de conveniência. O artigo pontuou as principais considerações sobre o caso, sugerindo, ao final, possíveis estratégias para o atendimento infantil.

Zeanah e Burk (1984) relataram o caso de uma menina de 4 anos que testemunhou o homicídio de sua mãe perpetrado pelo pai. Os autores também revisaram a literatura jurídica, apontando a importância da investigação do estado de saúde mental das crianças para melhor avaliar a obrigação de depoimento judicial, quando solicitado pelo sistema criminal. Tal trabalho teve como objetivo aumentar a conscientização entre os profissionais de saúde mental, comunidade em geral e sistema de justiça criminal sobre a necessidade de tratamento de crianças que testemunharam homicídio dos pais.

Black, Harris-Hendriks e Kaplan (1992) formularam alguns princípios básicos para a prática profissional, a partir da experiência com mais de 100 crianças, cujos pais perpetraram o homicídio das mães. Para tanto, foram apresentados seis relatos de casos de crianças, sendo quatro meninas (entre 3 e 6 anos) e dois meninos (5 e 6 anos), que testemunharam a morte das mães, visando reforçar a necessidade de breve avaliação e de intervenção por equipe especializada nesse contexto de perda.

Burman e Allen-Meares (1994) utilizaram como análise o relato de caso de dois irmãos, de 4 e 8 anos, testemunhas do homicídio da mãe perpetrado pelo pai. Tal relato permitiu a observação de alguns sintomas, como agressividade, retraimento e enurese noturna, e a indicação de referenciais teóricos sobre desenvolvimento psicossocial (Erikson, 1968) e aprendizagem social (Bandura & Walters, 1963) para orientar a intervenção profissional. Os autores apresentam ainda estratégias comportamentais e expressivas de tratamento terapêutico e práticas de intervenção familiar que podem favorecer a melhoria da qualidade de vida das crianças enlutadas no contexto de perda parental de forma traumática.

Schetky (1978) analisou os relatos de caso entre dois pares de irmãos (menino e menina) de 2 e 4 anos, que testemunharam a morte das mães por homicídio perpetrado pelos pais, e discutiu algumas das variáveis que influenciam o luto decorrente de perda traumática. Já Rupa, Hirisave e Srinath (2013) descrevem o processo psicoterapêutico de um menino de 7 anos de idade, sob a custódia da avó e bisavó maternas, após o testemunho do homicídio da mãe perpetrado pelo pai. Para tanto, apontam características, técnicas e estratégias, bem como os ganhos terapêuticos alcançados no referido caso.

A partir da experiência profissional em uma clínica focada no atendimento de crianças após os casos de uxoricídio, Black (1998) descreveu o trabalho desenvolvido com um menino de 4 anos que testemunhou o homicídio de sua mãe, enquanto os outros dois irmãos estavam na escola. Igualmente, a partir do caso de três irmãos com menos de 5 anos, a autora destacou a experiência do menino de 3 anos que também testemunhara o homicídio da mãe. Tal trabalho visou alertar sobre alguns aspectos que envolvem a perda parental traumática e a necessidade de intervenção terapêutica para essas crianças.

3.2 Aspectos gerais dos estudos

Conforme referido, a busca nas bases de dados apresentou o número final de sete artigos, dos quais quatro foram oriundos do PubMed e três da BVS-Psi. Todos os artigos foram publicados em inglês, sendo três dos Estados Unidos, três do Reino Unido e um da Índia. Evidencia-se a ausência, na presente pesquisa, de estudos brasileiros. Além disso, os estudos recuperados foram publicados entre os anos de 1978 e 2016. Destes, cinco foram elaborados na década de 1990 e apenas dois após 2000.

Observou-se ainda que dois artigos foram publicados em periódicos voltados para área da saúde pediátrica - Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics e Indian Journal of Pediatrics; dois, em periódicos destinados à prática e pesquisa em psicoterapia - American Journal of Psychotherapy e Psychotherapy and Psychosomatics; um, em periódico focado na área de serviço social - Social Work; e dois, em periódicos voltados para área de psiquiatria - Bulletin of the American Academy of Psychiatry and the Law e International Journal of Psychiatry in Clinical Practice.

Sobre o delineamento metodológico, todos os artigos encontrados foram qualitativos por meio de estudo de caso clínico de 17 crianças com faixa etária entre 2 e 9 anos, sendo oito meninas entre 2 e 9 anos e nove meninos entre 2 e 8 anos. Entre essas crianças, 16 testemunharam a morte da mãe vítima de homicídio perpetrado pelo pai.

Os aspectos gerais dos estudos (Tabela 3.2.1) representam a síntese de cada um dos sete artigos, por meio das seguintes categorias: 1. título do artigo (autoria/ano); 2. base de dados; 3. idioma; 4. periódico; 5. tipo de estudo; 6. país; e 7. participantes.

 

 

3.3 Características biopsicossociais de crianças decorrentes da morte parental por homicídio

Entre os estudos que integram a presente revisão de literatura, Zeanah e Burk (1984) apresentaram o relato de uma criança que vivia em um contexto familiar permeado por contendas entre os pais e internações psiquiátricas da mãe em virtude de episódios de impulsividade, explosões de raiva, tentativas de suicídio, abuso de drogas e breves episódios psicóticos. A criança morou temporariamente com tutores (prima da mãe e esposo), com os quais o desenvolvimento transcorreu sem dificuldade. Contudo, após retornar ao lar parental, a criança testemunhou o homicídio da mãe, o qual foi perpetrado pelo pai. Com base no depoimento da criança sobre a cena violenta que testemunhara, o pai foi preso, e ela, encaminhada novamente aos tutores. Nas semanas posteriores, a menina experimentou uma variedade de reações emocionais e comportamentais: hiperatividade, ansiedade, medo de ir ao banheiro desacompanhada, distúrbios do sono, preocupações com o perigo, enurese noturna, distorções sobre a experiência traumática e sentimentos de raiva e de culpa pela impossibilidade de evitar a morte da mãe. Diante do exposto, os autores afirmaram que o tratamento terapêutico envolveu um cenário complexo e conflitante. Além disso, salientaram a relevância de promover o alívio do sofrimento e dos sintomas, a atenção aos aspectos cognitivos infantis e o estabelecimento de um ambiente sadio para o desenvolvimento da criança. Dessa forma, os autores acreditam que os riscos de problemas futuros advindos da experiência traumática podem ser minimizados.

No estudo elaborado por Schonfeld et al. (2016), a criança de 9 anos morava com a mãe e não conhecia o pai. Apesar de cansada, após um dia de trabalho exaustivo, a pedido da criança, a mãe saiu para comprar a comida para o gato de estimação, mas foi fatalmente baleada no estacionamento de uma loja de conveniência. No mesmo dia, os tios da menina levaram-na para a casa deles em outro estado de forma abrupta e sem justificativas, sem que a criança pudesse buscar seus pertences pessoais, despedir-se dos amigos da escola, tampouco comparecer ao funeral da mãe. A menina teve problemas para se adaptar à rotina familiar dos tios que tinham dois filhos, manifestando a sensação de ser tratada como um bebê. Apesar de solidários, os tios sentiam que precisavam de mais estrutura para prestar o devido apoio à sobrinha após a perda traumática da mãe e, por isso, buscaram ajuda médica e o aconselhamento parental para si. Os autores apontaram, principalmente, a expressão do sentimento de culpa por parte da menina (por causa do pedido feito à mãe), bem como a influência direta das mudanças após a perda materna (por exemplo, rituais fúnebres e mudança de residência e de escola) no processo de desenvolvimento e de luto, sendo esses os principais focos para a assistência infantil (Schonfeld et al., 2016).

Schetky (1978), em seu estudo, observou reações de pesar distintas: medo de barulhos altos, questionamentos sobre as causas da morte, sensação de inadequação, linguagem obscena, comportamentos impulsivos, instabilidade de humor e preocupação em relação ao futuro. A autora pontuou a influência do ambiente litigioso em relação à custódia das crianças, sendo recomendada a breve resolução do processo judicial visando prover um ambiente seguro às necessidades físicas e emocionais, e à expressão do luto infantil.

Entre as principais queixas apresentadas por um menino de 7 anos, Rupa et al. (2013), por sua vez, também assinalaram a expressão de vocabulário vulgar, agressões contra outras crianças e familiares e frequentes reações de raiva. Os autores ressaltaram os impactos deletérios da violência doméstica durante a trajetória de vida da criança e os possíveis danos do depoimento judicial sobre o homicídio da mãe à saúde da criança e, consequentemente, na expressão de luto.

Black et al. (1992) constataram que crianças que perderam as mães vítimas de homicídio perpetrado pelo pai apresentam maior probabilidade de desenvolvimento do TEPT e de outros problemas psiquiátricos. Os autores sinalizaram que essas crianças comumente apresentam baixa autoestima decorrente do contexto de perda familiar, da influência danosa sobre a omissão de informações a respeito das mudanças após a perda (por exemplo, local de moradia) e da impossibilidade de comparecimento nos rituais fúnebres, fatores que influenciam diretamente o processo de luto infantil. Em outro estudo, Black (1998) identificou maior probabilidade de ocorrência de dissociações da realidade, TEPT e transtornos de apego impulsionados pelas mudanças frequentes de cuidadores. No trabalho, a autora analisou o reflexo das dinâmicas familiares no processo de luto das crianças atendidas.

Por fim, Burman e Allen-Meares (1994) perceberam diferenças entre as expressões de luto de dois irmãos. Por exemplo, enquanto um mostrou-se agressivo, inclusive inclinado ao fascínio obsessivo por armas (menino de 8 anos), o outro (4 anos) revelou-se retraído e apresentou enurese noturna. Entretanto, as autoras notaram duas características comuns entre os irmãos: queda no desempenho escolar e dificuldade de relacionamento interpessoal. No ambiente familiar e no contexto de inserção social da família, Burman e Allen-Meares (1994) destacaram a violência familiar e, na sociedade como um todo, a ausência ou precária rede de apoio e os fatores socioeconômicos na vida familiar (por exemplo, preconceito racial e desemprego) como elementos que influenciaram diretamente na vivência do luto infantil.

3.4 Abordagens psicoterapêuticas com crianças no contexto de perda parental por homicídio

No estudo desenvolvido por Schonfeld et al. (2016), foi salientada a necessidade de breve intervenção, a julgar pelo impacto do luto no funcionamento psicológico, no ajuste emocional, na saúde e na trajetória de desenvolvimento da criança ante a perda significativa. Para tanto, eles assinalam a importância da participação da criança nos rituais fúnebres precedida de diálogo, a atenção às perdas e aos estressores secundários (por exemplo, trauma associado ao testemunho do homicídio e mudança residencial) e a assistência da escola durante o processo de luto mediante prévia preparação da equipe. Os autores recomendam o uso de uma "caixa de memória" contendo objetos e fotos do familiar falecido durante a intervenção infantil, a qual possibilita rememorar as lembranças, facilitar o diálogo e propiciar a vivência do luto. Ao final, Schonfeld et al. (2016) sugerem a contínua assistência de profissionais de saúde à criança enlutada com vistas a monitorar os efeitos da experiência traumática e evitar possíveis manifestações deletérias à sua saúde (por exemplo, depressão e ansiedade).

No estudo de Zeanah e Burk (1984), pontuaram-se como objetivos terapêuticos: o alívio de sintomas atinentes ao luto, o restauro do equilíbrio psicológico para retomada de tarefas condizentes com a idade e a redução de riscos de problemas psicológicos em decorrência do trauma. Para tanto, realizaram minuciosa entrevista de anamnese e prestaram orientações aos tutores sobre o luto infantil. Com a criança, buscaram estabelecer uma relação de confiança de modo a possibilitar a abordagem das questões relacionadas à morte e ao luto, incluindo o sentimento de culpa, e realizar encenações sobre o evento traumático para alívio dos sintomas atinentes ao TEPT. Por fim, Zeanah e Burk (1984) sugerem que os profissionais de saúde, a comunidade e o sistema de justiça criminal prestem a devida assistência às crianças enlutadas no contexto de perda traumática e violenta.

Black et al. (1992) apontaram a necessidade de intervenções imediatas (logo após o homicídio), desenvolvidas por equipe especializada em eventos traumáticos com crianças, focadas na higidez física e mental. Os autores também consideram primordial o alerta aos serviços de atenção primária sobre a saúde das crianças e imediatas consultas focadas na avaliação do estado de saúde mental. Já em longo prazo, os autores citaram a necessidade de atenção às questões judiciais (por exemplo, herança, guarda e visitação), que devem ser guiadas pelo princípio do maior interesse da criança, e avaliação sobre o momento em que a criança deve testemunhar em juízo. Também apontaram a efetividade da prática do aconselhamento para lidar com as questões relativas ao luto infantil, assim como para prestar orientações e apoio aos cuidadores ante o próprio luto e o das crianças. Black et al. (1992) recomendam a importância do desenvolvimento de estudos de longo prazo para avaliar o que acontece com as crianças quando o pai - que perpetrou o homicídio - regressa ao convívio e quando as crianças crescem, além de estudos sobre diferentes formas de tratamento.

Burman e Allen-Meares (1994) informaram a realização de sessões psicoterapêuticas individuais e grupais e entrevistas semiestruturadas com o intuito de compreender as características biopsicossociais das crianças, a relação estabelecida com o familiar falecido, o contexto familiar, as circunstâncias da perda, o suporte recebido e o entorno (por exemplo, sociedade e cultura). As autoras apontaram a efetividade das postulações de Erikson (1968) sobre o desenvolvimento psicossocial e de Bandura e Walters (1963) sobre a aprendizagem social, pois decerto contribuíram para a intervenção psicoterapêutica com crianças enlutadas em contexto de violência. Durante os atendimentos, foram utilizadas técnicas não verbais de comunicação (por exemplo, artes, desenhos, jogos, narração de histórias e fotografias) e técnicas fundamentadas na abordagem cognitivo-comportamental (por exemplo, coterapia, estratégias de autocontrole para manejo da raiva e treino de habilidades sociais). Além disso, realizaram-se observações clínicas e no contexto escolar das crianças. Quanto aos aconselhamentos, as autoras estimularam a prática de esportes pelos irmãos a fim de fomentar o desenvolvimento de habilidades sociais e a formação de novos vínculos, bem como a participação dos familiares em grupos de apoio para ajudar a lidar com o próprio luto e com o luto das crianças. Ao final, Burman e Allen-Meares (1994) enfatizaram a importância do trabalho interdisciplinar e a necessidade de estudos que abarquem as questões biopsicossociais e os cuidados intensivos com crianças enlutadas no contexto da violência.

No trabalho desenvolvido por Schetky (1978), foi indicada a necessidade de prestar assistência aos pais substitutos para que eles não só estabeleçam um ambiente de segurança e confiança, como também assegurem o diálogo verdadeiro sobre os fatos de acordo com o estágio de desenvolvimento cognitivo da criança. A autora destaca a importância de estabelecer uma rede de apoio sólida à criança (por exemplo, escola e demais familiares) e de adotar uma postura cautelosa em relação ao envolvimento da criança nos processos judiciais, bem como o contato dela com o genitor que perpetrou o crime. No final, Schetky (1978) recomenda o desenvolvimento de estudos para melhor avaliar e tratar as referidas questões.

Sobre a regularidade das sessões com as crianças enlutadas nas condições supracitadas, Rupa et al. (2013) explicaram que a frequência deverá ser definida conforme as especificidades de cada caso. No trabalho desenvolvido pelos autores, foram realizadas sessões diárias durante três meses, seguidas por sessões semanais e subsequentes bimensais. As sessões lúdicas realizadas por meio de técnicas individualizadas (por exemplo, música, narração de histórias e encenações variadas) e debates sobre os conceitos de irreversibilidade e inevitabilidade da morte ajudaram a avançar progressivamente na expressão do luto infantil. Os autores constataram que, para o sucesso da intervenção psicoterapêutica, faz-se necessário adotar postura não diretiva, receptiva e solidária, pois isso contribuiu para a comunicação assertiva e maturidade emocional das crianças enlutadas (Rupa et al., 2013).

Black (1998) recomendou a necessidade de breve avaliação da criança por equipe com experiência no atendimento de crianças em luto decorrente de perda traumática e o desenvolvimento de intervenções para redução/prevenção de sintomas relativos ao TEPT. Segundo a autora, a realização de atendimentos terapêuticos que visem promover a expressão do luto infantil deve incluir o debate sobre os rituais fúnebres e os conceitos de irreversibilidade e cessação das funções corporais, bem como a utilização de várias técnicas psicológicas que ajudem a processar as questões traumáticas. A autora destaca a importância de prestar o devido aconselhamento aos tribunais de justiça e às equipes de serviço social sobre a possibilidade de contato entre o genitor que perpetrou o homicídio e a criança.

 

4. Discussão

Na presente revisão sistemática de literatura, constatou-se que a produção de artigos sobre o luto infantil decorrente da morte de pais vítimas de homicídio ainda é restrita nos cenários internacional e, sobretudo, nacional. Ainda assim, a amostra composta por sete artigos qualitativos salienta as especificidades do luto de crianças nesse contexto de perda (Black, 1998; Black et al., 1992; Burman & Allen-Meares, 1994; Rupa et al., 2013; Schetky, 1978; Schonfeld et al., 2016; Zeanah & Burk, 1984).

O luto é um fenômeno complexo e multidimensional, cujo processo e consequências são influenciados pela interação de uma série de componentes físicos, psicológicos e sociais (Silva & Ferreira-Alves, 2012). Cada sujeito confrontará de sua maneira a realidade da morte (Kovács, 2003). Nos estudos selecionados, foi possível observar a menção de sintomas de medo, raiva, ansiedade e culpa, enurese noturna, comportamentos agressivos, ocorrência de dissociações da realidade, transtornos de apego e sintomas atinentes ao TEPT quando as crianças testemunharam o homicídio.

Para iniciar os cuidados terapêuticos da criança, recomendou-se a imediata realização de processo de avaliação psicológica para investigar os sintomas cognitivos, físicos, comportamentais e emocionais (Black, 1998; Black et al., 1992). Com a finalidade de auxiliar no processo de luto, sugeriram-se também: a intervenção psicoterapêutica focada no alívio de sintomas atinentes ao luto (Zeanah & Burk, 1984), a atenção às perdas e aos estressores secundários - por exemplo, mudança residencial (Schonfeld et al., 2016), a promoção de debates sobre os conceitos de irreversibilidade e inevitabilidade da morte para ajudar a avançar progressivamente na expressão do luto infantil (Rupa et al., 2013), o estabelecimento de uma rede de apoio sólida à criança - por exemplo, escola e demais familiares (Schetky, 1978), entre outros.

Cabe destacar que, entre os estudos que compuseram a amostra, a maioria (n = 6) considerou o luto de crianças que testemunharam casos de uxoricídio. Nesse contexto, foi evidenciado que os prejuízos ao bem-estar e à qualidade de vida das crianças com histórico de violência intrafamiliar são múltiplos (Black, 1998). Igualmente, a ausência de estreita relação afetiva entre as crianças e os genitores no contexto familiar, associada a estímulos inadequados e à presença de violência doméstica, causa prejuízos ao desenvolvimento (Silva, Maftum, & Mazza, 2014), podendo afetar as esferas cognitiva, emocional, comportamental e social, e promover efeitos deletérios ao longo da vida adulta (Reichenheim, Hasselmann, & Moraes, 1999). Entre esses efeitos, citam-se dificuldades no aprendizado, instabilidade de humor, expressão de comportamentos associados à depressão e problemas nos relacionamentos interpessoais (Abranches & Assis, 2011). Outras consequências citadas incluem alterações no sistema nervoso central e nas funções cognitivas (Silva et al., 2014). Para a intervenção sobre tais ocorrências, recomendou-se atenção terapêutica às questões relativas ao luto e ao reflexo das dinâmicas familiares no processo de luto das crianças atendidas (Black, 1998; Rupa et al., 2013). Destaca-se a importância de estudos de longo prazo para investigar o que acontece com as crianças quando o pai, que perpetrou o homicídio, regressa ao convívio e quando elas crescem, além de estudos sobre diferentes formas de tratamento (Black et al., 1992).

Subsequente à morte de uma pessoa adulta querida são manifestadas, por parte da criança, intensas reações de dor e negação da perda ante os processos de luto (Bowlby, 1993). Essas reações podem agravar-se nas circunstâncias de luto em decorrência de morte violenta (Parkes, 1998; Worden, 1998). Em tal contexto, sugere-se imediata intervenção, incluindo a avaliação psicológica (Black, 1998; Black et al., 1992) por meio de diferentes fontes fundamentais (por exemplo, instrumentos psicológicos) e complementares (por exemplo, relatórios multiprofissionais) para obtenção de informações (Conselho Federal de Psicologia, 2018). Ademais, recomenda-se atendimento psicoterapêutico sequencial a fim de contribuir para a experiência do luto e qualidade de vida das crianças (Parkes, 1998).

Nesse sentido, nota-se a relevância de adotar uma abordagem teórica que contemple o desenvolvimento humano e a complexidade do fenômeno do luto, visando abranger tanto os componentes individuais quanto contextuais associados à perda, proporcionando, assim, o devido atendimento às necessidades da criança enlutada (Burman & Allen-Meares, 1994). Além disso, observou-se a utilização de técnicas não verbais de comunicação (por exemplo, música, desenhos e narração de histórias), uma vez que elas possibilitam a expressão das reações de pesar que permeiam os comportamentos das crianças. Como proposta para o manejo clínico, as supracitadas técnicas e abordagem teórica podem contribuir para a expressão de emoções e pensamentos, possibilitando a experiência do luto e construção de significados diante da perda (Burman & Allen-Meares, 1994; Mazorra, 2009; McIntyre & Hogwood, 2006).

Conforme foi exposto na presente investigação, os dados encontrados referem-se a estudos internacionais, dada a restrita produção nacional sobre o tema. A respeito desse fato, Soares, Miranda e Borges (2006) ponderam que dados estatísticos sobre o crescimento da violência, particularmente os homicídios na cidade do Rio de Janeiro, vêm sendo divulgados por instituições públicas ao longo dos anos. No entanto, os autores destacam a existência de lacunas na literatura nacional acerca das vítimas sobreviventes, incluindo as crianças, após a morte familiar por homicídio. Soares et al. (2006) apontam o uso de fontes internacionais para nortear os estudos brasileiros, contudo eles salientam a importância de adotar cautela na interpretação desses resultados, uma vez que os fatores socioeconômicos e culturais influenciam diretamente na investigação do fenômeno da violência. Os autores sugerem ainda a realização de estudos envolvendo profissionais de diferentes áreas na sociedade brasileira, inclusive voltados para crianças e suas idiossincrasias.

Ainda, consideramos a hipótese de que a carência de estudos concernentes exclusivamente à população objeto da presente investigação (isto é, crianças enlutadas entre 0 e 12 anos) ocorre por causa dos aspectos éticos específicos implicados nesse tipo de análise. Tais particularidades dizem respeito, por exemplo, para evitar maior fragilização ou danos psicológicos aos participantes (Cook, 2001), à aprovação em comitês de ética e pesquisa de instituições de ensino superior e à autorização dos responsáveis legais via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); à requisição do envolvimento de multiprofissionais experientes e sensíveis à referida circunstância de morte (Soares et al., 2006); ao entendimento sobre os aspectos do desenvolvimento humano e a complexidade do fenômeno do luto (Burman & Allen-Meares, 1994); à compreensão sobre os aspectos familiares e o respectivo histórico (por exemplo, ocorrência de violência intrafamiliar) por parte dos profissionais (Black, 1998; Silva et al., 2014); ao uso de instrumentos fidedignos ao público infantil (Soares et al., 2006); à atenção às características de vulnerabilidade e estrutura psicológica das pessoas enlutadas (Parkes, 1995), nesse caso, de crianças; entre outros.

Ratifica-se, portanto, a importância de novos estudos que permitam explorar as questões e experiências singulares sobre a morte e o fenômeno do luto com as crianças, principalmente no contexto de homicídios, de forma a reverberar nas respectivas famílias e na comunidade como um todo (Eth & Pynoos, 1994; Gonzaga & Peres, 2017). Por esse ângulo, a utilização de métodos mistos de pesquisa possibilitaria a realização de estudos com desenhos metodológicos diferentes, mas que produzem dados mutuamente complementares, favorecendo uma avaliação mais abrangente sobre o fenômeno investigado (Santos et al., 2017). Tendo em vista as especificidades no contexto da perda quanto às características biopsicossociais, estudos longitudinais poderiam ser efetivos para garantir a elaboração de conhecimento mais aprofundado a respeito do tema. Igualmente, possibilitariam levantar prognósticos mais funcionais, demonstrando ao longo do tempo os desdobramentos do processo de luto infantil (Black et al., 1992) e colaborando para o ajustamento ante a perda (Parkes, 1998; Tinoco, 2007).

Para tanto, é indispensável que os psicólogos explorem as questões que envolvem a morte e estejam atentos aos fatores individuais e contextuais que influenciam o processo de luto (Burman & Allen-Meares, 1994; Worden, 1998). É ainda fundamental que recorram a referenciais teóricos, desenvolvam habilidades técnicas e fomentem produções científicas robustas, considerando os aspectos epistemológicos e operativos das abordagens quantitativas e qualitativas (Santos et al., 2017). Dessa forma, acredita-se ser possível contribuir consideravelmente para o avanço dos processos avaliativo e psicoterapêutico em prol da qualidade de vida de crianças enlutadas.

 

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Correspondência:
Karolline de Jesus Saraiva Menezes
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Departamento de Psicologia
Rua Marquês de São Vicente, 225 (Ed. Cardeal Leme), 2º andar, Gávea
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 22451-900, Caixa Postal 22470-060
E-mail: karolline.saraiva@gmail.com

Submissão: 08/04/2019
Aceite: 26/11/2019
O presente artigo contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por meio de financiamento de bolsa de mestrado à primeira autora.

 

 

Nota dos autores
Karolline J. S. Menezes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Juliane C. Borsa, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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