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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.24 no.1 São Paulo jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPPA13605.en 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

 

Teste de Regulação de Emoções: análise com a Teoria de Resposta ao Item

 

 

Celine Lorena O. B. de Lira; José Maurício H. Bueno

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe)

Correspondência

 

 


RESUMO

A regulação de emoções é uma habilidade relacionada à inteligência emocional que tem mostrado impactos importantes sob diversos aspectos da vida. Este trabalho teve o objetivo de analisar as propriedades psicométricas do Teste de Regulação de Emoções, com auxílio da Teoria de Resposta ao Item. O instrumento foi aplicado pela internet a 289 participantes, predominantemente jovens adultos, do sexo feminino e estudantes universitários. Os resultados informam sobre propriedades psicométricas do instrumento, que pode ser melhorado quanto à fidedignidade e no preenchimento de lacunas no contínuo de habilidades avaliadas pelo teste. Entretanto, foi adequado quanto ao equilíbrio entre os níveis de dificuldade dos itens e de habilidade dos respondentes, e proporcionou a compreensão dos aspectos que influenciam o aumento da dificuldade dos itens, com implicações clínicas e para a avaliação desse construto.

Palavras-chave: regulação emocional, Teoria de Resposta ao Item, emoções, inteligência emocional, avaliação psicológica


 

 

A regulação emocional (RE) é uma das habilidades relacionadas com a inteligência emocional e emergiu como campo de estudo a partir dos anos 1990, quando teve sua compreensão ampliada por James J. Gross. O autor a define como um conjunto de processos pelos quais os indivíduos (consciente ou inconscientemente) modificam a trajetória de um ou mais componentes de uma resposta emocional. Esses componentes são as reações fisiológicas, os processos cognitivos e os comportamentos associados a uma emoção (Gross, 2015).

Gross (2015) afirma que uma emoção se dá em um contexto indivíduo-situação, que mobiliza a atenção, provocando uma avaliação cognitiva da situação, que, posteriormente, gera uma resposta comportamental que pode ser manifesta ou não. O processamento cognitivo ocupa papel de destaque nesse modelo que prevê quatro estágios ou decisões a serem tomadas a partir da discrepância entre o estado emocional que se deseja e o estado real. Essa discrepância é então identificada como uma oportunidade para a regulação (estágio de identificação); uma estratégia de RE é selecionada (seleção); a estratégia é implementada por meio de táticas específicas (implementação); e todo o ciclo é monitorado para o sucesso no alcance da meta regulatória (monitoramento) (McRae & Gross, 2020).

As estratégias de RE selecionadas e implementadas podem ser organizadas em cinco famílias relacionadas com: a escolha da situação, a modificação da situação, o redirecionamento da atenção, a reestruturação cognitiva e a modulação da resposta (Gross, 2015). A utilização de diferentes estratégias gera consequências variadas para o modo como uma pessoa sente, pensa e age, imediatamente e ao longo do tempo.

Com a emergência do conceito da RE, a emoção deixou de ser um fenômeno experienciado passivamente para ressaltar o papel ativo do indivíduo para regulá-la por meio de diferentes estratégias. Algumas teorias da emoção refletem a dinamicidade desse processo. Plutchik (2003), por exemplo, afirma que emoção não é apenas um conjunto de sensações subjetivas, mas também toda uma cadeia de eventos que incluem sentimentos, cognições, impulsos para agir e assim por diante.

Na teoria psicoevolutiva de Plutchik (2003), as emoções possuem valor adaptativo ou de sobrevivência, ou seja, possuem um propósito na vida do indivíduo. Nessa perspectiva, identificam-se oito emoções básicas (alegria, medo, tristeza, aceitação, raiva, surpresa, nojo e expectativa) que estabelecem relações com outras áreas do funcionamento mental. Assim, uma emoção está sempre associada a uma cognição e a um comportamento que tende para um efeito no ambiente.

Plutchik (2003) descreve o modelo sequencial das emoções como tipicamente contendo um evento estímulo que desencadeia um efeito emocional variado, a depender da interpretação que cada pessoa dará a eles. Por sua vez, é desencadeado um estado emocional, que será seguido de um impulso para a ação - que nem sempre desencadeia a ação em si, mas frequentemente o faz. Intervir nessas sequências para regular as emoções tem sido considerado uma competência primordial para uma vida saudável e bem-sucedida (English et al., 2017). Tal importância tem sido demonstrada nos estudos realizados sobre o assunto e que tem tornado a RE um dos campos teóricos de maior crescimento dentro da Psicologia (Gross, 2015; McRae & Gross, 2020).

Os estudos de RE têm se concentrado em observar os padrões de uso de estratégias para regular as emoções (estágio de seleção) e na eficácia ou no sucesso dessa utilização (estágio de implementação). Há consenso de que a pesquisa sobre RE produziu definições e modelos do construto, delineou diferentes consequências emocionais do envolvimento do sujeito com diferentes formas de regular suas emoções, descreveu mecanismos psicológicos e neurobiológicos pelos quais a regulação influencia a emoção, e documentou os efeitos das intervenções de RE (McRae & Gross, 2020).

Quando uma área de pesquisa emerge mais consistentemente, um dos primeiros problemas a serem enfrentados é o do desenvolvimento de instrumentos com boas propriedades psicométricas, que sejam capazes de captar diferenças individuais no construto de interesse. No campo da regulação de emoções, alguns instrumentos já foram construídos para avaliação desse construto, tanto por autorrelato quanto por desempenho.

O Emotion Regulation Questionnaire - ERQ (Preece et al., 2019) e a Difficulties in Emotion Regulation Scale - DERS (Gratz & Roemer, 2004) são exemplos de instrumentos de autorrelato, que, por essa característica, captam a opinião do respondente sobre seus comportamentos típicos relacionados com a regulação de emoções e não o seu desempenho propriamente dito. Instrumentos desse tipo costumam apresentar correlações mais elevadas com traços de personalidade do que com inteligência, visto que revelam a autopercepção e a natureza subjetiva da experiência emocional (Petrides, 2017).

Existem outros instrumentos como o Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT (Mayer et al., 2002), o Emotion Regulation Profile - ERP (Nelis et al., 2011), o Teste de Regulação de Emoções pelo Stroop Emocional -TRE_Stroop (Bueno, 2013), o Situational Test of Emotional Management - Brief -STEM-B (Allen et al., 2015) e o Teste de Regulação de Emoções - TRE (Lira & Bueno, 2020) que são exemplos de avaliação da regulação de emoções por desempenho. O MSCEIT, o ERP e o STEM-B são instrumentos que avaliam a regulação de emoções por desempenho situacional, já o TRE_Stroop é um instrumento baseado na técnica do Stroop Emocional, em que uma tarefa cognitiva concorre com a interferência de conteúdos emocionais. Medidas como essas costumam apresentar correlações positivas e significativas com outras medidas de inteligência e desempenho, e correlações baixas e não significativas com medidas de personalidade. Além disso, apesar de serem relatadas dificuldades com as definições dos critérios utilizados para atribuição de pontos, esse tipo de mensuração tem conciliado os aspectos teóricos da operacionalização do construto ao preservar a lógica de utilização de tarefas para a avaliação das habilidades cognitivas requeridas para responder ao instrumento (Petrides, 2017).

Da mesma maneira, o TRE, objeto de estudo do presente trabalho, avalia o desempenho dos respondentes ao solicitar que julguem a eficácia de estratégias para regular as emoções. O TRE é um instrumento autoaplicável composto por oito vinhetas construídas a partir das sequências de emoções básicas proposta por Plutchik (2003). No teste, são apresentadas situações conflituosas envolvendo personagens fictícios e é solicitado que o respondente julgue a eficácia de cada estratégia de RE apresentada para lidar com a situação. O instrumento se caracteriza como um teste de julgamento situacional (Ambiel et al., 2015), no qual se pressupõe que quanto melhor for o julgamento apresentado pelo participante, melhor também será a própria capacidade naquilo que está sendo avaliado pelo teste - no caso, sua capacidade para regular as emoções.

Uma análise fatorial exploratória (AFE) do TRE revelou uma estrutura com dois fatores, em que os itens se distribuíram em função de a estratégia utilizada para regular emoções ser eficaz (fator 1) ou ineficaz (fator 2). Esses fatores apresentaram bons índices de consistência interna medidas pelo coeficiente de Kuder-Richardson (0,75 para o fator 1 e 0,62 para o fator 2); indicaram correlação positiva e significativa, porém de magnitude moderada entre si; e apontaram efeito de sexo em favor das mulheres e de escolaridade em favor dos níveis mais altos de educação, mesmo controlando-se o efeito da idade (Lira & Bueno, 2020).

Esta investigação foi conduzida com base na Teoria Clássica dos Testes, que apresenta limitações importantes em relação à moderna Teoria de Resposta ao Item (TRI), pela qual se podem estimar parâmetros para os itens e para os sujeitos de forma independente, o que permite uma análise mais detalhada do nível das pessoas, dos itens e da interação entre essas duas instâncias (Draheim et al., 2018). Por isso, este estudo teve como objetivo analisar as propriedades psicométricas do TRE com base na TRI. Empregou-se o Modelo de Rasch da TRI, com o objetivo de investigar os seguintes aspectos: 1. ajustamento geral dos itens ao modelo da TRI (infit e outfit); 2. consistência interna; 3. análise das estatísticas descritivas dos sujeitos (theta) e dos itens; 4. análise do critério de atribuição de pontos por concordância com especialistas; 5. análise da distribuição dos itens e do traço latente (mapa de itens).

 

Método

Participantes

Para realização desta análise, foi utilizada uma amostra de 289 sujeitos, dos quais 208 eram mulheres (71,97%), e 81, homens (28,02%). Os participantes apresentaram idades entre 18 e 63 anos (Média = 30,45; DP = 10,15), sendo predominantemente de nível superior de escolaridade (86,2%) e provenientes do estado de Pernambuco, Brasil (77,9%).

Instrumentos

Neste estudo, foram empregados o TRE (Lira & Bueno, 2020) e um questionário sociodemográfico, que recolheu informações para caracterização da amostra. Ambos foram implantados numa plataforma informatizada, que permitiu que a coleta de dados fosse realizada via internet.

O TRE é um teste de julgamento situacional composto por cenários, operacionalizados em vinhetas, nas quais um personagem experimenta uma das oito emoções básicas propostas por Plutchik (2003), a saber: alegria, medo, tristeza, aceitação, raiva, surpresa, nojo e expectativa. A vinheta para a emoção medo, por exemplo, é apresentada desta maneira: "Ana está voltando para casa mais tarde do que de costume. Ela está andando sozinha e sabe que na rua à sua frente já houve vários assaltos". A seguir, para cada uma das oito vinhetas foram apresentados três itens, representando diferentes opções de ação para regular as emoções. Após AFE descrita em Lira e Bueno (2020), eliminaram-se os itens cujas cargas fatoriais ficaram inferiores a 0,3 (itens 5, 6, 13 e 20). Os demais cenários e itens podem ser observados nas tabelas 2 e 4 da seção "Resultados".

 

 

 

 

 

 

 

 

Os itens do TRE estão baseados nas estratégias de RE propostas por Gross (2015) (seleção da situação, modificação da situação, redirecionamento da atenção, reestruturação cognitiva e modulação da resposta), em concordância com as sequências naturais de cada emoção previstas por Plutchik (2003). Por exemplo, para o medo, Plutchik (2003) sugere que a sequência de eliciação para essa emoção seria: diante de um ameaça (estímulo), uma pessoa poderia interpretar a situação que está vivenciando ou imaginando como perigosa (cognição), sentir medo (estado emocional) e provavelmente tentar fugir (comportamento observável) para salvar-se (efeito).

No TRE, na vinheta da emoção medo, os itens apresentados foram: 1. "Tomar outro caminho considerado mais seguro, porém mais longo"; 2. "Ficar parada à espera de que alguém a ajude"; 3. "Pensar positivo e confiar que mesmo seguindo por esta rua chegará em casa segura". Em seguida, os participantes foram instruídos a utilizar uma escala Likert de cinco pontos para avaliar a efetividade de cada estratégia, atribuindo 1 para estratégias muito ineficazes ou 5 para estratégias muito eficazes. Pontuações de 2, 3 ou 4 poderiam ser empregadas para representar efetividades intermediárias aos valores extremos (Lira & Bueno, 2020).

As respostas dos sujeitos foram pontuadas por "concordância com especialistas", segundo a qual os participantes recebem um ponto sempre que sua resposta concorda com a resposta apontada como mais adequada por um grupo de especialistas (ver Bueno & Zuanazzi, 2019). Esse grupo foi formado por estudantes de pós-graduação e graduação envolvidos com pesquisas em avaliação psicológica de habilidades relacionadas à inteligência emocional, como a regulação de emoções.

Procedimentos

Os participantes foram contatados pela internet, por E-mail ou redes sociais e esclarecidos quanto aos objetivos e procedimentos da pesquisa, e os que concordaram em participar acessaram um link disponibilizado na mensagem-convite que conduziu à página da pesquisa. Ali, acessaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o questionário sociodemográfico e o TRE. Destaca-se ainda que o projeto foi submetido à avaliação de um Comitê de Ética em Pesquisa, tendo sido devidamente aprovado: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 51159715.9.0000.5208.

Os dados gerados foram armazenados automaticamente em uma planilha eletrônica à qual apenas os pesquisadores tinham acesso. Posteriormente, realizou-se a análise estatística com auxílio do Modelo de Rasch da TRI, uma técnica de modelagem matemática que procura relacionar a dificuldade dos itens com a habilidade das pessoas. Portanto, se a dificuldade do item estiver abaixo da habilidade da pessoa, a maior probabilidade será de que ela acerte a resposta; caso contrário, a maior probabilidade será que ela erre. Nesse modelo, a dificuldade dos itens é representada pela letra b e a habilidade das pessoas pela letra grega theta (Ѳ) (Bond & Fox, 2015).

A análise de dados deste trabalho foi realizada com auxílio do software Winsteps Versão 3.69.1.6 (Linacre & Wright, 2009). Por ser uma técnica de modelagem matemática, a primeira análise a ser realizada é do ajustamento dos dados ao modelo da TRI, que nesse software é dado pelos índices de infit e outfit, cujos valores entre 0,72 e 1,33 são indicativos de um bom ajustamento (Bond & Fox, 2015). Também se calcularam as estatísticas descritivas dos itens (b) e dos sujeitos (theta), e os índices de fidedignidade dos fatores, que devem ser superiores a 0,7 (Cunha, De Almeida Neto, & Stackfleth, 2016).

As estatísticas descritivas dos itens foram empregadas para: 1. checar a pertinência das respostas consideradas corretas no sistema de pontuação por concordância com especialistas; 2. analisar a adequação do nível de dificuldade dos itens para o nível de habilidade dos sujeitos; e 3. analisar o traço latente. As últimas duas análises também foram facilitadas pela inspeção visual do mapa de itens e pessoas, que traça um paralelo entre a distribuição dos itens e das pessoas ao longo do contínuo de habilidade no construto avaliado (para um exemplo sobre o procedimento, ver Nakano et al., 2015).

 

Resultados

Com vistas a alcançar os objetivos propostos, as análises foram realizadas por fator respeitando o pressuposto da unidimensionalidade da TRI (Bond & Fox, 2015). Assim, primeiro são apresentados os resultados do fator 1, relacionado à detecção de estratégias eficazes ou adaptativas, e, posteriormente, os dados do fator 2, relacionado à detecção de estratégias ineficazes ou desadaptativas.

No fator 1, a média de infit foi de 0,99 (DP = 0,06), e os valores variaram de 0,91 a 1,07; enquanto a média de outfit foi de 0,99 (DP = 0,20), e os valores variaram de 0,55 a 1,23. A média de theta foi de 0,25 (DP = 1,79), e a precisão do fator, calculada pela TRI, foi de 0,69 (real) e 0,72 (modelada). As estatísticas descritivas dos itens do fator 1 são apresentadas na Tabela 1.

A análise dos dados da Tabela 1 permite confirmar ou reajustar as pontuações por concordância com especialistas. Nota-se que, em quase todos os itens do fator 1, a resposta considerada correta por especialistas (recebe valor 1 na coluna escore) realmente foi escolhida pelos participantes com maior média de theta. A exceção foi o item 3, que apresentou uma inversão. No entanto, a inversão se deve a apenas dois participantes, que optaram, incorretamente, pela alternativa 1 em vez da 5, constituindo-se num número muito reduzido de participantes com erro padrão da média muito elevado (0,86). Por isso, a resposta correta desse item foi mantida na alternativa 5.

Para investigar a relação entre a intensidade do conhecimento das estratégias eficazes de RE (fator 1) avaliada pelos itens do instrumento e a apresentada pelos participantes da investigação, foi empregada a análise do mapa pessoas-item, cujos resultados encontram-se na Figura 1. Nota-se que as médias dos itens (centradas em zero, por padrão do software) e dos participantes (M = 0,25; DP = 1,79) estão próximas, e os itens estão distribuídos ao longo de uma boa extensão do contínuo de habilidade em regulação de emoções. No entanto, provavelmente devido ao baixo número de itens, há lacunas nesse contínuo indicando que seria interessante acrescentar novos itens para preenchê-las.

 

 

Na Tabela 2, para facilitar a análise dos dados, agruparam-se os itens em três blocos, pela semelhança de seus níveis de dificuldade, conforme se observa no mapa de itens (Figura 1). Os itens 19 e 23 formam o bloco dos mais difíceis; os itens 7, 14, 17 e 22, o bloco de dificuldade intermediária; e os itens 3, 4, 12 e 24, o bloco dos mais fáceis. Nota-se que a dificuldade dos itens aumenta conforme sobe o nível de ameaça e pressão que a situação/emoção exerce sobre o sujeito, o que torna mais difícil a detecção de uma estratégia eficaz de controle.

A análise dos itens do fator 2 (estratégias ineficazes ou desadaptativas de regulação de emoções) também se iniciou pela análise do ajuste dos dados ao modelo da TRI. Observou-se que a média de infit foi de 0,99 (DP = 0,08), e os valores variaram de 0,80 a 1,08; enquanto a média de outfit foi de 0,96 (DP = 0,16), e os valores variaram de 0,65 a 1,17. A média de theta foi de 0,76 (DP = 1,48), e a precisão do fator 2, calculada pela TRI, foi de 0,56 (real) e 0,60 (modelada). As estatísticas descritivas dos itens do fator 2 são apresentadas na Tabela 3.

De forma similar ao procedimento realizado com os itens do fator 1, os dados referentes aos itens do fator 2 foram analisados para confirmar ou reajustar as pontuações por concordância com especialistas. Observou-se que, em todos os itens, a resposta considerada correta (por especialistas) foi também escolhida pelos participantes com maior nível de habilidade (média de theta). A relação entre a distribuição e média dos itens e das pessoas pode ser observada na Figura 2.

 

 

Na Figura 2, apresenta-se o mapa pessoas-itens do fator 2 do TRE. Igualmente, pode-se perceber que as médias dos itens e dos participantes estão relativamente próximas, e onde há maior número de sujeitos há também um maior número de itens. Além disso, os itens também se apresentam distribuídos ao longo de uma boa extensão do contínuo de habilidade em regulação de emoções.

De forma similar à análise dos itens do fator 1, na Tabela 3, os itens do fator 2 foram agrupados pela proximidade de seus níveis de dificuldade, conforme se observa no mapa de itens (Figura 2). Os itens 10 e 18 formam o bloco dos mais difíceis, em que são apresentadas situações complexas com estratégias evitativas, porém reprováveis socialmente. Os itens 1, 8, 9, 16 e 21 formam o bloco de dificuldade intermediária. Já os itens 2, 11, 15 e 16 formam o terceiro bloco em que se apresentam respostas de não regulação que são mais facilmente identificáveis como ineficazes diante das situações apresentadas.

A situação mais fácil de ser detectada como ineficaz é aquela em que não há regulação, mas uma reação motivada pela emoção. Em seguida, vêm as situações em que há uma estratégia que resolve a situação, mas o problema permanece. Nas situações mais difíceis, a estratégia poderia até ser eficaz, mas não leva em consideração todos os envolvidos na situação, podendo ser uma estratégia frequente, mas socialmente inadequada.

 

Discussão

O objetivo deste trabalho foi investigar o ajustamento dos dados do TRE ao Modelo de Rasch da TRI, usando para isso os índices de infit e outfit fornecidos pelo Winsteps. De acordo com os resultados, houve ajuste para ambos os fatores do TRE, indicando que os dados podem ser considerados adequados para a modelagem com a TRI e que as análises subsequentes poderiam ser realizadas (Bond & Fox, 2015).

Os índices de fidedignidade foram mais consistentes para o fator 1 do que para o fator 2, mas ambos foram mais baixos do que os obtidos por Allen et al. (2015) com outros instrumentos para avaliação da regulação de emoções. Consequentemente, é mais provável a ocorrência de erros de medida na estimação dos escores (thetas) do fator 2 do que do fator 1. Isso significa que sujeitos com alta habilidade estão errando itens fáceis e/ou sujeitos com baixa habilidade estão acertando itens difíceis. Ou seja, a estimação da habilidade dos sujeitos começa a falhar na predição de seus acertos e erros nos itens. E, mesmo sendo viável a utilização do instrumento em pesquisas, recomendam-se a revisão dos critérios de pontuação dos itens, o aumento do número de itens e outras estratégias que possam contribuir para a melhoria da precisão do fator 2.

Com base na análise das estatísticas descritivas de ambos os fatores, observou-se que houve pouca diferença entre a média de habilidade dos sujeitos e a média de dificuldade dos itens, com os itens sendo ligeiramente mais fáceis para os respondentes. Essa discrepância foi um pouco maior no fator 2 do que no fator 1, mas, de forma geral, esse resultado mostra que a dificuldade dos itens foi compatível com o nível de habilidade das pessoas, evitando-se, assim, efeitos de solo ou de teto nas pontuações.

A análise dos mapas de itens mostra, no entanto, que, em ambos os fatores, os itens se estendem ao longo do contínuo de habilidade, havendo uma quantidade razoável de itens na região central, em que também se concentra a maior parte dos escores das pessoas. Há itens para discriminar diferentes níveis de habilidades, justamente onde há mais escores, mas também há itens nas regiões extremas. No entanto, também ocorreram lacunas (falta de itens) em determinadas regiões de habilidade, em ambos os fatores, sugerindo a necessidade do desenvolvimento de mais itens para preenchê-las.

A análise do traço latente mostrou que os itens tendem a ficar mais difíceis conforme aumenta a complexidade da relação situação-resposta. No fator 1, por exemplo, é mais difícil identificar como eficaz a estratégia de "Dizer de uma forma gentil que a comida não lhe agrada" numa situação em que uma pessoa foi jantar na casa de uma amiga e sentiu nojo da comida. De forma complementar, no fator 2, ao se deparar com uma pessoa nua no centro da cidade, é mais difícil identificar como ineficaz a resposta "Desviar seu caminho para não se aproximar da pessoa". Em ambos os casos, a regulação de emoções de forma mais eficaz passaria pela abordagem dos interlocutores para dizer que a comida não estava boa (fator 1) ou procurar uma forma de ajudar a pessoa nua numa situação de exposição constrangedora (fator 2). Ambos os itens foram considerados difíceis, e as pessoas tendem a errá-los por considerarem a utilização da evitação como a estratégia a ser empregada. Resultados semelhantes foram encontrados por Allen et al. (2015) com estudantes universitários australianos. Eles identificaram a modificação da situação como a estratégia mais usada por pessoas com altas pontuações em regulação de emoções e seleção da situação (especialmente pela evitação) como a menos provável de ser escolhida. Esses autores destacam a relevância de um instrumento que permite essa distinção para a prática clínica e para o ensino de estratégias de regulação de emoções.

Koole et al. (2015) já haviam indicado que a escolha de uma estratégia de RE não é uma tarefa fácil, dado que as pessoas podem escolher entre muitos diferentes tipos de estratégias, e, para complicar ainda mais a questão, a adaptabilidade das estratégias não é fixa, mas varia de acordo com as circunstâncias. É por isso que estratégias específicas podem ser mais adequadas para alcançar certos tipos de objetivos do que outras, o que sugere que uma RE adaptativa envolve o uso da estratégia correta para atingir seus objetivos em um determinado contexto (English et al., 2017).

Observa-se que no TRE situações com um objetivo importante para a pessoa envolvida, como uma situação de emprego ou manter uma amizade, tendem a dificultar a identificação de uma estratégia eficaz/adaptativa, conforme pode ser visto na Tabela 2 nos itens 19, 22 e 23. No entanto, observou-se que conforme essa complexidade cai (por não envolver relacionamento, ou por envolver um relacionamento com pessoas desconhecidas ou distantes), a dificuldade em se detectar respostas eficazes também cai.

Um estudo que identificou a frequência com que os indivíduos usam estratégias de RE na vida cotidiana e o impacto que estas têm na experiência emocional demonstrou que o uso de estratégias diferia dependendo de quem estava presente e por que a pessoa estava tentando regular suas emoções. Assim, a variação na seleção de estratégias ocorria devido a diferenças entre os eventos e não tanto entre os indivíduos - isto é, fatores de personalidade estáveis (English et al., 2017). Em muitas situações cotidianas, as pessoas lidam com ambientes dinâmicos e imprevisíveis que dificultam a deliberação sobre como elas irão regular suas emoções (Koole et al., 2015).

Em muitos casos, a RE não é implementada apenas com o objetivo de modular o humor, mas motivada por objetivos instrumentais como terminar uma tarefa ou evitar conflitos. Às vezes, as pessoas inclusive regulam suas emoções de maneira contra-hedônica, como quando desejam manter ou aumentar emoções negativas ou diminuir emoções positivas, para atingir um objetivo instrumental (English et al., 2017). Por isso, é importante entender melhor como os indivíduos recorrem à ampla gama de estratégias disponíveis para regular suas emoções com base em suas atuais demandas situacionais. Assim, a implementação mais variável e positiva de estratégias eficazes pode ser, como afirmam Aldao e Nolen-Hoeksema (2012), função de uma avaliação mais flexível da variação contextual.

De forma semelhante, foi observado no TRE (nos itens 18 e 10 encontrados na Tabela 4, por exemplo) que a dificuldade de detecção de uma resposta ineficaz/desadaptativa aumenta em situações em que uma resposta culturalmente aceita é considerada ineficaz por não levar em consideração os aspectos sociais da situação, especialmente o outro. Conforme visto, as características sociais do contexto podem desempenhar um papel importante na determinação de qual estratégia as pessoas usam para regular suas emoções na vida cotidiana (English et al., 2017).

Por essa razão, Aldao e Nolen-Hoeksema (2012) afirmam que as intervenções devem se concentrar em ajudar os indivíduos a desenvolver uma consciência das características dos contextos que influenciam o uso de estratégias de RE e aprender a implementar estratégias de forma flexível e adequadas para o contexto. O conhecimento de como os itens de regulação de emoções aumentam ou diminuem de dificuldade auxilia na reflexão sobre intervenções a serem propostas, tendo implicações tanto para a prática do psicólogo quanto para a pesquisa em avaliação psicológica. No âmbito da prática profissional, esse resultado sugere como a habilidade de regular emoções é utilizada, permitindo que o psicólogo intervenha para estimular a seleção e implementação de estratégias mais eficazes e a capacidade de detectar estratégias ineficazes de RE. Do ponto de vista da avaliação psicológica, esse dado mostra como se pode interferir na dificuldade dos itens, facilitando o desenvolvimento de novos itens para preenchimento das lacunas detectadas em certas regiões do contínuo de habilidades.

Este trabalho se propôs a investigar as propriedades psicométricas do TRE com auxílio do Modelo de Rasch da TRI, e os resultados apresentam contribuições importantes. No entanto, certas características da amostra de participantes deste estudo podem limitar a amplitude das generalizações dos resultados obtidos. Por exemplo, a amostra é composta predominantemente por pessoas com nível de escolaridade superior, do sexo feminino e do estado de Pernambuco, sugerindo a necessidade de investigar, por exemplo, se os mesmos resultados obtidos aqui se manteriam com amostras mais diversificadas e representativas da população brasileira.

Apesar disso, os dados levantados neste estudo apontam que o desenvolvimento do TRE deve se dar em dois pontos principais: na melhoria da precisão do instrumento e no preenchimento de lacunas no contínuo de habilidades avaliadas pelo teste. Embora o instrumento possa melhorar nesses dois pontos, ele apresenta propriedades psicométricas que o credenciam para uso em pesquisas que requeiram a avaliação de estratégias eficazes e não eficazes de regulação de emoções. Além disso, a análise do traço latente fornece subsídios sobre como proceder para atingir esses objetivos, além de contribuir para a compreensão teórica da habilidade de regular emoções.

 

Referências

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Correspondência:

Celine Lorena O. B. de Lira
Rua Artur Barreto Lins, 565-C, Jardim São Paulo
Recife, PE, Brasil. CEP 50790-041
E-mail: celine.lorena@ufpe.br

Submissão: 10 jul. 2020
Aceite: 9 ago. 2021

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