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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.2 São Paulo May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n2p444-457 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Avaliações autorreferentes e práticas esportivas: comparações entre universitários praticantes e não praticantes

 

 

Mikael A. Corrêa; Ana Cristina G. Dias

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondence

 

 


RESUMO

Espera-se que o engajamento em práticas esportivas contribua para o desenvolvimento de autopercepções positivas. Porém, há controvérsias sobre esse pressuposto, sobretudo no esporte competitivo, que é caracterizado por maior pressão e possíveis frustrações. O objetivo deste estudo é investigar e comparar as avaliações autorreferentes centrais (AAC) de três grupos de universitários: praticantes de esportes em nível competitivo (PEC), praticantes de esportes por lazer (PEL) e não praticantes (NP). Participaram 703 universitários de diferentes regiões do Brasil. As análises de covariância demonstraram que os PEC apresentaram médias de AAC significativamente maiores que os PEL (p < 0,05) e NP (p < 0,001). Os PEL também apresentaram médias significativamente maiores que os NP (p < 0,001). Os resultados demonstram que, apesar das controvérsias, indivíduos que praticam esportes, inclusive em nível competitivo, podem apresentar AAC mais positivas, o que contribui para uma melhor adaptação às diferentes demandas da vida e para um maior exercício da agência pessoal.

Palavras-chave: Psicologia do Esporte; competição; autoavaliação; autoeficácia; agência.


 

 

1. Introdução

A prática de esportes e de atividades físicas é importante para o desenvolvimento humano, não apenas para promover a saúde física, mas também a saúde psicossocial, o que justifica o investimento direcionado a tais práticas em nível global (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [Pnud], 2017). Praticantes de esportes, especificamente, podem exercitar diferentes competências por meio dessas práticas (Holt, 2016). O engajamento nos esportes, especialmente quando focados no alto rendimento e na competição, envolve constantes feedbacks ao atleta, que podem influenciar seus níveis de motivação e competitividade (Cranmer, Gagnon, & Mazer, 2019). Atletas que apresentam bons níveis de rendimento podem desenvolver autopercepções mais positivas de si e generalizá-las para outras dimensões da vida, o que possibilita uma melhor adaptação aos desafios de diferentes contextos. Ao mesmo tempo, quando há uma alta pressão por desempenho crescente, a prática do esportes pode estar associada ao medo de avaliações negativas (Geukes, Harvey, Trezise, & Mesagno, 2017; Newman, Howells, & Fletcher, 2016).

A busca por altas colocações no ranking de desempenhos pode estar associada a um anseio por excelência, que tanto promove a autoestima (Gill, Kissova, Lee, & Prowse, 2015) como pode se associar a uma percepção de incompetência ou inadequação, quando as possibilidades do indivíduo estão aquém do seu ideal de performance (Fox & Lindwall, 2014). Lidar com adversidades é inerente à experiência esportiva, o que inclui se adaptar a um contexto avaliativo, em que as consequências para vitória e para a derrota são claramente estabelecidas (Galli & Gonzalez, 2014). Comumente, os atletas relatam que a percepção de autovalor associada à vitória é curta quando comparada ao impacto psicológico da derrota. Além disso, eles têm uma visão extremada e um alto perfeccionismo quando avaliam as próprias falhas (Newman et al., 2016). Contudo, um estudo de metanálise demonstrou que as preocupações perfeccionistas não predizem uma boa performance e estão associadas a diversos sintomas desadaptativos, tais como uma baixa percepção de autovalor e um elevado autocriticismo (Hill, Mallinson-Howard, & Jowett, 2018). Portanto, os benefícios do esporte para o desenvolvimento de uma autopercepção positiva não são absolutos ou automáticos e podem variar de acordo com a natureza das práticas esportivas (por exemplo, competitiva ou por lazer), o que justifica a ênfase dada neste trabalho a esses elementos da prática competitiva e da busca por rendimento. Neste estudo, pretende-se ampliar a investigação sobre esse tema, comparando-se as autopercepções de indivíduos não engajados em esportes com indivíduos engajados em diferentes tipos de práticas esportivas.

Os termos "autoavaliações" e "autopercepções" podem englobar diferentes construtos. Atualmente, há autores que sugerem que construtos como autoestima, autoeficácia generalizada, locus de controle interno e estabilidade emocional constituem um fator único, multidimensional, de avaliações autorreferentes centrais - AAC (do inglês core self-evaluations) (Judge, Erez, Bono, & Thoresen, 2002). Essa proposta se justifica pela forte associação e semelhança entre esses quatro subtraços, que pode ser empiricamente observada (Chang, Ferris, Rosen, & Tan, 2012; Judge et al., 2002), permitindo uma compreensão mais integrada desses subtraços, além de simplificar a mensuração deles. Há também uma proximidade conceitual entre os quatro subtraços, de modo que as AAC são definidas como um núcleo (core) de autopercepções e autoavaliações (Debusscher, Hofmans, & De Fruyt, 2017), que ocorrem no âmbito da apreciação do valor pessoal (autoestima), da percepção de eficácia individual (autoeficácia generalizada), da responsabilidade pessoal sobre suas ações e seus resultados (locus de controle interno) e da capacidade de regular emoções (estabilidade emocional). Pessoas com AAC mais positivas são mais propensas a experienciar bem-estar subjetivo e utilizar seus recursos pessoais para buscar seus objetivos em diferentes circunstâncias (Chang et al., 2012), e o oposto ocorre com indivíduos com AAC negativas.

Segundo a Teoria Social Cognitiva de Bandura (2018), as experiências de domínio são as principais fontes para a formação das crenças de eficácia pessoal (isto é, autoavaliações). Essas experiências correspondem à aprendizagem de novas habilidades e à obtenção de sucesso ao implementá-las. Quando se referem a âmbitos relevantes para o indivíduo, as crenças de eficácia associadas a esse domínio específico podem ser generalizadas para uma autoavaliação mais global de eficácia (Bandura, Adams, & Beyer, 1977). Ou seja, um indivíduo que considera os esportes muito importantes e aprende novas habilidades por meio deles pode desenvolver e generalizar uma autoavaliação positiva global para além do domínio esportivo. As AAC, portanto, podem ser influenciadas pelo desempenho dos indivíduos em determinados domínios, ao mesmo tempo que influenciam esse desempenho em diferentes tarefas, com um bom valor preditivo (Jiang & Jiang, 2015; Rode, Judge, & Sun, 2012). Esse fenômeno pode ser explicado pelo conceito de determinismo recíproco, que se refere à influência mútua e recíproca dos fatores pessoais, ambientais e comportamentais no desenvolvimento humano (Bandura, 2018). Ou seja, as AAC influenciam e são influenciadas pelos resultados obtidos em determinados domínios, de modo recíproco.

A hipótese deste estudo é a de que indivíduos que praticam esportes apresentam AAC mais positivas que indivíduos não praticantes. Por conta das experiências de domínio associadas à prática esportiva, os praticantes podem experienciar um maior estímulo ao desenvolvimento de AAC positivas. Ainda que exista uma ambiguidade quanto à relação causal entre esses elementos - uma vez que indivíduos podem já apresentar AAC positivas anteriormente ao seu contato com o esporte -, entende-se que uma correspondência entre tais práticas e AAC mais positivas em comparação a não praticantes pode indicar que o esporte, de algum modo, consiste em um domínio de experiências que se correlaciona a autoavaliações positivas. Há estudos que demonstram uma associação entre a prática de esportes e maior percepção de valor pessoal e autoestima (Duncan, Strycker, & Chaumeton, 2015; Yigiter & Bayazit, 2014) e maior autoeficácia generalizada (Richards, 2018) em diferentes grupos étnicos e faixas etárias. No entanto, ainda há poucos estudos na área da Psicologia do Esporte que utilizem o conceito integrador de AAC. Esse conceito tem sido utilizado majoritariamente em estudos de Psicologia Organizacional (Rocha, Corrêa, & Dias, 2018). No que se refere ao aspecto competitivo de determinadas práticas, ainda há controvérsias sobre sua relação com as autoavaliações dos praticantes. Indivíduos que competem possivelmente atribuem maior importância ao esporte e a esse papel em suas vidas do que pessoas que praticam esporte por lazer. Por conta disso, o domínio esportivo pode exercer maiores influências nas AAC de praticantes competidores, tanto no sentido positivo quanto no negativo. Ou seja, os esportes competitivos, por envolverem maior pressão e possíveis frustrações relacionadas ao desempenho aquém do idealizado, podem também estimular autopercepções negativas.

A partir do exposto, este estudo pretende comparar as AAC de três grupos naturais de indivíduos: 1. praticantes de esportes em nível competitivo (PEC); 2. praticantes de esportes por lazer (PEL), isto é, em nível não competitivo; e 3. não praticantes (NP). Espera-se que os grupos apresentem diferenças significativas em suas AAC. Espera-se ainda que os PEC e PEL apresentem AAC mais positivas quando comparados aos NP. Por sua vez, não há expectativas claras no que se refere à relação entre PEC e PEL, em função das questões de pressão e competitividade anteriormente expostas, de modo que serão realizadas análises exploratórias (isto é, com expectativas abertas) sobre as AAC desses grupos.

 

2. Método

2.1 Participantes

Participaram 703 estudantes universitários (idades entre 18 e 61 anos; M = 23.97; DP = 5.56), sendo 496 mulheres (70,5%) e 207 homens (29,4%), residentes em cinco regiões do país (4,7% do Norte, 11,7% do Nordeste, 4,4% do Centro-Oeste, 20,6% do Sudeste e 58,7% do Sul), de 64 cursos diferentes. Desses participantes, 215 praticavam esportes em nível competitivo (PEC), 241 praticavam por lazer (PEL) e 247 não praticavam esportes (NP).

2.2 Instrumentos

Questionário sobre prática esportiva: utilizou-se um questionário elaborado pelo grupo de pesquisadores, com questões relacionadas às modalidades esportivas praticadas e ao nível de engajamento nessa prática. Os participantes puderam escolher qual dos três grupos os caracteriza: PEC, PEL ou NP.

Escala de Avaliações Autorreferentes (Ferreira et al., 2013): essa escala avalia as avaliações autorreferentes centrais enquanto um construto único, multidimensional, englobando quatro subtraços: autoestima, autoeficácia generalizada, locus de controle interno e estabilidade emocional (i. e., oposto de neuroticismo). É composta por 12 itens (seis negativos e seis positivos), que avaliam o quanto os indivíduos concordam com as afirmações em uma escala Likert, de cinco pontos, sendo 1 = "discordo plenamente" e 5 = "concordo plenamente". Exemplos de itens: "Às vezes, quando falho, eu me sinto sem valor", "Quando eu tento, geralmente sou bem sucedido". Utilizou-se a versão brasileira da escala, que manteve a unidimensionalidade e os mesmos 12 itens da escala original, com alpha de Cronbach de 0,78. Neste estudo, o alpha obtido foi de 0,90.

2.3 Procedimentos

No período de junho a dezembro de 2018, foram realizadas coletas on-line por meio da plataforma SurveyMonkey. O convite para participação na pesquisa foi divulgado em diferentes redes sociais, como grupos de universidades no Facebook e e-mails para coordenações de cursos, constituindo uma amostragem por conveniência. Todos os participantes concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de prosseguirem com a pesquisa. A plataforma permite apenas uma participação para cada registro de Internet Protocol (IP), de modo a impedir que os participantes respondam mais de uma vez à pesquisa. O anonimato dos participantes não é afetado por essa medida. O preenchimento da survey durou um tempo médio de 20 minutos, e todos os instrumentos eram autoaplicáveis. No total, 1.307 participantes responderam à survey on-line. Contudo, houve perda amostral (isto é, abandono da survey) de 606 participantes, resultando em n = 703.

2.4 Análise de dados

As análises estatísticas foram realizadas por meio do software SPSS 20.0. Após a recodificação de itens invertidos, calcularam-se as médias, os desvios padrão e os intervalos de confiança dos três grupos. Por meio de um teste t para amostras independentes, identificaram-se diferenças significativas nos escores de AAC entre homens e mulheres (t(445) = -2,398, p = 0,017), com os homens (M = 43,31, DP = 8,93) apresentando médias superiores às das mulheres (M = 41,14, DP = 9,20), apesar da predominância delas na amostra (70,5%). Assim, optou-se por realizar análises de covariância (ANCOVA) utilizando "sexo" como covariável, controlando um possível efeito dela (isto é, reduzir um possível viés da predominância de mulheres na amostra). Utilizaram-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade dos dados, o teste de Levene para avaliar a homogeneidade de variâncias e o teste post hoc de Bonferroni, considerando uma significância estatística de p < 0,05 para todas as análises.

2.5 Considerações éticas

Esta pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 88316618.6.0000.5334.

 

3. Resultados

A Tabela 3.1 apresenta as médias, os intervalos de confiança (IC 95%) e os desvios padrão dos três grupos para os escores obtidos na Escala de Avaliações Autorreferentes, já considerando a covariável "sexo". Percebe-se que o grupo de PEC apresenta médias superiores às do grupo de PEL que, por sua vez, também apresenta médias superiores às do grupo de NP. O teste de Kolmogorov-Smirnov mostrou que há uma distribuição normal dos escores obtidos, e o teste de Levene demonstrou uma homogeneidade de variâncias satisfatória (F[2, 700] = 0,63; p = 0,53). A Tabela 3.2 apresenta médias e desvios padrão de cada grupo nos quatro subtraços do construto de AAC.

 

 

 

 

A Tabela 3.3 mostra os resultados da ANCOVA (fator: grupos de praticantes, coraviável: sexo). Essa análise de covariância demonstrou que há uma diferença significativa entre os grupos nas médias de AAC (F[2, 699] = 37,32, p < 0,001). O teste de Bonferroni confirmou que há diferenças significativas entre o grupo de PEC e os grupo de PEL (p = 0,028, d = 0,14) e de NP (p < 0,001, d = 0,63). Também há diferenças significativas entre o grupo de PEL e o grupo de NP (p < 0,001, d = 0,32). Ou seja, as médias de AAC foram significativamente diferentes entre todos os grupos, com o grupo de PEC apresentando as maiores médias, e o grupo de NP, as menores.

 

 

4. Discussão

Este estudo buscou comparar as AAC de universitários que praticam esportes, tanto em nível competitivo quanto por lazer, com as de universitários não praticantes. A hipótese de que os praticantes de esportes (PEC e PEL) apresentam AAC mais positivas foi confirmada pelos dados desta pesquisa. Ambos os grupos apresentaram médias significativamente maiores de AAC, controlando-se um possível efeito confundidor da variável "sexo". Ou seja, quando os efeitos da covariável "sexo" são amenizados, as AAC permanecem significativamente diferentes, indicando que essa variância provavelmente decorre de um efeito de grupos (p < 0,05). Os tamanhos de efeito para as comparações entre grupos variaram de pequeno (d = 0,14 para PEC-PEL, d = 0,32 para PEL-NP) a médio (d = 0,63 para PEC-NP). De modo geral, os resultados sugerem que, conforme o esperado, o engajamento nos esportes pode estar associado a autoavaliações mais positivas. Pode indicar também que pessoas que se autovaliam de forma mais positiva estão mais propensas a praticar esportes ou atividades físicas, até mesmo como uma forma de autocuidado.

A prática de esportes é reconhecida pelo seu potencial de promover o desenvolvimento de competências pessoais e interpessoais, e melhorar a saúde física e a socialização dos indivíduos (Pnud, 2017). Nesse sentido, tal engajamento pode contribuir para que os praticantes experienciem estados emocionais positivos e desenvolvam crenças mais positivas sobre sua eficácia pessoal, seu autovalor e sua capacidade de influenciar os acontecimentos em sua vida. Em outras palavras, o esporte pode estimular os indivíduos ao exercício de sua agência pessoal, a qual, segundo a Teoria Social Cognitiva, refere-se à capacidade humana de agir de forma

proativa e deliberada, influenciando o próprio desenvolvimento. Os indivíduos, portanto, não sofrem as influências do ambiente apenas de forma passiva, mas também ativa (Bandura, 2018). Partindo-se desses pressupostos teóricos, entende-se que a prática de esportes, quando bem conduzida (isto é, sem excessiva pressão para alto rendimento ou culpabilização em caso de rendimentos inferiores ao estimado), constitui uma medida promissora para estimular os indivíduos a desenvolver AAC mais positivas, como se pode observar neste e em alguns estudos que avaliaram os subtraços das AAC separadamente (Duncan et al., 2015; Richards, 2018; Yigiter & Bayazit, 2013).

Os resultados também mostraram que os praticantes de esportes competitivos (PEC) apresentaram AAC significativamente mais positivas que os praticantes em nível de lazer (PEL) e os não praticantes (NP). É possível que a busca por desempenho crescente e a aprendizagem de novas habilidades, características do esporte competitivo, exponham os indivíduos mais frequentemente a experiências de domínio, que são uma importante fonte de informações para o desenvolvimento das autoavaliações (Bandura, 2018). Além disso, indivíduos com AAC mais positivas podem ser mais predispostos a competir, de modo que as eventuais pressões por desempenho sejam encaradas como desafios positivos por eles. Nesse sentido, é possível que mesmo desempenhos abaixo do esperado não necessariamente afetem suas autoavaliações globais, de modo a desenvolverem uma atitude resiliente perante eventuais falhas no esporte (Galli & Gonzalez, 2014). De forma recíproca, a competição também pode ser reforçadora para esses indivíduos, enquanto uma experiência que lhes proporciona domínio, contribuindo assim para que eles permaneçam se autoavaliando de forma positiva ou mesmo desenvolvam AAC ainda mais positivas, uma vez que superam desafios considerados positivos.

Apesar da controvérsia existente sobre a relação entre a competição e as autoavaliações, os dados deste estudo indicam que os praticantes competidores apresentam AAC mais positivas que os praticantes em nível de lazer. Indivíduos que competem podem dedicar mais tempo e esforço e atribuir maior importância ao domínio esportivo do que os indivíduos que praticam por lazer. Desse modo, as experiências de domínio nos esportes podem exercer maior influência sobre as AAC dos competidores. Futuros estudos podem investigar como os indivíduos vivenciam o esporte competitivo (por exemplo, como se relacionam com seus treinadores, quais os níveis de cobrança por desempenho e suas expectativas de desempenho, quais seus níveis de tolerância à frustração), a fim de melhor compreender a relação entre essas vivências e as suas autoavaliações.

Pessoas com AAC negativas podem ter maiores dificuldades de adaptação às demandas de diferentes contextos de vida (Chang et al., 2012), pelo fato de se perceberem como tendo pouco valor pessoal e pouca eficácia em suas ações, além de baixa capacidade de influenciar os acontecimentos e de regular suas emoções. O fato de praticantes de esportes apresentarem AAC significativamente mais positivas pode indicar que, segundo a hipótese já apontada, tais práticas ajudam os participantes a se perceber de forma mais positiva e confiante. Nesse sentido, intervenções baseadas na prática de esportes podem contribuir para que os indivíduos desenvolvam autoavaliações mais positivas, como se pode observar em alguns estudos que focaram subtraços específicos das AAC (Duncan et al., 2015; Richards, 2018; Yigiter & Bayazit, 2013). No entanto, essas inferências seriam mais bem exploradas se esta pesquisa estivesse associada a uma investigação qualitativa complementar, que buscasse compreender se (e como) os praticantes de esportes percebem a influência dessa prática em suas autoavaliações.

Este estudo possui limitações que merecem destaque. Por se tratar de um estudo quantitativo transversal, não se dispõe de informações sobre como e em que condições as práticas esportivas podem exercer influência sobre as AAC e não é possível especificar uma direção causal a respeito, embora os resultados sejam interpretados a partir de considerações teóricas existentes na literatura sobre o tema. Sendo assim, a interpretação dos resultados está associada (e limitada) aos pressupostos teóricos que fundamentam a pesquisa, de modo que a identificação de uma relação causal não constituiu um objetivo de teste para este estudo, dadas as limitações do método utilizado em identificar causalidades. Por se tratar de uma pesquisa de levantamento on-line, realizada com participantes de diferentes regiões do país, a continuidade dessa pesquisa com uma coleta qualitativa (isto é, método misto) seria de difícil execução.

Recomenda-se que futuros estudos possam utilizar uma abordagem de métodos mistos (também chamada de métodos múltiplos) e/ou delineamentos longitudinais, a fim de obter uma compreensão mais abrangente sobre esse fenômeno como processo desenvolvimental. Esse estudo, contudo, buscou expandir o conhecimento existente sobre a relação entre a prática de esportes (competitiva e por lazer) e as autoavaliações dos indivíduos ao comparar praticantes de ambos os níveis de prática com indivíduos não praticantes. Os resultados apontam uma correspondência entre a prática de esportes e AAC positivas, as quais se diferenciam entre praticantes e não praticantes, além de apresentarem possíveis explicações teóricas para esse fenômeno e sobre como a prática esportiva pode ter contribuído para a ocorrência desses achados. Também se investigaram as autoavaliações por meio do construto único de AAC. Apesar de esse construto ser mais utilizado em pesquisas nos contextos organizacional e do trabalho, sugere-se que essa variável é importante também em estudos na área de Psicologia do Esporte.

 

 

Referências

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Correspondência:
Ana Cristina Garcia Dias
Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 104, Santa Cecília
Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90035-003
E-mail: anacristinagarciadias@gmail.com

Submissão: 28/03/2019
Aceite: 17/02/2020

Nota dos autores
Mikael A. Corrêa, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Ana Cristina G. Dias, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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