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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.23 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPHD13506 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Habilidades de nomeação infantil e a qualidade dos ambientes

 

 

Elson F. CostaI; Lilia Iêda C. CavalcanteII; Dalízia A. CruzII; Giana B. FrizzoIII; Mário Diego R. ValenteIV

IUniversidade do Estado do Pará (Uepa), Belém, PA, Brasil
IIUniversidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
IVDepartamento de Trânsito, Belém, PA, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo relacionar a qualidade dos ambientes familiar, escolar e de vizinhança às habilidades de nomeação de crianças na educação infantil. Participaram desta investigação 64 crianças de 24 a 60 meses de idade e um familiar de cada uma. Foi aplicado o Teste Infantil de Nomeação, e, para mensurar a qualidade dos ambientes, adotaram-se o Índice de Pobreza da Família, o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar, o Instrumento de Qualidade da Vizinhança e a escala ECERS-R para o ambiente escolar. Foi identificado que 45,3% das crianças obtiveram escore alto no Teste Infantil de Nomeação. Desse modo, a relação entre as variáveis apontou que a renda e a escolaridade dos familiares, assim como as atividades conjuntas entre adultos e crianças, foram os fatores mais associados ao desfecho da linguagem, o que realça a importância de monitorar as habilidades de nomeação e os fatores de qualidade dos ambientes.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; linguagem; ambiente; comunicação oral; vocabulário expressivo.


 

 

1. Introdução

A linguagem oral é um sistema de princípios e regras que possibilita a codificação e decodificação de sons e símbolos para a conversão de conceitos ou ideias e produção da oralidade. O desenvolvimento da linguagem depende da complexa interação entre fatores individuais e ambientais (Alves et al., 2017; Horst & Torkildsen, 2019). Assim, espera-se que ambientes estimulantes e de boa qualidade sejam mais propícios à maturação neurológica e à aquisição de habilidades adequadas à idade cronológica da criança.

Entre as habilidades de linguagem oral, destaca-se o vocabulário expressivo que corresponde aos léxicos emitidos pela criança, a partir da capacidade semântica e da consciência fonológica. Essa habilidade pode ser avaliada pela quantidade de vocábulos que a criança é capaz de produzir e pela nomeação de palavras (Horst & Torkildsen, 2019). Desse modo, os testes infantis de nomeação avaliam a capacidade de a criança identificar uma informação ou um símbolo visual, acessar o conteúdo no campo léxico-semântico e articulá-lo verbalmente.

À medida que as crianças crescem e são inseridas em novos ambientes, a tendência é que essa habilidade seja aprimorada. Além disso, tal capacidade se relaciona ao processo de aquisição da leitura, escrita e socialização, sendo um importante indicador de distúrbios da linguagem (Horst & Torkildsen, 2019). Por isso, é importante avaliar a nomeação, especialmente na educação infantil, a fim de identificar previamente alterações no desenvolvimento da linguagem e fatores de risco do ambiente, e possibilitar intervenção precoce.

Diante disso, destaca-se a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (2011), a qual permite compreender o desenvolvimento por meio de quatro núcleos teóricos inter-relacionados: o processo (P), a pessoa (P), o contexto (C) e o tempo (T). Assim, é possível analisar as características da pessoa que se envolve em processos proximais pautados por interações entre organismo e ambiente, ao longo de dimensões temporais. Nessa teoria, o processo proximal é destacado como principal propulsor do desenvolvimento. Trata-se de formas particulares de interação entre pessoa e ambiente que se manifestam de maneira gradativa e variam de acordo com a complexidade das interações interpessoais e atividades realizadas, atuando na potencialização das capacidades genéticas e biológicas dos seres humanos.

Ressalta-se que dos processos proximais resultam dois tipos de resultado evolutivo: 1. efeito de competência, que ocorre por meio da aquisição ou do aperfeiçoamento de habilidades e capacidades, e 2. efeito de disfunção, em que o indivíduo tem dificuldades de manter a regulação de comportamentos nos diferentes domínios do desenvolvimento, sobretudo da linguagem. Ambos os resultados dependem da interação mútua entre pessoa e ambiente. Dessa maneira, espera-se que ambientes estáveis sejam mais propícios à manifestação do efeito de competência. Em contrapartida, em ambientes desorganizados ou de menor qualidade, a disfunção pode se manifestar de forma mais frequente (Bronfenbrenner, 2011).

Nessa perspectiva, de acordo com Bronfenbrenner (2011), conforme a criança se desenvolve, ela passa a interagir em diferentes ambientes ecológicos. Ambiente ecológico é uma organização de estruturas concêntricas, ou seja, subsistemas, que interagem mutuamente entre si e com a pessoa em desenvolvimento. Esses ambientes são denominados micro, meso, exo e macrossistema, e o primeiro deles é o ambiente imediato, no qual a criança estabelece atividades, papéis e relações interpessoais, como é o caso dos microssistemas familiar, escolar e de vizinhança.

Nesses termos, o microssistema familiar, geralmente, é o primeiro ambiente onde a criança é inserida, e sua qualidade remete aos tipos de cuidados e estímulos fornecidos pela família, com destaque ao suporte social e aos recursos. O suporte refere-se ao cuidado e apoio direcionados a criança, além da organização da rotina e da supervisão ou do acompanhamento oferecido a ela nas atividades diárias. Já os recursos correspondem aos materiais disponibilizados nesse ambiente, como móveis, objetos e brinquedos (Law, Rush, King, Westrupp, & Reilly, 2018; Marturano, 1999).

Outro microssistema em que a criança é inserida ainda na primeira infância é o ambiente de vizinhança. A sua qualidade pode ser determinada pelas condições de acesso dos moradores a serviços públicos e privados, como infraestrutura, oportunidade de lazer e acessibilidade, baixa exposição à poluição e violência, e aspectos relacionais, como coesão e interação social entre os vizinhos. Na ótica da bioecologia do desenvolvimento humano, a situação de vulnerabilidade social tem características macrossistêmicas que influenciam diretamente na qualidade dos ambientes familiar, escolar e de vizinhança, e repercutem nos processos desenvolvimentais que ocorrem nesses microssistemas. Assim, estudos têm considerado que a baixa qualidade desses ambientes está atrelada à interferência de múltiplos fatores de risco, entre eles a pobreza (Iruka et al., 2018; Morais, 2013; Tran, Luchters, & Fisher, 2017).

A pobreza é um fenômeno multifatorial e multidimensional, que se expressa de forma assimétrica em diferentes populações e regiões do Brasil. Em particular na Região Norte, na Amazônia, que se destaca negativamente pelo elevado índice de crianças abaixo de 6 anos que pertencem a famílias em situação de pobreza e habitam em bairros com recursos precários (Barros, Carvalho, & Franco, 2006; Costa, Cavalcante, & Dell'Aglio, 2015).

Entretanto, espera-se que o ambiente escolar, como as instituições de educação infantil, onde as crianças têm ingressado cada vez mais cedo, possa contribuir para a estimulação do desenvolvimento, especialmente nesse período crítico de maturação neurológica (Alves et al., 2017; Pianta, Downer, & Hamre, 2016). Porém, nem sempre a infraestrutura desses espaços e as propostas pedagógicas possuem um padrão de qualidade adequado. A qualidade desse ambiente é resultante de sete dimensões, a saber: espaço e mobília; rotinas de cuidados pessoais; linguagem e raciocínio; atividades; interação; estrutura do programa; e relação entre pais e profissionais (Campos, Esposito, Bhering, Gimenes, & Abuchaim, 2011). Tais dimensões geralmente dependem dos recursos disponíveis ou recebidos por essas instituições.

Evidências de estudos atuais (Alves et al., 2017; Gatt, Baldacchino, & Dodd, 2020; Law et al., 2018) apontam que fatores ambientais exercem influência sobre o desempenho na linguagem. Porém, ainda são escassos estudos que avaliaram a associação entre as habilidades de linguagem oral e a qualidade dos ambientes, em particular na região amazônica. Apesar disso, destaca-se a pesquisa de Costa et al. (2015) que investigou o desenvolvimento da linguagem de 319 crianças matriculadas em unidades de educação infantil públicas de Belém. Os resultados mostraram que 77,7% delas apresentaram desenvolvimento com escore questionável, pelo teste de Denver II, sendo a pobreza familiar a principal variável associada. Entretanto, ainda é necessário esclarecer como ocorre a inter-relação dos ambientes em que as crianças em situação de pobreza estão inseridas e as influência deles nas habilidades de linguagem oral.

Diante disso, este estudo deu continuidade às investigações de Costa et al. (2015) com o intuito de aprofundar a análise sobre a relação da criança com seus microssistemas familiar, escolar e de vizinhança, e com foco nas características que indicam a qualidade desses ambientes, de modo a apreender as condições bioecológicas em que se estabelecem as habilidades relacionadas ao nível semântico e à capacidade lexical, em especial a nomeação. Desse modo, o objetivo deste estudo foi relacionar a qualidade dos ambientes familiar, escolar e de vizinhança às habilidades de nomeação de crianças na educação infantil. A hipótese estabelecida é de que quanto melhor for a qualidade dos ambientes, melhor será o desempenho das crianças nessa habilidade de linguagem oral.

 

2. Método

2.1 Delineamento

Trata-se de um estudo com delineamento transversal, correlacional e abordagem quantitativa dos dados. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA) e aprovada conforme o Parecer nº 1.846.658/2016. Além disso, o estudo seguiu as normativas da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que rege as pesquisas envolvendo seres humanos.

Este estudo foi realizado em uma unidade de educação infantil (UEI) pública, localizada na região central do município de Belém. Essa UEI recebe anualmente cerca de 70 crianças, divididas em três turmas, a saber: maternal I (de 2 a 3 anos idade), maternal II (de 3 a 4 anos) e jardim I (de 4 a 5 anos). O atendimento ocorre em período integral (das 7h30 às 17h30), e as crianças são acompanhadas por dez professoras, sendo duas por turno nas turmas do maternal e uma por turno na turma do jardim. O critério de seleção dessa unidade foi por amostragem não probabilística do tipo intencional ou de julgamento. Nesse caso, a escolha da instituição se justificou em razão de essa UEI ter sido aquela em que as crianças apresentaram pior desempenho na área da linguagem no teste de Denver II, conforme a pesquisa de Costa et al. (2015), permitindo, assim, aprofundar o estudo.

2.2 Participantes

A amostra foi de 64 crianças, na faixa etária de 24 a 60 meses, com média de idade de 43,03 meses (DP = 9,58), sendo 38,6% (27) do sexo feminino e 61,4% (43) do sexo masculino. Dessas crianças, 19 estavam no maternal I, 20 no maternal II e 25 no jardim I. Para os critérios de inclusão, consideraram-se a autorização dos pais para a participação do filho na pesquisa e os relatos dos pais e professores atestando a não alteração no desenvolvimento da criança, ou seja, crianças com desenvolvimento típico. Ressalta-se que duas crianças foram excluídas por terem idade inferior a 3 anos. Além disso, participou da pesquisa um dos pais de cada criança, sendo 89,1% (57) mães e 10,9% (7) pais.

2.3 Instrumentos

Para avaliar a linguagem, foi aplicado o Teste Infantil de Nomeação (TIN), versão reduzida, proposto por Seabra, Montiel, Capovilla e Macedo (2012), o qual avalia a linguagem expressiva e as habilidades léxico-semânticas, especialmente a nomeação, além do acesso à memória de longo prazo. O instrumento tem 60 figuras para nomeação, sendo computado um ponto para cada resposta correta. Para obter a pontuação final, é gerada a pontuação bruta (de 0 a 60 pontos), e, em seguida, busca-se a pontuação padrão na tabela de normatização, que define os seguintes escores: "muito baixa" (< 70 pontos), "baixa" (de 70 a 84), "média" (de 85 a 114), "alta" (de 115 a 129) e "muito alta" (> 130 pontos). O TIN apresenta consistência interna de 0,92 (alfa de Cronbach) e coeficiente de Spearman-Brown de 0,90.

Para mensurar a qualidade do ambiente familiar, aplicou-se o Índice de Pobreza da Família - IPF (Barros et al., 2006), composto por 48 indicadores e dividido em seis dimensões, a saber: vulnerabilidade; acesso ao conhecimento; acesso ao trabalho; disponibilidade de recursos; desenvolvimento infantil; e condições habitacionais da família. Cada indicador deve ser respondido com "sim" (um ponto) ou "não" (0 ponto). A pontuação bruta do instrumento varia de 0 a 48, porém a pontuação ponderada varia de 0 a 1.

Para o cálculo da pontuação final, inicialmente, dividiu-se o valor de 1 (valor máximo) por 6 (quantidade de dimensões), sendo atribuída a cada uma delas o peso de 0,167. Logo após, para cada dimensão, dividiu-se 0,167 pelo número de indicadores existentes em cada uma. A pontuação final foi enquadrada em quartis, a saber: Q1 (0-0,25) = famílias com maior condição de pobreza; Q2 (0,26-0,50) e Q3 (0,51-0,75) = famílias com pobreza média; e Q4 (0,76-1) = famílias com menor condição de pobreza.

Para investigar o suporte social e os recursos do ambiente familiar, utilizou-se o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar - RAF (Marturano, 1999), composto por três dimensões: supervisão e organização das rotinas; oportunidades de interação com os pais; e presença de recursos no ambiente físico. Para pontuar as questões de um a sete, é adicionado um ponto para cada item assinalado. Na questão oito, a pontuação para cada item varia de 0 a 3 pontos; já nas questões nove e dez, a pontuação varia de 0 a 2 pontos. O escore em cada questão é a soma dos pontos obtidos, dividida pelo número de itens que compõem tal tópico e multiplicado por 10. O escore total corresponde à soma dos escores obtidos nas dez questões do instrumento (Marturano, 1999), e quanto maior for a pontuação, melhor será a qualidade do ambiente familiar. O RAF possui coeficiente de consistência interna igual a 0,76 (alfa de Cronbach).

Foi aplicado aos pais também o Instrumento de Qualidade da Vizinhança - IQV (Morais, 2013). O IQV é estruturado nas seguintes subescalas: infraestrutura; serviços e conveniência; qualidade dos serviços; atividades institucionais; interação e confiança; intervenção e retaliação; assistência; satisfação com a vizinhança; segurança; mobilidade; e desordem. Quanto à pontuação do IQV, para as subescalas "infraestrutura" e "serviços", cada estrutura ou serviço existente recebe um ponto; se a família não tiver feito uso do serviço nos últimos três meses, recebe dois pontos. Na subescala "qualidade dos serviços", a pontuação segue uma escala ordinal de cinco pontos, que vai de ruim a ótimo. Nas demais subescalas, as respostas vão de "nunca" (um ponto), "às vezes" (dois pontos) e "sempre" (três pontos). Ao final, soma-se a pontuação de cada subescala, gera-se um escore bruto, e atribui-se a melhor qualidade à maior pontuação. O IQV possui coeficiente de consistência interna igual a 0,78 (alfa de Cronbach).

Para avaliar a qualidade do ambiente escolar, utilizou-se a Early Childhood Environment Rating Scale Revised Edition (ECERS-R), que avalia a qualidade de ambientes de educação infantil para crianças entre 2 e 5 anos. A ECERS-R foi traduzida e adaptada para o português brasileiro (Campos et al., 2011). Seu roteiro de observação contém sete subescalas (espaço e mobiliário; rotinas de cuidado pessoal; linguagem e raciocínio; atividades; interação; estrutura do programa; e pais e equipe) e tem ao todo 43 itens e 470 indicadores. Aos indicadores, atribui-se a marcação "sim", "não" ou "não aplicável", e cada item terá uma pontuação que varia de um a sete pontos. Ao final, geram-se a média para cada subescala e, em seguida, a média geral, que também variam de um a sete pontos, com os seguintes escores: inadequado para as pontuações de 1 a 2,9; mínima/básica para 3 a 4,9; bom para 5 a 6,9; e excelente para 7 (Harms, Clifford, & Cryer, 1998). No que concerne às suas qualidades psicométricas, a escala apresenta consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,92 e fidelidade interobservadores de 71%.

2.4 Procedimentos de coleta de dados

A coleta de dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2016. Inicialmente, os pesquisadores passaram por um período de adaptação ao ambiente, que durou sete dias antes da aplicação da ECERS-R e 15 dias antes da aplicação do TIN, a fim de possibilitar a familiarização com o ambiente e os participantes e evitar resultados falso-negativos. Assim, as turmas foram observadas por dois pesquisadores, obrigatoriamente nos períodos matutino e vespertino. Realizaram-se seis observações em cada turma. O nível de concordância entre as respostas dos avaliadores foi de 96,1%.

O TIN foi aplicado individualmente nas crianças pelo mesmo avaliador, com auxílio de um estagiário. Respeitaram-se as situações de fadiga, adoecimento e outras intercorrências. Os pais foram convidados a participar da pesquisa e a autorizar a participação das crianças, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. E a coleta de informações dos instrumentos IPF, RAF e IQV ocorreu em forma de entrevista, no momento de entrada na unidade e/ou saída dela.

2.5 Procedimentos de análise dos dados

Cada instrumento foi organizado tomando como referência seus eixos temáticos. Para as variáveis categóricas, utilizaram-se o teste qui-quadrado e o teste G de associação. Para a comparação de médias, realizou-se a análise da variância (ANOVA). Por fim, realizou-se a análise da regressão logística binária múltipla pelo método Stepwise Forward não automático. A inclusão de cada variável no modelo foi verificada a partir do teste da razão de verossimilhança, do critério de informação de Akaike (AIC) e da razão de chance (odds ratio - OR). Em todas as análises, adotou-se um nível de significância de 5%.

 

3. Resultados

3.1 Teste Infantil de Nomeação

A nota média no TIN foi de 109,47 pontos (DP = 23,7; MD = 109,0), com pontuação de 73 e máxima de 176 pontos. Das crianças participantes da pesquisa, 45,3% (N = 29) se enquadraram no escore alto, seguido do baixo 28,1% (N = 18) e do médio 26,6% (N = 17). Para a análise estatística entre as variáveis dependentes e independentes, inicialmente foram realizados os testes de Kolmogorov-Smirnov e de Levene, os quais apontaram que a amostra possuía uma distribuição normal e homogênea, respectivamente.

3.2 Qualidade do ambiente familiar

Em relação às características dos genitores, as mães das crianças avaliadas tinham o seguinte perfil socioeconômico: 39,1% (25) estavam na faixa etária de 20 a 25 anos, 50% (32) tinham ensino médio completo e 35,9% (23) se enquadravam, no que concerne à ocupação profissional, na categoria pequeno funcionário ou operário. Quanto aos pais, 57,8% (37) tinham mais de 30 anos, 37,5% (24) haviam completado o ensino médio e 39,1% (25) se enquadravam, no que concerne à ocupação profissional, na categoria pequeno funcionário ou operário.

No que se refere ao IPF, a maior parte das famílias, cujas crianças obtiveram a pontuação baixa no TIN, enquadrou-se no quartil Q2 (41,7%), que reúne as famílias com a pior situação de pobreza da amostra. A média da renda familiar per capita foi de R$ 424,40 (DP = 319,7), sendo o valor mínimo de R$ 42,80 e o máximo R$ 1.700,00. Além disso, as variáveis "ausência de adultos com ensino médio completo", "ausência de trabalhador com qualificação média ou alta", e "renda familiar per capita inferior à linha de extrema pobreza" apresentaram associação estatisticamente significativa com o TIN. Isto é, as crianças com baixo desempenho no teste de nomeação pertenciam a famílias cujos membros adultos tinham baixa escolaridade e qualificação profissional, conforme mostra a Figura 3.2.1. Para comparar as médias das pontuações dos instrumentos, realizaram-se a ANOVA e o teste post hoc de Bonferroni (F). De acordo com a Figura 3.2.2, os dados permitem inferir que as crianças com escore mais alto no TIN também obtiveram médias das pontuações mais altas no IPF, principalmente nas dimensões "acesso à renda" e "acesso ao conhecimento", ou seja, os membros tinham mais recursos financeiros e melhor nível educacional.

 

 

 

 

A Figura 3.2.1 explana ainda os resultados do RAF. Notou-se que, na categoria "atividades conjuntas com os pais ou familiares", as crianças com pontuações mais baixas no TIN eram menos propensas a desempenhar essas atividades, como "brincar", "contar histórias", "ler" e "conversar sobre como foi o dia na escola". Já na Figura 3.2.2, verificou-se que as crianças com escore mais alto no TIN também obtiveram médias mais altas nas pontuações do RAF.

3.3 Qualidade do ambiente de vizinhança

A Figura 3.2.1 também apresenta as variáveis do IQV. De modo geral, as crianças com pior desempenho no teste de nomeação pertenciam a famílias que não costumavam "conversar com os vizinhos e/ou visitá-los" e "reunir-se com vizinhos para resolver problemas do bairro". Ademais, a ANOVA revelou que houve diferença estatisticamente significativa em relação às médias das dimensões "atividades institucionais", "interação e confiança", "satisfação com a vizinhança" e ao escore geral do instrumento. As crianças com melhor desempenho no teste tiveram pontuações mais altas no IQV, indicando melhor qualidade nesse ambiente.

3.4 Qualidade do ambiente de escolar

As três turmas avaliadas pela ECERS-R obtiveram as seguintes médias: 4,08 (maternal I), 3,89 (maternal II) e 3,18 (jardim I). Tais notas se enquadraram na categoria de qualidade mínima ou básica. As subescalas com maiores médias foram "interação" 6,9 (maternal I), 6,9 (maternal II) e 4,7 (jardim I), e "linguagem e raciocínio" 5,25 (maternal I), 4,5 (maternal II) e 3,88 (jardim I). Ressalta-se que a turma do jardim I estava com a proporção professora-criança acima do recomendado pelo Ministério da Educação (MEC). De acordo com o MEC, recomenda as seguintes proporções: de seis a oito alunos por professor para crianças de 0 a 1 ano; 15 alunos por professor para as crianças de 2 a 3 anos; e 20 alunos por professor para as crianças de 4 a 5 anos. Entretanto, as turmas tinham as seguintes proporções: dez (maternal I), 12,5 (maternal II) e 25 (jardim I).

As análises bivariadas mostraram que os itens da ECERS-R que apresentaram associação estatisticamente significativa com o escore no TIN foram "uso da linguagem para desenvolver o raciocínio" e "interação adulto-criança". A maior parte das crianças, com pontuações altas no TIN, obteve "excelente" em ambos os itens. Do mesmo modo, pela ANOVA, observou-se que as médias das subescalas "linguagem e raciocínio" e "interação" foram mais altas para as crianças que obtiveram escore alto no teste de linguagem.

Os dados da regressão logística revelaram que, conforme mostra a Figura 3.4.1, a OR da probabilidade de uma criança vir a ter pior desempenho na habilidade de nomeação é 59% maior quando há menos adultos com ensino médio completo na família; 1,94 vez maior quando a renda familiar per capita (R$ 140,00) é inferior à linha de extrema pobreza; 4,84 vezes maior quando as professoras usam menos da linguagem oral para desenvolver o raciocínio da criança; e 4,36 vezes maior quando os pais realizam menos atividades conjuntas com a criança.

 

 

4. Discussão

Em relação ao TIN, a maioria das crianças apresentou resultado adequado à faixa etária, ou seja, demonstrou boas habilidades de linguagem oral relacionadas ao nível semântico e à capacidade lexical. Tal resultado foi contrário ao encontrado no estudo anterior realizado por Costa et al. (2015), no qual a maioria das crianças dessa mesma UEI apresentou percentual elevado de suspeita de atraso na linguagem. Como hipótese explicativa, ressalta-se que tal estudo teve uma amostra probabilística, a qual englobou crianças matriculadas em UEI públicas de todo o município de Belém. Porém, por essa ser a única unidade do distrito, o tamanho da amostra foi de apenas 2,19%. Entretanto, participaram da pesquisa atual 97% das crianças matriculadas.

Além disso, na pesquisa de Costa et al. (2015), todas as crianças da UEI em questão pertenciam a famílias com elevado índice de pobreza e não eram moradoras do bairro em que a unidade está localizada. Já neste estudo, embora a maior parte das crianças com pior resultado no TIN seja de famílias com maior índice de pobreza da amostra, uma parte pertencia a famílias de diferentes estratos socioeconômicos e morava na região mais nobre da cidade. Com isso, o estudo atual pôde explorar outros aspectos da bioecologia do desenvolvimento.

4.1 Qualidade do ambiente familiar

Neste estudo, as crianças da região amazônica pertencentes a famílias com o pior índice de pobreza também tiveram as piores pontuações no teste de linguagem, resultado consoante ao de outros estudos (Costa et al., 2015; Prado et al., 2017). A literatura aponta (Cohen-Mimran, Reznik-Nevet, & Korona-Gaon, 2016; Horst & Torkildsen, 2019) que há pais com menor Nível Socioeconômico (NSE) que tendem a dialogar menos com seus filhos e ter expressões verbais com uma linguagem mais diretiva, caracterizadas por vocabulário limitado e estruturas morfossintáticas mais simples, como dar instruções. Em decorrência disso, foi estimado que, particularmente, aos 4 anos de idade, as crianças de NSE mais baixo tendem a ouvir cerca de 30 milhões de palavras a menos (Romeo et al., 2018) e conhecer metade das palavras que as crianças de famílias com NSE mais elevado conhecem (Horst & Torkildsen, 2019).

Por sua vez, as crianças de NSE mais elevado costumam ouvir cerca de 11 mil enunciados por dia (Greenwood et al., 2017). Enquanto as de NSE mais baixo escutam aproximadamente 700 enunciados (Horst & Torkildsen, 2019; Romeo et al., 2018). Estima-se, ainda, que cronologicamente haja cerca de seis meses de diferença no que corresponde às habilidades de linguagem de crianças de NSE diverso (Cohen-Mimran et al., 2016; Rindermann & Baumeister, 2015). Isso quer dizer que o aprendizado de vocabulário é particularmente sensível aos fatores socioeconômicos (Gatt et al., 2020).

As análises bivariadas e o modelo de regressão logística apontaram como variáveis preditivas os três indicadores principais que compõem o NSE, que são a renda familiar, a escolaridade e ocupação profissional, o que admite os achados dos estudos anteriormente destacados e reforça a hipótese da influência da multidimensionalidade da pobreza sobre a habilidade de nomeação e não apenas da renda. Esse resultado é consoante ao de outros estudos, os quais revelaram uma tendência de melhor desempenho lexical receptivo e expressivo quando é maior o nível de escolaridade dos pais (Gatt et al., 2020; Romeo et al., 2018). Diante disso, Rindermann e Baumeister (2015) sugerem que, nessa tríade, a variável mais importante para o estímulo de habilidades cognitivas e de linguagem infantil é a educacional. Neste estudo, mesmo que a amostra não tenha se distinguido quanto ao NSE, as famílias com pior situação de pobreza também foram as que apresentaram menor escolaridade dos adultos, mostrando-se essa variável associada ao escore mais baixo de nomeação.

Nesta pesquisa, verificou-se que as crianças que realizavam mais atividades conjuntas com os pais e familiares foram as que tiveram melhor desempenho no teste de nomeação. Resultados similares foram encontrados em outros estudos (Law et al., 2018; Rindermann & Baumeister, 2015). Salienta-se que as atividades conjuntas, como a brincadeira simbólica e a leitura, são importantes para o desenvolvimento das habilidades de linguagem oral, pois estimulam mais a interação verbal do que em atividades de vida diária, como o banho, a alimentação e o vestuário, que envolvem uma comunicação mais instrutiva (Cohen-Mimran et al., 2016; Law et al., 2018; Tamis-LeMonda, Custode, Kuchirko, Escobar, & Lo, 2018). Essas atividades conjuntas podem ser consideradas, de acordo com a teoria de Bronfenbrenner (2011), como promotoras de processos proximais, que podem inibir ou incentivar a expressão de competências linguísticas; no caso dos participantes deste estudo, as habilidades que envolvem os componentes semânticos e fonético-fonológicos fazem parte do processo de nomeação (Romeo et al., 2018).

Dentre as atividades conjuntas investigadas, a leitura compartilhada de livros foi uma das que mais se associaram ao escore alto no teste de nomeação, além da presença de materiais de leitura em casa. Desse modo, quando comparado aos diálogos em outras atividades, o discurso dos pais durante o compartilhamento de livros é estruturalmente mais complexo, lexicalmente diverso, alto em questionamentos e baixo em linguagem reguladora ou diretiva, independentemente do NSE (Tamis-LeMonda et al., 2018). Entretanto, no estudo de Horowitz-Kraus, Hutton, Phelan e Holland (2018), foi identificado que a atividade de leitura entre pais e filhos, com NSE mais baixo, tinha menor ênfase dialógica, ou seja, eles narravam em vez de conversarem sobre as histórias, e as crianças assumiam papel de audiência. Além disso, a menor escolarização pode prejudicar a leitura, mantendo, assim, o ciclo de pouca aquisição verbal.

Destaca-se que o menor suporte social entre pais e filho também é consequência do caráter multidimensional da pobreza. Pode-se hipotetizar que, além do menor tempo de escolarização, a jornada de trabalho dos pais também repercute em menor tempo e disponibilidade deles para realizar atividades conjuntas com os filhos, como leitura e brincadeira. Com isso, de acordo com Bronfenbrenner (2011), quando o ambiente não é propício a manifestações dos processos proximais que levam à competência, o efeito pode ser disfunção no desenvolvimento, o que pode ser exemplificado pelos resultados do presente estudo. Isto é, a condição multidimensional de risco no ambiente familiar de algumas das crianças participantes desta pesquisa, determinado principalmente pela situação de pobreza, demonstra o potencial que essa condição tem para diminuir as atividades conjuntas e interferir nas habilidades de nomeação.

4.2. Qualidade do ambiente vizinhança

As crianças pertencentes a famílias residentes em vizinhanças consideradas de baixa qualidade foram as que tiveram mais baixo desempenho no teste de nomeação. Esse efeito pode ocorrer de forma indireta ou distal no desenvolvimento infantil (Horst & Torkildsen, 2019; Morais, 2013; Vernon-Feagans et al., 2012). Por exemplo, moradores de bairros classificados como de menor qualidade são mais propensos a estar expostos a fatores estressores, como barulho, insegurança, desordem (acúmulo de lixo, pichações, tráfico, marginalidade e criminalidade) e baixa coesão social (Morais, 2013; Horst & Torkildsen, 2019). Essas variáveis podem interferir indiretamente na saúde mental dos pais e nos cuidados parentais, e repercutir, diretamente, na qualidade e nos estímulos do ambiente familiar e, consequentemente, no desenvolvimento da linguagem oral.

As dimensões "atividades institucionais", "interação e confiança" e "satisfação" do IQV relacionaram-se ao desempenho no teste de nomeação, e as crianças com escore baixo também obtiveram médias mais baixas nessas dimensões do IQV. Assim, pode-se pressupor que, em uma perspectiva bioecológica, a vinculação afetiva e colaborativa entre vizinhos e a participação em atividades (religiosas, comemorativas e organizativas) podem desencadear processos proximais e expor criança a uma complexa ecologia, marcada por estímulos linguísticos propícios à aquisição e ao aprimoramento de habilidades de linguagem oral, como diálogos e conteúdo lexical, além de favorecer o sentimento de pertencimento e bem-estar na comunidade.

4.3 Qualidade do ambiente escolar

O nível mínimo ou básico de qualidade do ambiente escolar, medido pela ECERS, foi consoante com o de outros estudos (Alves et al., 2017), inclusive com o realizado em Belém (Campos et al., 2011). Seus resultados apontaram, assim como nesta pesquisa, que a subescala interação foi a que teve maior escore de qualidade. Nesse aspecto, as interações diárias entre professores e alunos na educação infantil estão entre as principais variáveis promotoras de desenvolvimento.

No entanto, nem todas as crianças experimentam interações duradouras e consistentes nessa díade, pois, na maioria do tempo, os professores cumprem múltiplas tarefas por conta da quantidade de alunos por turma (Mayer & Beckh, 2016; Pianta et al., 2016). Neste estudo, verificou-se que as crianças com mais habilidades de nomeação eram as que mais se envolviam em interações duradouras com as professoras. Sugere-se que essa diferença tenha ocorrido porque a turma do jardim I estava com a proporção professora-criança acima do recomendado pelo MEC. Em consequência, as crianças nem sempre eram estimuladas, e, em muitos momentos, comandos diretivos eram priorizados em vez de diálogos. Desse modo, supõe-se que as variáveis preditoras de qualidade do ambiente escolar, especialmente a menor frequência de atividades que estimulam a linguagem e o raciocínio e as interações no ambiente escolar, podem ter prejudicado a qualidade dos processos proximais estabelecidos pelas crianças, com um efeito de disfunção sobre a habilidade de nomeação.

A partir dos achados nos três ambientes investigados, conforme a premissa de Bronfenbrenner (2011), pode-se refletir que, como os resultados desenvolvimentais e as características da pessoa não se manifestam de forma isolada, devem-se considerar os fatores de interação estabelecidos nos contextos imediatos e remotos do sistema bioecológico. As crianças da região amazônica participantes desta pesquisa frequentavam vários ambientes, isso significa que, enquanto um deles pôde agir positivamente, fortalecendo determinados processos proximais e atributos pessoais, outros puderam conduzir ao seu enfraquecimento. Todavia, o resultado do desenvolvimento será sempre uma resultante da função dessas interações (Bronfenbrenner, 2011; Romeo et al., 2018).

Assim, considera-se que os fatores propulsores de desenvolvimento da linguagem oral, que ocorriam em um ambiente, podem ter fomentado processos proximais que se mantinham ativos nos demais, especialmente nas crianças com melhor desempenho na nomeação e com melhor qualidade dos ambientes. Por exemplo, no ambiente familiar, tais processos podem ter sido impulsionados pelas atividades conjuntas e interativas com os adultos e pela exposição à leitura; no escolar, pela interação adulto-criança e pelo estímulo da linguagem durante as atividades pedagógicas e de cuidado; e, por fim, no ambiente de vizinhança, pela participação em atividades institucionais e pela boa interação entre os vizinhos.

Entre as limitações e recomendações para pesquisas futuras, destacam-se o aumento do tamanho e a heterogeneidade da amostra, bem como o tipo de amostragem e o delineamento temporal do estudo. Além disso, o fato de as turmas avaliadas pela ECERS-R estarem na mesma instituição pôde ter dificultado na associação entre as subescalas e os itens com o desfecho do TIN. Mesmo assim, a partir da apreciação dos resultados, foi possível chegar a algumas considerações. Primeiro, a prevalência de crianças com baixo desempenho no teste de linguagem foi menor do que a pesquisa anterior de Costa et al. (2015). Sugere-se que essa redução ocorreu devido ao aumento do número de crianças avaliadas da mesma UEI, ao uso de um instrumento específico de linguagem, além de investigar a qualidade de outros ambientes.

Mesmo que os participantes constituíssem uma amostra homogênea, em sua maioria com características de pobreza, foi possível visualizar que, em um mesmo estrato socioeconômico, existem famílias menos afetadas pelos fatores de risco, ou seja, não apresentaram o pior resultado em todos os indicadores. Isso significa dizer que é indiscutível o fato de a condição de pobreza não influenciar todos da mesma maneira, ou seja, existem variáveis de risco e de proteção.

Desse modo, características como escolaridade, ocupação profissional e renda revelaram-se como mediadoras do risco ao desenvolvimento da linguagem. Assim, argumenta-se que a insegurança financeira, provocada pela informalidade no emprego, e o baixo grau acadêmico podem limitar a qualidade do ambiente familiar em termos de investimento material e psicossocial, e diminuir a consistência de boas práticas parentais, como as atividades conjuntas; por exemplo, o brincar simbólico e a leitura compartilhada. Consequentemente, essa situação resulta em uma menor estimulação ou aquisição de habilidades de nomeação da criança.

No que concerne à qualidade do ambiente de vizinhança, identificou-se que a privação de interações com os vizinhos pode implicar a carência de estímulos ao vocabulário. A baixa participação social e a pouca interação da família na comunidade podem estar associadas a diversos fatores mensurados pelo IQV. Esses múltiplos fatores podem provocar a sensação de insegurança, o que gera receio por parte dos pais em permitir que seu filho interaja nesse ambiente, diminuindo, assim, a rede de suporte social da família.

No que se refere à qualidade do ambiente escolar, as turmas avaliadas pela ECERS-R obtiveram o escore considerado básico ou mínimo, refletindo a realidade de muitas creches públicas brasileiras. Mesmo assim, a escala mostrou que variáveis como uso adequado da linguagem e a interação adulto-criança estavam relacionadas ao desempenho no teste de nomeação, o que faz pressupor que esse ambiente pode funcionar como fator de proteção e favorecer a linguagem, especialmente porque as crianças ficam cerca de dez horas diárias na unidade.

Portanto, acredita-se que os resultados deste estudo concordaram com a hipótese de que haveria associação entre as variáveis descritoras da qualidade dos ambientes e as habilidades de nomeação das crianças. Em outras palavras, a menor condição de pobreza e os melhores recursos e suporte da família, com a melhor qualidade da escola e da vizinhança, resultam no melhor desenvolvimento semântico e lexical.

O TIN mostrou-se uma boa ferramenta de rastreio dessa habilidade e de forma precoce, de modo que intervenções possam ser mais bem planejadas e executadas, visto que as habilidades léxico-semânticas estão relacionadas e podem contribuir para o processo de alfabetização, especialmente na leitura e escrita, além da sociabilidade e do engajamento da criança em atividades cada vez mais complexas.

A partir das análises realizadas e das reflexões levantadas, espera-se que esta pesquisa possa gerar repercussões para a melhoria das condições bioecológicas das crianças da região amazônica e de suas famílias. Nesse sentido, como implicações para a prática, ressalta-se a importância da Teoria Bioecológica para orientar a análise e o desenvolvimento da linguagem oral de forma sistêmica, isto é, investigar a maneira como as crianças percebem as adversidades dos contextos ao longo do tempo e lidam com elas, e os efeitos nos processos proximais. Além do mais, nossos resultados destacam a importância de parceiros para a realização de atividades conjuntas como a brincadeira e a leitura, que não somente os pais, mas também professores e vizinhos, a fim de desencadear processos proximais e talvez diminuir a força dos fatores de risco do ambiente familiar.

Sabe-se que a Amazônia apresenta indicadores negativos referentes à saúde infantil, e, por isso, políticas e investimentos devem ser pensados com equidade a fim de identificar precocemente as crianças com risco de atraso na linguagem, para realizar intervenções em tempo hábil. Além de melhorias no ambiente escolar, visto que é nele que muitas crianças conseguem suprir a carência de estímulos que não são proporcionados adequadamente pela família e vizinhança. Dessa maneira, destaca-se o potencial das atividades de leitura para a aquisição do vocabulário expressivo. Nessa perspectiva, a Sociedade Brasileira de Pediatria tem investido na campanha "Receite um Livro", a fim de mobilizar profissionais de saúde e educação e especialmente os pais para estimularem a leitura às crianças de 0 a 6 anos como forma de promover o desenvolvimento infantil integral, principalmente em condições de vulnerabilidade social.

 

Referências

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Correspondência:
Elson Ferreira Costa
Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade do Estado do Pará
Tv. Perebebuí, 2623, Marco
Belém, PA, Brasil. CEP 66087-662
E-mail: elsonfcosta@gmail.com

Submissão: 10/06/2020
Aceite: 17/03/2021

 

 

Notas dos autores: Elson F. Costa, Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade do Estado do Pará (Uepa); Lilia I. C. Cavalcante, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará (UFPA); Dalízia A. Cruz, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA; Giana B. Frizzo, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Mário Diego R. Valente, Departamento de Trânsito do Estado do Pará.

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