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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. v.7  São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Um estudo sobre as representações sociais de mulheres executivas: estilo de comportamento e de gestão

 

A study of social representations of women in positions of high leadership: behavioral and managerial styles

 

 

Leonora Corsini1; Edson A. de Souza Filho2

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o objetivo de comparar representações sociais de homens e mulheres em relação às mulheres executivas, perguntamos a profissionais e estudantes universitários como imaginavam os estilos de gerentes dos sexos masculino e feminino. A construção metodológica baseou-se em estudos sobre estilos de comportamento e a influência social de indivíduos e grupos minoritários. Confirmamos que a consistência e a flexibilidade predominaram nas caracterizações dos estilos de gestão tanto feminina, quanto masculina. Observamos também que a consistência foi mais destacada pelos profissionais da empresa pública enquanto a flexibilidade foi mais lembrada pelos profissionais da empresa privada. As mulheres não fizeram distinção na caracterização dos estilos masculino e feminino de gestão. A diferença aparece nas expectativas para a gestão executiva, em que as mulheres apontaram que uma performance mais eficaz é aquela que se adapta às prescrições da empresa, com ênfase nas características individuais.

Palavras-chaves: Representações sociais, Dinâmicas intergrupais, Estilos de gestão e liderança, Influência social.


ABSTRACT

With the purpose of identifying and comparing different social representations constructed by women and men as related to women managers, we inquired professionals from public and private companies and students of both male and female sex about the managerial and leadership styles adopted by men and women leaders. The methodological construction of this research is based on theories about behavioral styles and the social influence of individual/minority groups. Our research confirmed that consistency and flexibility predominate in the characterization of men and women’s managerial styles, although flexibility is mainly attributed to women, whereas consistency is more associated to men. We also observed that consistency is more used by professionals of the public company while flexibility was frequently mentioned in the private company. In addition, women do not vary their descriptions of managerial styles according to sex. The difference arises in their expectations of change, where they emphasize that a successful manager should adapt to the company’s prescriptions, as well as emphasize individual characteristics.

Keywords: Social representations, Intergroup dynamics, Managerial and leadership styles, Social influence.


 

 

Introdução

Podemos identificar no mundo do trabalho um descompasso entre o discurso que prega a igualdade entre homens e mulheres e as práticas que se verificam no dia-a-dia. Constatamos, é verdade, mudanças que apontam novos valores e conceitos, incluindo a redução das barreiras que impedem o acesso das mulheres a cargos gerenciais, mas algumas dissimetrias no setor empresarial permanecem. De acordo com Carli e Eagly (2001), por exemplo, quase todas as mulheres que alcançaram posições de destaque na hierarquia das corporações mundiais o fizeram na década de 90, ou seja, essa é uma conquista bastante recente. No caso específico do Brasil, apesar da crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, elas ocupam, segundo pesquisa do Instituto Vox Populi (Revista Veja, agosto de 2002), apenas 6% dos cargos de chefia nas 500 maiores empresas brasileiras.

Explicações para essas disparidades podem estar focadas tanto no indivíduo – se há menos mulheres do que homens em cargos executivos e de chefia é porque a liderança feminina é menos eficaz –, quanto na situação ou no contexto das próprias organizações, o que incluiria as suas características, o clima, o ambiente organizacional, a composição dos grupos, a estrutura de poder, ou seja, os elementos sócio-ambientais que influenciam os comportamentos (Kruse & Wintermantel, 1986).

Para os efeitos de nosso estudo, escolhemos analisar o fenômeno a partir de uma perspectiva psicossocial, buscando identificar quais são os elementos que participam da construção de representações sociais sobre a liderança feminina no meio empresarial e as interações que se estabelecem a partir destas representações. As representações sociais podem fornecer pistas sobre o que pensam os grupos e os indivíduos a esse respeito, em termos de estilos de comportamento e de efeitos de influência social.

Desde que algumas pesquisas em ciências sociais começaram a destacar a inter-relação entre o comportamento do líder e a eficácia de sua liderança – onde o estilo de liderança manifesto pelo líder determina e influencia o desempenho do grupo liderado –, começou-se a perceber que não se trata de uma relação estática em que os subordinados têm um papel passivo e secundário, mas uma interação que envolve um processo de trocas sociais (Bergamini, 1997). Adotando essa premissa e acompanhando o questionamento de Moscovici (1986), se existiriam ou não diferenças entre as lideranças masculina e feminina, encaminhamos nossa reflexão para a questão dos estilos de liderança.

Para Moscovici, o conflito enfrentado pelas mulheres que aspiram ou já exercem posições de liderança, seja na política, no trabalho ou nas relações sociais em termos amplos, é uma transição entre a marginalidade social da mulher no mundo do trabalho e o reconhecimento de que a liderança eficaz não passa necessariamente por possíveis atributos exclusivamente masculinos. Em suma, em termos sociológicos, a problemática das mulheres líderes estaria mais próxima a uma situação de anomia do que de normatização social.

Poderíamos nos perguntar, contudo, se a ascensão de mulheres a posições hierarquicamente superiores em empresas não implicaria o fim do que historicamente chamamos de “liderança”. Nesse sentido, Moscovici conclui que, embora não existam teorias e pesquisas que dêem sustentação à hipótese de que as mulheres exercem a liderança de maneira distinta da dos homens, existe uma crença socialmente disseminada de que homens e mulheres adotam, profissionalmente, estilos de comportamento e gestão profissional diversos. “A liderança continua sendo um totem para a sociedade e um tabu para a ciência” diz Moscovici (1986, p. 249).

 

Estilos de comportamento, estilos de gestão e influência social

Autores como Moscovici (1981) e Mugny, Kaiser, Papastamou e Perez (1984) afirmam que determinados comportamentos do indivíduo que consegue influenciar outras pessoas – mesmo não dispondo de poder ou sinais de que desfruta de reconhecimento social – devem ser considerados como determinantes da eficácia de sua influência. A capacidade de influir socialmente e produzir mudanças nos grupos, em tais casos, ultrapassa as situações de dependência e de subordinação implicadas nas relações de poder. Portanto, para esses autores, sempre que um indivíduo ou subgrupo exerce influência sobre terceiros, conseguindo modificar ou transformar comportamentos e opiniões já existentes, o principal fator de êxito é o seu estilo de comportamento. Apesar de liderança, competência e maioria serem fatores que desempenham o papel de variáveis externas na situação de dependência dos indivíduos em relação aos grupos, não são determinantes da eficácia da influência. O que é fundamental no êxito da influência social é o estilo de comportamento adotado pelo agente ou aquele que busca liderar e a percepção que os liderados fazem desse estilo (Moscovici, 1981, p. 139).

De acordo com Mugny e Papastamou (1986), além de ação manifesta, os comportamentos das pessoas em suas interações sociais oferecem informações sobre as intenções e disposições psicológicas de quem age. Nesse sentido, pode-se dizer que o comportamento constitui, dentre outras funções, uma forma de organização de conteúdos latentes, em que a atitude pode ser pensada como uma disposição interna, mais ou menos favorável e estável, que organiza e atualiza a realidade psicológica do indivíduo em relação a um determinado objeto social (como, por exemplo, a violência urbana, as diferenças entre os gêneros, mães que trabalham fora de casa etc.). A apresentação de um comportamento será tanto ou mais eficaz na medida em que puder tornar explícita a atitude subjacente. Mas, se o comportamento constitui um veículo, um canal de comunicação que organiza significados, as repetições e combinações de determinados comportamentos analisados globalmente podem constituir importante fonte de informação sobre um padrão comportamental, que adquire assim um significado diferente do que teria se considerado isoladamente. Essa articulação de comportamentos, essa gramática comportamental (utilizando o termo do próprio Mugny) dão a medida da eficácia social de um comportamento, a partir dos múltiplos significados que ele suscita. A repetição constituiria dessa maneira um estilo de comportamento – um meio eficaz de organizar e explicitar uma atitude. Os estilos de comportamento têm, desse modo, dupla função: fornecer pistas sobre como as ações comportamentais podem ser lidas, decifradas, interpretadas e, conseqüentemente, representadas pelos observadores; e gerar imagens que informam sobre as características cognitivas da fonte (aquele que busca influenciar através da sua ação).

Os estilos de comportamento não só geram e provocam novas imagens, mas também, de fato, mobilizam representações sociais já organizadas e convencionalizadas, que servirão de ancoragem na elaboração dos significados dos comportamentos da fonte. Esse excedente de significado que se desprende de um conjunto organizado de comportamentos dá lugar, em realidade, a uma espécie de consenso: os sujeitos dispõem de representações já estabelecidas, dos diversos significados que tais comportamentos podem assumir (Mugny & Papastamou, 1986, p. 510).

A teorização a partir dos estilos de comportamento, como dissemos, permitiu um deslocamento do foco de atenção das dimensões de poder e dos recursos externos reconhecidos – apresentados pelos sujeitos que buscam influência – para a retórica exposta pelos mesmos na interação social. Ao longo de mais de três décadas de investigação empírica, foram estudados alguns estilos de comportamento, quase todos em delineamentos experimentais ou quase. Estilos como consistência, flexibilidade, assim como autonomia, esforço, entre outros, receberam confirmação em mais de um país (Paicheler, 1985; Pérez & Mugny, 1993). É preciso sublinhar que, dentre os estilos de comportamento, o mais estudado foi a consistência, a qual parece ser indispensável para os que almejam influenciar em culturas que valorizam a lógica, tanto para sujeitos com status majoritário, quanto minoritário. Trata-se, portanto, de uma retórica de apresentação que não poderia ser considerada a priori como masculina ou feminina, apesar de que se possa esperar que ela esteja mais associada aos homens em função de modelos socioculturais de longa duração histórica. Ao lado disso, podemos dizer que há uma quase ausência (Crespi & Mucchi, 1988; Souza Filho, 1994; Souza Filho, Canabrava & Durandegui, 1998) de estudos empíricos sobre a influência social a partir dos estilos de comportamento em situações “naturais” – em ambientes sociais mais concretos, como o de trabalho – onde se poderiam observar consideráveis disputas de gênero. Nossa suposição era de que outras dimensões discursivas e representacionais emergiriam nesses contextos, modificando a natureza do fenômeno em foco.

 

Representações sociais e relações de gênero no trabalho

Representações de gênero remetem a um contexto social bastante amplo, além de incluir outras representações, como classes sociais, etnias, relações de subordinação, de hierarquia etc. Além disso, segundo Costa (2001), as questões de gênero revelam processos sócio-políticos que levam a distinguir as formas de organização do trabalho.

Incorporar a noção de gênero nas análises das práticas profissionais coloca em cena as representações que legitimam muitas formas de opressão com que nos defrontamos (e que também tememos enfrentar) no interior de nossas relações de trabalho e pessoais. (...) Somos parte dos processos sociais com que lidamos (Costa, 2001, p. 120).

Portanto, através desse viés, procura-se não só desvendar os processos de construção das representações que norteiam as interações entre homens e mulheres, como também redimensionar o papel que a mulher desempenha nesse processo. Mais especificamente, no âmbito profissional, explicitando o entrecruzamento de outros fatores como relações de poder, subordinação, identificação com a categoria gênero e auto-apresentação. Nesse sentido, em estudo anterior sobre a mulher executiva, tal como representada por homens e mulheres com nível de escolaridade superior e de fora da empresa, surgiram diferenças de gênero importantes (Corsini & Souza Filho, 2002). As mulheres tenderam a defender a mulher executiva usando argumentos de mérito individual e feministas, ao passo que os homens manifestaram uma explícita recusa da executiva em questão, com poucas considerações quanto à promoção da mulher no trabalho, como se, para eles, a crítica social de base sócio-econômica (modelos identificados com o sistema capitalista de produção e com práticas econômicas neoliberais) prevalecesse sobre as considerações específicas da condição feminina na sociedade. Caberia perguntar se dentro do ambiente da empresa em questão observaríamos outros tipos de representação na comparação entre os gêneros.

Acreditamos que as diferentes maneiras de se apresentar, os estilos de comportamento adotados, os modelos de atuação percebidos constituem indicadores de representações, não só de gênero, mas também das relações de subordinação e de interdependência presentes nas interações entre os grupos no ambiente de trabalho. Construímos então a hipótese de que as mulheres, por não possuírem ainda autonomia para adotar um estilo de gestão segundo um modelo próprio, privilegiariam modelos que remetem à representação do comportamento masculino. Os homens, por sua vez, ao avaliarem uma mulher em cargo executivo, talvez tendessem a julgar seu estilo de atuação como rígido, sempre que esse comportamento fosse relacionado à hierarquia e ao exercício do poder.

 

Método

Instrumento – O instrumento do estudo consistiu em um questionário com cinco questões abertas em que procuramos avaliar as representações que homens e mulheres fazem de modelos de gestão masculino e feminino3. Buscamos identificar as representações construídas por homens, mulheres, chefes e chefiados para os estilos de gestão praticados em uma empresa, se eram percebidas diferenças entre estilos masculino e feminino e se a constatação dessas diferenças era determinante para a maior ou menor aceitação das chefes do sexo feminino e também para o êxito de sua gestão. Comparamos as respostas fornecidas por homens e mulheres que trabalham em duas empresas diferentes a fim de identificar possíveis variáveis organizacionais que pudessem ter influência na construção dessas representações. Além das empresas, foram também entrevistados jovens estudantes dos cursos de administração de empresas e de economia (a partir do terceiro período), sem vínculo de trabalho com empresa ou organização, com o intuito de avaliar se existiria ou não maior utilização de ideologias ou estereótipos de gênero quando as representações não estivessem ancoradas em uma vivência profissional concreta.

Participantes – Participaram da pesquisa 47 pessoas, distribuídas em grupos da seguinte maneira: Empresa A, empresa pública do setor de energia elétrica (15 profissionais); Empresa B, empresa privada, setor bens e serviços (12 profissionais). Ambas as empresas estão localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Um terceiro grupo de 20 estudantes universitários (10 homens e 10 mulheres) cursando administração de empresas e economia a partir do terceiro período, que foram selecionados no campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Os participantes das empresas A e B situavam-se na faixa etária média de 41 anos de idade, possuíam escolaridade média superior e tempo médio de experiência profissional respectivamente de 21 anos na Empresa A e de 18 anos na Empresa B. Os estudantes tinham em média 20 anos de idade e não possuíam significativa experiência profissional (alguns já haviam estagiado).

Procedimentos – Por opção das duas empresas que concordaram em participar, a seleção dos participantes, a distribuição e a coleta das respostas foi administrada internamente por cada uma delas. No caso dos questionários aplicados a universitários, os participantes foram selecionados ao acaso, obedecendo ao critério de estarem cursando a partir do terceiro período de economia ou administração de empresas e não terem vínculo profissional com alguma empresa. As entrevistas com os universitários foram individuais, sendo cada participante solicitado a responder de próprio punho as cinco perguntas abertas sobre estilos de gestão de homens e mulheres, para em seguida completar a ficha do perfil sócio-cultural, informando idade, nível de renda, escolaridade e escolaridade dos pais (que acreditamos terem relação com a escolha de um modelo ou estilo de comportamento profissional).

Procedimento de análise – Os dados obtidos foram analisados pelo método de análise de conteúdo (Bardin, 1991). As respostas dadas para cada uma das cinco questões formuladas foram decompostas em categorias ou unidades temáticas (conforme detalhamento no quadro a seguir) para serem depois comparadas entre os diferentes grupos – empresa A e empresa B (homens e mulheres); grupo de homens das duas empresas e grupo de mulheres das duas empresas; estudantes (sexo masculino e feminino) e aqueles que trabalham nas empresas. O método adotado para a análise de conteúdo foi misto, ou seja, foi feita uma análise parcialmente apriorística, no sentido de que procuramos inferir alguns conteúdos segundo um quadro teórico-descritivo previamente existente (de Moscocivi sobre a influência de minorias e de Mugny sobre os estilos de comportamento). Mas a análise foi também exploratória, ao tentar mapear conteúdos a partir das falas e das respostas espontâneas dos participantes às perguntas formuladas. Ou seja, como se pode ler a seguir na exposição dos tipos de categorias simbólicas encontradas, foi possível acrescentar outras dimensões não previstas no quadro teórico já exposto, tais como poder hierárquico e avaliações diversas, as quais constituiriam representações tanto de retóricas de estilos de comportamento quanto de outros aspectos envolvidos na construção do conhecimento do senso comum grupal pertinentes ao fenômeno observado.

Quadro das Categorias Temáticas

 

Discussão dos resultados

Neste estudo partimos da premissa de que, se as desigualdades numéricas entre homens e mulheres que ocupam cargos de chefia e de alta gerência não passa pela menor qualificação e pelo preparo da mão-de-obra feminina ou por características intrínsecas das mulheres que as impediriam de ter um bom desempenho nessas funções (cf. modelo “Lack of Fit”: Heilman, 2001), tais diferenças poderiam ser explicadas a partir da constatação de que os próprios profissionais e dirigentes das empresas criariam e facilitariam a permanência das barreiras ao avaliarem o desempenho das profissionais já contratadas ou a contratar. Seria uma questão de cognição social, suposição que vem sendo respaldada por diversas pesquisas norte americanas no campo da psicologia social e organizacional (cf. Apfelbaum & Hadley, 1986; Carli & Eagly, 2001; Eagly & Johannesen-Schmidt, 2001; Heilman, 2001; Kruse & Wintermantel, 1986; Yoder, 2001).

O estabelecimento de normas e de mecanismos de controle é uma prática histórica no mundo do trabalho. As organizações, a despeito das mudanças que vêm sendo percebidas a partir dos movimentos de globalização, de flexibilização produtiva, de assimilação de novas tecnologias de informação com a conseqüente desmaterialização das unidades de produção (Fridman, 2000), ainda praticam e prescrevem para seus profissionais um comportamento que seja adequado e enquadrado pelas hierarquias. Ainda que as hierarquias piramidais que governavam a era fordista tenham dado lugar às redes flexíveis e descentralizadas de produção e de tomada de decisão, a busca da flexibilidade produziu novas estruturas de poder e de controle, em que subsiste a concentração de poder, embora sem centralização (Sennett, 1999). Podemos então pensar que, pelo menos no que diz respeito às mulheres, existem expectativas de desempenho profissional atreladas a valores hierárquicos e de concentração de poder.

Observamos que os estilos Consistência e Flexibilidade predominaram nas representações da gestão feminina. O fato de a Consistência ter sido mais destacada na Empresa A (setor público) e a Flexibilidade ter sido a tônica na Empresa B (setor privado) pode ser entendido como tendência a uma representação da mulher que ocupa cargo gerencial no âmbito da empresa pública estatal que remete à instrumentalização das relações na empresa, que seriam, nesse caso, mais impessoais e orientadas para a busca de resultados, em contraste com uma representação mais voltada para o reconhecimento, a valorização da diversidade e a busca de negociação frente a diferenças individuais, quando a executiva trabalha em organização inserida num contexto mais competitivo, orientado pelo mercado. Mas é preciso atentar para o fato de que, se na Empresa A a Consistência é uma representação mais apresentada pelos homens, no conjunto e no mesmo ambiente (somando as representações de homens e de mulheres), essa é uma característica bastante mencionada pelos participantes em geral, como se a liderança, a partir da perspectiva masculina, predominasse ali. Ao mesmo tempo, ainda que em menor número, as mulheres das duas empresas indicaram outros critérios, tais como poder e diferentes formas de avaliação (vide Tabela 1).

 

Com relação às expectativas de mudança para a gestão feminina (vide Tabela 2), confirmou-se a tendência verificada na caracterização da gestão feminina como consistente (busca de resultados) e flexível (busca de negociação, adaptação): 52% dos homens apontaram a Consistência como atributo que melhora o desempenho da mulher gerente, enquanto que 35% das mulheres indicaram que a Flexibilidade aumenta a eficácia da gestão feminina. Aproximando esses dois conteúdos (Consistência e Flexibilidade) às orientações de papéis sexuais na família formalizados por Talcott Parsons e Bales em uma pesquisa de 1955 (citada por Lorenzi-Cioldi, 1988) – quais sejam: instrumental para o homem e expressivo para a mulher (a qual buscaria mais a integração social, cuidando dos aspectos emocionais e de coesão do grupo, manifestando interesse pelo outro) –, poderíamos perguntar se as representações de estilos de gestão masculina e feminina não seriam uma atualização de conteúdos que remontam ao passado.

 

É interessante observar que os profissionais das duas empresas utilizam conteúdos parecidos para caracterizar estilos de gestão masculina e feminina: essas representações parecem estar ancoradas na cultura ou no contexto organizacional. Mas, quando passam a falar de suas expectativas ou do que acreditam ser mais desejável numa gestão ou liderança, homens e mulheres reagem diferentemente, tendendo a reforçar o modelo tradicional que associa a gestão masculina à consistência e a gestão feminina à flexibilidade. Será essa uma indicação de que as mulheres não possuem ainda um modelo próprio e distinto de gestão, o que para os homens já está consolidado? Ou que os modelos de gestão valorizados tanto pelos homens quanto pelas mulheres têm mais a ver com a estrutura, a cultura organizacional e as expectativas (ligadas aos papéis e à divisão sexual do trabalho) das próprias empresas a que estão vinculados?

É interessante notar que as mulheres em ambas as empresas ressaltaram outras expectativas para a gestão feminina, tais como submissão ao poder e mérito individual; por outro lado, os homens da empresa privada também mencionaram submissão ao poder e aspectos gerais de modo expressivo. Ou seja, podemos supor que os homens da empresa pública preferiram usar uma linguagem mais neutra de estilo de comportamento consistente, assim como tenderam a se omitir quanto à questão do mérito individual, o que será tratado mais adiante na comparação da caracterização da gestão segundo gênero, em que o mérito individual foi considerado como característica masculina pelos próprios homens.

Na percepção do senso comum, a própria idéia de liderança costuma estar associada a atributos masculinos, portanto a liderança é um construto que tem um componente de estereótipo ou de ideologia de gênero. Uma das hipóteses iniciais do nosso estudo era a de que os grupos fora da empresa tenderiam a utilizar mais conteúdos estereotipados (cf. os estudos de Kruse & Wintermantel, 1986). Nesse caso, em situações metodológicas particulares (pesquisas em laboratório ou com estudantes, por exemplo) em que os participantes não tenham a vivência real da situação objeto de estudo, as diferenças baseadas em estereótipos tenderiam a ficar mais evidentes ou até exageradas. Essa hipótese, porém, não se confirmou. Quando comparamos as respostas dos profissionais das duas empresas com as dos estudantes (cf. Tabela 3), verificamos que, ao contrário, existem nos dois grupos respostas de conteúdo ideológico, de estereótipos de gênero, os quais inclusive predominam entre os profissionais (40% dos profissionais, contra 31% dos estudantes) quando contrastam a gestão masculina com a gestão feminina. A caracterização da gestão feminina feita pelos estudantes, sobretudo os do sexo feminino, elegeu a Flexibilidade (34% das respostas) e a Consistência (24%) como estilos predominantes. Com relação às expectativas ou ao que seria desejável para as gerentes mulheres, os profissionais dos dois sexos voltam a apontar principalmente a Flexibilidade (28%) e a Consistência (23%) como elementos de mudança, de maior eficácia para a gestão feminina, enquanto que os estudantes elegem a Autonomia (29% das estudantes do sexo feminino) e a Avaliação Social (23%). Podemos concluir que estereótipos e ideologias de gênero estão disseminados na cultura, fazendo parte das representações que circulam nos diferentes espaços, profissionais, acadêmicos e da vida privada, não dependendo de respaldo institucional.

 

Finalmente, buscamos sistematizar, reunir e contrastar a visão das próprias mulheres (estudantes e profissionais) e da totalidade dos homens (estudantes e profissionais) a respeito da gerente do sexo feminino. Conforme podemos observar na Tabela 4, os homens confirmam a representação da mulher gerente, que destaca a Flexibilidade, a Consistência e a Avaliação Social. As mulheres estudantes e as profissionais se vêem como consistentes, flexíveis e adaptadas ao poder hierárquico e às normas das empresas, sendo que as profissionais indicam também Sem Diferença de Gênero (17% das profissionais, conra apenas 3% das estudantes) e Avaliação Psicológica/Individual (12% profissionais, contra 3% estudantes).

 

O perfil que emerge para a executiva que é reconhecida como quadro de liderança nas empresas é portanto dilemático4 entre o resultado e a negociação, entre a percepção de valores e crenças sócio-ambientais e inter-grupais e a valorização do indivíduo. O que podemos sintetizar a partir desses resultados é que a mulher busca se afirmar no espaço profissional resolvendo o dilema entre assumir um papel diferente daquele que tradicionalmente tem sido atribuído a ela, mas mantendo suas particularidades e singularidades, alcançando reconhecimento pelo seu valor como indivíduo. O próprio movimento feminista tem encaminhado a reflexão sobre construção e afirmação de uma identidade feminina mais para o terreno da alteridade do que o do confronto, entendendo-se hoje que a desigualdade ultrapassa a diferença entre os sexos e inclui relações de complementaridade e interdependência social além de uma dimensão política (Costa, 2001).

Bourdieu (1999) sugere que a dominação masculina está tão entranhada na nossa civilização que nem mais a percebemos; ela constitui o núcleo central de uma representação que valoriza o homem e contribui para a construção de mecanismos de manutenção de uma cultura androcêntrica que vem se reproduzindo historicamente. Mas por outro lado, como ensina Foucault (1994, 1999), a relação de poder só existe onde há possibilidade de resistência. A questão que se apresenta então é o que fazer para transformar a situação de dissimetria social em que as mulheres se encontram no cenário profissional. Uma possibilidade seria a educação e a mobilização política. Mas faz-se também necessária uma mudança de paradigma, um deslocamento, que possibilite enfatizar o papel ativo e a responsabilidade da mulher como sujeito e agente dessa mudança.

Conclusões

Apesar de se tratar de um estudo exploratório inicial, pudemos esboçar algumas conclusões, mais no sentido de indicar possíveis hipóteses de trabalho futuro dentro desse campo. De modo geral, observamos uma tendência a não se representar diferenças de gênero no interior da cada empresa. Em parte, podemos alegar que as amostras reduzidas em termos de gênero prejudicaram a análise. Assim, a reunião dos dados obtidos nas duas empresas permitiu vislumbrar um padrão geral (cf. Tabela 4) a respeito das gestões feminina e masculina, em que as mulheres apresentaram com maior freqüência a resposta de que não há diferença entre os estilos das gestões feminina e masculina.

Ao mesmo tempo, tenderam a uma certa dispersão, não apresentando argumentos explícitos em comparação com os homens. Os homens, por sua vez, centraram-se mais na Flexibilidade e na Consistência (gestão feminina) e no Mérito Individual (gestão masculina), havendo um consenso intergrupal a respeito da avaliação social de recusa ao favorecimento masculino nesse ambiente, o que poderia ser interpretado como possível efeito do discurso “politicamente correto”. Por outro lado, a busca de indiferenciação entre estilos de gestão masculina e feminina por parte das mulheres parece ser uma forma de manifestar a reivindicação de igualdade.

É preciso ressaltar, contudo, que a representação dos homens mais explícita sobre o que é considerado válido em geral, mas manifestando o que seria a contribuição em particular da mulher no campo da gestão, contrastou com a tendência entre as mulheres de uma busca de pluralidade de critérios sobre o mesmo assunto. Porém, ao invés de interpretar esse fato como sinal de anomia, preferiríamos sugerir que se trata de um olhar das próprias mulheres, que tende a abarcar simultaneamente mais dimensões do trabalho de gestão, algo a ser mais elaborado futuramente com a própria consolidação prática da presença feminina no ambiente empresarial.

Assim, a nossa hipótese de partida de que a mulher adotaria um modelo masculino tanto de gestão, quanto de comportamento na empresa, foi parcialmente confirmada, pois observamos a predominância nos ambientes investigados de critérios adotados pelos homens, apesar de uma certa tendência a buscar um modelo próprio por parte das mulheres. Por outro lado, a hipótese de representação da gestora feminina como rígida não foi diretamente confirmada, ainda que o predomínio do estilo oposto (Flexibilidade) como tipicamente feminino – tanto na caracterização da gestão da mulher quanto nas expectativas para um melhor desempenho das executivas – possa ser tomado como certa intolerância por parte dos homens a uma possível rigidez feminina, considerada como característica da gestão masculina por ambos os grupos segundo gênero.

 

 

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Endereço para correspodência
E-mail: leonora.corsini@terra.com.br


Manuscrito recebido em: 08/10/2003
Envio de pareceres aos autores em: 04/03/2004
Aprovado para publicação em: 05/04/2004

 

 

Notas

1 Mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutoranda da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2 Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3 Texto de apresentação do questionário: “Estamos investigando os estilos de gestão adotados ou a serem adotados na nossa sociedade, por meio de avaliações feitas por pessoas que atuam profissionalmente nas organizações. A sua contribuição, pessoal e única, é imprescindível para conhecermos melhor esse assunto relevante. Portanto, não existem respostas certas ou erradas, adequadas ou inadequadas, mas apenas a sua opinião, a ser conhecida e levada em conta por nós. Agradecemos sua participação!”. Questões: a) Caso você fosse chefiado por uma mulher (independentemente de já ter tido ou não esta experiência), como imaginaria o seu estilo de gestão? Poderia apresentar exemplos? b) O que você acha que as mulheres poderiam fazer para aumentar sua eficácia profissional no trabalho, quando têm sob sua responsabilidade gerenciar a produção de outras pessoas? c) E quanto aos homens, o que poderia aumentar sua eficácia gerencial? d) Como caracterizaria, a partir da sua experiência ou de suas observações, um estilo de gestão masculina no trabalho? e) Contrastando estilos de gestão de homens e mulheres, você acha que existem diferenças? Caso afirmativo, quais seriam elas?
4 Michael Billig propõe a noção de dilema como uma tensão que se verifica sempre que se tem que efetuar uma escolha sem possibilidades de se predizer o resultado. A tensão dilemática envolve uma idéia de risco. Para mais detalhes sobre os dilemas ideológicos vide Billig, 1988.

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