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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.3 São Paulo set./dez. 2020

 

EDITORIAL

 

Pesquisa em Psicologia na era Covid-19: desafios e oportunidades

 

 

Ana Alexandra Caldas Osório

 

 

Para além das inúmeras consequências para o dia a dia dos indivíduos, a pandemia por Covid-19 impôs também importantes limitações à realização de pesquisa científica. No cumprimento dos preceitos éticos e das diretrizes dos órgãos de saúde, e priorizando a saúde e segurança dos participantes e das equipes de pesquisa, cientistas de todo o mundo têm adiado ou alterado significativamente os protocolos dos seus estudos. O caso da pesquisa em Psicologia é particularmente complexo, pois a coleta de dados frequentemente implica contato direto e próximo com seres humanos. Dependendo da população-alvo dos estudos, podem ser contemplados participantes de grupos de risco (por exemplo, pela faixa etária, presença de comorbidades, condição etc.) mais vulneráveis a sequelas graves (Padala, Jendro, & Padala, 2020).

Nesse cenário, muitos pesquisadores rapidamente se mobilizaram para substituir modalidades presenciais de coleta de dados por modalidades remotas (por exemplo, usando ferramentas de videoconferência ou de preenchimento de questionários on-line). No entanto, tais alterações não são possíveis para muitas outras pesquisas, como aquelas que envolvem o uso de técnicas de neuroimagem ou a aplicação de instrumentos de uso exclusivo por psicólogos. No caso de coletas que necessitam ocorrer de forma presencial, os pesquisadores estão gradualmente avaliando e planejando quando e de que forma elas poderão ser retomadas. Trata-se de um movimento essencial, pois a interrupção prolongada da pesquisa científica em Psicologia poderá trazer consequências negativas difíceis de antecipar com precisão. Poderemos assistir a um atraso no desenvolvimento de ferramentas diagnósticas e de novos tratamentos para diversos transtornos psicológicos, para além de desistências em massa de pesquisadores em início de carreira ou com vínculos precários (Simmons & Luck, 2020). Importa então envidar esforços para retomar, assim que possível e quando necessário, as coletas presenciais de forma segura para todos os envolvidos - participantes e equipes de pesquisa. Para tal, os pesquisadores responsáveis deverão levar em consideração os princípios éticos, as diretri-zes e a legislação local/nacional, o risco de transmissão local, o desgaste da equipe de pesquisa e o risco individual para cada participante, para determinar a relação risco-benefício de realizar, adiar ou cancelar coletas de dados (Padala et al., 2020).

É inegável que a pandemia impôs uma nova realidade que provavelmente irá persistir por algum tempo, e os pesquisadores precisarão: 1. adaptar-se às novas contingências para retomar estudos em andamento ou delinear novos estudos e 2. pensar novas pesquisas dedicadas à melhor compreensão do impacto psicológico da pandemia nos indivíduos, nas famílias e na sociedade, assim contribuindo para a redução do sofrimento psicológico e aumento da qualidade de vida das pessoas. Nesse contexto, deve-se louvar o lançamento de linhas de financiamento específicas para o estudo e enfrentamento dos efeitos da Covid-19, incluindo os de natureza psicológica, por parte de agências de fomento nacionais e internacionais.

Do ponto de vista das publicações científicas, sempre que relevante, os autores deverão passar a incluir informações adicionais que ajudem a clarificar o potencial impacto da pandemia por Covid-19 nos resultados obtidos. Nessa linha, a revista Psicologia: Teoria e Prática solicita aos autores que deem especial atenção às seções de "método", "resultados" e "discussão", considerando as sugestões de Stiles-Shields, Plevinsky, Psihogios e Holmbeck (2020), resumidas em seguida. Na seção "método", devem procurar especificar todas as alterações implementadas em decorrência da pandemia (por exemplo, inclusão de novas variáveis/medidas; indicar se o recrutamento e a coleta de dados ocorreram antes, durante ou após a pandemia). Na seção de "resultados", devem ser especificadas as proporções da amostra recrutada, avaliada e/ou sujeita à intervenção antes, durante ou após a pandemia. No caso de estudos quantitativos, acompanhar os dados descritivos com análises estatísticas das diferenças entre os grupos. Existindo diferenças, os autores devem ponderar como o momento (pré, durante, pós) poderá ser controlado estatisticamente no plano de análises. Na seção "discussão", os autores devem elencar as possíveis limitações do trabalho em consequência da Covid-19, bem como incorporar considerações sobre o impacto potencial de um estressor tão pervasivo nos resultados obtidos.

Finalizo este editorial encorajando a submissão de manuscritos sobre a adequação de protocolos de pesquisa para redução de riscos de contágio no contexto de coletas de dados em pesquisa psicológica - desde dados comportamentais, ob-servacionais, de neuroimagem, psicofisiológicos, biológicos, entre outros. A partilha desse conhecimento será essencial para que os pesquisadores possam continuar enfrentando com sucesso os desafios impostos pela pandemia, transformando-os em novas oportunidades de crescimento e afirmação da Ciência Psicológica.

Cordialmente, Profa. Dra. Ana Alexandra Caldas Osório.

 

Referências

Padala, P. R., Jendro, A. M., & Padala, K. P. (2020). Conducting clinical research during the COVID-19 Pandemic: Investigator and participant perspectives. JMIR Public Health and Surveillance, 6(2),ei8887.         [ Links ]

Simmons, A. M., & Luck, S. J. (2020). Protocol for Reducing COVID-19 Transmission Risk in EEG Research. Retrvied from https://assets.researchsquare.com/files/pex-974/Vi/6e34bi44-67b7-4fec-89i2-6c4b66eab788.pdf        [ Links ]

Stiles-Shields, C., Plevinsky, J. M., Psihogios, A. M., & Holmbeck, G. N. (2020). Considerations and Future Directions for Conducting Clinical Research With Pediatric Populations During the COVID-19 Pandemic. Journal of Pediatric Psychology, 45(7),720-724.         [ Links ]

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