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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n3p37-54 

ARTIGOS
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Comparação de indicadores patológicos e saudáveis do zulliger com administração R-otimizado

 

 

Anna Elisa de Villemor-Amaral; Gabriel Vitor A. Gomes

Universidade São Francisco (USF), Campinas, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

No teste de Zulliger, tradicionalmente não há controle na quantidade de respostas, mas um número baixo de respostas influencia a interpretação das variáveis. Tomando como modelo a administração R-otimizado do Rorschach Performance Assessment System, fez-se uma adaptação para controlar o número de respostas dadas no Zulliger. Objetivou-se verificar a existência de diferenças em algumas variáveis patológicas e saudáveis em um grupo de pacientes (diversas psicopatologias) e não pacientes com uma faixa otimizada de respostas no Zulliger. Participaram 112 pessoas, divididas igualmente: grupo 1 de pacientes com diagnóstico psicopatológico (82,1% feminino; M = 39,34 anos; DP = 13,81) e grupo 2 de pessoas sem diagnóstico (60,7% feminino; M = 31,30 anos; DP = 9,37). Os resultados indicaram diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) entre os grupos em sete variáveis, com efeitos variando de magnitude moderada a forte. Concluiu-se que, com a faixa oti-mizada de respostas, as variáveis do Zulliger foram capazes de diferenciar os grupos, e XA% e WDA% foram os principais achados do estudo.

Palavras-chave: medidas projetivas da personalidade; psicopatologia; avaliação psicológica; psicometria; análise estatística.


 

 

1. Introdução

Profissionais da Psicologia podem contribuir para o processo de saúde das pessoas com transtornos psicopatológicos. Entre as possibilidades de atuação profissional, existe a avaliação psicológica que se caracteriza como um processo estruturado para investigar fenômenos psicológicos de uma pessoa, um grupo ou uma instituição com o intuito de responder a uma demanda específica para tomar uma decisão (Hutz, 2015; Urbina, 2007). Desse modo, a avaliação psicológica é uma importante estratégia no processo de investigação de um funcionamento patológico do indivíduo, bem como para contribuir para a melhoria na qualidade de vida.

O processo de avaliação psicológica deve ser realizado por meio de vários recursos, como os testes psicológicos que são ferramentas importantes na busca de informações que nem sempre são acessíveis por meio da fala ou da observação (Hutz, 2015). Entre os testes psicológicos, há os métodos projetivos com as seguintes tarefas: fazer desenhos, contar histórias, construir pirâmides com quadrículos coloridos, dizer com o que as manchas de tinta se parecem, entre outras. Essas atividades têm instruções suficientemente abertas para permitir que o indivíduo responda com base no seu estilo e se caracterizam pelo fato de as respostas serem de difícil manipulação, pois o respondente não consegue ter uma noção de resposta certa ou errada. Dessa forma, os métodos projetivos consistem em uma possibilidade de instrumento para avaliar a personalidade, os sintomas psicopatológicos e outras características da pessoa que são pouco acessíveis caso fosse utilizada outra estratégia de avaliação (Cardoso & Villemor-Amaral, 2017; Fensterseifer & Werlang, 2008).

Entre as técnicas projetivas, existe o Método de Zulliger. Esse instrumento é utilizado para avaliar aspectos cognitivos e emocionais da personalidade e foi criado pelo psicólogo suíço Hans Zulliger no contexto da Segunda Guerra Mundial, tendo como referência o Método de Rorschach (Zulliger & Salomon, 1970; Villemor--Amaral & Primi, 2009). Estudos de revisões de literatura indicam a utilidade do Zulliger em processos avaliativos com público infantil, de adulto e idoso (Cardoso, Gomes, Pacheco, & Dias-Viana, 2018; Grazziotin & Scortegagna, 2016), inclusive é notório seu uso em pesquisas com grupos de pacientes com depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do pânico, transtorno somato-forme e transtorno alcoólico (Franco & Villemor-Amaral, 2009, 2012a, 2012b; Villemor-Amaral & Machado, 2011). Esse instrumento pode auxiliar na compreensão das características de personalidade relacionadas às psicopatologias em um processo diagnóstico (Villemor-Amaral & Primi, 2009).

As referidas pesquisas com o teste de Zulliger em grupos de pacientes foram conduzidas de acordo com o Sistema Compreensivo, inicialmente desenvolvido para o Método de Rorschach (Exner & Sendín, 1999), no qual durante a administração não é feito um controle quanto ao número de respostas a ser dada pelo avaliando. Por causa das críticas recebidas sobre a cientificidade desse sistema no Rorschach, novas pesquisas foram realizadas e culminaram com a publicação do manual, em 2011, do Rorschach Performance Assessment System - R-PAS (Meyer, Viglione, Mihura, Erard, & Erdberg, 2017).

A administração utilizada no R-PAS é intitulada de R-otimizado, caracterizada por solicitar ao respondente que dê duas ou três respostas por cartão e, com isso, diminuir a variabilidade de quantidade de respostas e seu consequente impacto nas qualidades psicométricas do instrumento. Isso ocorre porque essa forma de administração evita protocolos curtos ou longos, estimando uma faixa otimizada entre 18 a 27 respostas, o que visa diminuir distorções nas interpretações das demais variáveis e melhorar a estabilidade dos indicadores (Dean, Viglione, Perry, & Meyer, 2007; Meyer et al., 2017).

Em relação ao Zulliger, a tentativa de controle de respostas surge mais especificamente para evitar protocolos muito curtos, pois, como verificado anteriormente em pesquisas (Villemor-Amaral & Cardoso, 2012; Villemor-Amaral, Pianowski, & Carvalho, 2016), um baixo número de respostas influencia nas demais variáveis do instrumento e parece diminuir a validade dos resultados. No estudo de Villemor-Amaral et al. (2016), os autores indicaram que protocolos do Método de Zulliger com seis ou menos respostas têm a interpretação comprometida, sugerindo que um protocolo deveria ter pelo menos nove respostas para obter resultados consistentes com outras medidas. Por essa razão sugeriram uma adaptação da administração do Zulliger, propondo um modelo do R-otimizado semelhante ao R-PAS.

Pesquisas iniciais com uma adaptação da administração R-otimizado foram conduzidas para verificar a viabilidade de utilizá-la com o Zulliger em amostras de pacientes. Essa adaptação se caracteriza por solicitar de três a cinco respostas por cartão, forçando-se um número maior de respostas, de modo que, considerando os três cartões do teste, obtêm-se de nove a 15 respostas no protocolo como um todo (Gonçalves & Villemor-Amaral, manuscrito submetido para publicação; Gonçalves, Zuanazzi, & Villemor-Amaral, 2019). Destaca-se que esses dois estudos possuem propostas diferentes e foram realizados com um mesmo banco de dados de uma dissertação de mestrado.

Na pesquisa de Gonçalves e Villemor-Amaral (manuscrito submetido para publicação), o objetivo foi comparar a frequência de códigos relacionados com depressão no Zulliger, de acordo com administração com R-otimizado, entre um grupo com depressão e um grupo de não pacientes. Participaram 86 pessoas, das quais 43 tinham o diagnóstico de depressão (88% do sexo feminino e com média de idade de 35,8 anos) e 43 não tinham diagnóstico (84,4% do sexo feminino e com média de idade de 35,7 anos). Os resultados evidenciaram diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) nas variáveis de determinantes mistos, soma de respostas de cor acromática (C'), respostas de cor pura (C) e códigos especiais mórbido (MOR) e agressivo (AG). Esses resultados foram mais satisfatórios que os obtidos nos estudos de Villemor-Amaral e Machado (2011) e Franco e Villemor--Amaral (2012a), de maneira que os autores concluíram que o Método de Zulliger, com o uso da administração R-otimizado, pôde contribuir de modo mais significativo para compreender o funcionamento de pessoas diagnosticadas com depressão. Dessa forma, abre-se a possiblidade para a realização de estudos semelhantes com indivíduos com outras psicopatologias.

Gonçalves et al. (2019) buscaram evidências de validade para o Zulliger, de acordo com administração adaptada do R-otimizado, por meio da associação com Rorschach nas variáveis relacionadas à depressão. Participaram 39 pessoas diagnosticadas com depressão, com idades entre 18 e 62 anos (M = 34,90; DP = 11,54) e maioria do sexo feminino (83,2%). Os resultados indicaram, conforme o esperado, aumento na quantidade de respostas do Zulliger (M = 9,9; DP = 1,63) e correlações de moderadas a fortes (0,32 a 0,77) entre as variáveis do Zulliger e Rorschach, a saber, determinantes sombreados e a sua soma (C', T, Y, e r), determinantes mistos de cor e sombreado índice de egocentrismo e de intelectualização, conteúdos de botânica (Bt) e arte (Art) e respostas par (2). Os autores concluíram que a pesquisa colaborou com evidências iniciais de validade para algumas das variáveis selecionadas e, entre as sugestões, indicaram a realização de pesquisas com diferentes amostras que respondam ao Zulliger com administração do Sistema Compreensivo, a adaptação do R-otimizado e a verificação, por meio de comparação, de qual deles apresenta resultados melhores.

Haja vista as iniciativas de adaptação da administração R-otimizado para o Zulliger, verificou-se, no presente estudo, a existência de diferença em algumas variáveis patológicas e saudáveis em um grupo de pacientes (diversas psicopatolo-gias) e não pacientes com uma faixa otimizada de respostas nesse instrumento. Tem-se como hipótese que o Zulliger por meio da administração com R-otimizado será capaz de discriminar esses diferentes grupos. Assim, espera-se que o grupo de pacientes apresente maiores médias nas variáveis que se relacionam com indícios psicopatológicos e que o grupo de não pacientes tenha médias maiores nos códigos que apresentam interpretação de um funcionamento psíquico saudável. Mediante o objetivo estabelecido, destaca-se que, para verificar se os resultados do presente estudo foram decorrentes da mudança na administração do Zulliger, foi realizada uma análise prévia entre dois grupos psicopatológicos, em que um respondeu ao instrumento de acordo com o R-otimizado e o outro grupo respondeu sem restrição na quantidade de respostas.

 

2. Método

2.1 Participantes

O presente trabalho contou com indivíduos de duas pesquisas distintas. O primeiro banco de dados foi composto por 39 pessoas com diagnóstico psicopato-lógico de depressão (banco 1) e o segundo contou com 475 indivíduos, formado por pessoas sem diagnóstico e com diagnóstico psicopatológico (banco 2), de pesquisas realizadas no Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental (LAPSaM). Destaca-se que a primeira pesquisa foi administrada com o R-otimizado e os dados da segunda foram coletados com as instruções do Sistema Compreensivo, ou seja, sem controle na quantidade de respostas.

Os participantes da etapa de comparação dos pacientes psicopatológicos foram divididos em dois grupos. O primeiro foi formado por 39 pessoas, maioria do sexo feminino (87,2%) e com média de idade de 35 anos (DP = 11,56) que responderam ao instrumento de acordo com as instruções do R-otimizado. O segundo grupo foi composto por 39 indivíduos, maioria do sexo feminino (84,6%) e com média de idade de 41,97 anos (DP = 11,37) que responderam ao instrumento sem o controle no número de respostas.

Para a segunda etapa, selecionaram-se, no banco de pesquisa do LAPSaM, as pessoas que tinham entre 9 e 15 respostas. Adotou-se essa faixa de respostas para atender ao critério da quantidade esperada quando a administração é feita com o R-otimizado. Estratégia semelhante foi realizada em outros estudos para compor o banco de dados em que os indivíduos não responderam ao instrumento com o controle de respostas (Dean et al., 2007; Meyer et al., 2017).

Dessa forma, o grupo 1 foi formado por 56 pacientes com diagnóstico de depressão, alcoolismo, esquizofrenia, transtorno de pânico, transtorno somatofor-me e transtorno obsessivo compulsivo. A maioria desse grupo era do sexo feminino (82,1%) e com média de idade de 39,34 anos (DP = 13,81). O grupo 2, de não pacientes, foi formado por 56 pessoas sem nenhum tipo de diagnóstico, em que a maioria era do sexo feminino (60,7%) e com média de idade de 31,30 anos (DP = 9,37).

2.2 Instrumento

O Método de Zulliger (Villemor-Amaral & Primi, 2009) é um teste projetivo utilizado para avaliar aspectos cognitivos e emocionais da personalidade e é composto por três pranchas com manchas de tinta que servem de estímulo para o indivíduo. A atividade é feita de maneira individual e dividida em dois momentos: Fase de Respostas e Fase de Esclarecimento. Na Fase de Respostas, as pranchas são apresentadas em uma sequência padronizada e a pessoa responderá à pergunta "Com o que isso se parece?". Na Fase de Esclarecimento, as pranchas são mostradas novamente, as respostas são lidas pelo examinador e o indivíduo deverá indicar em que local do cartão viu a resposta e o que na mancha de tinta fez parecer tal resposta. Após a administração, as respostas são codificadas, o que permite realizar cálculos que levam a interpretações sobre as características da pessoa. São 71 variáveis resultantes dessa codificação que compõem o sistema de análise e interpretação do Zulliger. Os índices de precisão entre avaliadores nas codificações variaram de pobre (valores < 0,20) a muito bom (valores > 0,81), com a maioria das variáveis atingindo índices de moderado a muito bom (entre 0,41 e 0,60). Por conta da extensão do número de variáveis, sugere-se a consulta do manual para conhecer o valor específico para cada variável (Villemor-Amaral & Primi, 2009).

Do total de 71 variáveis de contagem simples de frequência, bem como de razões, porcentagens e derivações, selecionaram-se para este estudo as variáveis usadas em pesquisas semelhantes (Franco & Villemor-Amaral, 2009, 2012a, 2012b; Gonçalves & Villemor-Amaral, manuscrito submetido para publicação; Gonçalves et al., 2019; Villemor-Amaral & Machado, 2011). As variáveis remetem às alterações no pensamento e na percepção que indicam prejuízos na relação com os outros.

As variáveis que estão relacionadas com indicadores psicopatológicos são: soma ponderada dos códigos especiais (WSum6), movimento agressivo (AG), conteúdo mórbido (MOR), má representação humana (PHR), estimulação sentida (es), porcentagem de respostas com qualidade formal menos (X-%), resposta de cores cromáticas (Soma C), Índice de Egocentrismo e Índice de Isolamento. As variáveis mais atreladas a um funcionamento saudável são quantidade total de respostas (R), movimento cooperativo (COP), boa representação humana (GHR), porcentagem de respostas sem qualidade formal menos (XA%), porcentagem de respostas em áreas comuns sem qualidade formal menos (WDA%), porcentagem de respostas com qualidade formal incomum (Xu%) e populares (P) (Villemor-Amaral & Primi, 2009; Exner & Sendín, 1999).

2.3 Procedimentos

Os protocolos estudados provêm de um banco de dados originado em duas pesquisas que foram previamente aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para consentir a participação. A coleta dos dados ocorreu de maneira individual e por diversos pesquisadores envolvidos nas pesquisas do LAPSaM da Universidade São Francisco (USF). Para um maior detalhamento de informações sobre os procedimentos éticos e de coleta de dados, recomenda-se a consulta dos respectivos estudos originais (Gonçalves et al., 2019; Villemor-Amaral & Primi, 2009).

Para este estudo, os dados foram organizados no programa Excel 2016. Posteriormente, exportaram-se os dados para o programa JASP versão 0.9.2 (JASP Team, 2018) para serem realizadas as análises de estatística descritiva para caracterizar a amostra. Após essa fase, realizaram-se as comparações entre os dois grupos por meio do t de Student, considerando-se a significância de p < 0,05 e as respectivas magnitudes pelo d de Cohen, com o intuito de verificar a frequência das variáveis nos diferentes grupos. Essas análises foram realizadas nas duas etapas da pesquisa, ou seja, comparação entre grupos psicopatológicos com e sem controle de respostas (etapa 1) e comparação entre grupo de pacientes e não pacientes com faixa otimizada de respostas (etapa 2).

 

3. Resultados

Para a análise, selecionaram-se 16 variáveis do Teste de Zulliger. A etapa 1 da presente pesquisa foi feita com o intuito de verificar se as variáveis se diferenciavam de acordo com a administração do instrumento. Para isso, fez-se uma comparação entre dois grupos de pacientes e os dados podem ser observados na Tabela 3.1.

 

 

As variáveis foram ponderadas de acordo com a quantidade de respostas das pessoas, para evitar que as análises fossem feitas com os dados brutos e sem levar em consideração que as atividades foram respondidas com e sem controle de respostas. Notou-se que sete variáveis tiveram resultados estatisticamente significativos. O grupo que respondeu de acordo com o R-otimizado teve média maior em R, AG, es, XA%, WDA% e Xu%. A variável X-% teve maior média no grupo que respondeu de acordo com o Sistema Compreensivo, ou seja, sem controle na quantidade de respostas. Em relação às magnitudes das diferenças, os valores variaram de 0,58 a 1,77.

Na etapa 2, realizou-se a análise de comparação das variáveis entre o grupo de pacientes (responderam de acordo com o R-otimizado) e o de não pacientes (selecionados os indivíduos com respostas na faixa otimizada). Esses dados podem ser vistos na Tabela 3.2.

 

 

Os resultados indicaram sete variáveis cujos resultados foram estatisticamente significativos, de modo que o grupo de pacientes teve maior média em AG e o grupo de não pacientes teve maiores médias em R, Índice de Isolamento, XA%, WDA%, Xu% e X-%. Em relação às magnitudes das diferenças, os valores variaram de 0,54 a 1,97.

 

4. Discussão

Objetivou-se neste estudo verificar a existência de diferença em algumas variáveis patológicas e saudáveis em um grupo de pacientes (diversas psicopatologias) e de não pacientes com uma faixa otimizada de respostas no Zulliger. A hipótese principal foi que o Zulliger com administração com R-otimizado discriminaria os dois grupos. Com o propósito de obter uma maior credibilidade de que os resultados dessa análise foram decorrentes do controle de respostas, procedeu-se à análise prévia entre dois grupos de pacientes, em que um respondeu com o R-otimizado e outro sem o controle de respostas.

Os resultados evidenciaram que quase metade das variáveis foi capaz de diferenciar os dois grupos de pacientes de maneira estatisticamente significativa. Logo, o que foi realizado na etapa 1 possibilitou maior segurança de interpretação de que os resultados das comparações entre o grupo de pacientes e o de não pacientes foram capazes de discriminar os indivíduos por causa da faixa otimizada de respostas.

Como percebido, das variáveis selecionadas, sete apresentaram diferenças estatisticamente significativas, das quais seis estiveram com maiores médias no grupo de não pacientes e uma esteve no grupo de pacientes. Os efeitos de magnitude variaram de moderada a forte.

A variável de número de respostas (R) é importante por ser usada para os cálculos de porcentagem e proporção de outras variáveis, e, por isso, é importante ter um maior controle dela (Dean et al., 2007; Meyer et al., 2017). A variável R está relacionada com a produtividade e capacidade de produção de ideias (Villemor-Amaral & Primi, 2009) e teve uma média maior no grupo de não pacientes, o que está de acordo com a literatura, pois é mais comum que pessoas com diagnósticos psicopatológicos tendam a apresentar uma quantidade menor de respostas (Gonçalves & Villemor-Amaral, manuscrito submetido para publicação; Gonçalves et al., 2019).

O Índice de Isolamento se refere ao retraimento e à esquiva de contatos sociais (Villemor-Amaral & Primi, 2009) e teve maior média em não pacientes. Esse dado não se apresentou conforme o esperado, pois essas características são mais comuns em pessoas diagnosticadas com psicopatologias. Em pesquisas anteriores que compararam não pacientes e pessoas com depressão (Franco & Villemor-Amaral, 2012a; Gonçalves & Villemor-Amaral, manuscrito submetido para publicação; Villemor-Amaral & Machado, 2011), esse resultado não se mostrou estatisticamente significativo. A pesquisa de Franco e Villemor-Amaral (2012b), de cunho mais qualitativo, foi a única em que essa variável se apresentou acima da média em alguns dos indivíduos adictos de drogas. Portanto, essa variável não tem mostrado, ao longo dos anos por meio de diferentes estudos, evidências que de fato avaliam essas características, e faz-se necessário interpretar com cautela essa variável quando se utiliza o Método de Zulliger.

A variável XA% se refere a uma percepção da realidade de modo objetivo e sem distorções subjetivas, que está fortemente relacionada com WDA%, que indica a possibilidade de perceber os fatos de modo adequado sem considerar distorções decorrentes de situações inusuais (Villemor-Amaral & Primi, 2009). Pode-se elen-car que esses achados foram os principais do presente estudo e melhores do que os encontrados no estudo de Franco e Villemor-Amaral (2012a), em que essas variáveis não distinguiram significativamente pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e sem a psicopatologia (XA%: t = 0,59, p = 0,27; WDA%: t = 0,88, p = 0,51). Tanto XA% quanto WDA% apresentam informações sobre a mediação que a pessoa faz das suas informações conceituais no contato com o meio em que vive (Exner & Sendín, 1999; Villemor-Amaral & Primi, 2009), caracterizando-se como importantes variáveis a serem analisadas em grupo de pessoas com psicopatologia. Destarte, as duas variáveis foram capazes de discriminar os grupos quando se fez o controle da quantidade de respostas, evidenciando que os não pacientes apresentam uma percepção bem definida da realidade, em detrimento de pessoas diagnosticadas que tendem a ter uma percepção distorcida, possivelmente por causa das condições de saúde mental.

Outra variável que permitiu discriminar os grupos deste estudo foi Xu%, que representa um modo mais subjetivo ou peculiar de compreensão da realidade, mas não patológico (Villemor-Amaral & Primi, 2009). Essa variável teve maior média em não pacientes e foi um resultado esperado na medida em que indivíduos sem diagnósticos psicopatológicos podem apresentar percepções mais idiossincráticas que façam algum sentido na realidade, mas não apresentam um nível de distorção grave, como acontece nos casos psicóticos.

A variável X-% teve uma maior média no grupo de não pacientes. Esse dado foi inesperado e não corroborou a hipótese inicial, pois era esperada maior média no grupo de pacientes, uma vez que essa variável está relacionada com problemas de mediação, distorção perceptiva da realidade e dificuldade de adaptação, por exemplo (Villemor-Amaral & Primi, 2009), o que é mais comum em pessoas diagnosticadas com psicopatologias. Porém, é importante destacar que, apesar de mais elevado no grupo de não pacientes, esse número não ultrapassa a média da população normativa e não compromete o adequado nível de WDA%, conforme observado neste estudo. Na pesquisa de Franco e Villemor-Amaral (2012b), parte da amostra de indivíduos adictos de drogas teve X-% acima da média. Como esses dois resultados foram contrastantes e por conta da falta de outros estudos com essa variável, fica inviável saber se X-% é mais recorrente em grupos de pacientes ou não pacientes. Uma hipótese para esse dado inesperado no presente estudo é que essa variável é derivada da frequência de qualidade formal menos (FQ-), que geralmente é um código com maiores níveis de divergência entre avaliadores (Meyer et al., 2017), ainda que dentro da faixa aceitável. Além disso, na pesquisa de normatização do Zulliger, o limiar de tolerância para atribuir esse código era mais baixo (Villemor-Amaral & Primi, 2009), e sugestões recentes recomendam esse código (FQ-) apenas nos casos em que a percepção da pessoa está excessivamente distorcida (Meyer et al., 2017).

Por fim, a única variável que teve maior média no grupo de pacientes foi AG, que representa uma visão mais hostil das interações com o outro (Villemor-Amaral & Primi, 2009). Essa variável também foi capaz de discriminar os dois grupos quando se fez o controle de respostas no Zulliger e corroborou a hipótese elaborada. O resultado foi semelhante ao encontrado na pesquisa de Gonçalves e Villemor--Amaral (manuscrito submetido para publicação), em que essa variável teve uma maior média no grupo de pacientes, bem como no estudo de Franco e Villemor-Amaral (2012b), em que alguns indivíduos psicopatológicos tiveram essa variável acima da média.

 

5. Considerações finais

Acredita-se que o presente estudo trouxe contribuições para a área de avaliação psicológica (Hutz, 2015; Urbina, 2007), mais especificamente para os métodos projetivos (Cardoso & Villemor-Amaral, 2017; Fensterseifer & Werlang, 2008). Essa contribuição se dá por somar-se aos estudos iniciais da adaptação da administração R-otimizado para o Método de Zulliger (Gonçalves & Villemor-Amaral, manuscrito submetido para publicação; Gonçalves et al., 2019; Villemor-Amaral et al., 2016), almejando uma faixa otimizada de respostas. Esta pesquisa foi decorrente de sugestões anteriores de que o número de respostas no Zulliger interfere nas demais variáveis do instrumento (Villemor-Amaral & Cardoso, 2012; Villemor-Amaral et al., 2016).

Dessa forma, verificou-se que, quando a administração do Zulliger é feita com o controle de respostas, ou seja, com o R-otimizado (Dean et al., 2007; Meyer et al., 2017), variáveis foram capazes de discriminar grupos de pacientes e não pacientes. Entre as 16 variáveis selecionadas para o presente estudo, sete foram capazes de diferenciar os dois grupos estudados, a saber, R, Índice de Isolamento, XA%, WDA%, Xu%, X-% e AG. Considera-se que os dados de XA% e WDA% foram os principais quando se consideram pessoas com e sem psicopatologia. Esse destaque ocorreu por dois motivos. Primeiro, por serem variáveis que indicam a forma como o indivíduo traduz ou interpreta as informações provenientes do meio em que vive, característica importante a ser avaliada em casos de psicopatologias. O segundo motivo decorre dos dados empíricos, em que essas variáveis tiveram os maiores efeitos de magnitude nesta pesquisa. Ademais, o Índice de Isolamento é uma variável que deve ser analisada com cautela por conta de seu resultado não esperado e por escassez de literatura para corroborar os dados.

Uma característica da amostra é que o grupo de pacientes foi composto por pessoas com diferentes psicopatologias. Na maioria das pesquisas, o grupo era formado por indivíduos com um único diagnóstico. Entretanto, no presente estudo, o interesse foi identificar variáveis que pudessem trazer indícios de alterações em aspectos de percepção e pensamento, comuns aos quadros psicopatológicos, e as variáveis que indicam um funcionamento psíquico saudável. Logo, o intuito não foi identificar o tipo específico de psicopatologia que a pessoa poderia ter.

Entre as limitações da pesquisa, indica-se a impossibilidade de equiparar a amostra de acordo com o nível de escolaridade, pois esse dado perdeu-se em um dos bancos de dados. Outra limitação consistiu em uma parte da amostra ter sido composta por indivíduos dos dados normativos do Zulliger (Villemor-Amaral & Primi, 2009) que responderam ao instrumento sem o controle de respostas. Ainda que tenham sido selecionados protocolos com respostas dentro da faixa otimizada, o ideal teria sido realizar a coleta com a administração R-otimizado nos dois grupos. Assim, a generalização dos resultados deve ser feita com cautela, tendo em vista as características e o tamanho da amostra. Portanto, incentiva-se que novas pesquisas sejam realizadas com coleta em grupo de pacientes e não pacientes pela administração com R-otimizado, com maior número de participantes e com dados com menor diferença temporal, para verificar se os resultados encontrados na presente pesquisa serão corroborados.

 

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Correspondência:
Anna Elisa de Villemor-Amaral
Rua Waldemar César da Silveira, 105, Jardim Cura D'Ars
Campinas, SP, Brasil. CEP 13045-510
E-mail: anna.villemor@usf.edu.br

Submissão: 05/07/2019
Aceite: 23/06/2020

 

 

Nota dos autores
Anna Elisa de Villemor-Amaral,
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia (PPGSSP), Universidade São Francisco (USF); Gabriel Vitor Acioly Gomes, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia (PPGSSP), Universidade São Francisco (USF).

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