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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.24 no.1 São Paulo jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPCP13295.en 

PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Intervenções com grupos de mães e filhos expostos à VPI: uma revisão sistemática de literatura

 

Alliny T. M. OtaguiriI; Aline C. Siqueira2; Sabrina M. D'AffonsecaI

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia, Laboratório de Análise e Prevenção da Violência, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
IIPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Psicologia, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura de intervenções voltadas para crianças e suas mães expostas à violência entre parceiro íntimo (VPI). Foi realizada uma busca às bases de dados Scopus, PubMed, Web of Science e Bireme utilizando os termos "violência doméstica/domestic violence", "violência entre parceiros íntimos/intimate partner violence/violência entre parejas íntimas", "crianças/children/ niños", "expostas/exposed/expuestos","intervenção/intervention/intervención","tratamento/treatment/tratamient", "grupo/group". A partir dos critérios de inclusão/exclusão, os estudos foram selecionados e analisados. Nos 13 estudos analisados, verificou-se predominância de estudos pré e pós-teste com grupos paralelos de mães e crianças, com objetivos voltados aos sintomas (trauma, ansiedade, depressão, problemas de comportamento) e fortalecimento de vínculo mãe-filho. A condução de tratamento concomitante associou-se a resultados positivos na redução de sintomas e consequências negativas da exposição à VPI. Tais achados lançam uma luz importante para a área de prevenção e intervenção sugerindo que o tratamento concomitante mães-filhos favorece o desenvolvimento de relações positivas e saudáveis entre eles.

Palavras-chave: violência entre parceiros íntimos, exposição, intervenção, mães, crianças


 

 

A violência entre parceiros íntimos (VPI) é uma realidade em diversos lares ao redor do mundo, não se delimitando a partir de fronteiras de classe social, raça/etnia, religião, idade ou escolaridade. Trata-se de um dos delitos mais frequentes no mundo, e os dados concernentes à sua prevalência são alarmantes. Em publicações de 2014 e 2016, a partir de achados referentes a 79 países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstra que uma a cada três mulheres já vivenciou uma situação de violência praticada por parceiro íntimo, e 42% das mulheres que foram abusadas física e/ou sexualmente por seu parceiro sofreram ferimentos em decorrência das agressões (World Health Organization [WHO], 2014, 2016).

Embora nem todas as mulheres sejam mães, uma parcela considerável de mulheres expostas à VPI tem filhos, e uma mulher com filhos apresenta probabilidade três vezes maior de experenciar VPI do que aquelas que não têm filhos (Humphreys, 2007). Kistin e Bair-Merritt (2017) estimam que ao menos 15 milhões de crianças estejam expostas à VPI em seus lares, e muitas se deparam ainda com a violência em suas comunidades e/ou por meio da mídia. As autoras destacam que as estatísticas relacionadas ao número de crianças expostas à violência podem variar quando se consideram: 1. o tipo de violência (física, psicológica, sexual, econômica, moral); 2. a medida utilizada para se determinar a exposição; e 3. o método de coleta de dados.

No Brasil, não há dados precisos relacionados ao número de crianças expostas à VPI, pois, de acordo com Pinto Junior et al. (2017), a maioria das pesquisas no país utiliza medidas indiretas dessa exposição, comumente a partir do relato das mães, e estimativas aproximadas a partir do número de mulheres que relatam estar em relacionamentos caracterizados por VPI.

A exposição à VPI pode levar a consequências prejudiciais ao desenvolvimento em curto e longo prazos, tanto para a mulher que é vítima quanto para seus filhos. Mulheres que estão em um relacionamento em que há VPI têm mais chances de apresentar problemas na saúde física, sexual e reprodutiva, e doenças crônicas (Lutwak, 2018; WHO, 2014). Além de evidentes lesões, ferimentos ou marcas físicas decorrentes da VPI, muitas mulheres apresentam questões que envolvem saúde mental, sendo as mais comuns: depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático - TEPT (Graham-Bermann & Miller-Graf, 2015; Lutwak, 2018; WHO, 2014, 2016). Todavia, outros sintomas apresentados por essas mulheres estão associados à VPI, tais como pensamentos/tentativas de suicídio, transtornos alimentares, transtornos do sono, uso abusivo de álcool e outras drogas (Graham-Bermann & Miller-Graf, 2015; Lutwak, 2018; WHO, 2014, 2016), além de sentimentos de solidão, isolamento social e acesso restrito a fontes de apoio e assistência médica e legal (Lutwak, 2018; WHO, 2014, 2016).

Estudos têm demonstrado que a exposição da criança à VPI acarreta repercussões em seu desenvolvimento, tanto de forma direta (Graham-Bermann & Perkins, 2010; Harris, 2017; Holmes, 2013; Timmer et al., 2010) quanto indireta, isto é, a partir da relação mãe-criança, a qual pode ser prejudicada devido a fatores psicológicos da mãe que sofreu agressão (Patias et al., 2014). Entre as possíveis repercussões diretas da exposição da criança à violência, destacam-se sintomas de ansiedade, depressão ou estresse (Kistin & Bair-Merritt, 2017) e problemas de comportamento e/ou de aprendizagem (Moffitt, 2013). A exposição crônica pode levar a efeitos profundos na saúde física e psicossocial dessa população (Kistin & Bair-Merritt, 2017; Moffitt, 2013), os quais podem acarretar problemas em longo prazo.

No tocante aos efeitos indiretos, pesquisas destacam o impacto da saúde mental e do estado emocional da mãe vítima de VPI sobre a relação com seus filhos (Carlson et al., 2019; Graham-Bermann et al., 2011; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Levendosky et al., 2006; WHO, 2014; Silva et al., 2017; Visser et al., 2015). Tais estudos apontam altos índices de depressão, estresse e TEPT maternos como importantes fatores a serem observados nesse contexto. A ausência de práticas parentais positivas, práticas disciplinares inconsistentes, ocorrência de altos índices de disciplinamento inadequado e práticas coercitivas, inibição de interações positivas e afetuosas, distanciamento emocional e negligência são reportados com maior frequência em mães com histórico de VPI (Carlson et al., 2019; Graham-Bermann et al., 2011; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Levendosky et al., 2006; WHO, 2014; Silva et al. 2017; Visser et al., 2015).

Além disso, exposição de uma criança à VPI constitui fator de risco para a ocorrência de maus-tratos infantis (Harris, 2017; Howarth et al., 2016). Harris (2017) estima que as taxas de coocorrência entre VPI e abuso infantil estejam entre 30% e 60%, o que sinaliza a correlação entre esses dois fenômenos.

Cumpre destacar que relações positivas e saudáveis entre membros de uma família podem se tornar fatores de proteção importantes, ao passo que auxiliam no desenvolvimento e fortalecimento da resiliência e habilidades de enfrentamento, bem como na recuperação de adversidades (Walsh, 2016). Outrossim, Carlson et al. (2019), em estudo de revisão, destacam que as habilidades de mães em contexto de VPI variam e que há situações em que a maternagem se mantém positiva, sendo identificadas sensibilidade e responsividade dessas mães em relação aos filhos. Além disso, em consonância com a revisão realizada por D'Affonseca e Williams (2011), práticas positivas como consistência, apoio emocional, práticas adequadas de disciplinamento, envolvimento parental e aceitação foram associadas a resultados positivos para crianças expostas à VPI.

Enfatiza-se que o enfrentamento efetivo da exposição de crianças à VPI não encontra solução em uma resposta singular, dada a complexidade desse fenômeno. Logo, seria necessária a presença de serviços voltados a essa população nos sistemas de saúde, escolar, de justiça e de assistência social, tanto para a prevenção quanto para o tratamento daqueles que já estão imersos nesse contexto (Kistin & Bair-Merritt, 2017).

As relações positivas entre mãe e filhos podem se tornar um importante fator de proteção para os indivíduos em um contexto de VPI, visto que essas relações podem ser importantes fontes de segurança, afeto, proteção e bem-estar. Katz (2015) destaca que o apoio mútuo entre a díade mãe-filho, interações mais agradáveis e o fortalecimento de vínculos podem auxiliar na minimização dos efeitos da VPI. Nesse sentido, hipotetiza-se que programas de intervenção voltados tanto para as mães quanto para seus filhos poderiam ser alternativas viáveis para minimizar os possíveis impactos da VPI, já que todos os envolvidos deveriam ser acompanhados, e não apenas as vítimas diretas (D'Affonseca & Williams, 2011; Katz, 2014; Patias et al., 2014). Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura de intervenções voltadas para crianças e suas mães expostas à VPI.

 

Método

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura nas bases de dados Scopus, PubMed, Web of Science e Bireme, em relação a estudos publicados entre 2009 e 2018, a partir do uso das seguintes palavras-chave: "domestic violence OU intimate partner violence" E "children" E "exposed" E "intervention OU treatment" e "group", e palavras equivalentes em português (violência doméstica, violência entre parceiros íntimos, crianças, exposição, intervenção, tratamento e grupos) e espanhol (violencia doméstica, violencia de pareja, niños, exposición, intervención, tratamiento e grupos), a partir das possíveis diferentes combinações entre elas.

Em relação aos critérios de inclusão, optou-se por estudos publicados em periódicos de pesquisa nos últimos dez anos que 1. consistiam em relatos de intervenções com grupos concomitantes de crianças ou adolescentes e suas mães e/ou cuidadoras com histórico de violência entre parceiros íntimos; 2. Que continham dados referentes aos resultados obtidos a partir da intervenção; 3. que estavam disponíveis para download; e 4. que estivessem redigidos em português, inglês ou espanhol. Além de trabalhos que não atendiam aos critérios de inclusão anteriormente descritos, também foram excluídos desta revisão teses, dissertações e capítulos de livros.

Procedimento

A partir da busca inicial nas bases de dados, foram identificados 649 registros. Após a exclusão de entradas duplicadas, realizou-se a análise dos títulos e resumos de 251 artigos. Para casos nos quais não foi possível identificar se o estudo atendia a todos os critérios de inclusão a partir de seu título e resumo, fez-se a leitura completa do artigo (n = 18), a fim de se assegurar que estudos relevantes para este trabalho de revisão não fossem excluídos, chegando a 12 artigos. Ainda foi preciso incluir o estudo de Graham-Bermann et al. (2007) tendo em vista que se tratava de uma publicação com aspectos metodológicos e resultados descritos ao longo de outras duas publicações incluídas na seleção (Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015). Ao final, 13 estudos foram selecionados. A Figura 1 sumariza o processo de levantamento de dados conforme as orientações do protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA (Moher et al., 2009).

 

 

Resultados

A Tabela 1 contém uma síntese dos estudos analisados, que foram ordenados segundo grupo de pesquisa ou de autores, e por data de publicação.

Em relação às características das populações atendidas, foi possível observar a predominância de estudos com grupos de crianças em idade escolar: sete dos 13 estudos selecionados (53,84%) apresentaram participantes para os grupos de filhos atendidos com idade de 6 a 12 anos. Além disso, embora outros estudos tenham atendido crianças com faixa etária mais abrangente, incluindo crianças mais novas e adolescentes (Grip et al., 2011, 2012, 2013; Pernebo et al., 2018), as médias de idade das crianças participantes ficaram entre 7,4 (DP = 2,5) e 10,8 (DP = 3) anos, indicando a predominância de intervenções realizadas com crianças em idade escolar. Apenas um dos estudos (Graham-Bermann et al., 2015) teve como população-alvo da intervenção crianças mais novas, com idades entre 4 e 6 anos (M = 4,93; SD = 0,86).

É possível notar que foi comum às pesquisas selecionadas a investigação das formas e da frequência da ocorrência de VPI, visto que o histórico de vitimização por VPI pelas mulheres constituiu critério de inclusão para a participação em todos os estudos. A maioria dos estudos (n = 7; 53,84%) utilizou a Conflicts Tactics Scale - CTS (Strauss, 1979) ou a Revised Conflicts Tactics Scale - CTS2 (Strauss et al., 1996), e três deles (Graham-Bermann et al., 2007; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015) também utilizaram a Severity of Violence Against Women Scales - SVAWS (Marshall, 1992). Apenas um estudo (Grip et al., 2013) coletou dados com os filhos a respeito da exposição à violência utilizando a Child Exposure to Domestic Violence - CEDV (Edleson et al., 2008). Houve casos em que as variáveis supracitadas foram avaliadas também a partir de entrevistas semiestruturadas (Grip et al., 2011, 2012).

Todos os estudos selecionados indicaram a realização de medidas de pré e pós-teste, e apenas dois (McWhirter, 2011; Pernebo et al., 2018) não relataram medidas de follow-up após tratamento. Apenas três estudos não tinham grupo controle, tendo sido constituído somente o grupo de intervenção (Grip et al., 2011, 2012, 2013). Quanto às avaliações prévias à intervenção, tais medidas se relacionaram à caracterização da amostra em termos de dados sociodemográficos (idade, renda, etnia e escolaridade) e às medidas de variáveis a serem analisadas após a intervenção, com vistas a identificar se houve mudanças com o tratamento para as mães, para as crianças e na relação mãe-filho.

Em relação às mães, as variáveis avaliadas englobaram medidas relacionadas à saúde da mulher, como medidas de saúde mental em geral (Grip et al., 2013; Pernebo et al., 2018); sintomas de depressão (Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Graham-Bermann et al., 2011; McWhirter, 2011); sintomas de ansiedade (Graham-Bermann et al., 2011); TEPT (Graham-Bermann & Miller Graff, 2015; Graham-Bermann et al., 2011; Pernebo et al., 2018); psicopatologias (Overbeek et al., 2014, 2017); sintomas de trauma (Grip et al., 2011, 2012); consumo de álcool (McWhirter, 2011); e sintomas físicos e psicológicos (Grip et al., 2011). Além disso, investigaram-se estratégias e habilidades de enfrentamento das mães, autoeficácia, prontidão para mudança, confiança e existência de apoio social (McWhirter, 2011).

Para os filhos, as medidas avaliativas utilizadas se referiram a crenças e atitudes relativas à violência (Graham-Bermann et al., 2007); habilidades de enfrentamento (Overbeek et al., 2017); relacionamentos interpessoais, conflito entre pares (McWhirter, 2011) e conflito familiar (McWhirter, 2011); bem-estar psicológico (McWhirter, 2011); saúde emocional e autoestima (McWhirter, 2011); diferenciação das emoções (Overbeek et al., 2017); regulação emocional (Pernebo et al., 2018); problemas de comportamentos internalizantes e externalizantes (Graham-Bermann, 2007, 2011; Graham-Bermann & Miller Graff, 2015; Grip et al., 2012, 2013; Overbeek et al., 2013, 2014, 2017; Pernebo et al., 2018); sintomas de trauma (Grip et al., 2013); e TEPT (Overbeek et al., 2013, 2014, 2017; Pernebo et al., 2018).

Quanto à relação entre mães e filhos, foram coletadas medidas de lócus de controle parental (Grip et al., 2011); conflito familiar (McWhirter, 2011); maus-tratos infantis (Overbeek et al., 2013, 2014); apego (Overbeek et al., 2014); estresse parental (Overbeek et al., 2014); práticas parentais (Graham-Bermann & Miller Graff, 2015; Graham-Bermann et al., 2011); e interação entre pais e filhos (Overbeek et al., 2014, 2017).

A avaliação de efetividade das intervenções foi conduzida a partir de análises e testes estatísticos que compararam as medidas de efeito avaliadas no pré-teste, pós-teste e follow-up com vistas a verificar a efetividade do programa e dos procedimentos realizados na intervenção. No tocante às intervenções realizadas, identificaram-se diferentes programas utilizados pelos pesquisadores. Os programas The Moms' Empowerment Program (MEP) para os grupos de mães e The Kids Club para os grupos de seus filhos foram os mais frequentes entre os estudos selecionados para o presente estudo. O MEP, desenvolvido por Graham-Bermann e Levandosky (1994), tem como objetivo favorecer o ajustamento social e emocional de mulheres que experenciaram VPI nos últimos dois anos e, consequentemente, reduzir os efeitos da VPI na saúde mental delas (Stein et al., 2018). Ao longo de dez sessões semanais de cerca de duas horas de duração, as mulheres compartilham suas histórias e dificuldades na parentagem em um ambiente seguro. O foco do MEP consiste no desenvolvimento de fatores de proteção para as mulheres, tais como apoio social, recursos comunitários e práticas parentais, além de focar sintomas de saúde mental e segurança das participantes e dos seus filhos (Stein et al., 2018). Já o The Kids Club consiste em um programa de intervenção desenvolvido para crianças de 6 a 12 anos com histórico de exposição à VPI e visa à redução de problemas de ajustamento de comportamento (internalizantes e externalizantes), bem como à redução dos efeitos negativos da exposição à VPI favorecendo o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento dos participantes. Ambos os programas são aplicados em sessões em grupo, e os grupos do The Kids Club são divididos por faixa etária (Graham-Bermann et al., 2007, 2011; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015).

Os programas de intervenção supracitados foram utilizados de diferentes maneiras, com desenhos metodológicos distintos. Os estudos de Graham-Bermann et al. (2007), Graham-Bermann e Miller (2013) e Graham-Bermann e Miller-Graff (2015) dizem respeito a um mesmo estudo clínico randomizado que contou com três condições experimentais, a saber: CO (apenas a criança recebeu tratamento), CM (criança e mãe receberam tratamento) e CG (grupo controle). Os resultados indicaram significativa redução dos sintomas de trauma dos filhos (Graham-Bermann et al., 2007) e das mães (Graham-Bermann & Miller, 2013), redução dos problemas de ajustamento infantil e melhora nas crenças e atitudes sobre a violência (Graham-Bermann et al., 2007), além de melhora significativa de sintomas depressivos e práticas parentais das mães (Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015). Comparações entre os três grupos (CG, CO e CM) apontaram que as condições em que mãe e criança receberam tratamento apresentaram maior efetividade na redução de consequências negativas para mães e filhos expostos à VPI (Graham-Bermann et al., 2007; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015).

O estudo clínico randomizado de Graham-Bermann et al. (2015), que utilizou o The Moms' Empowerment Group para o tratamento para as mães, foi o único a realizar intervenção com crianças de 4 a 6 anos. Para isso, utilizaram o programa The Pre-Kids Club (PCK), versão adaptada do The Kids Club para a faixa etária em questão. O PCK, assim como o The Kids Club, consiste em um programa de intervenção de dez sessões, cujos objetivos envolvem diminuir os impactos da exposição à VPI em crianças. O PCK inclui atividades relacionadas a crenças sobre violência, emoções, medos e preocupações, bem como resolução de conflitos sem violência (Graham-Bermann et al., 2015, p. 4). Foram identificadas diferenças significativas entre os desfechos do grupo que recebeu a intervenção e do grupo controle - os resultados indicaram redução significativa dos sintomas das crianças de ambos os gêneros, sendo verificada uma diminuição significativa dos sintomas internalizantes dos filhos após a intervenção realizada com suas mães.

Os estudos de Grip et al. (2011, 2012, 2013) relataram o uso de uma versão adaptada do programa Children Are People Too (CAP). Originalmente, o CAP tem como público-alvo crianças cujos pais têm histórico de abuso de álcool e/ou drogas, e seus elementos centrais envolvem comunicação entre pais e filhos, sentimentos e crenças relacionados à violência, bem como planejamento de segurança. São conduzidas de dez a 15 sessões, desenvolvidas para ocorrerem em grupos - divididos por faixa etária, no caso dos grupos de filhos, contendo atividades lúdicas, discussões e conteúdo psicoeducativo tanto para mães quanto para filhos. As três publicações relataram melhoras nos sintomas de trauma, na saúde mental e no senso de competência para o grupo de mães, bem como redução de problemas de ajustamento para o grupo dos filhos. Apesar do desfecho positivo, as análises individuais apontaram para grandes variações nos resultados, indicando que grande parte dos participantes não apresentou mudanças em nível individual.

Em estudo publicado em 2011, McWhirter comparou os resultados da aplicação de dois programas comunitários desenvolvidos para o estudo, sendo uma delas focada em emoções e outra em objetivos. Ambos foram estruturados em cinco sessões semanais para grupos de mães e filhos expostos à VPI. Em relação às diferenças entre os programas, o programa terapêutico voltado para objetivos foi baseado no modelo de terapia cognitivo-comportamental, incluindo entrevista motivacional e promoção de mudanças orientadas por objetivos. O programa focado em emoções, por sua vez, incluiu atividades visando ao aumento de relações positivas entre membros do grupo, de consciência emocional, além de elementos psicoeducativos, a partir de conceitos da Gestalt e psicologia comportamental (McWhirter, 2011, p. 2464). Ainda que ambas as modalidades de intervenção tenham resultado em melhoras para as mães e os filhos, observou-se que participantes do grupo focado em objetivos teve sucesso na diminuição de consumo de álcool e obteve maiores índices de diminuição no conflito familiar. Participantes do grupo focado em emoções apresentaram melhores índices relativos à qualidade do apoio social, segundo relatos das mães. Outrossim, foi possível concluir que as duas propostas de intervenção se apresentam como alternativas adequadas no atendimento à população-alvo.

Os estudos de Overbeek et al. (2013, 2014, 2017) utilizaram dois programas de intervenção distintos - En nu ik! ("É minha vez agora!") e Jijhoorterbij ("Você pertence"). O programa En nu ik! ("É minha vez agora!") foi desenvolvido com base no anteriormente descrito Kids Club, utilizado nos estudos de Graham-Bermann e colaboradores. Nesse caso, a estrutura do programa se desenvolveu a partir da inclusão de fatores específicos voltados para situações de VPI, como foco em identificação e expressão de emoções, desenvolvimento de sentimentos de segurança e habilidades de enfrentamento, elaboração de narrativas do trauma, melhora nas interações entre pais e filhos, e atividades psicoeducativas (Overbeek et al., 2012, p. 6). O segundo programa, Jijhoorterbij ("Você pertence"), foi desenvolvido especialmente para esses estudos, a partir da análise de fatores não específicos da intervenção original (atenção positiva, apoio social, atividades lúdicas, relações positivas entre membros do grupo, presença de expectativas positivas a respeito do procedimento, entre outros). Para ambos os programas, foi desenvolvida ainda uma intervenção para os pais das crianças participantes do estudo (Overbeek et al., 2012). Os resultados obtidos a partir das intervenções demonstraram que fatores específicos podem não resultar em mais benefícios ou efeitos mais significativos, de modo que uma abordagem focada no trauma não é necessariamente a mais profícua, e programas de intervenção dos dois tipos podem ser eficazes no tratamento de crianças expostas à VPI (Overbeek et al., 2013, 2014, 2017). No que diz respeito aos benefícios das intervenções, observaram-se melhoras dos problemas de comportamentos internalizante e externalizante das crianças participantes dos dois programas, e melhores índices de recuperação para essas variáveis foram associados à ausência de transtornos de apego nas crianças e maiores índices de psicopatologias e estresse parental (Overbeek et al., 2014).

Ademais, na condição de maior exposição a fatores não específicos de intervenção, a redução de sintomas de trauma dos filhos foi mediada por melhoras na habilidade de diferenciação de emoções dos filhos, e as melhoras na saúde parental foram apontadas como importante fator na melhora das crianças. Para esta condição também foi possível observar melhoras nas interações entre pais e filhos, embora esse fator não tenha mediado a diminuição dos sintomas de trauma. Na condição de maior exposição a fatores específicos, houve associação entre diminuição da diferenciação de emoções, aumento das habilidades de enfrentamento e diminuição dos sintomas de trauma das crianças (Overbeek et al., 2017). A partir das análises realizadas, foi possível concluir que benefícios obtidos pelas mães e pelos pais atendidos pelos programas de intervenção estiveram relacionados às melhoras de seus filhos (Overbeek et al., 2014, 2017).

Por fim, Pernebo et al. (2018) relataram a utilização de um programa de intervenção com foco psicoeducativo e um de intervenção com foco psicoterapêutico. O primeiro, com foco psicoeducativo, foi baseado no programa CAP, também utilizado em Grip et al. (2011, 2012, 2013). O segundo programa, com foco psicoterapêutico e baseado nas teorias psicodinâmicas e do apego, foi originalmente desenvolvido para crianças expostas à VPI que apresentassem sintomas psiquiátricos. Temas relacionados à violência, às relações e à dinâmica familiares (separações, visitação, conflitos cotidianos) e aos sentimentos de medo e culpa fizeram parte do programa, que visou também à melhoria da relação entre pais e filhos, além da redução dos efeitos negativos da exposição à VPI para mães e filhos. A análise de dados permitiu identificar que houve diminuição de sintomas de TEPT materno, bem como redução de sintomas dos filhos para ambas as condições, já que a melhora dos sintomas dos filhos se relacionou diretamente à das mães - crianças cujas mães tiveram melhoras menos significativas também apresentaram menores benefícios decorrentes da intervenção. Apesar dos resultados positivos para os dois grupos, notou-se maior tamanho de efeito para crianças participantes da condição psicoterapêutica, que evidenciaram melhores resultados para a redução de sintomas de depressão, raiva e dissociação, bem como para aumento nos níveis de regulação emocional e comportamento pró-social (Pernebo et al., 2018).

Cumpre destacar que uma das maiores dificuldades identificadas na literatura a respeito da condução de intervenções com famílias em situação de violência ou que tenham sido expostas à violência se relaciona à adesão e permanência dos participantes ao longo de toda a intervenção. Entre os estudos incluídos nesta revisão, as taxas de perdas ou desistências de participantes informadas ficaram entre 4,25% (McWhirter, 2011) e 32,5% (Grip et al., 2012), e Graham-Bermann et al. (2007, 2011), Graham-Bermann e Miller (2013) e Graham-Bermann e Miller-Graff (2015) registraram taxas de 18% de desistências/perdas de participantes ao longo das intervenções conduzidas. McWhiter (2011), que contou com 94 participantes, identificou a menor taxa de perda de participantes, e apenas quatro deles não concluíram o estudo. O estudo de Grip et al. (2012), por sua vez, apresentou a maior taxa de perda de participantes, e 32,5% deles deixaram o estudo entre a fase de pré-teste e avaliação após a intervenção. Por fim, nota-se que Grip et al. (2011), Overbeek et al. (2017) não identificaram quantos participantes deixaram o estudo.

A respeito das razões para que participantes tenham deixado os estudos, Graham-Bermann et al. (2007, 2011), Graham-Bermann e Miller (2013) e Graham-Bermann e Miller-Graff (2015) destacaram instabilidade em relação à situação de moradia (n = 15), recusa para participar de uma segunda entrevista (n = 14), perda da custódia dos filhos (n = 7), renda elevada e não representativa em relação ao restante da amostra (n = 2) e ferimentos ou doenças graves (n = 2). Graham-Bermann et al. (2011, 2015), Grip et al. (2012), McWhriter (2011) e Pernebo et al. (2018) não informaram motivos ou justificativas para as perdas de participantes. Overbeek et al. (2013, 2014, 2017) informaram apenas que dois participantes retiraram o consentimento ao longo da pesquisa, mas não trazem informações a respeito do restante das perdas/desistências.

Cumpre destacar que Graham-Bermann et al. (2007) apresentaram maiores taxas de desistências e perda de participantes do grupo controle, que tiveram de esperar para receber a intervenção (82% dos participantes permaneceram no estudo até o momento do follow-up), em relação àqueles que receberam o tratamento (94% permaneceram no estudo até o momento do follow-up). As autoras discutem que a percepção dos participantes de estarem sendo ajudados pode exercer influência sobre sua adesão e permanência em programas de tratamento (Graham-Bermann et al., 2007).

 

Discussão

A revisão sistemática possibilitou a análise da literatura de intervenções voltadas para crianças e suas mães expostas à VPI. Todos os estudos, além de apresentarem as intervenções, avaliaram os efeitos da intervenção, fornecendo elementos fundamentais para a sua utilização no futuro. Uma intervenção com evidências de efetividade e eficácia representa uma ação certificada a ser implementada com maior segurança de seus efeitos (Durgante & Dell'Aglio, 2018; Mohr et al., 2009). Além disso, pode-se constatar que a maioria dos estudos apresentou delineamento experimental, com rigor científico.

Em geral, foram observados resultados positivos para grupos de mães e filhos. O tratamento concomitante de mães e filhos foi associado a resultados positivos na redução de sintomas e consequências negativas da exposição à VPI, e melhoras na saúde mental das mães foram relacionadas às melhoras apresentadas pelos filhos (Graham-Bermann et al., 2007, 2011, 2015; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Grip et al., 2013; Pernebo et al., 2018; Overbeek et al., 2017), o que vai ao encontro dos achados da literatura a respeito do impacto na saúde mental e no estado emocional da mãe vítima de VPI sobre a relação com seus filhos (Carlson et al., 2019; Graham-Bermann et al., 2011; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Levendosky et al., 2006; WHO, 2014; Silva et al., 2017; Visser et al., 2015).

Além disso, os resultados dos estudos clínicos randomizados apoiam a hipótese de que o fortalecimento do envolvimento de mães e cuidadoras propicia resultados mais positivos para as duas partes (Katz, 2015).Tais achados lançam uma luz à área de prevenção e intervenção relacionadas à VPI, uma vez que tal estratégia, isto é, o tratamento concomitante de mães e filhos, parece favorecer o desenvolvimento de relações positivas e saudáveis entre eles, o que pode se tornar um importante fator de proteção, ao passo que auxilia no desenvolvimento e fortalecimento da resiliência e habilidades de enfrentamento, bem como na recuperação de adversidades (Walsh, 2016).

Ademais, considerando que crianças expostas à VPI podem ter a percepção do par parental como figura de autoridade ameaçadora ou como cuidadores indisponíveis ou incapazes de atender às suas necessidades básicas (Carlson et al., 2019), o fortalecimento desses vínculos pode favorecer que a criança tenha uma visão diferente e obtenha uma resposta diferente por parte das mães. O fato poderia vir a contribuir para a prevenção e o tratamento de problemas emocionais e de comportamento dos filhos, conforme visto nas melhoras obtidas pelas crianças após a intervenção.

Acerca dos resultados apresentados após intervenção, foi possível identificar que grande parte dos dados foi obtida a partir dos relatos das mães - tanto sobre os próprios sintomas quanto os dos filhos. A esse respeito, Graham-Bermann e Miller (2013) salientaram ter encontrado evidências de que algumas das participantes de seu estudo podem ter relatado menores níveis de sintomas negativos devido à desejabilidade social. Em revisão de literatura realizada por D'Affonseca e Williams (2011) a respeito das habilidades maternas de mulheres vítimas de violência entre parceiros íntimos, as autoras verificaram que todas as pesquisas analisadas tinham como fonte de informações o autorrelato das mulheres, seja em relação aos efeitos da violência para elas ou para seus filhos. Embora essa seja uma importante fonte de informação, há uma tendência de o indivíduo atribuir a si próprio atitudes ou comportamentos com valores socialmente desejáveis, e rejeitar em si mesmo a presença de atitudes ou comportamentos com valores socialmente indesejáveis (Almiro, 2017). De outro modo, é importante destacar que o efeito da desejabilidade social pode ser uma limitação importante a se considerar na análise dos resultados. Assim, para controlar os efeitos da desejabilidade social, sugere-se que pesquisas futuras incluam medidas que a avaliem (Almiro, 2017) ou incorporem uma abordagem multimétodos (Shaughnessy et al., 2012), utilizando como fonte de informações as mães, os filhos e, se possível, outros informantes.

Em relação ao tema, Graham-Bermann e Miller-Graff (2015) e Grip et al. (2011), ao discutirem sobre as intervenções propostas, sugeriram a avaliação por profissionais da saúde mental e a observação da interação mães-filhos antes e depois da intervenção como estratégia para aferir mudanças na relação que não dependessem exclusivamente do autorrelato dos participantes. Tal estratégia de análise foi realizada no Projeto Parceria (Williams et al., 2014), e, nessa mesma lógica, destacam-se os estudos de Graham-Bermann et al. (2007) e Graham-Bermann e Miller (2013) que usaram instrumentos específicos e outras fontes de informação visando à verificação de vieses sobre os relatos, assim como os estudos de Overbeek et al. (2013, 2014, 2017) que adotaram outras fontes de informação para fins de análise de seus resultados.

Outra variável ligada aos relatos e autorrelatos maternos diz respeito à influência da saúde psicológica das mães sobre a percepção que têm dos comportamentos de seus filhos, bem como sobre a percepção das próprias habilidades parentais e a capacidade de lidar com as dificuldades e problemas dos filhos, como apontado no estudo de Grip et al. (2012). Visser et al. (2015) alertaram que havia dados indicando que mães vítimas de VPI poderiam subestimar o grau de exposição de seus filhos à violência, bem como as consequências por eles experenciadas. Essa tendência, explicam os autores, pode estar relacionada a comportamentos de evitação - o comportamento dos filhos remete ao trauma de vitimização, de modo que as mães tendem a evitá-los. Há ainda a possibilidade de maior concentração de atenção das mães em si mesmas devido à situação de vitimização por VPI, de modo que a habilidade de atentar às necessidades dos filhos pode ser comprometida (Visser et al., 2015, p. 3).

Cumpre destacar que Overbeek et al. (2013) discutem a generalização de seus achados para outros contextos, sinalizando que as intervenções foram conduzidas em situações controladas e podem não se traduzir para o "mundo real". Tal consideração leva em conta a complexidade intrínseca a situações de violência, cujas demandas de intervenção são abrangentes e incluem uma gama de elementos dependentes de contextos diversos, como serviços de saúde, sistema de justiça, assistência social, fortalecimento da rede de apoio e planejamento de segurança (Howarth et al., 2016). Além disso, Overbeek et al. (2017) destacam que programas comunitários em geral operam em condições menos controladas, pois abarcam populações heterogêneas, e contam com menos recursos. Logo, é evidente que, para além da implementação de um programa de intervenção voltado à população, há que se ter em vista a formação e sensibilização de profissionais da rede de proteção a respeito da complexidade desses casos e das necessidades inerentes às situações vivenciadas por eles, para que os ganhos obtidos em qualquer intervenção possam ser mantidos e generalizados para outros contextos.

Ainda considerando aspectos das condições de realização de intervenções com populações expostas à VPI, o presente estudo de revisão possibilitou constatar que os facilitadores das intervenções eram em sua maioria psicólogos, assistentes sociais ou conselheiros formados ou em formação, nos níveis de graduação e pós-graduação, com experiência na área de atuação de intervenção com vítimas de violência. Ademais, uma série de estudos apontou a importância da realização de reuniões semanais para supervisão clínica, discussão dos casos e atividades realizadas ao longo das intervenções (Graham-Bermann et al., 2007, 2015; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015). Nota-se que um fator importante que favorece o sucesso de uma intervenção com populações expostas à violência é a relação entre terapeuta ou facilitador e participante (Akin et al., 2016; Howarth et al., 2016). Desse modo, a capacitação e o treinamento dos profissionais envolvidos na aplicação de programas devem ser tomados como pontos primordiais durante o desenvolvimento de intervenções.

Considerando ainda fatores relacionados à aplicação e ao desenvolvimento das intervenções, a maior parte dos autores não informou possíveis motivos para as taxas de perda de participantes (Graham-Bermann et al., 2011, 2015; Grip et al., 2012; McWhriter, 2011; Pernebo et al., 2018). Os dados a respeito dos níveis de desistência de participantes ao longo das intervenções indicam, em consonância com a literatura atual, as diversas barreiras, como situação de moradia, trabalho, condições de transporte até os locais de atendimento e intervenção, doenças, dificuldade na formação de vínculos entre equipes das instituições e famílias atendidas, encaminhamento das famílias, entre outras, todas importantes elementos a serem considerados (Howarth et al., 2016; Silva, 2014). Ademais, essas famílias podem estar vivenciando períodos caóticos, permeados por conflitos e incertezas na vida delas, de modo que se hipotetiza que a perda de participantes pode decorrer desse quadro conflituoso (Howarth et al., 2016). Ainda a esse respeito, a realização de pagamento dos participantes (Graham-Bermann et al., 2007, 2011, 2015; Graham-Bermann & Miller, 2013; Graham-Bermann & Miller-Graff, 2015; Overbeek et al., 2013, 2014, 2017) também pode ter sido uma variável relacionada às taxas de adesão e permanência em alguns grupos, condição a ser discutida no cenário brasileiro, no qual, por questões éticas, não se pode realizar nenhum tipo de pagamento ao participante, apenas ressarcir possíveis gastos com locomoção e alimentação (ver Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510), o que pode ser um dificultador maior da adesão a programas de intervenção com essa população.

Outro ponto significativo se refere à comparação entre resultados individuais e do grupo. Grip et al. (2013) indicam que o resultado do grupo e resultados individuais podem fornecer panoramas bastante distintos sobre os benefícios reais de uma intervenção. No caso de Grip et al. (2013), embora os resultados tenham sugerido ganhos significativos e melhora das consequências negativas da exposição à VPI para os grupos de filhos, uma análise individual dos participantes demonstrou que poucas das crianças havia, de fato, se beneficiado de maneira significativa. Graham-Bermann et al. (2011) também discutem a necessidade de análise individual dos participantes. De acordo com as autoras, um dos aspectos responsáveis por variações dos resultados entre os participantes foi o grau de exposição da criança à VPI. A literatura da área sobre exposição das crianças à VPI indica que crianças mais intensamente expostas à VPI tendem a apresentar maiores riscos para problemas de comportamento (Graham-Bermann & Perkins, 2010; Graham-Bermann et al., 2011; Howarth et al., 2016; Menon et al., 2018), o que, em consonância às recomendações apresentadas pelos autores anteriormente citados, uma análise individual permitiria identificar outras demandas de atendimento e assistência para além do programa de intervenção.

 

Considerações finais

A revisão da literatura realizada possibilitou verificar o panorama dos estudos sobre intervenção com grupos de mães e filhos expostos à VPI, evidenciando o estado da arte sobre o tema. A análise demonstrou a existência de intervenções bem delineadas, já que a execução da intervenção estava alinhada a um estudo de avaliação. A maioria dos estudos buscou utilizar comparação entre grupos (experimental versus controle), com randomização dos participantes entre os grupos. Tal delineamento de pesquisa é considerado o mais indicado para produzir evidências a respeito da efetividade e eficácia da intervenção (Mohr et al., 2009).

Quanto aos objetivos, comumente o foco estava em favorecer o ajustamento socioemocional de mães e filhos expostos à VPI e promoção de saúde psicológica e bem-estar. Para tanto, conteúdos voltados para redução de sintomas de trauma, ansiedade e depressão, redução de problemas de ajustamento (comportamentos internalizantes e externalizantes) e desenvolvimento e fortalecimento de habilidades de enfrentamento foram os mais frequentes entre os estudos. Dada a abrangência dos conteúdos focados nas intervenções, diferentes medidas de avaliação foram utilizadas para verificar os efeitos das intervenções, o que pode comprometer a análise da eficácia dos programas de intervenções e consenso entre os pesquisadores quanto aos conteúdos/aspectos que deveriam ser trabalhados nas intervenções com essa população, visto que cada programa avalia domínios diferentes.

A partir deste estudo, foi possível identificar que não há publicações referentes a intervenções realizadas na América Latina, tendo sido identificadas apenas publicações dos Estados Unidos, da Suécia e dos Países Baixos. Assim, torna-se fundamental fomentar a adaptação de intervenções com grupos de mães e seus filhos para demais países, como também avaliar seus efeitos em diferentes culturas, já que a violência é uma problemática presente de forma universal, contudo está sob a influência de fatores culturais e sociais específicos.

Ainda que existam limitações em relação ao presente estudo de revisão, espera-se que o trabalho contribua para a disseminação de possibilidades de intervenção com mulheres e crianças expostas à VPI e para a condução de pesquisas na área, dada a inexistência de revisões sistemáticas nacionais a respeito dessa temática.

 

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Correspondência:

Sabrina M. D'Affonseca
Rua Nicola Bibo, 47, Residencial Samambaia
São Carlos, SP, Brasil. CEP 13565-510
E-mail: samazo@ufscar.br

Submissão: 16 abr. 2020
Aceite: 18 maio 2021

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