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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.23 no.3 São Paulo Sep./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPPE13941 

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

Saúde mental dos estudantes universitários brasileiros durante a pandemia de Covid-19

 

 

Michelle M. Pereira; Eliza de M. Soares; Júlia Gabriela A. Fonseca; Juliana de O. Moreira; Luara P. R. Santos

Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar os efeitos dos afetos positivos e negativos, da ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos nos estudantes universitários brasileiros durante a pandemia da Covid-19. Participaram deste estudo 492 estudantes de todas as regiões do país e com idades a partir de 18 anos. A pesquisa foi realizada entre os meses de abril e maio de 2020, por meio de instrumentos de autorrelatos aplicados no formato on-line. Os resultados indicaram que 37% (N = 182) dos estudantes apresentaram alto nível de ansiedade e 46,1% (N = 227) níveis moderados para os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos. Além disso, verificou-se que os afetos positivos se relacionaram negativamente à ansiedade, assim como se relacionaram negativamente aos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos, enquanto os afetos negativos se relacionaram positivamente às variáveis independentes. Conclui-se que a saúde mental dos estudantes universitários deve ser monitorada durante pandemias.

Palavras-chave: Covid-19; pandemia; ensino superior; ansiedade; TOC.


 

 

1. Introdução

A epidemia da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - Sars-CoV-2), que causa a coronavirus disease 2019 (Covid-19), expandiu-se originalmente na região de Wuhan na China e rapidamente se espalhou para a Europa e para o resto do mundo (Vinkers et al., 2020). A pandemia de Covid-19 é um problema de saúde pública global que afetou países como o Brasil, exigindo algumas medidas governamentais para reduzir sua transmissão. Entre as principais medidas, estão a quarentena e o distanciamento social. De acordo com Brooks et al. (2020), a quarentena pode ser definida como a segregação de pessoas que potencialmente contraíram alguma enfermidade contagiosa e tem o intuito de evitar a disseminação de tal enfermidade para outros indivíduos. Já o conceito de distanciamento social, para os autores, constitui-se pela divisão da comunidade em dois grupos: aqueles que foram contaminados pela Covid-19 e aqueles que se encontram livres da doença.

Em uma revisão qualitativa realizada por Brooks et al. (2020), foram encontrados 3.166 artigos científicos, dos quais se examinaram 24 estudos sobre o impacto psicológico da quarentena iniciada durante surtos de Sars, ebola, influenza H1N1, síndrome respiratória do Oriente Médio (Middle East respiratory syndrome - Mers) e influenza equina. Os resultados encontrados indicaram a presença de efeitos psicológicos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva, nos períodos de quarentena. Os estressores incluíram, por exemplo, medos de infecção, frustração, tédio, perda financeira, entre outros. Nesse sentido, é fundamental a compreensão dos fenômenos psicológicos derivados do contexto pandêmico em diferentes grupos sociais. De particular interesse para este artigo, buscou-se compreender os aspectos psicológicos para o grupo de estudantes universitários brasileiros.

Um estudo recente realizado na China com 7.143 estudantes universitários indicou que 0,9% dos entrevistados estava com um quadro de ansiedade grave e 21,3% com um quadro de ansiedade leve. Ademais, os resultados evidenciaram que atrasos nas atividades acadêmicas foram positivamente associados aos sintomas de ansiedade (Cao et al., 2020). Em outra investigação com 460 estudantes universitários portugueses, verificou-se que os participantes durante a pandemia apresentaram níveis significativamente mais elevados de depressão, ansiedade e estresse quando comparados aos estudantes investigados durante o período anterior à pandemia (Maia & Dias, 2020). Pesquisa realizada no México evidenciou que 37,92 % dos universitários que estavam em isolamento apresentaram estresse e 36,3% problemas de sono, e esses valores eram maiores para o grupo das mulheres e os alunos mais novos (18-25 anos) (González-Jaimes, Tejeda-Alcántara, Espinosa-Méndez, & Ontiveros-Hernández, no prelo). Outrossim, um estudo realizado na China com estudantes universitários descobriu que os indivíduos com menos satisfação com as medidas de prevenção e controle de epidemias estavam associados a menores índices de afetos positivos e maiores índices de afetos negativos (Wang, Jing, Han, Jing, & Xu, 2020).

Cabe ressaltar, porém, que ainda são escassos os estudos empíricos no contexto brasileiro sobre os aspectos psicológicos dos estudantes de ensino superior diante de uma situação pandêmica. Dessa forma, este artigo compreende uma temática recente que se apresenta como uma lacuna, visto que são escassos os estudos nacionais e internacionais com o público-alvo de estudantes universitários e que englobem o estudo conjunto de diversas variáveis. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos dos afetos positivos e negativos, da ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos nos estudantes universitários brasileiros durante a pandemia da Covid-19.

Pesquisas anteriores à pandemia encontraram correlações significativas entre os afetos e outros construtos negativos, tais como ansiedade, estresse e depressão (Gouveia et al., 2019). Além disso, Eisner, Johnson e Carver (2009) obtiveram resultados que demonstraram que medidas de regulação do afeto positivo possibilitaram uma contribuição importante para prever transtornos de ansiedade e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Desse modo, com base nos estudos citados anteriormente, elaboraram-se as seguintes hipóteses:

• H1a: Os afetos positivos serão relacionados negativamente com a ansiedade.

• H1b: Os afetos positivos serão relacionados negativamente com os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos.

• H2a: Os afetos negativos serão relacionados positivamente com a ansiedade.

• H2b: Os afetos negativos serão relacionados positivamente com os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos.

Além disso, foram criadas algumas hipóteses adicionais. Barros et al. (2020) consideram que as mulheres brasileiras apresentam maior frequência de sentimentos de depressão/tristeza e de ansiedade/nervosismo do que os homens e que períodos em isolamento social acarretariam variações em comportamentos e sentimentos negativos. Desse modo, elaboraram-se as seguintes hipóteses:

• H3: Haverá diferença de médias de respostas entre homens e mulheres para os construtos estudados.

• H4: Estudantes em um período maior de distanciamento social terão índices maiores de afetos negativos, ansiedade e pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos.

 

2. Método

2.1 Participantes

A amostra inicial contou com 530 participantes, no entanto, levando em conta os critérios de inclusão da pesquisa (ter mais de 18 anos e estar matriculado no ensino superior), a amostra final foi composta por 492 participantes. Entre eles, 75,6% se identificaram com o sexo feminino, 24,2% com o sexo masculino e 0,2% se identificou como outros - todos com idades a partir de 18 anos. Ademais, houve a participação de estudantes universitários de todas as regiões brasileiras, todavia com prevalência do estado de Minas Gerais (55,5%), seguido pelos estados do Rio de Janeiro (20,3%) e de São Paulo (9,6%). Com relação à religiosidade, 60,6% dos participantes afirmaram fazer parte de alguma religião, enquanto 39,4% responderam que não estavam associados a atos religiosos.

Além disso, conforme o Critério de Classificação Econômica Brasil de 2018, observou-se que 41,1% da amostra foi classificada como classe C2 (renda média domiciliar de R$ 1.691,44); 31,1%, como classe D-E (renda média domiciliar de R$ 708,19); 25,5%, como classe C1 (renda média domiciliar de R$ 2.965,69); 1,8%, como B2 (renda média domiciliar de R$ 5.363,19); e 0,4%, como B1 (renda média domiciliar de R$ 10.386,52). Nenhum dos participantes foi classificado como classe A.

No que se refere às instituições de ensino, 22,6% são estudantes da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), entretanto a maioria foi composta por 77,4% de estudantes de outras instituições. Em relação à modalidade de ensino, 98,4% dos estudantes participavam da modalidade presencial, 1% da modalidade semipresencial e 0,6% da modalidade ensino a distância (EaD). Entre toda a amostra, 54,9% não estavam tendo aula no momento da coleta de dados (abril e maio de 2020), enquanto 45,1% afirmaram ter aula nesse período por meio do ensino remoto, o que implica uma mudança na modalidade original de ensino e adaptação a ela por boa parte dos estudantes universitários.

Além disso, no que tange aos cursos em que os participantes se encontravam matriculados, verificou-se a presença de estudantes de diferentes áreas de exatas, humanas, biológicas e saúde. Pode-se destacar que 35,4% faziam parte do curso de Psicologia, 11,9% eram integrantes dos diversos tipos de Engenharias, 3% eram estudantes de Pedagogia, entre outros, o que demonstrou uma vasta abrangência da pesquisa, haja vista as diferentes áreas de conhecimento. Já no que diz respeito ao período, convém ressaltar que houve uma concentração maior de alunos do primeiro período (22,8%), seguidos de discentes do terceiro (18,7%) e quinto (18,3%) períodos.

Questionou-se também há quantos dias os estudantes universitários encontravam-se em isolamento voluntário, e as respostas foram variadas. É importante ressaltar que 4,3% marcaram 0 dia de isolamento, pelo fato de continuarem trabalhando. Quando se analisaram os dados, notou-se que os participantes afirmaram, majoritariamente, que o total de dias em isolamento era de forma aproximada, e outros ainda relataram não estar contado os dias por motivos diversos, como a ansiedade. Entre os participantes, 95,5% não se encontravam sozinhos durante esse período e 91,7% estavam em companhia da sua família.

Ademais, para uma maior compreensão do sujeito, buscou-se entender se o grupo amostral já possuía algum tipo de diagnóstico psicológico ou psiquiátrico anterior, para que, assim, fosse possível diferenciar se os dados obtidos para ansiedade e TOC na presente pesquisa se referiam a um transtorno já presente no indivíduo ou oriundo do momento pandêmico. Os resultados indicaram que 66,1% dos estudantes investigados não possuíam nenhum tipo de diagnóstico, contudo destaca-se que 8,1% informaram ter diagnóstico de depressão e 7,5% de transtorno de ansiedade generalizada.

2.2 Instrumentos

A ansiedade pode ser conceituada como um sentimento indefinido e desagradável que engloba medo e apreensão, e caracteriza-se por momentos de tensão ou desconforto derivados de algo desconhecido ou estranho (Biaggio & Natalício, 1979). Para a avaliação do referido construto, utilizou-se o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) de Spielberger, Gorsuch e Lushene (1970), traduzido, adaptado e validado para o português brasileiro por Biaggio e Natálicio (1979). Esse inventário possui duas escalas que avaliam tal construto como estado (IDATE-E) e traço (IDATE-T). Todavia, para este estudo utilizou-se apenas a primeira escala mencionada, uma vez que o objetivo foi avaliar a ansiedade dos estudantes de graduação em um estado momentâneo. O IDATE-E é constituído por dez itens, e as respostas são do tipo Likert com variação de 1 = absolutamente não a 4 = muitíssimo. Destarte, a interpretação dos resultados é realizada por meio da soma dos números marcados na tabela.

Os afetos positivos e negativos podem ser definidos como sentimentos positivos e negativos relacionados a um determinado contexto (Pires, Filgueiras, Ribas & Santana, 2013). Tais construtos foram mensurados por meio da versão reduzida da Escala de Afetos Positivos e Negativos (Positive and Negative Affect Schedule - PANAS), adaptada ao contexto brasileiro por Pires et al. (2013). O instrumento é composto de 20 itens (por exemplo: "inspirado"; "irritado") a serem respondidos em escalas do tipo Likert de cinco pontos, variando de nunca (1) a sempre (5). Os itens são distribuídos em duas dimensões - afetos positivos e afetos negativos-, as quais, na versão de Pires et al. (2013), apresentaram coeficientes de consistência interna iguais 0,88 e 0,90.

Por fim, o TOC apresenta dois componentes. O componente obsessivo pode ser definido por pensamentos, imagens e impulsos que ocorrem repetidamente e, em geral, vinculados com ansiedade, de modo que a pessoa não consegue se controlar. O componente compulsivo é caracterizado por atos ou comportamentos recorrentes e repetitivos que o paciente realiza para não entrar em um estado de acentuada ansiedade (Fatori et al., 2020). Neste estudo, trabalharemos com a nomenclatura pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos porque não se efetuaram os procedimentos para o diagnóstico de TOC. Para avaliar os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos, foi utilizada a Escala Yale-Brown para Transtorno Obsessivo-Compulsivo (Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale - Y-BOCS), sendo necessário realizar algumas adaptações no texto (exemplo de item: "Quanto de seu tempo é ocupado por pensamentos sobre a Covid-19?") para que seja favorável ao contexto social proporcionado pela pandemia do coronavírus. Essa escala, conforme o estudo do instrumento revisado de Fatori et al. (2020), é constituída por oito itens, a serem respondidos em uma escala que varia de 0 a 4, e fornece resultado para o escore de gravidade de obsessões e o escore de gravidade de compulsões. Ademais, de acordo com Fatori et al. (2020), a Y-BOCS também apresenta uma pontuação total, que é a soma de todos os itens, e um intervalo de 0 a 32, sendo este índice utilizado para as análises.

2.3 Procedimentos de coleta e análise de dados

A coleta foi realizada on-line, por meio de um questionário criado no Google Forms, mediante a concordância prévia dos participantes da pesquisa, por meio do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 30602520.1.0000.0008. Os participantes foram compostos por uma amostra do tipo conveniência, ou seja, uma amostra da população que seja acessível ao pesquisador. Dessa forma, não se realizou a coleta nas respectivas instituições de ensino. Os participantes foram contactados por meio das redes sociais, como WhatsApp, Facebook, Instagram e sites institucionais, entre os meses de abril e maio de 2020.

Na análise dos dados, inicialmente se realizou a análise fatorial confirmatória dos instrumentos, com o objetivo de verificar a estrutura de cada escala para a amostra coletada, mediante o uso do software Mplus, versão 8, com os parâmetros sendo estimados pelo estimador Weighted Least Squares Meanand Variance Ajusted (WLSMV), pelo fato de tal estimador ser uma opção para modelagem de dados categóricos. Em seguida, testaram-se os diferentes modelos de medida. Com o intuito de verificar o ajuste do modelo aos dados, consideraram-se os seguintes indicadores: Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI), root-mean-square error of approximation (RMSEA), e standardized root mean square residual (SRMR) (Byrne, 2001). Adotaram-se, como bons índices de ajustes, valores abaixo de 0,06 para o RMSEA e SRMR e valores maiores que 0,95 para o CFI e TLI (Brown, 2015). As hipóteses foram testadas por meio da modelagem de equações estruturais. Estabeleceu-se a probabilidade de erro em 5%, e a consistência interna do instrumento foi analisada por meio do índice de confiabilidade composta (ômega) considerando o intervalo entre 0,80 e 0,90 como ideal (Streiner, 2003).

A posteriori foram realizadas análises descritivas do grupo amostral e das variáveis coletadas, e correlações entre as variáveis, por meio do rho de Spearman. Além disso, buscou-se investigar os efeitos preditivos, calculados por regressão linear. O trabalho buscou, ainda, identificar diferenças entre grupos (teste t e ANOVA).

 

3. Resultados

Inicialmente, foram realizadas as análises fatoriais confirmatórias para cada um dos instrumentos utilizados na pesquisa. Todas as escalas mantiveram suas estruturas originais e apresentaram índices de ajuste de adequados. Em seguida, com a intenção de verificar se as variáveis eram discriminantes entre si, calculou-se o modelo geral de medida, com a inclusão de todas as variáveis propostas no estudo. Tal modelo foi composto inicialmente por cinco fatores e 58 itens (X2[gl] = 2905,39 [1058], RMSEA = 0,06, CFI = 0,86, TLI = 0,85).

Posteriormente, verificou-se a consistência interna das medidas, investigadas pelo índice de confiabilidade composta (ômega). Os resultados indicaram que os instrumentos apresentaram índices excelentes. Além disso, avaliaram-se as médias e desvios padrão da escala, bem como as correlações entre elas (ver Figura 3.1).

 

 

Ademais, consideraram-se, para os cálculos de classificação do IDATE, os seguintes escores que indicam baixo (20-30), médio (31-49) ou alto (> 50) nível de ansiedade (Barros, Nishiura, Heilberg, Pfeferman, & Kirsztajn, 2011). Para a presente amostra, observou-se que 37% (N = 182) apresentaram alto nível de ansiedade, enquanto 63% (N = 310) apresentaram níveis medianos. Cabe pontuar que não foram encontrados na amostra baixos níveis de ansiedade. Para o TOC, os achados indicaram que 52,4% (N = 258) dos estudantes apresentaram sintomas fracos; 46,1% (N = 227), sintomas moderados; e 1,4% (N =7), sintomas graves.

No teste das hipóteses, verificou-se que a H1a - "Os afetos positivos serão relacionados negativamente com a ansiedade" - foi confirmada (β = -0,25; p = 0,000). Assim como foi afirmada a H1b, que diz respeito à predição negativa dos afetos positivos sobre os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos (β = -0,12; p = 0,005). Verificou-se ainda que os afetos negativos se relacionaram de modo significativo e positivo com o estado de ansiedade (β = 0,73; p = 0,000), dando sustentação, assim, à H2a. Em complemento, os afetos negativos também se relacionaram de forma negativa e significativa com os pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos (β = 0,33; p = 0,000), indo ao encontro da H2b (Figura 3.2).

 

 

No presente estudo, realizou-se ainda o teste t com o intuito de verificar se havia diferenças entre as médias de resposta para os construtos investigados considerando sexo (feminino e masculino) e instituição de ensino superior (UEMG e outras instituições). Os resultados evidenciaram que houve diferença entre as médias de respostas para o grupo sexo, em um indicativo de que as mulheres apresentaram médias superiores às dos homens nos construtos afetos negativos e pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos. Entretanto, para o construto afetos positivos, essa diferença entre as médias foi superior para os homens. Além disso, não se identificaram diferenças entre as médias para o fenômeno ansiedade (Figura 3.3). Tais achados confirmam, portanto, parcialmente a hipótese 3.

 

 

Por fim, realizou-se uma ANOVA para verificar a diferença entre a média de respostas dos estudantes do ensino superior para as variáveis do estudo e o tempo em distanciamento social. Para tanto, foram estruturados os seguintes grupos: 0 dia de isolamento social, de um a 30 dias, de 31 a 59 dias e 60 dias ou mais. Os dados demonstraram que houve diferença significativa ao longo do tempo apenas para o construto afetos positivos (p = 0,01), em um indicativo de que as pessoas que não estavam em isolamento social possuíam médias maiores de afetos positivos do que os grupos que estavam em isolamento social (Figura 3.4). Os resultados indicaram ainda que não houve diferença estatística entre as médias de respostas para os construtos ansiedade, afetos negativos, pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos para o tempo de distanciamento social. Entretanto, foi verificado um aumento das médias de respostas para ansiedade e pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos entre os grupos que estavam havia mais tempo em distanciamento social.

 

 

4. Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo investigar os efeitos dos afetos positivos e negativos, da ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos nos estudantes universitários brasileiros durante a pandemia da Covid-19. Dessa forma, os dados obtidos forneceram informações que denotam um índice considerável de estudantes com níveis de ansiedade entre mediano e alto. Tais resultados sugerem, portanto, atenção e medidas para a redução desses índices com acompanhamento da saúde mental dos estudantes universitários. Este artigo corrobora os estudos de Cao et al. (2020) e Maia e Dias (2020). Além disso, estudos anteriores à pandemia indicavam que de 14% a 19% dos discentes teriam algum transtorno psicológico durante a vida acadêmica (Cerchiari, Caetano, & Faccenda, 2005) e uma incidência em torno de 23% para ansiedade grave em grupos institucionais específicos (Fernandes, Vieira, Silva, Avelino, & Santos, 2018). Desse modo, os achados ora obtidos indicam um índice superior aos apontados em alguns estudos anteriores.

Com relação aos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos, os resultados encontrados podem corresponder a um agravo dos estudantes universitários que já apresentavam as sintomatologias para o TOC ou ao surgimento dos primeiros sintomas durante o período do início da pandemia. Cabe pontuar ainda que os resultados obtidos nos instrumentos aplicados não assumem um papel diagnóstico, mas corroboram os indicativos importantes do recorte temporal para os construtos analisados. Segundo Banerjee (2020), a partir da declaração da pandemia de Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi verificado um aumento das notificações aos hospitais de pessoas com TOC em diversos países, tais como China, Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Índia; todavia, a literatura científica sobre as estatísticas ainda não foi estabelecida.

Os resultados encontrados neste estudo evidenciam também que a vivência de afetos positivos, mesmo em contexto pandêmico, pode colaborar para a redução dos níveis de ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos. Tais resultados corroboram o estudo de Vinkers et al. (2020) que ressaltam a importância de características positivas durante uma situação de pandemia. Por sua vez, a experiência de afetos negativos oriundos do contexto pandêmico pode proporcionar o aumento da ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos. Tais achados vão ao encontro dos estudos de Cao et al. (2020) e de Maia e Dias (2020), que também identificaram prejuízos na saúde mental desse público.

Os resultados indicaram também que as estudantes que se identificaram como mulheres apresentaram maior índice de afetos negativos, tais como preocupação, desânimo e irritação e de pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos do que os homens. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo no México, no qual os níveis de depressão e sintomas psicossomáticos eram maiores para o grupo composto por mulheres (González-Jaimes et al., no prelo). Isso pode ser explicado pelo fato de que, culturalmente, os homens são levados a uma inibição da manifestação e expressão dos seus sentimentos e afetos. Tal impacto cultural pode ter sido explicitado no preenchimento das respostas pelos estudantes que se identificaram como sendo do sexo masculino. Santos (2015) sustenta esse argumento, visto que considera que os homens dificilmente demonstram os seus sentimentos pessoais, em particular os sentimentos que denotam fragilidade como o medo e a tristeza, o que pode ser compreendido como uma estratégia de manutenção dessa imagem de masculinidade, na qual as emoções são representações de vulnerabilidade. Para além do exposto, pesquisas recentes corroboram os dados obtidos. Outra argumentação possível é descrita por Barros et al. (2020), que identificaram o relato de maior frequência de sentimentos de depressão/tristeza e de ansiedade/nervosismo em mulheres. Os autores revelam ainda um maior impacto da pandemia para elas.

Por fim, no que diz respeito à identificação dos construtos ao longo do período de distanciamento social, não houve diferenças significativa em um período de 0 a 70 dias para ansiedade, afetos negativos e pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos, com exceção dos afetos positivos. Esse achado indica que houve uma redução da manifestação dos afetos positivos para os indivíduos que estavam há mais tempo em distanciamento social. Cabe ressaltar, porém, que se observou um aumento das médias, sugerindo que, com o aumento do período em isolamento social, os níveis de ansiedade, afetos positivos e pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos poderiam ser agravados. Tais resultados corroboram o estudo de Barros et al. (2020).

Cumpre registrar que, no contexto pandêmico, outras variáveis sociais e educacionais podem afetar as emoções e a saúde mental dos estudantes, para além das que foram avaliadas neste estudo. Entre elas, podem-se citar os impactos sociais e educacionais sofridos no período, como a suspensão das aulas presenciais e dos estágios, e a substituição das aulas por plataformas de ensino remoto em universidades públicas e privadas brasileiras.

Embora o ensino remoto tenha sido empregado a fim de minimizar os impactos na educação decorrentes da pandemia da Covid-19, constatou-se a necessidade de analisar as consequências dessas ações para os estudantes do ensino superior e refletir sobre elas. Segundo a pesquisa TIC Domicílios e Indivíduos de 2019, apenas 39% das casas brasileiras possuem computador. Além disso, 85% dos indivíduos classificados na classe D-E utilizam apenas o celular para acessar a internet e apenas 14% deles utilizam celular e computador. Desse modo, as mudanças vivenciadas pelos estudantes no início da pandemia podem ter provocado ou maximizado alguns dos índices de ansiedade e de pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos.

 

5. Considerações finais

O presente artigo fornece importantes contribuições teóricas e práticas, visto que estuda a relação de fenômenos relevantes de ser investigados conjuntamente nesse contexto e possibilita uma visão dos estudantes no início da pandemia, bem como colabora para a formulação futura de estratégias de mitigação dos efeitos psicológicos oriundos da pandemia. Destarte, torna-se imprescindível que os estudantes possam contar com adaptações adequadas em seu contexto educacional, de modo a reduzir os impactos causados pela pandemia. Sendo assim, sugerem-se a criação de estratégias de ensino síncrono e assíncrono, o fornecimento de ferramentas que possibilitem adaptação desses estudantes, entre outras estratégias de suporte e inclusão. Além disso, é fundamental que haja o auxílio especializado de equipes de intervenção psicológica que contribuíam para o desenvolvimento de atitudes e sentimentos positivos e que possibilitem ferramentas e recursos psicológicos para redução dos afetos negativos, da ansiedade e dos pensamentos e comportamentos obsessivos e compulsivos.

Apesar de este artigo apresentar importantes contribuições, cabe ressaltar ainda algumas limitações. A primeira delas refere-se ao uso de instrumentos de autorrelato que podem provocar problemas na variância comum do método. Um segundo ponto a se considerar está relacionado à impossibilidade de generalização dos resultados, pois, apesar de a amostra (cabe aqui reiterar que se adotou uma amostra de conveniência) ter sido composta por todas as regiões brasileiras, ela se concentrou principalmente na Região Sudeste. Ademais, apresenta desproporcionalidade amostral com relação ao sexo. Dessa forma, os resultados obtidos podem não refletir a realidade de toda a territorialidade brasileira. Uma terceira limitação refere-se ao fato de a coleta ter sido exclusivamente on-line e sem a presença do pesquisador, visto que ela pode influenciar nos níveis de resposta, razão pela qual seria interessante a utilização, em pesquisas futuras, de coletas de dados presenciais e de natureza qualitativa. Uma quarta limitação está associada ao fato de o estudo ter sido realizado no início da pandemia e não abranger dados de estudantes que permaneceram por mais de 80 dias em distanciamento social. Por fim, a natureza transversal da pesquisa, ou seja, a coleta em apenas um momento, impossibilitou a realização de inferências causais entre as variáveis do estudo. Desse modo, pesquisas futuras podem corrigir tal limitação com a adoção de delineamentos longitudinais ou estudos de diários, permitindo maior compreensão das relações entre os construtos investigados, com o acompanhamento, por exemplo, dos níveis de ansiedade e a observação das consequências psicológicas da pandemia em longo prazo.

Mantendo-se no cerne dos estudos futuros, sugerem-se pesquisas que testem outros modelos com diferentes antecedentes (traços de personalidade, empatia, otimismo, resiliência) e consequentes (depressão, estratégias de enfrentamento), e poderá ser fundamental, ainda, o aprofundamento da compreensão acerca das implicações da Covid-19 nas atitudes e estratégias de enfrentamento dos estudantes de ensino superior brasileiros diante de uma situação pandêmica, bem como a adaptação e as consequências das atividades remotas na saúde mental deles.

Em suma, o presente artigo evidenciou que, em circunstâncias pandêmicas, há significativas alterações nos níveis de saúde mental dos indivíduos. Sendo assim, é importante que haja estratégias de suporte e avaliação continuada dos estudantes de ensino superior brasileiro durante e após a pandemia de Covid-19, como forma de acompanhar sua saúde mental diante de um momento atípico e com mudanças consideráveis nas relações sociais e educacionais. Tais achados poderão seguramente contribuir, ainda, para políticas de cuidado voltadas a esse grupo específico com o foco na redução do impacto da pandemia, da quarentena na saúde mental e para o desenvolvimento de estratégias de intervenção e de políticas educacionais destinadas à construção de um ambiente de ensino e aprendizagem saudável, de modo que poderão ajudar a mitigar os danos nacionais em saúde mental associados à pandemia de Covid-19.

 

Referências

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Correspondência:
Michelle Morelo Pereira
Avenida Paraná, 3001, Jardim Belvedere I
Divinópolis, MG, Brasil. CEP 35501-170
E-mail: mi_morelo@hotmail.com

Submissão: 20/08/2020
Aceite: 16/03/2021

 

 

Nota das autoras: Michelle M. Pereira, Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG); Eliza de M. Soares, UEMG; Júlia Gabriela A. Fonseca, UEMG; Juliana de O. Moreira, UEMG; Luara P. R. Santos, UEMG.

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