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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.2 São Paulo May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n2p487-515 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Adoecimento psicossomático na abordagem analítica: uma revisão integrativa da literatura

 

 

Iris M. Okumura; Carlos Augusto Serbena; Maribel P. Dóro

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

Correspondence

 

 


RESUMO

Estudos sobre a dinâmica mente-corpo visam à melhor compreensão sobre o ser humano. Há vertentes que dicotomizam tal interação, relegando o termo aos quadros de adoecimentos sem etiologia evidente conforme a lógica médico-científica. A abordagem psicossomática propõe perspectiva holística sobre o indivíduo, para além da cura do sintoma físico. Foi realizada uma revisão integrativa da psicossomática compreendida no paradigma da Psicologia Analítica (PA). A busca resultou em 44 artigos que compunham discussão teórico-clínica e/ou pesquisa empírica sobre o objeto de estudo. As publicações abrangiam questões filosóficas e epistemológicas em psicossomática, análise sobre casos clínicos específicos e possibilidades de intervenção psicoterapêutica. Ressaltam-se as vertentes clássica e desenvolvimentista da PA, e os principais conceitos encontrados para compreender o adoecimento foram energia psíquica, teleologia, sincronicidade e desenvolvimento do ego-Self. Observou-se maior concentração de artigos com análise teórica ilustrados com vinhetas clínicas e apresentação de propostas de intervenção psicoterapêutica visando compreender a demanda do processo singular na dinâmica entre saúde e doença.

Palavras-chave: psicossomática; Psicologia Analítica; processo de individuação; adoecimento; mente-corpo.


 

 

1. Introdução

O diagnóstico de transtornos de somatização abrangia os quadros de hipocondria, dor e outros distúrbios não diferenciados, determinados perante a queixa persistente dos sintomas por pelo menos seis meses (American Psychiatric Association [APA], 2013). Tal conduta orientou profissionais da saúde até 2013, propondo uma nova perspectiva de clinicar com a publicação do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5.

A versão vigente declina o enfoque sobre a persistência e gravidade dos sintomas, bem como o enquadre da somatização para quando não há evidência médico-científica. A prática clínica passa a dar importância à intensidade da perturbação que os sintomas exercem na vida diária. Essa perturbação é caracterizada por pensamentos, sentimentos e comportamentos excessivos, cabendo ao profissional da saúde identificar esses fatores e encaminhar o paciente aos cuidados mais adequados para o caso (APA, 2013).

Um quadro somático é reconhecido como transtorno mental. Compreende um conjunto de sinais que gera sofrimento e prejuízos às atividades pessoais, sociais e profissionais por perturbar processos cognitivos, emocionais e comportamentais (APA, 2013).

Ainda que a conduta norteadora do DSM-5 convide os profissionais a perceber a multiplicidade de contextos que influenciam sobre o paciente, a práxis contemplativa sobre o sintoma físico persiste. A manutenção do raciocínio com tendência a separar o físico do emocional também ocorre com o conceito de psicossomática. O termo está associado aos casos em que não há explicações definidas sobre a etiologia de uma doença.

De etimologia grega, a psicossomática (psyché = mente, alma; somatikós = corpo) é fator desencadeador e resultante entre interações emocionais e afecções físicas:

Cada doença é psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos do corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo processo (Alexander, 1989 como citado em Cerchiari, 2000, p. 65).

Não há registro cronológico preciso sobre o debate da relação mente-corpo. Atribui-se o primeiro uso do termo psicossomática ao psiquiatra Johan Cristian August Heinroth (1773-1843) no ano de 1818 (Margets, 1950). Para ele, corpo e alma integram uma unidade; saúde mental significa o estado harmônico entre pensamento e desejo; e a doença surge na perda desse equilíbrio (Margets, 1950, p. 403). Estudos foram ampliados dando origem ao campo da medicina psicossomática, tendo o médico alemão Georg Walther Groddeck (1866-1934) como pioneiro na área e destaque posterior a Helen Flanders Dunbar (1902-1959) nos Estados Unidos (Herrmann-Lingen, 2017b).

A temática saúde-doença se faz presente desde a mitologia, tendo representantes como Esculápio e Apolo, personagens gregos que se dedicavam à cura. É mitológica também a percepção de que o tratamento de uma doença não se limita ao corpo físico; aspectos subjetivos integram a totalidade da pessoa e não podem estar dissociadas desse contexto.

No mito de Chíron, o centauro curandeiro possuía uma ferida que não cicatrizava (Guggenbühl-Craig, 2004). A contradição de que um ser metade homem e metade deus tivesse uma lesão incurável retrata que cuidar do outro implica o autocuidado (da alma), e que experienciar um sofrimento pode impulsionar a transformação.

A análise psicossomática implica a compreensão da totalidade do indivíduo, aplicável à condição de estado de saúde e também na vivência de um processo de adoecimento, inclusive nas patologias em que a causa se encontra bem fundamentada pela ciência médica: "Saúde é uma questão de múltiplos domínios, e uma miríade de perspectivas é coerente com sua complexidade" (Avila, 2006, p. 164).

O acometimento físico com denominação diagnóstico-clínica reflete sobre a condição de bem-estar emocional, psicológico, social e espiritual. De modo complementar, os conflitos subjetivos podem encontrar nas manifestações orgânicas uma forma de expressão. O excesso de especialidades na área da saúde levou ao estudo e tratamento focalizado e, consequentemente, ao distanciamento da perspectiva sobre a totalidade pelos profissionais (Avila, 2006).

As ciências psicológica e psicossomática convergem por causa do desdobramento da medicina, visto que o desenvolvimento da Psicologia se deu pela contribuição de muitos estudiosos médicos, como Freud e Jung. Autores da Psicologia contribuíram para a construção de uma visão holística do indivíduo. A teoria psicossomática se torna aplicável aos fenômenos cuja interação mente-corpo pode influenciar mudanças bioquímicas no organismo (Leite, Katzer, & Ramos, 2017), para além de quadros histéricos, álgicos, alérgicos e outras condições clínicas frequentemente citadas na literatura que dicotomizam o termo diante da falta de evidências médico-clínicas observáveis (Mello, 2002). Doenças psicossomáticas faziam referência

[...] [à] úlcera péptica, [à] asma brônquica, [à] hipertensão arterial e [à] colite ulcerativa, em que estas correlações psicofísicas eram muito nítidas e que tal uso ainda persiste em certos meios médicos. Todavia [...] tal conceituação é igualmente válida para toda e qualquer doença e a tendência atual dominante é unitária [...] (Mello, 2002, pp. 19-20).

A psicossomática também visa à perspectiva holística do ser humano (Herrmann-Lingen, 2017a). Destarte, o adoecimento não deve ser diagnosticado e tratado exclusivamente no âmbito físico por causa da inseparabilidade do campo psíquico. A dinâmica psíquica se comporta como fator influenciador e/ou agente influenciado direta ou indiretamente nesse contexto.

Tal funcionamento se aproxima da abordagem da Psicologia Analítica (PA) por compreender a influência mútua entre aspectos conscientes e inconscientes. Os dados que estão tanto ao alcance do ego (da consciência) como além de suas possibilidades de domínio (inconsciente) são considerados no processo de (re)elaboração de sentido a partir da amplificação simbólica: "A psique é uma equação que não tem solução se faltar o fator do inconsciente, e que representa também uma totalidade (ou inteireza) que abrange tanto o eu empírico como o seu fundamento que transcende a consciência" (Jung, 2011a, p. 211, § 175).

A amplificação de um símbolo pode ser contemplada por meio do sintoma no contexto saúde-doença. Para além da compreensão objetiva, pode auxiliar na (res)significação de um desequilíbrio vivenciado. Trata-se do processo de "fazer alma" (soul-making) (Clark, 1995), isto é, conectar o sentido pessoal ao evento.

Sem refutar a importância sobre a causa, há modelos mais abrangentes que compõem uma análise sobre o contexto do paciente, como o de assistência biopsicossocial e as terapias holísticas. A PA propõe uma perspectiva teleológica do adoecimento.

Referente à dinâmica psicossomática, Jung (2011b, p. 127, § 194) descreve o seguinte:

Um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal consegue afetar a alma, pois alma e corpo não são separados, mas animados por uma mesma vida. Assim sendo, é rara a doença do corpo, ainda que não seja de origem psíquica, que não tenha implicações na alma.

Jung constatou a relação entre mente e corpo por meio dos experimentos no Teste de Associação de Palavras, cujos resultados possibilitaram o desenvolvimento da teoria dos complexos, inicialmente estudado para a conceituação de afetos. Experiências de vida geram afetos positivos e negativos com variados níveis de carga energética que podem constelar no indivíduo, manifestando-se conforme o fluxo da libido.

As contribuições de Jung ao campo psicológico versam sobre a estrutura e o desenvolvimento psíquico do ser humano. Autores posteriores enriquecem os conceitos baseados na prática analítica e terapêutica. Apesar de não haver escolas formalmente consolidadas na PA, Samuels (1989) propõe a existência de três vertentes: clássica, desenvolvimentista e arquetípica. Não acrescentam necessariamente ideias novas à teoria, mas priorizam ordenações diferentes. Por exemplo, a escola clássica preza a experiência com o Self; a escola desenvolvimentista valoriza o desenvolvimento individual; e a escola arquetípica foca o trabalho com as imagens. Uma não anula a outra, apenas diferem na priorização dos aspectos clínicos.

Embora uma vasta literatura em psicossomática e Psicologia seja encontrada, evidenciam-se poucas publicações pela abordagem junguiana. Segundo Urban (2005), a ideia de unidade psicossomática não é encontrada de forma precisa nos escritos de Jung. Porém, é evidente a compreensão da influência mútua (mente-corpo), não sendo possível versar sobre o psíquico sem articulá-lo ao somático, tendo as polaridades (pares opostos e complementares) como um dos conceitos-chave da teoria junguiana. Assim, o principal objetivo deste artigo foi levantar os trabalhos relacionados à psicossomática e PA com o intuito de contribuir para a compreensão integrativa do processo saúde-doença que abarca a singularidade do doente, da sua doença e do tratamento em si.

 

2. Método

Realizou-se uma revisão integrativa de artigos no Portal de Periódicos Capes por contemplar vasta base de dados, bem como angaria periódicos específicos em PA, como Journal of Analytical Psychology, International Journal of Jungian Studies, Jung Journal, Journal of Jungian Scholarly Studies e Quaderni di Cultura Junghiana. A Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) também foi consultada por trazer artigos pertinentes à área da Psicologia da Saúde. Optou-se por esse método visando a um panorama sobre o objeto de estudo em questão: publicações científicas com acesso por meio eletrônico sobre psicossomática na perspectiva da PA.

A revisão pelo Portal de Periódicos Capes foi realizada em dois momentos: o primeiro com os recursos de pesquisa "no assunto" e "é" (termo exato), obtendo-se resultados limitados; e no segundo com os filtros "qualquer" e "é" (termo exato) que ampliaram a quantidade de artigos relacionados. A pesquisa foi feita nos idiomas português, inglês e espanhol, com as seguintes palavras-chave: 1. "Psicossomática" e "Psicologia Analítica"; "Psychosomatic" and "Analytical Psychology"; "Psicosomática" y "Psicología Analítica"; 2. "Psicossomática" e "Jung"; "Psychosomatic" and "Jung"; "Psicosomática" y "Jung"; 3. "Psicossomática" e "Representação Simbólica"; "Psychosomatic" and "Symbolic Representation"; "Psicosomática" y "Representación Simbólica". Já a busca na base de dados BVS foi filtrada por "títulos, resumo e palavras-chave", com os mesmos termos supracitados.

As consultas foram feitas entre junho e agosto de 2018 e novamente em novembro de 2019, após a primeira revisão dos pareceristas da revista, totalizando 682 trabalhos. A Tabela 2.1 apresenta a quantidade elencada nas buscas, os artigos excluídos e selecionados.

 

 

A partir do subtotal obtido nas bases de dados, a primeira autora desta pesquisa fez a leitura dos resumos, sendo excluídas monografias, dissertações e teses, artigos incompletos, repetidos e/ou indisponíveis para acesso on-line e publicações com viés estritamente médico ou com embasamento teórico diferente do objetivo desta revisão. Aqueles com considerações sobre a PA foram incluídos. Por fim, todas as publicações selecionadas (n = 44) foram lidas para compor a discussão do presente artigo.

 

3. Resultados

Os artigos resultantes se encontram, predominantemente, na língua inglesa (85%) e datam das décadas de 1963 a 2018, constatando-se aumento de publicações a partir da década de 1990. A Figura 3.1 retrata o panorama de publicações que relacionam PA e psicossomática. Observou-se maior quantidade de estudos teóricos, alguns elucidados com vinhetas clínicas (n = 25) e poucas pesquisas (n = 5). A Tabela 3.1 sintetiza os estudos selecionados.

 

 

 

 

Do total, 50% eram de revistas com marco teórico da PA, sendo a maioria publicada no Journal of Analytical Psychology. Os trabalhos discutiram a abordagem psicossomática em si - questões filosóficas e epistemológicas - e também a aplicação dessa ciência no estudo de patologias específicas. Os quadros diagnósticos mais publicados compreendem transtornos de humor, de personalidade e alimentares, sintomas neurológicos e respiratórios, afecções dermatológicas e dores crônicas. Os artigos foram categorizados de acordo com o desenvolvimento da discussão central, destacando-se os itens causas do adoecimento e propostas de intervenção terapêutica, apresentados adiante.

Mesmo com a exclusão dos artigos que não se embasavam na PA, os que contemplavam a teoria junguiana resgataram conceitos e autores da Psicanálise, tendo em vista o correlato fundo teórico da psiquiatria dinâmica e a influência direta de Freud na trajetória acadêmica e pessoal de Jung.

Com foco no panorama das publicações em PA, os primeiros textos datam da década de 1960. O mais antigo tem autoria de Carl Alfred Meier (1963), analista junguiano, o qual apresenta um ensaio sobre a medicina psicossomática na perspectiva junguiana. Seguido deste, o também analista junguiano Edward Whitmont (1964) exemplifica a ação coadjuvante da terapia medicamentosa com a clínica psicológica em cinco estudos de caso, defendendo que insights provenientes do setting terapêutico trazem alívio emocional de tensões que originariamente impediam a resposta medicamentosa.

Esse modelo de discussão teórica com elucidação de casos também foi encontrado em trabalhos recentes, tanto com respaldo metodológico de pesquisa em formato acadêmico-científico como em estudos de caso apresentados em linguagem clínico-ensaística.

 

4. Discussão

A Psicologia teve significativo impulso científico por meio da pesquisa empírica amparada por investigação experimental e teórica (Ruckmick & Warren, 1926). Influenciados pela ciência positivista (em voga) e visando ao reconhecimento da comunidade científica, muitos autores, na tentativa de examinar mais profundamente a correlação psique-soma, acabaram recaindo sobre a dicotomia mente-corpo. Sintomas de conversão histérica, quadros de asma e úlcera, por vezes, eram vistos como resultantes de um conflito emocional ou como característica da estrutura de personalidade do paciente (Wolff, 1971).

Alguns artigos encontrados nesta revisão integrativa empregam o termo psicossomática em seu sentido etimológico, isto é, com foco sobre a raiz das palavras psique e soma (Clark, 1996; Colman, 2008). Compreende-se a unidade psicossomática como totalidade, tendo em vista a nossa composição como seres emocionais, pensantes e físicos, isto é, manifestações representadas em uma única substância (Clark, 2006).

A análise do sintoma manifesto por si só pouco explica sobre a etiologia da doença. Esta surge com o desequilíbrio na relação entre sujeito e objeto. Devem-se levar em conta aspectos como história de vida pessoal, contexto sociocultural, morbidade pregressa e a dinâmica psíquica do indivíduo, o que inclui manifestações inconscientes.

Entre o consciente e o inconsciente, há uma espécie de "relacionamento de incerteza", porque o observador é inseparável do observado e sempre o perturba pelo ato de observação. Em outras palavras, a observação do inconsciente prejudica a observação do consciente e vice-versa (Jung, 2012, p. 269, § 355).

Com a constatação das limitações da pesquisa estritamente observacional, surgiu o crescente interesse em quantificar a experiência subjetiva, sendo necessária a obtenção da narrativa do indivíduo: "Somente dessa maneira o observador ou médico pode chegar ao entendimento psicológico do que o paciente está experimentando e o que essa experiência significa para ele" (Wolff, 1971, p. 526).

Ao passo que a prática clínica na abordagem junguiana promove a escuta qualificada sobre as questões singulares do paciente, encontra dificuldades em contemplar a quantificação de dados psíquicos observados. Parte das contribuições no campo junguiano se encontra fora da academia por não atender ao rigor científico. Ademais, algumas revistas não disponibilizam acesso on-line, publicando o material apenas em meio impresso (algumas com edições já esgotadas) e/ou mediante associação paga, o que restringe as possibilidades de busca do tema psicossomática discutido na PA e ampara a quantidade de trabalhos selecionados nesta pesquisa.

Serbena (2013) publicou um estudo que revisou produções acadêmicas entre os anos de 2003 e 2008 e constatou que, dos 3.722 trabalhos, apenas 1% envolvia a PA. Isso corrobora a acepção dos autores contemporâneos (Tacey, 2011; Samuels, 2004 como citado em Tacey 2011, p. 14) de que a universidade não é o local mais adequado para ensinar e discutir a teoria junguiana, pois a PA não se encaixa em nenhuma disciplina específica em razão da multiplicidade que a compõe - psicologia, mitologia, antropologia, sociologia, filosofia etc.

Samuels (1989, p. 22) reitera a dificuldade encarada pelas psicologias profundas no meio científico, haja vista a impossibilidade de comprovação dos fenômenos observados na prática clínica:

Jung foi particularmente perspicaz ao afirmar que a psicologia era uma ciência natural, argumentando que seu campo de referência não são produtos mentais mas, sim, um fenômeno natural, a psique. Na minha opinião, para aqueles que exigem o que consideram serem os mais elevados padrões científicos, a psicologia junguiana será sempre deficiente.

Entre os artigos analisados com embasamento analítico, evidencia-se investimento teórico sobre a constelação de outros complexos que se sobrepõem ao ego. Algo ou um evento que provoca intensa carga afetiva atinge o indivíduo, o qual não consegue ressignificar a vivência; experiência que ultrapassa as possibilidades de contenção pelo ego. Diz-se, então, de um complexo autônomo e personificado que cinde a harmonia psíquica (Ramos, 2006).

O complexo do eu deixa, por assim dizer, de constituir a totalidade da pessoa. Subsiste-lhe uma segunda essência que sobrevive a seu modo, impedindo e perturbando o desenvolvimento e o progresso do complexo do eu: Deste modo percebemos como a psique é influenciada por um complexo que adquiriu maior intensidade (Jung, 2011c, p. 58, § 102).

Psicossomática é caracterizada por uma substância psicoide no sentido metafísico, pois estabelece dinamismo nas relações internas e interpessoais, isto é, não somente em nível intrapsíquico, mas em experiência simbólica com o mundo. A unidade indiferenciada mente-corpo é entendida dentro do conceito de participation mystique, cunhado por Lévy-Bruhl e incorporado à abordagem junguiana, em que sujeito e objeto permanecem juntos por uma poderosa identidade inconsciente (Clark, 1996).

A outra perspectiva encontrada possui viés desenvolvimentista tendo Michael Fordham (1905-1995) como principal representante. O autor compreende que, inicialmente, o processo de deintegração (equivalente a distanciamento, separação) é psicossomático por causa da incapacidade da criança em diferenciar representações mentais de experiências corporais (Fordham, 1985 como citado em Proner, 2005). Essa construção teórica teve influências de Melanie Klein (1882-1960) e é convergente para o pensamento de Wilfred Bion (1897-1979).

Ao longo da vida, ocorrem sucessivas deintegrações e reintegrações que promovem o desenvolvimento salutar do indivíduo. Fordham observou que, no período da infância, a unidade psicossomática deintegra em mente e corpo e reintegra em mente-corpo, processo que ajuda a compor o senso de Self (Urban, 2005).

A partir dos artigos selecionados, formularam-se duas categorias de análise: causas do adoecimento e propostas de intervenção. A análise de quadros patológicos pela abordagem junguiana permite a perspectiva simbólica da doença, isto é, para além de sintomas do domínio físico. Corrobora a descentralização dos critérios para encerramento diagnóstico e visa à promoção de saúde holística: "O rótulo aqui significa menos do que os processos que causaram a somatização [do paciente]" (Avila, 2006, p. 165).

Evidencia-se associação com desordens na esfera psicoemocional (Leite et al., 2017), seja por influência de acontecimentos externos ou por um gatilho interno que desencadeia e pode promover a manutenção do sintoma. Não há resposta única sobre o adoecer, entretanto há o consenso de que essa adversidade pode estar acompanhada de uma fragmentação no fluxo energético entre consciência e inconsciente ou associada a uma malformação da estrutura egoica.

Referente ao estabelecimento de uma dinâmica mais equilibrada, Driver (2005) apresenta um caso clínico cuja análise resultou na dificuldade em encontrar a homeostase entre os meios psicológico (interno) e somático (externo). A autora relaciona que essa regulação depende do desenvolvimento da pessoa e sua capacidade egoica de reflexão, entendimento e nutrição do Self. Uma dinâmica desarmônica pode levar à somatização (Driver, 2005).

Kradin (1999) comenta que muitas etiologias da psicopatologia humana são derivadas de uma rigidez do superego. O autor faz conexões com a Psicanálise e compreende que, à medida que se mobiliza a libido estagnada, o superego passa a ser mais tolerante e reflete em uma personalidade mais estável.

Em publicação mais recente, Kradin (2011) levanta a possibilidade de o fenômeno psicossomático ser ocasionado por uma falta de resposta empática materna no desenvolvimento da autonomia da criança. Consonante à falta de conexão emocional materna, insere-se a etiologia do transtorno de personalidade borderline como exemplo. Clark (2006) acrescenta a importância da interação mãe-bebê desde a vida intrauterina, bem como o papel da família (sobretudo do pai) na relação com a criança para a ordenação entre psique e soma.

Esse quadro é caracterizado como uma falha ou falta no desenvolvimento do indivíduo para a diferenciação entre fantasia e realidade, sujeito e objeto; imergindo-o em um estado de confusão mente-corpo. Clark (2006) pontua que essa inabilidade de distinção leva à formação de um falso Self ou um Self narcísico, manifesto em comportamentos impulsivos e (auto)destrutivos por não serem capazes de suportar a realidade que ameaça sua fantasia onipotente. O sintoma é percebido como elemento externo e estranho ao indivíduo, e, diante do acometimento de uma doença, o primeiro movimento é pela busca por respostas e compreensão racional da etiologia.

Kradin (2011) e Clark (2006) trazem o viés desenvolvimentista da PA. Inicialmente fusionado, o vínculo mãe-bebê precisa ser deintegrado possibilitando a diferenciação do Self primário para posterior reintegração e desenvolvimento do Self como arquétipo central da dinâmica psíquica do indivíduo. Segundo Fordham (1993, p. 9):

[...] à medida que a criança é trazida para a relação com sua mãe ambiental, ela ganha experiência que leva à formação de imagens inevitáveis, e também parece inevitável que estas deem origem a uma forma de consciência que gradualmente integra para formar um ego cada vez mais coerente.

Do contrário, quando esse campo é perturbado, a criança é incapaz de se desenvolver psiquicamente e não realiza os movimentos de deintegração e reintegração, ou seja, tem dificuldade de apreender e ressignificar experiências. A mãe que acolhe e ajuda a dar sentido às manifestações emocionais da criança contribui a favor de um desenvolvimento bem-sucedido, possibilitando um psiquismo mais bem estruturado e características de personalidade mais fluidas.

Ainda na linha desenvolvimentista, Colman (2008) retoma a importância sobre o estágio da infância que é quando a noção de indivíduo (o que caracteriza o "eu" e o "não-eu") é formada. Essa fase é demarcada pela organização e diferenciação entre sujeito e objeto (Urban, 2005 como citado em Colman, 2008), levando à construção da identidade pessoal e, portanto, à afirmação de se ter um Self. Posteriormente, a divisão do Self pela falta ou falha em sua formação pode acarretar o estranhamento do indivíduo consigo próprio, ou seja, deparar-se com aspectos autodepreciativos, frequentemente, não nomeáveis (Colman, 2008), manifestos em sintomas, sejam doenças, comportamentos, símbolos em geral.

Sidoli (1993) observou que muitos pacientes com sintomas somáticos, apresentam forte defesa egoica. Associou à teoria desenvolvimentista em que Fordham postula que o mecanismo de defesa primário advém do Self, ativado quando a mãe falha ao prover cuidados emocionais essenciais ao bebê. A autora atendeu a alguns casos clínicos em que a emergência de um conteúdo primitivo inconsciente era vista como algo a ser combatido pelo ego, resistindo a qualquer tipo de representação simbólica.

Pela abordagem analítica clássica, tem-se o conceito de sincronicidade que converge para a concepção psicossomática. Delineia sobre a existência de coincidências significativas entre eventos internos e externos, aparentemente sem conexão ou explicação lógico-causal. Ambos acontecem concomitante ou temporalmente muito próximos um do outro, sendo apreendidos como fenômeno sincrônico e significativo somente se houver sentido pessoal atrelado. Para Jung, a sincronicidade complementa os fatores estabelecidos pela física clássica na tríade espaço, tempo e causalidade, pois inclui o fator psicoide na interação com o mundo (Jung, 2018, p. 103, § 950).

Urban (2006) esclarece que a sincronicidade se dá em uma fração de segundo, em que as capacidades de reconhecimento e percepção se conectam; um encontro que resulta no mapeamento do campo subjetivo. Quando o evento externo é percebido em associação à dinâmica interna do indivíduo, ocorrem uma sintonização e, portanto, um processo de identificação projetiva.

Assim, o acometimento de uma doença pode ser ressignificado por meio de eventos sincrônicos, quando o paciente constata uma comunicação entre vivências na relação sujeito-objeto. Simultaneidade implica recair sobre ambos, mente-corpo, interno-externo, sem necessariamente haver correlação de causa e efeito. Eventos como o adoecimento acontecem sem o controle ou a percepção imediata do indivíduo. A compreensão sobre o fenômeno sincrônico está além da capacidade racional humana.

O paradigma junguiano compreende que o confronto entre pares opostos gera tensão (portanto energia), cuja resolução/atenuação ocorre pela formação de um terceiro elemento (Sidoli, 1993). No contexto saúde-doença, o sintoma provoca embate à condição salutar e de bem-estar do indivíduo, e a cura se dará pela atribuição de significado à situação. Nem toda elaboração de sentido precisa ser colocada verbalmente, mas requer um símbolo que o identifique.

Wiener (1994) pontua sobre os sintomas não manifestos em doenças, aqueles expressados por comunicação não verbal, sendo diferenciados entre linguagem corporal e fala corporal. A primeira é inerente à comunicação normal, pois está integrada à expressão verbal e possibilita o processo de simbolização do sintoma. A fala corporal é caracterizada por um modo primitivo de comunicação presente na relação mãe-bebê que, no desenvolvimento posterior do indivíduo, acarreta a dificuldade de colocar em palavras pensamentos, sentimentos e reflexões.

A não simbolização remete à alexitimia, sinal frequentemente observado no adoecimento psicossomático. De etimologia grega, o termo compõe a ausência de palavras para as emoções; o indivíduo não consegue reconhecer, exprimir nem representar o que sente ou pensa, tão pouco diferenciar sensações corporais de estados emocionais (Cerchiari, 2000).

Uma perspectiva mais específica do adoecimento sobre o sintoma de enxaqueca, proposta por Mueller, Gallagher, Steer e Ciervo (2000), correlacionou a tipologia junguiana com o diagnóstico. O estudo encontrou que há prevalência de homens do tipo sensação com enxaqueca, possivelmente por causa da alta reatividade ao estresse. Por perceberem o mundo tendo os órgãos do sentido como referencial, pessoas do tipo sensação podem ser mais suscetíveis à intensidade de dores ou reações que acometam o corpo físico.

A segunda categoria comum encontrada nos artigos da revisão integrativa foi a apresentação de propostas de intervenção terapêutica. Além da discussão teórica, os autores trouxeram contribuições da própria prática clínica ou de pesquisas conduzidas.

Kradin (2011) reforça a importância da teoria dos complexos de Jung como propulsora da mudança de perspectiva de médicos sobre a relação mente-corpo, ainda que a maioria dos profissionais mantenha a conduta de priorizar evidências biológico-científicas. O autor reconhece as lacunas da ciência psicossomática que dão abertura para contestações e, em defesa desta, pontua que é necessário explicar para além da influência emocional sobre o diagnóstico. Somente esse dado não traz benefícios concretos à prática clínica, tão pouco ao paciente.

A psicossomática como abordagem na assistência ao paciente dentro do contexto saúde-doença significa a aplicação de um método de percepção ampliada sobre a interação entre aspectos biológicos, psicológicos e sociais (Wolff, 1971, p. 525). Mostra-se coerente com o papel do terapeuta orientado pela PA, o qual procura integrar os conteúdos conscientes e inconscientes relacionados ao discurso do paciente, ampliando a demanda relatada. Caso se encerrasse a ela, pouco benefício traria ao paciente.

Pode-se fazer uma analogia entre os componentes da estrutura psíquica e a conduta do psicoterapeuta. Conteúdos conscientes são considerações sobre os fatos conhecidos, que podem ser aproximados ao registro da narrativa do paciente e dos sintomas observáveis. Conteúdos do inconsciente pessoal referem-se à análise do objeto desconhecido que está diretamente ligado à história pessoal do indivíduo, tal como o julgamento clínico pela afluência entre demanda e o contexto/as situações ocorridas fora do setting terapêutico. Por fim, o inconsciente coletivo (conexão com questões universais arquetípicas) remete à associação de um conhecimento dentro de um espectro maior por causa do pano de fundo comum, como as características comportamentais gerais de um paciente com compulsão alimentar.

A primeira publicação encontrada que sugere um recurso terapêutico como parte do tratamento clínico psicológico traz a hipnose e auto-hipnose aplicadas aos distúrbios psicossomáticos, visando capacitar o paciente a reconhecer os gatilhos que desencadeiam os sintomas (Maher-Loughnan, 1975). Contudo, Maher-Loughnan (1975) não concebe a psicossomática como unidade e reconhece algumas limitações da técnica de sugestionabilidade ao condicionar casos resistentes (maior gravidade pela classificação orgânica da doença) e ao contraindicar a pacientes com doenças psicóticas coexistentes e com depressão endógena.

A interpretação simbólica pela perspectiva junguiana pode ser aplicada tanto sobre os dados coletados pelo discurso como por imagens (mentais ou gráficas) elaborados pelo indivíduo. A pesquisa de Elias et al. (2017) propõe uma técnica de relaxamento a 28 pacientes diagnosticadas com câncer. Constatou-se que o exercício de imaginação dirigida voltado para o trabalho da espiritualidade contribui para o aumento da libido na percepção e no fortalecimento de recursos pessoais construtivos e, portanto, para o enfrentamento da doença. Apesar de os autores terem elegido psychosomatic medicin (medicina psicossomática) como uma das palavras-chave do artigo, não há menção exata sobre isso, contudo a conclusão do estudo contempla que uma atividade no campo psíquico é capaz de promover bem-estar físico, reforçando a ligação entre psique e soma.

Gusarova (2014) apresenta a abordagem de processo orientado (process-oriented approach) aplicada para a reabilitação de pacientes com acometimento neurológico, baseada no médico e analista junguiano Arnold Mindell. A técnica propõe a saída da descrição da experiência para o lugar de senti-la, abrangendo o conceito teleológico da PA, a teoria da informação sobre a experiência humana e a física quântica para eliminar contradições entre medida experimental e experiência direta.

De acordo com Gusarova (2014), essa técnica inclui a possibilidade de reabilitar pacientes com diferentes níveis de consciência, seja em estado vegetativo ou com dificuldades de comunicação verbal, diferentemente de outros métodos que consideram apenas aqueles com habilidade verbal ou lucidez. Além disso, compreende a observação de sinais mínimos de manifestação física que sirvam de feedback, ressonância psicossomática e empatia entre paciente e terapeuta. Os resultados indicam que a relação psique e corpo não se limita à consciência como campo de conhecimento ou estado de vigília. A interação também ocorre em fluxo inconsciente, e, por isso, o tratamento com pacientes desacordados se torna possível (inconscientes em termos neurológicos). Essa abordagem propõe a obtenção da ressonância caracterizada pela metacomunicação, para além dos contatos transferencial e contratransferencial usualmente estabelecidos em setting analítico tradicional (Gusarova, 2014).

Com relação à importância da mobilização do fluxo de energia na dinâmica psíquica, Kradin (1999) retoma o papel exercido pelo terapeuta como psicopompo, aquele que conduz a alma e considera a generosidade como característica fundamental no processo analítico para propiciar maior adequação à estrutura egoica. O autor ressalta que generosidade deve ser entendida como "uma posição analítica em criar novas experiências psicológicas para que o paciente possa mitigar os efeitos de introjeções rígidas e antigas" (Kradin, 1999, p. 224).

Ressalta-se que condição psíquica salutar não é sinônimo de homeostase, tão pouco se restringe ao equilíbrio de polos conscientes e inconscientes. Tensionamento equivalente de forças tende à estagnação da energia; portanto, inércia do indivíduo e possibilidade de manifestação de outra natureza patológica. O termo empregado e meta do trabalho clínico analítico é a fluidez, isto é, visa à hermenêutica. A diminuição da tensão serve para sair do posicionamento unilateral enrijecido, facilitando a transitoriedade das vivências sombrias e elaboração de sentido destas.

A PA resgata o entendimento de que adoecimento e cura compõem vias do mesmo processo. Ou seja, o que levou à doença pode ser resposta para o tratamento mais adequado ao indivíduo. Terapeuta e paciente devem ir ao encontro do significado da doença, pois, ao passo que ela expressa, também se disfarça no próprio sintoma (Avila, 2006).

A integração espiritual também permeia a psicoterapia. Koss-Chioino (2006) afirma a importância da empatia concluindo que a experiência de pensar e sentir como o seu semelhante leva à transformação espiritual e, consequentemente, ao auxílio para a cura do outro. Investimento no relacionamento interpessoal e desenvolvimento empático suscitam o trabalho de despertar o curador ferido, seja entre terapeuta-paciente ou ego-Self (do curador que habita no próprio doente).

A perspectiva dicotômica mente-corpo é ultrapassada, pois todo fenômeno mental implica processos físicos. A psicossomática passa da antiga concepção enquadrada em transtornos para a proposta de uma abordagem psicossomática, isto é, a consideração sobre o escopo biopsicossocial do paciente (Wolff, 1971, p. 525).

Mesmo que a concepção holística vá ao encontro dos conceitos da PA, foram encontrados artigos em que se aplicava o termo psicossomática a determinados tipos de adoecimento sem etiologia definida ou na associação direta de sintoma físico a um evento traumático/disfunção psíquica. Também se constataram contradições no entendimento de psicossomática ora descrita como partes que se integram, ora como unidade indivisível. No entanto, ressalta-se que mais de 70% dos estudos selecionados datam de 1963 a 2012, anteriores à publicação do DSM-5, o que acaba influenciando na análise dos casos clínicos pelos profissionais de saúde, ainda que indiretamente.

Esta revisão integrativa encontrou poucas publicações científicas sobre a psicossomática na perspectiva da PA. As publicações possibilitaram duas categorias de análise, uma com foco sobre as causas do adoecimento e outra com propostas de intervenção, prezando o trabalho (psico)terapêutico. Os resultados permitiram a compreensão sobre o processo de adoecimento nas abordagens clássica e desenvolvimentista. Na primeira, foram evidenciados os conceitos de sincronicidade e teleologia, enquanto, na segunda, destacou-se o processo de deintegração e reintegração.

Com esses achados, conclui-se o seguinte: 1. a sincronicidade defende a simultaneidade de eventos que culmina na manifestação de um sintoma que precisa ser (re)significado; 2. o conceito de teleologia se aplica à compreensão sobre a finalidade do adoecimento; e 3. sentido e significado são obtidos a partir do movimento de deintegração e reintegração, necessário ao desenvolvimento psíquico salutar do indivíduo.

Considerou-se o adoecer como símbolo cuja origem decorre de uma rigidez ou fragmentação no fluxo entre conteúdos conscientes e inconscientes. Diante de uma estrutura instável ou perturbada, elementos sombrios (de vivências pessoais negativas ou motivos arquetípicos) são levados ao campo da consciência (luz), um movimento energético percebido como abrupto do ponto de vista do ego. Somados à condição clínica do paciente, tais elementos se manifestam fora das possibilidades de controle e conhecimento do indivíduo, surgindo na forma somatizada ou sobrepondo-se ao complexo egoico.

O processo psicoterapêutico de orientação junguiana propõe o trabalho simbólico com reelaboração de sentido de vivências e marcas afetivas. A continência do setting analítico promove ambiente acolhedor ao paciente e a possibilidade de impulsioná-lo à transformação, ou seja, qualificá-lo a perceber a si, suas relações intrapsíquicas e interpessoais, promovendo fluidez na metacomunicação entre elementos conscientes e inconscientes.

A leitura da psicossomática compreende a indissociabilidade mente-corpo e reflete a simultaneidade entre afecções psíquicas e físicas. Essa perspectiva é convergente para PA, a qual considera a análise sobre a totalidade do ser humano, visando à inter-relação da dinâmica psíquica com o contexto externo do indivíduo.

Por meio dos critérios do DSM-5, a APA (2013) manifesta a importância de promover o cuidado integral ao paciente, acreditando que o profissional capacitado a identificar as demandas clínicas poderá beneficiar o paciente fornecendo um tratamento melhor direcionado à demanda ou solicitando a intervenção de outra expertise. Essa conduta com incentivo à avaliação compreensiva e julgamento clínico, isto é, análise atenta sobre a narrativa somada aos sintomas do paciente, tenderá a eliminar a dicotomia mente-corpo presente até a edição do DSM anterior (APA, 2013).

Portanto, a intervenção pela abordagem simbólica, seja em contexto psicoterápico ou de pesquisa clínica, contribui para a compreensão do indivíduo em relação à sua experiência ante o adoecimento e suas derivações psíquicas. Essa proposta considera a indissociabilidade psique-soma, portanto, o indivíduo como unidade hermética. Posto isso, o processo de (re)elaboração de sentido ante a constatação de um diagnóstico denota possibilidade de fortalecimento pessoal (egoico) para melhor manejo da situação adversa, proporcionando uma vivência mais integrada do paciente com sua nova condição de saúde-doença.

 

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Correspondência:
Iris Miyake Okumura
Departamento de Psicologia, Universidade Federal do Paraná
Rua Alfredo Bufren, 50, sala 102, Praça Santos Andrade, Centro
Curitiba, PR, Brasil. CEP 80020-240
E-mail: iris.okumura@yahoo.com.br

Submissão: 15/02/2019
Aceite: 15/04/2020

Nota dos autores
Iris M. Okumura, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR); Carlos Augusto Serbena, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR); Maribel P. Dóro, Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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