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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2020

 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Avaliação de sintomas depressivos em uma amostra com transtorno de ansiedade social

 

 

Bruna F. RiosI; Priscila de C. PalmaI; Kátia Alessandra de S. CaetanoII; Luciano D. de MattosIII; Carmem Beatriz NeufeldI

IUniversidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, Brasil
IIEast Behavior Therapy Center, Califórnia, Estados Unidos
IIIUniversidade Católica de Pelotas (UCPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Os indivíduos com transtorno de ansiedade social (TAS) frequentemente apresentam também depressão. O objetivo deste trabalho foi verificar os níveis de depressão presentes em uma amostra de indivíduos diagnosticados com TAS, assim como ca racterizar essa amostra de acordo com as variáveis sociodemográficas. Contou-se com 104 participantes diagnosticados com TAS, provenientes de um banco de dados preexistente. Os dados sociodemográficos e clínicos foram analisados por meio de estatística descritiva, bem como se utilizou estatística inferencial nos níveis de ansiedade social e sintomas depressivos, obtidos por meio do Inventário de Fobia Social (SPIN) e do Inventário de Depressão de Beck (BDI-II). Constatou-se que mais da metade das pessoas possuía transtorno depressivo maior como diagnóstico secundário e que maiores níveis de ansiedade social se correlacionaram positivamente com maiores níveis de sintomas depressivos. Tais dados evidenciam a relação existente entre depressão e ansiedade social, e corroboram os achados da literatura.

Palavras-chave: transtorno de ansiedade social; depressão; comorbidade; correlação; TAS.


 

 

1. Introdução

De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (American Psychiatric Association [APA], 2013), o transtorno de ansiedade social (TAS) caracteriza-se por sentimentos intensos de medo ou ansiedade em situações sociais, em especial quando o indivíduo sente que há possibilidade de ser avaliado por outras pessoas, temendo ser ridicularizado. O indivíduo preocupa-se em receber uma avaliação negativa por parte das outras pessoas, temendo agir de forma inadequada ou apresentar sintomas de ansiedade, como rubor, tremor, sudorese e desatenção. As situações sociais temidas serão frequentemente evitadas ou suportadas com intenso medo e ansiedade. O TAS, em função de seus sintomas agudos, geralmente afeta de forma negativa o desempenho acadêmico, a produtividade, as relações interpessoais e a qualidade de vida (Taylor et al., 2018).

O TAS pode ter início precoce, desenvolvendo-se principalmente em crianças que sofrem bullying, rejeição, exposição ao ridículo, humilhação ou outras situações estressantes vistas como traumáticas, como divórcio dos pais, abuso sexual e conflitos no ambiente familiar. Além disso, há evidências de que os fatores gené ticos apresentam uma grande influência na ocorrência do transtorno. Porém, ainda não se sabe como o genótipo age a fim de alterar o mecanismo comportamental (Nardi, Quevedo, & Silva, 2014).

O TAS ocorre com mais frequência em mulheres, inicia-se na infância ou adolescência, rapidamente se torna crônico (Kuru et al., 2017) e tem uma prevalência durante a vida de 12,1%, caracterizando-se como o quarto transtorno psiquiátrico mais recorrente (Ito, Roso, Tiwari, Kendall, & Asbahr, 2008). Para além disso, o TAS é o transtorno de ansiedade mais comum e muitas vezes é subdiagnosticado e não tratado, resultando em prejuízos funcionais graves, pois a remissão espontânea não ocorre na maioria dos casos (Gonçalves et al., 2014; Muller, Trentini, Zanini, & Lopes, 2015).

O TAS se relaciona com menores níveis de escolaridade e desemprego, representando um alto custo para a sociedade, além de todo o sofrimento gerado para o indivíduo (APA, 2013; Nardi, Quevedo & Silva, 2014). A grande maioria dos indivíduos diagnosticados com TAS também apresenta outros quadros psiquiátricos comórbidos, principalmente depressão e outros transtornos ansiosos (APA, 2013).

Mesmo com o elevado índice de comorbidades de TAS com os transtornos depressivos, a literatura ainda não é unânime sobre qual transtorno precede o outro. Nardi, Quevedo & Silva (2014) apontam que os pacientes que apresentam critério diagnóstico para TAS exibem uma "síndrome geral de desmoralização", responsável pelos sintomas de humor deprimido, fazendo com que pacientes deprimidos restrinjam suas atividades sociais por causa da perda de interesse e prazer e não por conta dos sintomas ansiosos. De acordo com Stein et al. (2001), o transtorno ansioso antecede a depressão. O isolamento social crônico que o TAS gera pode acarretar um transtorno depressivo maior (TDM), precedendo-o em 70% dos casos (Wong, Morrison, Heimberg, Goldin, & Gross, 2014). Ademais, os riscos de suicídio associados à depressão ficam ainda mais evidentes quando tal transtorno é combinado com a ansiedade social (APA, 2013). Desse modo, o TAS pode in fluenciar diretamente nos riscos e no desenvolvimento dos distúrbios de humor (Stein et al., 2001).

Um estudo recente de Hamilton et al. (2016) encontrou indicativos de que a depressão poderia preceder a ansiedade social. Vaananen et al. (2014) realizaram um estudo com 2.070 adolescentes, em que mensuraram níveis de sintomas depressivos e de ansiedade social por meio do Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory - BDI-II) e do Inventário de Fobia Social (Social Phobia Inventory - SPIN), e, após dois anos, aplicaram-se novamente tais instrumentos o com objetivo de verificar possíveis associações entre os sintomas. Constatou-se que a variável relativa à baixa autoestima mediou a associação entre TAS e depressão de forma diferente entre os gêneros: em meninos, houve um aparecimento primário de TAS, mas, em meninas, essa variável mediou parcialmente o desenvolvimento primário de depressão.

Assim, a presença de TAS e depressão apresenta características únicas para o indivíduo, não podendo ser o quadro compreendido como o simples somatório de dois diagnósticos psiquiátricos diferentes, uma vez que se relacionam. Alguns modelos postulam a existência de vulnerabilidades únicas para os transtornos ansiosos e os depressivos. A vulnerabilidade relacionada ao afeto negativo, conceitualizada como uma predisposição para experimentar emoções negativas ou mesmo aversivas, predispõe o indivíduo a desenvolver intolerância à incerteza elevada, ou seja, incapacidade de suportar sensações aversivas desencadeadas por falta de certeza sobre eventos atuais ou futuros. Além disso, a intolerância à incerteza está relacionada ao aumento de ansiedade e sintomas depressivos (Allan et al., 2018).

Apesar de ainda inconclusiva, a literatura aponta que a associação de ansiedade social e depressão gera uma piora no impacto psicossocial que esses distúrbios já possuem de forma independente, agravando seus sintomas e suas consequências, e gerando a presença de um prognóstico mais negativo, um funcionamento psicológico mais debilitado e maiores riscos de recaída após o tratamento (Stein et al., 2001; Wong et al., 2014). Além disso, sabe-se que maiores níveis de depressão são preditivos de menor declínio de ansiedade social ao longo do tempo, em que a presença de comorbidade depressão parece ser uma variável que afeta a resposta à terapia cognitivo-comportamental (McLaughlin & King, 2015).

Uma vez que pouco se sabe sobre o funcionamento de indivíduos com TAS e sintomas depressivos comórbidos, parece ser essencial a compreensão da relação entre a ansiedade social e a depressão (Cecconello, Batistella, Wahl, & Wagner, 2013; Kircanski, Joormann, & Gotlib, 2015; McLaughlin & King, 2015; Adams, Balduena, Meng, & Asmudson, 2016; Hamilton et al., 2016). Desse modo, este trabalho teve como objetivo caracterizar a presença de depressão em uma amostra de indivíduos diagnosticados com TAS, visando impulsionar pesquisas sobre a relação entre essa condição e a depressão, uma vez que compreendê-la pode resultar em um aprimoramento das técnicas terapêuticas e no estabelecimento de tratamentos mais eficazes. Além disso, o estudo visou caracterizar essa amostra de acordo com as variáveis sociodemográficas.

 

2. Método

2.1 Delineamento

A pesquisa realizada tem caráter quantitativo de delineamento transversal. Foram mensurados os níveis de depressão (mínimo, leve, moderado ou grave) presentes em uma amostra de 104 pessoas diagnosticadas com TAS, das quais 66 apresentavam também sintomas depressivos, 12 tinham outros sintomas ansiosos, três faziam uso abusivo de substâncias e 23 não exibiam nenhuma comorbidade. Dos participantes que apresentavam TDM comórbido, 30 apresentavam somente o TDM, enquanto 24 tinham TDM e outros transtornos de ansiedade. Nesse sentido, realizou-se um delineamento não experimental, em que a amostra foi caracterizada a partir das variáveis sociodemográficas (idade, sexo, nível de escolaridade, trabalho/atividade ocupacional e de medicamento psiquiátrico) e clínicas presentes (diagnóstico de TAS e sintomas depressivos), bem como com os resultados obtidos com o BDI-II. Além disso, fez-se uma correlação entre os níveis da BDI-II e do SPIN, utilizando-se uma amostra total de 104 pessoas.

2.2 Participantes

Os participantes deste estudo foram selecionados a partir de um banco de dados preexistente, originado de um trabalho que se constitui como um ensaio clínico randomizado que objetivou comparar o efeito de duas intervenções cognitivo-comportamentais sobre os sintomas de ansiedade social (Neufeld, 2017).

Para a composição desse banco de dados, foi necessário um processo de divulgação (em faculdades, postos de saúde e hospitais), em que se divulgou a oportunidade de pessoas participarem de uma pesquisa com intervenção gratuita para TAS, contudo diferentes participantes com distintas queixas buscaram o tratamento. Dentre as manifestações de interesse, 158 participantes enviaram seus dados pessoais e marcaram entrevistas iniciais, dos quais 148 realizaram a avaliação inicial. Desse grupo, 44 foram excluídos da pesquisa por não apresentarem TAS como diagnóstico primário e terem idade inferior a 18 anos ou superior a 45 anos. Assim, a pesquisa contou com 104 pessoas diagnosticadas com TAS primário, com idades entre 18 e 45 anos.

Além disso, foram critérios de exclusão: a presença de sintomas psicóticos e déficits cognitivos acentuados, estar em terapia e não desejar interromper o tratamento, bem como a utilização de medicamento psiquiátrico há menos de um mês.

2.3 Instrumentos

A amostra clínica foi caracterizada a partir das variáveis sociodemográficas (idade, sexo, nível de escolaridade, trabalho/atividade ocupacional e de medicamento psiquiátrico). Ademais, os instrumentos foram utilizados para realizar o diagnóstico de TAS e avaliar a presença de comorbidades. Além disso, avaliaram-se sintomas depressivos, de ansiedade e de ansiedade social.

Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica - Structured Clinical Interview for DSM-IV - Clinician Version - SCID-CV (First, Spitzer, Gibbon, & Williams, 1997): a entrevista tem por objetivo elaborar um diagnóstico psiquiátrico de acordo com os critérios do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV. O instrumento é composto por seis módulos diagnósticos, e, no presente estudo, foram utilizados, além do módulo para diagnóstico de TAS, os módulos A (episódios de humor), B (sintomas psicóticos e associados), E (transtornos do uso de álcool e outras substâncias) e F (transtornos de ansiedade e outros transtornos), visando ao diagnóstico de comorbidades. A entrevista foi validada no Brasil por Del-Ben et al. (2001), em que se encontraram bons índices de confiabilidade, obtendo-se um coeficiente ponderado de confiabilidade para diagnóstico principal 0,83.

Inventário de Fobia Social - SPIN (Connor et al., 2000): é uma escala de autorrelato, composta por 17 itens, que objetiva mensurar sintomas físicos, o medo e a evitação de situações sociais presentes no TAS. O escore pode variar de 0 a 68, e, segundo Connor et al. (2000), o SPIN apresenta maior sensibilidade para a avaliação de sintomas de ansiedade social com ponto de corte 19. Na versão original em inglês, o instrumento demonstrou boa consistência interna (alfa variando de 0,82 a 0,94) e boa confiabilidade teste-reteste, em que o coeficiente de correlação de Spearman variou de 0,78 a 0,89. Foi adaptado para o contexto brasileiro por Osório, Crippa e Loureiro (2009), e se obteve uma correlação adequada dos itens, variando de 0,44 a 0,71, bem como da consistência interna, que variou entre 0,71 e 0,90.

Inventário de Depressão de Beck - BDI-II (Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961): é uma escala de autorrelato composta por 21 itens, os quais permitem uma classificação de níveis de intensidade da depressão: de 0 a 11 pontos = depressão mínima; de 12 a 19 = leve; de 20 a 35 = moderada; e de 36 a 63 = grave. As estimativas de fidedignidade do estudo original variam entre 0,79 e 0,90, o que representa uma satisfatória consistência interna tanto em grupos clínicos como não clínicos (Beck et al., 1961). Cunha (2001) adaptou o instrumento original para o português, e a versão mais recente foi adaptada por Gorenstein, Pang, Argimon e Werlang (2011). Neste estudo mais recente, o coeficiente alfa de consistência interna do instrumento foi de 0,93, enquanto o coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,89, o que corroborou a fidedignidade e validade para a população brasileira.

2.4 Procedimentos de coleta e análise dos dados

Inicialmente, realizou-se um amplo processo de divulgação da pesquisa en tre o final de 2014 e o início de 2015, a partir da fixação de fôlderes em unidades de saúde e universidades, bem como com a utilização de mídias locais. O fôlder apresentava brevemente o conceito de ansiedade social com a seguinte explicação: "Medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho; Temor em agir de modo humilhante ou vergonhoso; Situações sociais são evitadas ou suportadas com intenso pavor". Além disso, apresentava brevemente a terapia cognitivo-comportamental. No fôlder, era indicado que o interessado deveria mandar um e-mail para um endereço criado exclusivamente para a pesquisa com alguns dados pessoais.

Os participantes interessados deveriam se inscrever via e-mail e informar um número de contato telefônico, por meio do qual se agendava uma entrevista presencial visando ao preenchimento dos questionários e à realização da entrevista diagnóstica. Os escores superiores a 19 pontos no SPIN indicam a presença de sintomas de TAS, e, com isso, o diagnóstico era confirmado por meio da SCID-CV. Tendo em vista os cuidados éticos envolvidos na pesquisa, os participantes que não preencheram os critérios de inclusão foram encaminhados para outros serviços de saúde, quando necessário.

Os dados coletados foram inseridos em um banco de dados e analisados com o auxílio do pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 16.0 (Nie, Hull, & Bent, 2003). Primeiramente, realizou-se uma análise descritiva da amostra clínica a partir dos dados demográficos e verificaram-se os níveis de depressão da amostra de acordo com os resultados no BDI-II.

Realizou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov na amostra total, no qual se obteve p > 0,05 para todas as variáveis, considerando a distribuição normal da amostra e a utilização de estatística paramétrica. Assim, em um segundo momento, por meio de uma análise inferencial, utilizou-se o teste t para amostras independentes, com o propósito de verificar a significância das diferenças das médias obtidas nos desfechos por meio dos dados sociodemográficos e clínicos. Além disso, calculou-se uma estimação de tamanho de efeito por meio do coeficiente d de Cohen, em que d < 0,19 = efeito insignificante; > 0,20 = pequeno; > 0,50 = médio; > 0,80 = grande; e > 1,30 = muito grande. Aplicou-se também o teste de correlação r de Pearson para averiguar a correlação entre a intensidade da ansiedade social e a dos sintomas depressivos, podendo ser classificados em correlações de efeito pequeno, médio ou grande, nos valores: 0,10, 0,30 e 0,50 (Cohen, 1992). Por fim, foram consideradas diferenças estatisticamente significativas aquelas com p < 0,05.

2.5 Aspectos éticos

O presente projeto de pesquisa faz parte de um projeto de Auxílio Regular à Pesquisa que contou apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O projeto foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e aprovado em 21 fevereiro de 2014 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 23789213.2.0000.5407). Assim, a presente pesquisa já possui aprovação do CEP, podendo ser utilizados os dados armazenados em banco de dados para realização de análises.

 

3. Resultados

A amostra foi composta por 59,6% (n = 62) de pessoas do sexo feminino, sendo a média de idade de 28,77 anos (±5,70), em que 57,7% (n = 60) das pessoas exerciam alguma atividade remunerada. Além disso, quase a metade da amostra, 43,3% (n = 45), possuía ensino superior completo, 27,9% (n = 29) tinham superior incompleto e 26,9% (n = 28) haviam completado apenas o ensino médio.

Ademais, 65,4% (n = 68) das pessoas não possuíam histórico familiar de transtorno psiquiátrico e 68,3% (n = 71) não faziam uso de medicamentos psiquiátricos. Além disso, 76,9% (n = 80) não possuíam diagnóstico prévio de TAS, bem como foi encontrada comorbidade de outros transtornos psiquiátricos em 76,0% (n = 79) das pessoas, principalmente TDM em 63,5% (n = 66) e transtorno de ansiedade generalizada em 34,6% (n = 36), os quais apareceram como comorbidade conjunta em 23,1% (n = 24) dos casos. O valor médio do SPIN observado foi de 44,17 pontos (± 10,13), e a média do BDI-II foi de 20,20 pontos (± 9,60), valor indicativo de depressão moderado. Verificou-se que a 44,2% (n = 46) das pessoas pontuaram sintomas depressivos moderados na BDI-II.

Não houve resultados estatisticamente significativos com relação à diferença de médias dos escores do SPIN entre as categorias das variáveis referentes à realização de um trabalhar formal (t (102) = 0,534, p = 0,732, d = 0,06) e ao fato de a pessoa já ter sido diagnosticada com TAS previamente (t (102) = 1,328, p = 0,305, d = 0,24). Isso também foi observado entre os escores da BDI-II, as variáveis trabalho formal (t (102) = -1,610, p = 0,148, d = 0,28) e o diagnóstico prévio (t (102) = 1,536, p = 0,089, d = 0,36). As pessoas do sexo feminino apresentaram, em média, maiores níveis de sintomas de ansiedade social (t (102) = 2,950, p < 0,01, d = 0,58), não havendo diferenças significativas para os níveis de sintomas depressivos (t (102) = 1,775, p = 0,07, d = 0,35). Ademais, com relação ao uso de medicamento e comorbidade, verificou-se que as pessoas que faziam uso de algum medicamento psiquiátrico (t (102) = 2,939, p < 0,01, d = 0,61) e as que apresentavam algum tipo de comorbidade (t (102) = 4,503, p < 0,01, d = 1,08) exibiram maiores escores de sintomas depressivos quando comparadas às pessoas que não faziam uso de medicamento psiquiátrico ou que não apresentavam comorbidade, respectivamente. Ainda com relação à presença de comorbidade, as pessoas que apresentavam alguma comorbidade obtiveram escores maiores no SPIN, exibindo, portanto, maiores níveis de sintomas de ansiedade social (t (102) = 2,345, p < 0,03, d = 0,52).

Além disso, verificou-se que obtiveram maiores níveis de ansiedade social as pessoas que exibiram sintomas depressivos em níveis clinicamente significativos (moderado ou grave), quando comparadas às pessoas que obtiveram sintomas depressivos mínimo ou leve (não clinicamente significativo) (t (102) = -3,710, p < 0,00, d = 0,73).

 

 

Por fim, utilizaram-se os dados de todos os participantes do estudo (amostra clínica e sem sintomas clínicos), e, por meio do teste de correlação r de Pearson, constatou-se que a maior pontuação no SPIN está positivamente correlacionada com a maior pontuação no BDI-II (r = 0,42), e tal correlação possui um efeito médio e também significativo (p < 0,01). Ou seja, verificou-se que, quanto maiores os níveis de ansiedade social, maiores foram os níveis de sintomas depressivos, conforme apresentado na Tabela 3.2. Além disso, verificou-se que a idade está positivamente relacionada com a pontuação no SPIN (r = 0,23, p = 0,01), em que quanto maior a idade, maior a pontuação em sintomas de ansiedade social.

 

 

4. Discussão

O presente estudo identificou a associação entre a intensidade dos sintomas de ansiedade social e a severidade dos sintomas depressivos em uma amostra de pacientes com diagnóstico de TAS. Da mesma forma, caracterizou a correlação entre tal sintomatologia e a presença de comorbidades psiquiátricas com a intensidade dos sintomas depressivos e de ansiedade social em tais pacientes. Ademais, identificou a maior intensidade dos sintomas investigados no sexo feminino.

De acordo com os dados obtidos, houve a prevalência de pessoas do sexo feminino na amostra, o que confirma a literatura que indica a maior prevalência de TAS entre as mulheres na população em geral (APA, 2013). Os estudos também mostram que o TAS se relaciona com desemprego e menores níveis de escolaridade (APA, 2013; Nardi, Quevedo, & Silva, 2014), entretanto, neste estudo, encontrou-se um maior número de pessoas com escolaridade de nível superior completo. Tendo em vista que o estudo foi desenvolvido dentro do câmpus universitário e não em centros de saúde, os dados relativos ao nível de escolaridade podem ter sofrido influência das características específicas da amostra recrutada.

Apesar de não terem sido encontradas diferenças estatísticas entre trabalhar ou não com relação aos níveis de ansiedade social e sintomas depressivos, 42,3% das pessoas não exerciam atividade remunerada. Considerando que a idade média da amostra foi de aproximadamente 30 anos, era esperado que mais pessoas estivessem incluídas no mercado de trabalho. O importante número de indivíduos que não trabalham observados na amostra deste estudo vai ao encontro dos dados observados na literatura, que indica maiores níveis de desemprego entre indivíduos com TAS (APA, 2013; Nardi, Quevedo, & Silva, 2014). Ademais, observou-se uma elevada porcentagem de ausência de diagnóstico prévio de TAS, em que 76,9% das pessoas nunca haviam sido diagnosticadas, o que pode indicar que o TAS ainda é um quadro subdiagnosticado. As principais razões apontadas pela literatura para o subdiagnóstico do TAS referem-se ao mascaramento dos sintomas em função das comorbidades e à relutância dos próprios pacientes em comentar sobre suas dificuldades (Dams et al., 2017).

Outro dado relevante é que, mesmo quando as pessoas com TAS procuram tratamento, apenas 15% realmente o iniciam (Heeren, Mogoaşe, McNally, Schmitz, & Philippot, 2015). É importante ressaltar ainda que 68,3% dos participantes com TAS não faziam uso de medicamento psiquiátrico. Os indivíduos que faziam uso apresentavam níveis maiores de sintomas depressivos quando comparados com aqueles que não consumiam esse tipo de medicamento. Esse dado vai ao encontro da literatura que aponta que indivíduos com TAS tendem a buscar tratamento quando há alguma comorbidade associada ao transtorno, principalmente depressão (Adams et al., 2016).

Evidenciou-se também que os indivíduos com comorbidade apresentavam maiores níveis de sintomas depressivos e de ansiedade social. Tal informação corrobora a literatura que aponta para a alta presença de depressão em pessoas com TAS (Stein et al., 2001; Wong et al., 2014). Além disso, esse dado reforça um dado da literatura: a presença de comorbidade, principalmente depressão, aumenta a gravidade dos sintomas do TAS (ansiedade social e evitação social), o que resulta em maiores comprometimentos funcionais, ocupacionais e na qualidade de vida (Adams et al., 2016; Wong et al., 2014). Autores apontam que os pacientes com TAS desenvolvem quadros depressivos em função da síndrome de desmoralização, na qual a experiência de vivenciar ansiedade intensa crônica e as limitações acarretadas pela inibição social levam à ocorrência de sintomas depressivos (Nardi et al., 2014).

Em média, o valor do BDI-II foi indicativo de depressão moderada, com um desvio padrão elevado, o que sugere uma diversificação da gravidade de sintomas de depressão na amostra. Ademais, mais da metade das pessoas possuía TDM como diagnóstico secundário, e 44,2% das pessoas pontuaram depressão moderada (indicativo de valor clínico), valor superior aos 20% de sintomas moderados encontrados no estudo de Cecconello et al. (2013). Os resultados deste estudo indicam que os indivíduos que exibiram sintomas depressivos em níveis clinicamente signi ficativos apresentaram maiores níveis de ansiedade social, bem como verificou-se que maiores níveis de ansiedade social estavam positivamente correlacionados com maiores níveis de sintomas depressivos. Tais dados evidenciam a relação existente entre depressão e ansiedade social, e corroboram os achados da literatura que indicam que o TAS é um preditor de depressão (APA, 2013).

Entretanto, é importante salientar que o desenho do presente estudo não permite inferências de causalidade, portanto não podemos testar tais hipóteses e premissas, uma vez que não foi utilizado o método longitudinal no delineamento desta pesquisa. A presença de depressão implica maiores prejuízos psicossociais, aumentando a gravidade do TAS. Tal associação reforça a necessidade de diagnósticos mais refinados para o quadro de TAS, de modo que tal condição seja identificada e tratada o mais cedo possível, diminuindo assim a probabilidade de agravamento dos sintomas e prejuízos associados à ansiedade social, e o desenvolvimento de um TDM (Adams et al., 2016; Stein et al., 2001). Algumas limitações metodológicas também podem ter influenciado os resultados do estudo, tais como a amostra ser decorrente de um centro universitário e não recrutada em unidades de atendimento de saúde mental. Com isso, acredita-se que seria benéfica a realização de outros estudos brasileiros com essa população. Por fim, a utilização de psicofármacos também pode ser considerada uma limitação do estudo, interferindo em todas as variáveis estudadas.

Portanto, na população clínica estudada, a intensidade dos sintomas de ansiedade social e depressivos apresentou-se correlacionada. Assim, evidenciou-se a ocorrência conjunta de distintas disfuncionalidades em indivíduos com o diagnóstico de TAS, de modo que tal caracterização proporciona elevado potencial para agravamento do quadro clínico.

 

Referências

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Correspondência:
Bruna Filliettaz Rios
Rua Rui Barbosa, 505, apto 62, Centro
Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14015-120
E-mail: rios.bruna@hotmail.com

Submissão: 26/04/2019
Aceite: 23/06/2020
Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

 

 

Nota dos autores
Bruna F. Rios,
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Departamento de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP); Priscila de C. Palma, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Departamento de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP); Kátia Alessandra de S. Caetano, East Behavior Therapy Center; Luciano D. de Mattos, Faculdade de Psicologia, Universidade Católica de Pelotas (UCPel); Carmem Beatriz Neufeld, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Departamento de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP).

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