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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v22n3p247-262 

ARTIGOS
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Clima escolar e indicadores de estresse, ansiedade e depressão em professores do ensino técnico médio privado

 

 

Osvaldo André FilippsenI; Angela Helena MarinII

IInstituto Técnico de Educação Porto Alegre (Fatepa), Porto Alegre, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo examinou a contribuição e a extensão em que o clima escolar afeta os indicadores de estresse, ansiedade e depressão em professores do ensino técnico médio privado. Utilizou-se um delineamento observacional analítico de corte transversal, com 62 professores que preencheram o Questionário Sociodemográfico e Laboral, a Depression, Anxiety and Stress Scale-21 e o Delaware School Climate Survey-Teacher/Staff. As análises indicaram correlações fracas entre as variáveis consideradas. A percepção negativa sobre a justiça das regras explicou 16% da variância da depressão e 15% do estresse, enquanto a percepção negativa de segurança explicou 14% da variância da ansiedade. Apesar da baixa intensidade de indicadores de estresse, ansiedade e depressão identificada, destaca-se que a justiça das regras e a segurança são fatores que podem afetar a saúde mental docente, os quais precisam ser considerados porque há a possibilidade de eles impactarem a qualidade do ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: clima escolar; estresse; ansiedade; depressão; professores.


 

 

1. Introdução

Cursos técnicos de nível médio têm como função primordial a formação profissional para uma rápida inserção no mercado de trabalho. No Brasil, seu documento orientador é o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), do Ministério da Educação (MEC), que disciplina a oferta de 227 cursos técnicos distribuídos em 13 eixos tecnológicos (Brasil, 2017). Quando oferecidos no mercado, os cursos técnicos apresentam proposta pedagógica que visa desenvolver competências, articulando a teoria com a prática, com vistas à ação profissional (Brasil, 2017). Para tal, precisa ter como referência, no planejamento curricular, o perfil do profissional que deseja formar, considerando o contexto da estrutura ocupacional da área ou das áreas profissionais, resultando em um plano de curso específico para cada uma das formações (Cordão, 2002).

No Brasil, os cursos técnicos de ensino médio são oferecidos por escolas públicas ou privadas. Todavia, é na escola privada que a exigência por infraestrutura adequada, salas e laboratórios, professores e gestores habilitados se acentua para que atinjam resultados financeiros e educacionais almejados (Guirado, 2017). Tal competitividade pode levar a constantes cobranças por resultados dos professores, traduzidos no clima escolar, o que costuma sobrecarregá-los, colocando em risco a saúde física e mental deles, com reflexos possíveis no trabalho (Andrade et al., 2018).

O clima escolar diz respeito ao conjunto de percepções e expectativas compartilhadas por professores, estudantes e gestores, decorrente das experiências vivenciadas no âmbito da escola referente à atmosfera psicossocial que influi em sua dinâmica e é influenciada por ela. Desse modo, interfere na qualidade de vida e no processo de ensino e aprendizagem (Moro, Vinha, & Morais, 2019). Nesse contexto, são apreciados alguns fatores como normas, objetivos, valores, relações humanas, organização e estrutura física, pedagógica e administrativa da instituição. Estudos nacionais sobre clima escolar pela percepção docente indicam diferentes direções e enfoques e, em geral, são realizados em escolas públicas de ensinos fundamental e médio.

No estado do Espírito Santo, um estudo buscou compreender como os professores dos ensinos fundamental e médio percebiam e avaliavam o clima escolar e se havia relação entre a qualidade dessa avaliação e o desempenho escolar apresentado pelos estudantes. Os resultados indicaram que quanto melhor o clima escolar, mais satisfatório era o desempenho dos estudantes (Colombo, 2018). No estado do Amazonas, em uma escola de ensinos fundamental e médio, avaliou-se o clima escolar pela percepção docente quanto à indisciplina e violência, com vistas a identificar como os conflitos eram mediados e propor uma sistemática estruturada para sua resolução. Os resultados revelaram que as estratégias de resolução de conflitos não eram efetivas por causa da falta de informação, o que foi identificado como causa primária do clima escolar tóxico (Guedes, 2017).

Proporcionar uma reflexão sobre a cultura da paz em escolas públicas brasileiras de ensinos fundamental e médio e sua relação com o clima escolar foi o objetivo da pesquisa de Ribeiro, Ribeiro e Tunice (2018). Os resultados indicaram que a constante participação dos docentes nos processos decisórios da escola aumentava o seu nível de satisfação, motivação e responsabilidade, refletindo em um clima escolar positivo para o trabalho e atuando como um reforço da cultura pretendida.

No contexto internacional, os estudos sobre clima escolar pela percepção docente são mais frequentes. Em uma escola pública de ensino médio no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, uma pesquisa associou o comportamento do diretor, como demonstração de apreço, estímulo da liderança, encorajamento para assumir riscos e liberdade para tomar decisões na relação com professores, ao clima escolar. Os resultados indicaram que os professores sentiam respeito, valorização, encorajamento e respaldo da direção, refletidos em um clima escolar positivo (Brown, 2018). Em outro contexto, avaliou-se a relação entre a violência armada e o clima de seis escolas públicas de ensinos fundamental e médio em um dos distritos escolares da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e observou-se uma associação negativa em relação às campanhas de conscientização realizadas (Hartz, 2018).

No continente europeu, um estudo português com 234 professores de escolas públicas de nível médio analisou o quanto o apoio da direção escolar aos professores influenciava a colaboração entre eles e seu reflexo no clima escolar. Os resultados indicaram que os apoios emocional, informacional e de desenvolvimento profissional da direção eram preditores tanto para os professores colaborarem entre si como para a manutenção de um clima escolar positivo (Amante, Morgado, & Silva, 2017).

Especificamente em relação à associação entre clima escolar e estresse, ansiedade e depressão, estudos nacionais indicaram diferentes enfoques. No estado do Paraná, Nielsen e Piassa (2012) revelaram que o adoecimento físico e mental de professores de escolas públicas não estava associado ao trabalho em si, mas a um clima escolar tóxico. Por sua vez, o estudo realizado em uma escola de ensino fundamental em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, com o objetivo de analisar a percepção docente quanto ao nível de implicação do clima escolar em suas condições de trabalho e saúde psíquica, não encontrou alterações nos níveis de estresse, ansiedade e depressão entre os professores (Pereira & Rebolo, 2017). De igual modo, na pesquisa desenvolvida por Souza, Souza e Zechi (2017), em Paranaíba, no mesmo estado, em escolas de ensinos fundamental e médio, públicas e privadas, cujo objetivo foi examinar a percepção docente sobre regras, sanções e segurança na escola e o quanto eram refletidas no clima escolar, nas condições de trabalho e na saúde mental docente, também não se observaram alterações nos níveis de estresse, ansiedade e depressão entre os professores.

No contexto internacional, destaca-se a pesquisa realizada na Noruega Central, com 546 professores de escolas municipais secundárias, que revelou sintomas psíquicos em mais de 50% dos docentes. Esses sintomas eram resultado de um clima escolar negativo ante a pressão por resultados positivos e da insatisfação com o trabalho em função da desmotivação dos estudantes (Skaalvik & Skaalvik, 2017). Em contrapartida, em Portugal, a pesquisa realizada com professores de escolas públicas do agrupamento D. Pedro I, revelou poucos sinais de alteração na saúde mental dos docentes, razão creditada à alta percepção dos professores (85,7%) de um clima escolar positivo (Bastos, Lobo, & Pereira, 2018).

Destaca-se que, embora seja frequente associar o estresse, a ansiedade e a depressão à profissão docente em estudos nacionais (Albuquerque, Petterle, Tostes, & Silva, 2018) e internacionais (Narvaéz & Orosco, 2017), poucos apresentam como foco o ensino técnico. Apenas a pesquisa realizada no estado de Mato Grosso do Sul, em duas escolas técnicas privadas da cidade de Dourados, foi localizada, a qual indicou níveis de ansiedade e estresse em todos os docentes avaliados, sendo as causas associadas às dificuldades enfrentadas em decorrência da ausência de formação pedagógica para lecionar nesse nível de ensino (Hortelan, Missio, Renovato, & Sgarbi, 2018).

Nesse sentido, e considerando que a competitividade entre escolas técnicas privadas pode afetar o clima escolar e causar riscos à saúde mental docente, tor-na-se relevante e justifica-se um estudo que aborde tal contexto. Portanto, no presente estudo o objetivo foi avaliar o clima escolar e os indicadores de estresse, ansiedade e depressão em professores do ensino técnico médio privado. Particularmente, examinaram-se a contribuição e a extensão em que o clima escolar afeta os indicadores de estresse, ansiedade e depressão em professores desse nível de ensino.

 

2. Método

2.1 Delineamento e participantes

Trata-se de um estudo observacional-analítico, de corte transversal e abordagem quantitativa. A amostra, classificada como não probabilística, foi selecionada por conveniência entre professores do ensino técnico de nível médio, vinculados a oito das 171 escolas privadas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e da região metropolitana. Mais de 120 professores foram convidados, mas 62 aceitaram participar. Eles tinham idade média de 41,74 anos (DP = 12,3), sendo o sexo masculino predominante (61,3%). A maioria era casada (58,1%), com moda de um filho. A escolaridade predominante foi pós-graduação lato sensu (56,5%), tempo médio de experiência em docência de 10,32 anos (DP = 8,5) e tempo médio de experiência em docência no ensino técnico de 6,97 anos (DP = 5,5).

2.2 Instrumentos

Questionário de Dados Sociodemográficos e Laborais: instrumento autoaplicável e elaborado para obter informações para caraterização da amostra quanto a idade, sexo, estado civil, escolaridade, cargo, turno e tempo de trabalho, cursos e disciplinas ministrados, quantidade de horas trabalhadas, presença de doenças físicas ou mentais, frequência de atestados médicos e pedidos de afastamentos do trabalho.

Delaware School Climate Survey-Teacher/Staff - DSCS-T/S (Bear, Gaskins, Pell, & Yang (2014), em processo de validação no Brasil por Daniele Lindern e Carolina Saraiva de Macedo Lisboa: instrumento autoaplicável, composto por duas partes, e para este estudo foi utilizada apenas a primeira delas, que avalia o clima escolar, a partir de 39 itens que compõem nove fatores: 1. relação professor-aluno (atenção dos professores quanto aos problemas dos estudantes; α = 0,80); 2. relação aluno-aluno (qualidade das interações entre os estudantes; α = 0,81); 3. clareza das expectativas (expectativas e regras comportamentais claras aos estudantes; α = 0,86); 4. justiça das regras (regras escolares e consequências justas; α = 0,87); 5. segurança (nível de segurança percebido pelos professores; α = 0,71); 6. bullying (nível de violência entre os estudantes; α = 0,73); 7. engajamento estudantil (realização das tarefas, respeito às regras e rendimento escolar; α = 0,83); 8. comunicação professores-casa (qualidade da comunicação dos professores com os pais ou responsáveis dos estudantes; α = 0,81); e 9. relações entre funcionários (grau de comunicação e trabalho em equipe entre professores e demais colaboradores da escola; α = 0,91). As questões são respondidas por meio de uma escala do tipo Likert de quatro pontos (de 1 = "discordo muito" a 4 = "concordo muito"), com interpretação pela média, de maneira que aquelas mais altas representam maior grau de concordância com o fator.

Depression, Anxiety and Stress Scale-21 - DASS-21 (Lovibond & Lovibond, 2004), adaptada e validada para o Brasil por Tucci e Vignola (2013): instrumento de autoavaliação que contém três subescalas que devem ser respondidas de acordo com uma escala do tipo Likert de quatro pontos (de 0 = "não se aplica de maneira alguma" a 3 = "aplica-se muito ou na maioria do tempo"). Cada subescala consiste em sete itens que avaliam o impacto emocional quanto aos estados de depressão, ansiedade e estresse que, conforme os respectivos percentis obtidos pela soma dos pontos, pode revelar uma intensidade que varia entre normal, leve, moderada, severa e extremamente severa. Obtiveram-se bons índices de consistência interna no estudo de validação (depressão: α = 0,92; ansiedade: α = 0,86; estresse: α = 0,90), os quais se mantiveram no presente estudo (depressão: α = 0,88; ansiedade: α = 0,84; estresse: α = 0,93).

2.3 Procedimentos

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e a coleta de dados foi iniciada após a aprovação:

Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 84053318.7.0000.5344. Para tal, fez-se contato com as direções das escolas técnicas privadas de ensino médio para apresentar a proposta do estudo e obter autorização para sua realização. Obteve-se anuência de oito escolas, sete localizadas em Porto Alegre e uma em Gravataí, sendo a coleta de dados realizada, em comum acordo com os setores pedagógicos, no período de junho a dezembro de 2018, por meio da disponibilização de um link de acesso aos questionários via internet, enviado por e-mail para a responsável do setor pedagógico, que o repassava ao endereço de correio eletrônico dos professores.

2.4 Análise dos dados

Os dados obtidos por meio dos instrumentos foram analisados descritivamente por distribuição de frequências, medidas de tendência central (médias) e medidas de variabilidade (desvio padrão), com vistas a obter o perfil da amostra, do clima escolar e dos indicadores de estresse, ansiedade e depressão. Também se realizou o estudo de normalidade da distribuição dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnoff (correção Lilliefors). Para os dados obtidos por meio dos instrumentos DASS 21 e DSCS-T/S, foram realizadas análises inferenciais, com vistas a estimar parâmetros, pela correlação de Spearman. Posteriormente, empregou-se a análise de regressão múltipla (método Stepwise) a fim de determinar os preditores do cli-ma escolar para o estresse, a ansiedade e a depressão. Portanto, avaliaram-se três modelos, um para cada indicador. Sobre a determinação das variáveis do clima escolar que compuseram cada modelo inicial avaliado, consideraram-se os resulta dos apresentados pela técnica de análise de correlação, com nível de significância inferior ou igual a 20% (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Todos os modelos foram definidos em uma etapa. O percentual da variância explicada pelo modelo foi estimado por meio do coeficiente de determinação ajustado (R2 ajustado). As análises indicadas foram realizadas por meio do programa estatístico SPSS 22.0 (Statistical Package for Social Science), considerando um nível de significância de p < 0,05.

 

3. Resultados

Com relação à percepção dos fatores do clima escolar, conforme a Delaware School Surveys Interpretation Worksheet - Staff Version (Bear, Blank, Chen, & Gaskins, 2018), que sugere que os escores médios acima de três indicam um clima mais favorável, constatou-se que a relação professor-aluno, a segurança, a clareza das expectativas e a relação aluno-aluno foram relatadas como positivas para maioria dos professores. Já a justiça das regras e as relações entre funcionários, o engajamento estudantil e a comunicação professor-casa foram indicados como mais negativos por eles. Por fim, considerando que os escores médios menores de três são melhores para bullying, conforme os autores, constata-se que esse fator foi percebido como positivo, ou seja, os professores pouco observavam a presença de bullying na escola.

No que diz respeito às respostas dos professores para a presença de estresse, ansiedade e depressão, destaca-se o fator depressão (M = 4,74, DP = 5,39), com maior média, seguido por estresse (M = 2,65, DP = 4,15) e ansiedade (M = 2,21, DP = 3,37). Quanto à frequência, observou-se que 80,6% dos professores foram classificados como tendo indicadores de depressão de normal a leve; 6,5%, moderado; e 12,9%, de severo a extremamente severo. Para estresse, 83,9% deles foram categorizados como tendo indicadores de normal a leve; 9,7%, moderado; e 6,5%, de severo a extremamente severo. Já para ansiedade, 85,5% foram identificados com indicadores de normal a leve; 4,8%, moderado; e 9,7%, de severo a extremamente severo. Os dados sobre clima escolar e indicadores de estresse, ansiedade e depressão constam na Tabela 3.1.

 

 

Nas relações entre clima escolar percebido por professores e níveis de estresse, ansiedade e depressão, a análise de correlação de Spearman evidenciou associações fracas e negativas. Os dados são apresentados na Tabela 3.2.

 

 

Para examinar a contribuição e a extensão do clima escolar nos indicadores de estresse, ansiedade e depressão nos professores, realizou-se a análise de regressão múltipla (modelo Stepwise). Conforme os resultados, apresentados na Tabela 3.3, o menor grau de concordância sobre a justiça das regras explicava 16% da variância da depressão e 15% da variância do estresse, enquanto o menor grau de concordância sobre segurança explicava 14% da variância da ansiedade.

 

 

4. Discussão

O professor é visto como um dos principais responsáveis no ensino técnico pelo processo de formar profissionais para o mercado de trabalho (Deitos, Lara, & Zanardini, 2015). Por conta dessa responsabilidade, ele pode sofrer cobranças, ameaças e pressões por resultados, o que pode afetar sua saúde mental, refletindo no desenvolvimento de diferentes sintomas e transtornos (Cordão, 2002).

Nesse cenário, a ausência de qualquer ação pertinente a cuidados com a saúde psíquica docente pode gerar diferentes problemas escolares, como a falta de pessoal em função de afastamentos por adoecimento. Contudo, sob possíveis riscos de demissão, alguns professores temem se ausentar e podem ter o nível da qualidade de sua práxis afetada, prejudicando, consequentemente, o aprendizado do aluno e a qualidade do curso (Amorim et al., 2018). Não raros são os casos mais danosos, como erros em atividades práticas em situações em que há risco de morte, presente, por exemplo, nos cursos de enfermagem e radiologia. Com uma proposta para esclarecer como está a saúde mental docente em cursos técnicos do ensino privado, propôs-se como objetivo deste estudo avaliar as relações entre o clima escolar e indicadores de estresse, ansiedade e depressão, assim como a extensão com que tal clima contribui para esses indicadores.

Entre os professores participantes, observaram-se níveis de estresse, ansiedade e depressão classificados, predominantemente, como normais a leves. Considerando que a maior parte deles tinha, em média, aproximadamente, sete anos de experiência docente no ensino técnico, além de algum curso de pós-graduação, infere-se que apresentavam melhores condições para lidar com eventuais dificuldades, pressões e cobranças a que estavam sujeitos nas escolas (Cordão, 2002; Custódio & Nunes, 2019). Entretanto, uma menor parte da amostra relatou estar em sofrimento, com níveis classificados como severos a extremamente severos. Para estes, talvez a menor experiência em docência no ensino técnico e a possível ausência de uma especialização na área possam explicar esse quadro, pois podem causar reflexos mais acentuados por causa da menor experiência e do preparo pedagógico (Albuquerque et al., 2018; Hortelan et al., 2018).

Constatou-se também que, quanto maior a percepção da qualidade da relação aluno-aluno e da segurança na escola, menores são os indicativos de estresse, ansiedade e depressão entre os professores. Sabe-se que interações de qualidade entre os estudantes facilitam o processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades interpessoais (Cardoso, 2018). Outro aspecto relevante foi a associação entre justiça das regras e engajamento estudantil com menores indicativos de estresse e depressão. Ambientes escolares com regras claras e justas levam os estudantes a uma maior percepção de igualdade, respeito e pertencimento, o que pode refletir no trabalho docente por meio da maior participação nas atividades pedagógicas propostas (Moreno, Pacheco, & Pacheco, 2018). Os dados ainda sinalizaram que, quanto mais claras são as expectativas, menores são os indicativos de estresse e ansiedade. Escolas com regras definidas costumam conferir organização aos estudantes, pois ficam cientes do que é esperado do comportamento deles. Cria-se, assim, um ambiente ordenado que facilita a atuação docente e maiores níveis de satisfação estudantil (Coelho & Dell'Aglio, 2019).

Contudo, não foram observadas correlações entre os fatores estresse, ansiedade e depressão com a relação professor-aluno ou o bullying. Isso sugere que entre os docentes a percepção quanto à relação professor-aluno está adequada, o que demonstra apreço, respeito pelas diferenças e atenção às dificuldades (Machado & Piton, 2019). Por fim, considerando que cursos técnicos, em geral, contam com estudantes jovens adultos, na maioria trabalhadores em busca de melhor qualificação, prevalecem as amizades, sendo escassas as manifestações de violência entre eles.

Entre as influências do clima escolar sobre estresse, ansiedade e depressão em professores, evidenciou-se que a menor percepção de justiça das regras contribui para a manifestação de indicadores de estresse e depressão. Esse resultado sugere que os professores percebem que seus alunos não avaliavam as regras na escola e em sala de aula como tendo consequências iguais para todos que não as seguirem, o que pode levar a relacionamentos marcados por desrespeito, desinteresse, baixo rendimento e evasão (Arthur & Pinto, 2017). Possivelmente, determinadas regras podem não estar cumprindo a função de orientar os estudantes quanto ao comportamento esperado durante o curso, e esse eventual descuido das escolas no sentido de suas regras não serem justas está a influenciar o emocional dos professores.

De forma semelhante, a menor percepção de segurança na escola contribuiu para o desenvolvimento de indicadores de ansiedade entre os docentes. Considerando que a segurança se refere ao bem-estar físico dos professores e estudantes quando nas dependências da escola, esse resultado sinaliza que o espaço está vulnerável a possíveis situações de violência, podendo gerar no professor sensação de medo e demais manifestações típicas de um quadro ansioso. Portanto, a segurança que, por um lado, é considerada essencial para boas relações entre os estudantes e seu respectivo comprometimento (Colombo, 2018), por outro, quando não percebida, parece atravancar o trabalho docente (Custódio & Nunes, 2019).

Considerando que a literatura indica possíveis influências do clima escolar sobre estresse, ansiedade e depressão (Pereira & Rebolo, 2017; Souza et al., 2017; Hortelan et al., 2018), acredita-se que, pelo fato de o clima escolar ter sido percebido como positivo nas instituições pesquisadas, não houve reflexos expressivos na saúde psíquica docente oriundos desses indicadores. Os dados indicaram a valorização da boa convivência, do comportamento adequado, do respeito às regras, da dedicação estudantil e da segurança escolar, que, quando percebidos de modo mais positivo, são associados a menores níveis de estresse, ansiedade e depressão entre os professores, corroborando outros estudos na área (Amante et al., 2017; Araya et al., 2016; Ribeiro et al., 2018).

Mesmo que as instituições privadas tenham oferecido resistência a colocar-se como campo de pesquisa por razões desconhecidas, o que limitou o acesso a um maior número de participantes, acredita-se que foi possível conhecer, ainda que parcialmente, o ambiente no qual professores e estudantes conviviam. Deduz-se que a valorização das boas relações, o respeito entre as partes, regras claras e a dedicação estudantil permeavam esse contexto, indicativos de clima escolar positivo (Aldridge & Fraser, 2016), não causando maior impacto na saúde mental docente. Contudo, embora as associações sejam fracas, elas estiveram presentes, e, levando em conta a missão intransferível dos cursos técnicos de formar mão de obra qualificada para inserção no mercado de trabalho, considera-se fundamental a continuidade de estudos sobre a temática, pois, se os professores adoecerem, dificilmente contribuirão para tal desafio (Coelho & Dell'Aglio, 2019). Portanto, sugere-se que futuras pesquisas ampliem a avaliação da relação entre variáveis como rotina e carga de trabalho, remuneração e formação pedagógica e como elas podem afetar a saúde mental docente.

 

Referências

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Correspondência:
Osvaldo André Filippsen
Rua General Vitorino, 229, Centro Histórico
Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90020-121
E-mail: educador.osvaldo@gmail.com

Submissão: 30/07/2019
Aceite: 25/06/2020

 

 

Nota dos autores
Osvaldo André Filippsen,
Departamento de Administração (DA), Instituto Técnico de Educação Porto Alegre (Fatepa); Angela Helena Marin, Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade (DPDP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Artigo derivado da dissertação de Osvaldo André Filippsen, realizada sob a supervisão de Angela Helena Marin, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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