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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.22 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2020

 

ARTIGOS
PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Caracterização e aspectos psicológicos de pacientes com disfunção erétil

 

 

Pedro Junior R. CoutinhoI; Carmen Silvia C. E. FernandesI,II; Fernando N. Facio JrIII; Maria Cristina de O. S. MiyazakiIII

IServiço de Psicologia do Hospital de Base, São José do Rio Preto, SP, Brasil
IIUnião das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), São José do Rio Preto, SP, Brasil
IIIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo caracterizar pacientes com disfunção erétil (DE) avaliados pelo psicólogo que participa da equipe de urologia de um hospital de ensino. Foram analisados os seguintes dados dos prontuários de pacientes atendidos entre janeiro de 2011 e abril de 2015: 1. encaminhamento do urologista, com diagnóstico e motivo da solicitação para avaliação psicológica e 2. prontuário psicológico do paciente, arquivado no ambulatório de psicologia. Analisaram-se dados de 233 pacientes do sexo masculino, com média de idade 57,34 ± 1,18 e alta prevalência da DE de causa orgânica (72,1%). Fatores orgânicos, psicológicos e estilo de vida associados à etiologia da DE foram identificados: comportamentais (tabagismo e etilismo), idade avançada, câncer de próstata, ejaculação precoce, depressão e ansiedade. Os dados indicam a importância da avaliação psicológica associada ao diagnóstico médico da DE para fornecer o tratamento adequado.

Palavras-chave: disfunção erétil; caracterização; avaliação psicológica; psicologia da saúde; pacientes ambulatoriais.


 

 

1. Introdução

Disfunção erétil (DE) é a incapacidade persistente ou recorrente para conseguir e manter uma rigidez peniana suficiente para uma relação sexual satisfatória (Yafi et al., 2016). No Brasil, a DE afeta 45% da população com idade superior a 18 anos e 52% dos homens com idade entre 40 e70 anos (Gonzáles et al., 2013).

Atualmente, evidências sugerem que mais de 80% dos casos de DE têm etiologia orgânica (por exemplo, vascular, endócrina, neurológica, associada ao envelhecimento dos tecidos, decorrente de cirurgia ou medicação). Entretanto, mesmo quando causada por fatores orgânicos, a DE frequentemente envolve componentes psicológicos em função do seu impacto negativo sobre "as relações interpessoais, o humor e a qualidade de vida" (Yafi et al., 2016, p. 1). Uma revisão sistemática sobre o impacto psicossocial da DE concluiu que ela afeta o funcionamento físico, psicológico e social do paciente e que esses aspectos devem ser abordados durante o tratamento. Quando inclui aspectos físicos e psicológicos, o tratamento da DE tende a ser mais efetivo (McCabe & Althof, 2014).

Fatores psicológicos são responsáveis por 10% a 20% dos casos de DE, que é então denominada DE psicogênica. Embora menos estudada que a de causa orgânica, deve ser sempre investigada. Sintomas que auxiliam no diagnóstico da DE psicogênica incluem: início abrupto, caráter intermitente, perda da manutenção da ereção, ereção noturna de qualidade e excelente resposta aos inibidores de fosfo diesterase-5 (por exemplo, sildenafila, tadalafila e vardenafila). Já a DE orgânica é de origem gradual e progressiva, a baixa resposta a estímulos é consistente, e a ereção é melhor quando o homem está em posição ereta (Yafi et al., 2016).

Pesquisas sobre avaliação e tratamento da DE, independentemente de sua etiologia, sugerem que fatores psicológicos (por exemplo, depressão e ansiedade), relacionados ao cônjuge ou parceiro(a), situacionais e relacionados a estressores da vida diária devem ser sempre investigados (Brotto et al., 2016).

Existe uma forte associação entre humor deprimido e funcionamento sexual (Brotto et al., 2016). Essa associação é vista como bidirecional, isto é, "o humor deprimido pode prejudicar a excitação sexual e causar DE, e a redução da atividade sexual e a insatisfação com a vida sexual podem desencadear sintomas depressivos" (Rajkumar, & Kumaran, 2015, p. 114). Além disso, o uso de medicamentos antidepressivos pode afetar negativamente a vida sexual (Brotto et al., 2016).

A associação entre ansiedade e DE também tem sido investigada, e os homens com o problema apresentam níveis mais altos de ansiedade quando comparados àqueles sexualmente saudáveis. Transtorno de pânico e ansiedade relacionada ao desempenho sexual estão associados à DE, e uma prevalência de transtornos de ansiedade que variou de 2,5% a 37% foi identificada em homens com o problema (Brotto et al., 2016).

Diversas doenças e comportamentos relacionados à saúde estão também associados à DE, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia, doenças neurológicas, distúrbios hormonais, uso crônico de alguns medicamentos e distúrbios psicológicos (Sarris et al., 2016). Fatores socioeconômicos, como baixa renda e baixo grau de escolaridade, desemprego e estado civil solteiro estão também associados à presença de dificuldades de ereção (Abdo, Oliveira, Scanavino, & Martins, 2006).

Com base em uma revisão sistemática da literatura, diversas recomendações foram feitas para auxiliar na compreensão e no manejo adequado das disfunções sexuais, inclusive a DE (Brotto et al., 2016). Segundo essas recomendações, é preciso:

• Considerar variáveis constitucionais e relativas ao desenvolvimento e utilizar o modelo biopsicossocial de saúde; avaliar precocemente pacientes que realizaram cirurgia de hipospádia; fornecer apoio psicológico ao paciente durante todo o acompanhamento; abordar identidade de gênero e orientação sexual; avaliar ansiedade para contato sexual associada a experiências na infância; investigar história de abuso sexual.

• Considerar traços ou estilos individuais, como fatores de personalidade; identificar esquemas cognitivos disfuncionais e utilizar restruturação cognitiva para modificá-los; avaliar padrões de excitação e de inibição sexual.

• Considerar estágio de vida atual e envelhecimento, como funcionamento e satisfação sexual em pacientes que apresentam infertilidade e durante o período pós-parto; avaliar saúde sexual e presença de doenças e de transtornos mentais prevalentes em pacientes mais velhos; investigar eventos adversos ao longo da vida e sintomas resultantes desses eventos, como ansiedade e depressão.

• Analisar fatores relacionados ao processamento psicológico, como atribuição causal aos eventos sexuais negativos; expectativas positivas e negativas de eficácia em relação ao desempenho sexual; pensamentos durante a atividade sexual; ansiedade e humor deprimido relacionados à atividade sexual.

• Avaliar a saúde mental para identificar, por exemplo, presença de estresse, de depressão, de transtornos de ansiedade, de transtorno de estresse pós-traumático e abuso de substâncias.

• Analisar aspectos interpessoais e de relacionamento, incluindo aqui a avaliação do cônjuge ou parceria, inclusive presença de doenças que podem afetar o funcionamento sexual e a qualidade da relação.

De acordo com a sua etiologia e gravidade, três possíveis linhas de tratamento estão disponíveis para a DE. A primeira inclui psicoterapia/terapia sexual e/ ou medicamentos via oral; a segunda envolve ereção fármaco-induzida, terapia intrauretral e dispositivos a vácuo; e a terceira consiste no implante de prótese peniana. Caso uma linha de tratamento não obtenha êxito, utiliza-se a seguinte, após criteriosa avaliação que deve considerar a idade, a presença de comorbidades, as expectativas do paciente e/ou da parceria quanto à atividade sexual e os aspectos socioeconômicos e culturais do casal (Abdo & Afif-Abdo, 2012). Recomendações baseadas na eficácia das intervenções para DE incluem o uso de psicoterapia de casal ou de grupo, associada à medicação (Brotto et al., 2016). Psicólogos que atuam na área da saúde têm integrado com frequência diferentes equipes multi e interdisciplinares. No Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, um hospital de ensino de alta complexidade, um psicólogo integra a equipe de urologia e avalia e orienta pacientes com DE atendidos no ambulatório de urologia. Os dados da avaliação psicológica são utilizados pela equipe para compreender o funcionamento do paciente e auxiliar na escolha de recomendações terapêuticas. Com base na literatura e em observações clínicas do atendimento psicológico realizado na equipe de urologia, algumas hipóteses foram formuladas: pacientes mais velhos apresentam mais DE de causa orgânica; a DE está associada a sintomas de ansiedade e de depressão; maior escolaridade associada a menos sintomas de ansiedade e de depressão; pacientes em união estável e pacientes mais velhos têm maior vulnerabilidade para apresentar sintomas de ansiedade e de depressão.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi caracterizar os pacientes com DE que foram atendidos pelo psicólogo da equipe de urologia entre janeiro de 2011 e maio de 2015.

 

2. Método

Trata-se de estudo retrospectivo descritivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - Famerp (Parecer n. 1.385.181).

2.1 Participantes

Participaram 233 homens adultos com queixa de DE de origem psicológica ou mista (orgânica e psicológica), atendidos no serviço de urologia do Hospital de Base, que foram encaminhados para o psicólogo que integra a equipe. A Figura 2.1.1 apresenta o fluxograma do atendimento a esses pacientes.

 

 

2.2. Procedimento

Os dados deste estudo foram obtidos a partir da análise dos prontuários psicológicos de pacientes com DE, atendidos no referido serviço, no período entre janeiro de 2011 e maio de 2015. Após consulta médica, o paciente recebe encaminhamento para avaliação psicológica, que é imediatamente agendada. Na data marcada, o paciente comparece ao ambulatório de psicologia e é atendido pelo psicólogo que integra a equipe de urologia. É realizada uma entrevista inicial semidirigida que avalia a presença de transtornos sexuais psicogênicos, presença de suporte social da parceria e outras queixas trazidas pelo paciente. Uma nova sessão é então agendada para aplicação dos seguintes instrumentos: Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale - HADS) e Questionário Índice Internacional de Função Erétil (IIFE5). Quando o paciente tem parceria/ união estável, o cônjuge é convidado a comparecer ao ambulatório para receber orientações que auxiliem no manejo do problema. A terceira sessão de avaliação envolve uma devolutiva do processo e orientações sobre tratamento quando necessário (por exemplo, retorno à consulta médica com relatório psicológico incluído no prontuário; psicoterapia sexual; psicoterapia individual ou de casal).

O atendimento psicológico dos pacientes, cujos dados foram analisados neste estudo, incluiu:

Entrevista semiestruturada: avalia a presença de transtornos sexuais psicogênicos, presença de suporte social da parceria e outras questões pessoais que podem interferir com a disfunção. Inclui: 1. dados de identificação; 2. queixa; 3. história sexual; 4. história e presença atual de doenças e transtornos mentais; 5. relacionamento com a parceria; 6. outras questões que podem contribuir para a disfunção.

Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS): o objetivo desse instrumento de autorrelato desenvolvido por Zigmond e Snaith (1983) é identificar casos (possíveis ou prováveis) de transtornos de ansiedade e/ou depressão leves em populações não clínicas. A versão brasileira da HADS, traduzida e validada, conta com 14 questões que visam identificar presença de sintomas de ansiedade e depressão. Sete questões são voltadas para a avaliação da ansiedade e sete para a depressão. Cada um dos itens da HADS pode ser pontuado de 0 a 3, compondo uma pontuação máxima de 21 pontos para cada escala, e apresenta como ponto de corte: sem ansiedade de 0 a 8, com ansiedade > 9, e sem depressão de 0 a 8, com depressão > 9. As escalas (de ansiedade e depressão) apresentaram consistência interna de 0,68 e 0,77, respectivamente. O escore de corte 8/9 indicou sensibilidade de 93,7% e 72,6% para ansiedade e 84,6% e 90,3% para depressão (Botega, Bio, Zomignani, Garcia, & Pereira, 1995).

Questionário Índice Internacional de Função Erétil (IIFE5): versão resumida de questionário multidimensional com 15 perguntas que abordam pontos relevantes da função sexual masculina: função erétil, função orgásmica, desejo sexual, satisfação na relação sexual e satisfação global. O instrumento foi traduzido e validado para o português e possui sensibilidade e especificidade adequadas para detectar alterações relacionadas com a DE (Gonzáles et al., 2013). De acordo com as respostas, a DE pode ser classificada de grave a ausente. A versão resumida do questionário (inclui questões de 1 a 5 e questão 15 do questionário original) avalia apenas a função erétil e a confiança do paciente em obter uma ereção. O escore de cada questão apresentada é seguido de escores numéricos de 0 a 5, e apenas uma alternativa deve ser escolhida. Posteriormente, é feito o somatório das opções assinaladas e gerado um escore que varia de 0 a 30, que fornece a seguinte classificação: 0-6 = grave, 7-12 = moderada, 13-18 = de moderada a leve e 19-24 = leve (Rosen, Cappelleri, & Gendrano III, 2002).

Realizou-se o diagnóstico de DE de acordo com a literatura especializada como orgânica, psicológica e mista (orgânica e psicológica) (Cavalcanti & Cavalcanti, 2012).

Os dados foram analisados de forma quantitativa, com estatística descritiva e testes não paramétricos (qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher).

 

3. Resultados

No período entre janeiro de 2011 e maio de 2015 (quatro anos e cinco meses), foram atendidos no ambulatório de urologia 45.657 pacientes. Destes, 233 chegaram ao ambulatório com hipótese diagnóstica de disfunção sexual não devida a um transtorno ou a uma doença orgânica não especificada. Após consulta com o urologista da instituição, a maioria (n = 168; 72,1%) desses pacientes recebeu diagnóstico de DE de causa orgânica; 45 (19,3%), de DE psicológica; e 20 (8,6%), de DE mista (orgânica e psicológica).

A idade variou de 18 a 83 anos (média: 57,34 ± 1,18). Dos pacientes, 166 (71,2%) eram brancos; 5 (2,15%), negros; 28 (12,0%), pardos; houve ausência de dados em 34 casos (14,6%). Quanto ao estado civil, 127 (54,5%) eram casados; 20 (8,6%), divorciados; 38 (16,3%), solteiros; 8 (3,4%), viúvos; 9 (3,9%) viviam em união estável; e houve ausência de dados em 31 casos (13,3%). Sobre a escolaridade, 135 (57,9%) tinham ensino fundamental; 33 (14,2%), ensino médio; seis (2,6%), ensino superior; 5 (2,1%) eram analfabetos; e houve ausência de dados em 54 casos (23,2%).

Os pacientes foram também agrupados por faixa etária de acordo com as diferentes causas de DE. Causas orgânicas foram mais frequentes entre pacientes na faixa de 60 e 69 anos (n = 65; 38,7%), psicológicas na faixa entre 50 e 59 anos (n = 15; 33,3%) e causas mistas entre 60 e 69 anos (n = 10; 50,0%). As principais comorbidades para os pacientes com DE de causa orgânica foram câncer de próstata, diabetes mellitus, cardiopatias e outros fatores, como tabagismo e etilismo. Houve diferença significativa na análise comparativa dos dados demográficos entre gravidade da DE (leve, moderada e grave) e cor branca (Tabela 3.1).

 

 

Houve maior frequência de DE de causa orgânica em pacientes mais velhos (qui-quadrado: p = 0,0031) e com menor escolaridade (qui-quadrado: p < 0,0001). Pacientes casados apresentaram com maior frequência DE de causa orgânica (qui-quadrado: p < 0,0001).

Houve diferença significativa entre pacientes com e sem sintomas de ansiedade em relação à raça e ao estado civil. A maioria dos pacientes sem sintomas de ansiedade era branca, e, entre aqueles com ansiedade, havia uma proporção maior de pardos e negros (Tabela 3.2). Com relação ao estado civil, no grupo com sintomas de ansiedade houve um equilíbrio entre casados (ou em união estável) e solteiros. Já no grupo sem ansiedade, a maioria era de pacientes casados (Tabela 3.2). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a sintomas de depressão (Tabela 3.2).

 

 

A Tabela 3.3 indica que os sintomas psicológicos (ansiedade e depressão) estiveram mais associados a casos de DE leve e moderada e não à DE grave. Esse dado é corroborado pelos dados da Tabela 3.4, que mostra que os pacientes com DE grave tinham, majoritariamente, causas orgânicas de DE e não psicológicas ou mistas.

 

 

 

 

4. Discussão

As características dos pacientes avaliados pela psicologia estão de acordo com estudos nacionais e internacionais de prevalência (Moreira, Glasser, Santos, & Gingell, 2005; Gonzáles et al., 2013; Colson, Cuzin, Faix, Grellet, & Huyghes, 2018), que associam a DE à idade mais avançada. A idade, portanto, é um importante fator de risco para o desenvolvimento da DE, uma vez que está também associada a maior risco para doenças orgânicas e psicológicas (Abdo et al., 2006; Sarris et al., 2016). Os pacientes mais velhos hoje parecem ser mais afetados, em função de sua maior vulnerabilidade às doenças crônicas, que, por sua vez, aumentam a probabilidade de DE (Colson et al., 2018). A DE de causa orgânica foi identificada como a mais prevalente neste estudo. Estudos apontam que a DE apresenta uma associação com quadros clínicos orgânicos e fatores psicológicos, sendo difícil classificar os percentuais somente de causas orgânicas.

Mesmo em casos de DE orgânica, há influência de fatores psicológicos como agravantes ou mantenedores do quadro. Na maioria dos casos, existe interação complexa de fatores de risco biológicos, psicológicos e sociais (Cavalcanti & Cavalcanti, 2012). De acordo com a literatura, a presença da DE afeta negativamente o relacionamento do casal (Nguyen, Gabrielson, & Hellstrom, 2017). A idade mais elevada e a baixa escolaridade dos pacientes podem estar também relacionadas com esse dado, pois a idade aumenta a vulnerabilidade às doenças crônicas. Além disso, baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico são fatores consistentemente associados a piores condições de saúde e maior vulnerabilidade às doenças.

Para a DE de causa mista, houve associação principalmente com doenças crônicas, hábitos não saudáveis como tabagismo e etilismo, ejaculação precoce, ansiedade e depressão, todos fatores de risco para o desenvolvimento da DE, com predomínio de homens mais velhos. Esse resultado é semelhante ao de outro estudo que fez associação entre idade mais avançada e causas anteriormente citadas (Abdo et al., 2006).

Causa psicológica foi identificada em 19,3% dos pacientes avaliados neste estudo. Conforme a literatura, essa causa está presente entre homens jovens e com mais de 50 anos, e corresponde a 40% dos pacientes que apresentam DE, sendo classificada como causa exclusiva psicológica (Rosen et al., 2002). Está associada ao temor de desempenho, violência sexual, dificuldades de vivências com o diagnóstico de doenças estigmatizantes (HIV e câncer), dificuldades conjugais e econômicas, perda de cônjuge ou parentes próximos, ejaculação precoce de longa duração, baixa autoestima, depressão e ansiedade (Cavalcanti & Cavalcanti, 2012). Como em outros estudos, depressão, ansiedade e ejaculação precoce foram as causas psicológicas mais comuns entre os pacientes (Abdo et al., 2006; Heiden-Rootes et al., 2017).

Embora tenham sido identificados pacientes jovens com DE de causa psicológica, a maioria dos pacientes com essa etiologia tinha idade mais avançada. Todos foram encaminhados ao psicólogo pelo médico urologista.

A compreensão da etiologia do problema é fundamental para a definição do tratamento mais apropriado. Para pacientes com etiologia mista e psicológica da DE, a psicoterapia é a modalidade terapêutica que deve ser indicada (Cavalcanti & Cavalcanti, 2012). As técnicas de psicoterapia vêm se aperfeiçoando, de modo a atender esses pacientes, prevenir a depressão decorrente da dificuldade de ereção e fazem parte do tratamento de primeira linha para esse problema. Entre os objetivos estabelecidos, destacam-se os seguintes: identificar e trabalhar as resistências à intervenção médica que resultam em abandono do tratamento; reduzir a ansiedade de desempenho; entender o contexto em que o paciente faz sexo; e promover a psicoeducação e adequação do "roteiro sexual" do paciente. A eficácia da terapia depende de focar o prazer, reduzir a ansiedade, diminuir a ênfase no ato sexual e promover consciência das sensações sexuais. Podem otimizar os resultados: vínculo terapêutico e motivação/suporte da(o) parceira(o), estabelecimento de metas para o paciente e sua(seu) parceira(o). O foco da terapia sexual não deve ser só a melhora do desempenho, mas também o conforto sexual e o prazer (Abdo & Afif-Abdo, 2012).

A DE de causa orgânica ocorreu principalmente em indivíduos com mais de 40 anos (a maioria na faixa entre 60 e 69 anos). Como a DE relacionada a doenças orgânicas geralmente afeta homens com idade entre 40 e 70 anos, o aumento da idade está fortemente associado à elevação da prevalência da DE de causa orgânica. Esse dado é semelhante à literatura que apresenta indicativos que a DE é uma condição dependente da idade (Nicolosi et al., 2004).

As doenças mais frequentes foram diabetes, cardiopatia, câncer de próstata e depressão, as quais são consideradas fatores de risco para o desenvolvimento da DE, o que também foi confirmado por outros estudos (Abdo et al., 2006; Gonzáles et al., 2013; Heiden-Rootes et al., 2017). Entre a população mais vulnerável, estão os pacientes com diagnósticos de doenças crônicas que apresentam elevados níveis de risco para alta prevalência de DE (Colson et al., 2018).

O tratamento do câncer de próstata foi identificado neste estudo como a principal causa da DE, incidência semelhante à de outro estudo (Abdo et al., 2006). A associação do tratamento do câncer de próstata e da DE está relacionada às sequelas da cirurgia de prostatectomia radical (PR). Um estudo mostrou que a incidência da DE após a PR pode chegar a 60% (Reis, Rodrigues Netto, Reinato, Thiel, & Zani, 2004).

A média de idade dos pacientes tratados do câncer de próstata encontrada neste estudo foi de 42 anos (±1,18), o que é considerado incomum para o desenvolvimento da doença, que é mais prevalente em homens acima de 65 anos (Goulart, 2012). É possível que o diagnóstico de câncer de próstata em pacientes mais jovens se deva às frequentes campanhas para prevenção do problema. Além disso, pacientes mais velhos atendidos pela equipe multidisciplinar de urologia recebem orientações para que seus filhos compareçam ao ambulatório para prevenção do problema e diagnóstico precoce, dado o caráter hereditário da doença.

É importante salientar possível associação entre DE e baixa escolaridade, resultado demonstrado neste estudo e que é semelhante ao obtido por Abdo et al. (2006), que também encontrou entre os indivíduos pesquisados baixo nível de escolaridade. O baixo nível de escolaridade pode ser associado à evolução do câncer de próstata, isto é, à falta de identificação precoce do problema, ao menor acesso a cuidados de saúde, à falta de informações adequadas sobre câncer de próstata e a tabus e conceitos errôneos sobre a prevenção da doença.

A maioria dos pacientes não apresentou sintomas psicológicos associados à DE, porém a avaliação psicológica foi importante para fortalecer e direcionar o tratamento e seguimento das possíveis causas. As alternativas terapêuticas disponíveis são subdivididas de acordo com as causas (curáveis ou não curáveis) e a gravidade da DE (Melnick, 2011). É possível que ocorram de forma concomitante as etiologias orgânica e psicológica, antes ou não da condição médica estabelecida; nesse caso, consideram-se especialmente os pacientes em tratamento para câncer de próstata.

No caso de pacientes com fatores de risco orgânicos associados (tabagismo, diabetes, níveis alterados de colesterol etc.), é fundamental a orientação na mudança no estilo de vida. Associada à investigação orgânica, a anamnese psicossexual do paciente com DE é componente fundamental do diagnóstico diferencial. Preferencialmente e quando possível, deve ser sugerida a participação da parceira. É por meio de uma história minuciosa que se consegue captar a maneira como o paciente encara a própria dificuldade, bem como as expectativas e necessidades (Rosen et al., 2002).

De acordo com este estudo, houve predomínio de homens com DE com idade acima de 50 anos e alta prevalência da DE de causa orgânica. A pesquisa foi realizada no ambulatório de urologia de um hospital de ensino de alta complexidade, em uma cidade de médio porte. Como o hospital é referência para uma ampla região do estado de São Paulo e para estados vizinhos, pacientes em vários estágios da doença são encaminhados para a instituição. Fatores orgânicos, psicológicos e de estilo de vida associados à DE foram identificados: hábitos não saudáveis (por exemplo, tabagismo e etilismo), idade avançada, câncer de próstata, ejaculação precoce, depressão e ansiedade, fatores que provocam grande impacto na autoestima, na qualidade de vida e nas relações interpessoais, o que torna a DE um marcador de saúde pública importante.

Falhas nas anotações dos prontuários dos pacientes foram encontradas e evidenciam a necessidade de aprimorar, por parte dos profissionais, o registro de informações em prontuários. Mais estudos sobre DE ainda são necessários para identificar necessidades específicas dessa população. Torna-se importante desenvolver ações de prevenção e educação voltadas para o homem. Os dados demons-tram a importância da avaliação psicológica associada ao diagnóstico médico da DE para determinar o tratamento adequado.

 

Referências

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Correspondência:
Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP
Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5.416, Vila São Pedro
São José do Rio Preto, SP, Brasil. CEP: 15090-000
E-mail: cmiyazaki@famerp.br

Submissão: 02/05/2019
Aceite: 25/06/2020

 

 

Nota dos autores
Pedro Junior R. Coutinho,
Serviço de Psicologia (Funfarme), Departamento de Psicologia (Famerp) e União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago); Carmen Silvia C. E. Fernandes, Serviço de Psicologia (Funfarme) e Departamento de Psicologia (Famerp), Serviço de Psicologia do Hospital de Base; Fernando N. Facio Jr., Departamento de Especialidades Cirúrgicas Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e Serviço de Urologia (Funfarme); Maria Cristina de O. S. Miyazaki, Departamento de Psicologia e Laboratório de Psicologia e Saúde Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).

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