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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

Print version ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.13 no.1 São Paulo  2010

 

Artigos originais

 

“Mulheres guerreiras”: identidade feminina e profissional entre vendedoras ambulantes da cidade de São Paulo

 

“Female warriors”: feminine identity and occupational identity among street vendors in the city of São Paulo

 

 

Marcos Roberto Vieira GarciaI; Adriana SegreII; Alessandra Fernandes BaccaroII; Lígia Maria SilvaII; Luciclécia CostaII; Miriam Simões CândidoII

IUniversidade Federal de São Carlos (Campus Sorocaba)
IIUniversidade Paulista (Campus Vergueiro)

Endereço para correspondeência

 

 


RESUMO

Este artigo se originou de uma pesquisa qualitativa realizada por meio de entrevistas semi-abertas com 20 mulheres vendedoras ambulantes da cidade de São Paulo. A pesquisa buscou investigar como se articulam as questões de trabalho e de gênero entre estas mulheres, a partir do referencial da identidade na Psicologia Social. Os resultados mostraram que o comércio ambulante aparece para elas como alternativa ao desemprego. Como em outras atividades do setor autônomo da economia, há entre elas constante sub-remuneração, implícita na elevada carga horária e no emprego de familiares no preparo das mercadorias a serem vendidas: geralmente comida em suas diversas formas. A produção de comida mostrou uma relação de continuidade com as representações de feminilidade mais comuns em nossa sociedade. Sua comercialização nas ruas, porém, implica em um rompimento com as prescrições de gênero na cultura brasileira, que associam a rua a um lugar masculino. As consequências da opressão de classe e de gênero em relação a estas mulheres mostraram a necessidade de incentivo ao cooperativismo entre elas, possibilitando um enfrentamento desta opressão.

Palavras-chave: Vendedores ambulantes, Identidade feminina, Identidade profissional.


RESUMO

This paper is the result of a qualitative survey conducted among twenty female street vendors in the city of São Paulo. The survey sought to investigate how issues of work and gender are articulated among these women, on the basis of perspectives of identity in Social Psychology. The results showed that street commerce appears to them as an alternative to unemployment. As with others who are self-employed, these women are subject to constant underpayment, which is implicit in the long hours worked and the engagement of relatives in preparing items for sale – usually food in various forms. Food preparation exhibits continuity with the most common representations of femininity in Brazilian society. But selling food in the street entails a break from gender roles in Brazilian culture, which looks upon the street as a place for men. The consequences of class and gender oppression for these women demonstrate the need to provide incentives for them to set up cooperatives among themselves, to allow them to confront such oppression.

Keywords: Street vendors, Feminine identity, Occupational identity.


 

 

Introdução

O presente artigo surgiu de uma pesquisa de campo voltada à compreensão da identidade de mulheres que trabalham como vendedoras ambulantes na Região Metropolitana de São Paulo. Situa-se desta forma, no intercruzamento dos estudos de classe e de gênero, buscando entender como as formas de dominação presentes nestes dois campos se articulam. Para se discutir este tema, serão feitas nesta introdução algumas considerações a respeito da questão da identidade. Em seguida, abordaremos o funcionamento do setor autônomo da economia, no qual a ocupação de ambulante se situa. Finalmente serão discutidas a participação da mulher no mercado de trabalho e sua inserção histórica no comércio ambulante.

Nos desenvolvimentos teóricos da Psicologia Social, o conceito de identidade que teve mais influência ao redor do mundo foi o proposto por Henri Tajfel, na que passou a ser denominada Social Identity Theory. Tajfel (1983) define a identidade social como a “parcela do autoconceito de um indivíduo que deriva do seu conhecimento da sua pertença a um grupo (ou grupos) social, juntamente com o significado emocional e de valor associado àquela pertença” (p. 290). A partir desta definição, Tajfel e alguns seguidores buscaram entender como se daria o processo da formação da identidade nos grupos sociais, propondo uma concepção universalista do fenômeno, baseada em evidências experimentais. Nestas experiências, os sujeitos mostravam uma tendência a acentuar as diferenças entre os grupos e as similaridades dentro de cada um dos grupos, buscando distinguir positivamente o próprio grupo em detrimento dos demais, o que levou Tajfel (1983) a propor que a identidade social seria sempre “positiva” uma vez que era calcada no favorecimento relativo do próprio grupo de pertença1. As críticas direcionadas à Social Identity Theory foram baseadas principalmente no fato de que suas premissas desprezavam uma necessária análise “macrossocial” das condições dos grupos estudados, o que implicava em localizar o processo de formação da identidade positiva, descrito como algo específico de países capitalistas centrais e como algo não aplicável a grupos submetidos a um processo histórico de dominação2.

Nos últimos anos, o conceito de identidade permanece tema de inúmeras pesquisas na área, como mostram algumas revisões dedicadas ao tema3. Nestas, parece haver uma progressiva aproximação com as concepções sociológicas de identidade, sem abandonar, contudo, a dimensão grupal como objeto central de análise. Por serem construídas como posições dentro do campo simbólico de uma cultura, como mostra Duveen (2001), as identidades são sempre, em alguma medida, construídas externamente ao indivíduo ou seu grupo, ao mesmo tempo em que organizam os significados aos sujeitos, provendo-os com um sentido de estabilidade. Assume-se que o tema da identidade é necessariamente complexo, uma vez que cada um de nós incorpora diferentes identidades, ativadas em determinadas ocasiões (Cassidy & Trew, 1998), e que estudos voltados a uma só modalidade de identidade – como de raça ou de gênero – acabam por excluir populações particulares que porventura se organizem identitariamente de maneiras diversas (Frable, 1997).

No Brasil a discussão acerca do tema da identidade na Psicologia Social é bastante marcada pelas considerações de Ciampa (1984, 1987), que busca relacionar a formação e a transformação das identidades com a sociedade mais ampla, uma vez que estas, “no seu conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo em que reagem sobre ela conservando-a ou a transformando” (Ciampa, 1984, p. 67). De acordo com este mesmo autor, apesar da identidade de uma pessoa ser vista como um dado, ela na verdade não se esgota em si mesma, sendo um “dando-se”. É um processo de sucessão temporal sendo “reposta” na relação social, a cada momento, por meio da confirmação desta representação e da identificação no desempenho de um papel. É por meio dessa relação social estabelecida pelos indivíduos que buscamos entender como vivem algumas de nossas “Severinas”, quais são suas condições reais do cotidiano, como disputam o espaço nas ruas e como lidam com as tarefas do ambiente doméstico.

 

O setor autônomo da economia

A Classificação Brasileira de Ocupações descreve a atividade dos vendedores ambulantes da seguinte forma:

Vendem mercadorias em vias e logradouros públicos. Estipulam prazos e condições de pagamento e fornecem descontos nos preços. Planejam atividades de vendas e definem itinerários. Compram, preparam e transportam mercadorias para venda, visitam fornecedores, fazem levantamento de preços e negociam preços e condições de pagamentos. Providenciam licença para exercer a ocupação (Ministério do Trabalho, 2008).

Por geralmente trabalharem por conta própria, ainda que frequentemente incluindo outros familiares na atividade, os vendedores ambulantes pertencem ao que se denomina setor autônomo da economia. Para Singer (1979), o setor autônomo é composto por empreendimentos individuais e seu produto se destina ao mercado. Temos como exemplo deste setor: explorações camponesas, comércio varejista, prestação de serviços, artesãos e profissionais liberais. Apesar de essas atividades poderem ser substituídas pela empresa capitalista, sua sobrevivência se dá porque seus participantes podem empregar pessoas da família sem a necessidade de remuneração, trabalhar no mesmo local onde moram, além do fato de muitas vezes não serem tributáveis. Mesmo assim, há, para o autor, uma constante subremuneração nesse segmento.

O setor autônomo, ainda para Singer (1979), absorve a força de trabalho excedente desempregada. As atividades que constituem esse setor são aquelas que não interessam às empresas capitalistas, por não haver uma compensação pelos gastos com tecnologia e pessoal ou por serem atividades com produtividade mínima. O setor autônomo, desta forma, é constituído, para este autor, por “desempregados disfarçados”, que, por algumas características, encontram dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho. Entre estas características estão: a falta de escolarização, o desejo de permanecer em sua terra natal e o preconceito por parte das empresas em relação à raça, sexo e idade e problemas de doenças físicas ou mentais. O setor autônomo funciona, desta forma, como uma espécie de contraponto à economia capitalista, aumentando nos períodos de desemprego e tendo parte de seus trabalhadores recrutados por esta nos períodos de maior empregabilidade. Singer (2003) aponta que os desempregados, que em grande parte constituem o setor autônomo, surgiram e se multiplicaram no Brasil por diversos motivos:

- pela migração dos trabalhadores da zona rural para a zona urbana que aconteceu juntamente com o crescimento e desenvolvimento das indústrias no Brasil;

- pelo surgimento e crescimento tecnológico, onde milhares de trabalhadores foram substituídos por máquinas e computadores;

- pela falta de preparo e de qualificação profissional devido à tecnologia;

- pela falta de estrutura e acesso da população para essa qualificação profissional;

- pela globalização, que fez aumentar a concorrência devido à abertura dos mercados e que, por sua vez, agrava a questão da exclusão social.

Com a abertura dos mercados, o mundo tornou-se mais receptivo e mais acessível, mas juntamente com essas facilidades e oportunidades vieram também mudanças e problemas que afetaram as estruturas do mercado de trabalho, que já eram precárias. Neste contexto, o desemprego e a exclusão do trabalho formal fizeram surgir um novo setor autônomo. Para Singer (2003), os desempregados e os “socialmente excluídos” tiveram que arranjar outra forma de se sustentar, por meio de “bicos”, prestações de serviço, comércio ambulante, mendicância e prostituição. Deixaram de possuir as compensações que as leis do trabalho formal ofereciam como férias, 13º salário, FGTS, para assumir uma nova ocupação ainda mais precária e insegura. Neste sentido, Melo e Teles (2000, p. 10)4, comentam que a atividade ambulante seria “o refúgio da mão-de-obra desqualificada e excluída do emprego rural ou industrial”.

De forma concordante com as observações de Singer (2003) expostas, Salvitti, Viégas, Mortada e Tavares (1999) mostraram um movimento pendular entre os mercados de trabalho formal e informal entre os camelôs paulistanos de ambos os sexos estudados, que oscilavam entre o sonho de um emprego fixo e o de um pequeno negócio, sonho idêntico ao descrito por Ramires (2002) em estudo com a mesma população.

 

A mulher no mercado de trabalho

Diferentemente do que era comum às mulheres burguesas, aquelas de segmentos populares estiveram frequentemente inseridas no mundo do trabalho. Soihet (2001) observa que estas mulheres, no Rio de Janeiro do início do século XX, em pleno processo forçado de “modernização” pelos padrões europeus de então5, ali

(...) exerciam os desvalorizados trabalhos domésticos, fundamentais na reposição diária da força de trabalho de seus companheiros e filhos; como ainda produziam para o mercado, exercendo tarefas como lavadeiras, engomadeiras, doceiras, bordadeiras, floristas, cartomante e possíveis biscates que surgissem (p. 365).

Na mesma cidade e momento histórico, Esteves (1989) observa a liberdade que tais mulheres tinham de se movimentar pelas ruas cariocas, muitas vezes sozinhas e desacompanhadas, e a possibilidade de vivenciarem a relação amorosa e sexual de forma diferente daquela baseada nas normas rígidas baseadas na honra feminina, presente nos discursos médicos e jurídicos que emanavam dos segmentos economicamente mais favorecidos. A permanência na “casa” e a proibição a outro trabalho que não o doméstico eram mais incisivas para as mulheres burguesas, que tinham que corresponder mais proximamente às exigências de submissão, recato e fragilidade a elas direcionadas. As mulheres de camadas populares, ao contrário, muitas vezes não eram casadas e, quando o eram, frequentemente reagiam ao companheiro – que diferentemente do burguês, nem sempre cumpria seu papel de provedor – buscando, para subsistir, alguma das atividades profissionais citadas anteriormente (Soihet, 2001).

Embora algumas atividades profissionais tenham sido historicamente ocupadas por mulheres no Brasil, há um consenso entre os estudiosos do tema de que houve uma expansão das mulheres no mercado de trabalho no Brasil ao longo da segunda metade do século XX, que se intensificou em décadas mais recentes.

De acordo com Bruschini (1990) foram várias as razões que levaram as mulheres para o mercado de trabalho, principalmente a partir da década de 70. A principal delas foi a necessidade econômica que as obrigou a buscar fora do lar uma complementação para a renda familiar. Com a elevação, na década de 70, das expectativas de consumo, mediante o aumento considerável de novos produtos e da grande promoção que deles se fez, vieram a expansão do mercado, a crescente urbanização e a aceleração do ritmo da industrialização, que favoreceram a incorporação de novos trabalhadores, inclusive do sexo feminino. Neste período grandes transformações ocorreram nos comportamentos e nos valores relativos ao papel social da mulher. Elas passaram a ser cada vez mais atuantes nos espaços públicos, reduziram o número de filhos, expandiram sua escolaridade e o seu acesso às universidades.

Dentre as alterações mais recentes no perfil da força de trabalho feminina, uma das mais importantes a serem destacadas é o seu maior nível de instrução, quando comparado ao dos homens brasileiros (Rago, 2001). Bem qualificadas e relativamente baratas, se comparadas aos homens, as mulheres conquistaram espaço no mercado de trabalho e passaram cada vez mais a recusar a identidade de dona-de-casa. Conceitos foram questionados e novos espaços reivindicados quando as mulheres ultrapassaram os limites do mundo privado em busca do direito ao trabalho remunerado e à cidadania. O aumento das responsabilidades assumidas pelas mulheres trabalhadoras no provimento da família exigiu a elaboração de direitos trabalhistas para as famílias, a fim de garantir a sua permanência no emprego.

No Brasil, a legislação trabalhista possibilitou alguns direitos que garantiram à mulher um tratamento diferenciado ao do homem, mas há, até hoje, falhas na concretização dos mesmos. Ao mesmo tempo em que o Estado parece reconhecer que o cuidado dos filhos é responsabilidade feminina, não há condições plenas para que elas possam exercer suas funções econômicas no mercado de trabalho. Muitas vezes, elas se sujeitam a trabalhar em condições mais precárias do que a dos homens por não lhes restar opção. A legislação é omissa quanto à elaboração de um horário mais flexível para que a mulher possa trabalhar e conciliar as suas atividades de trabalhadora e mãe, ou até mesmo quanto à obrigatoriedade do Estado em ofertar vagas em creches e em escolas para o cuidado dos filhos durante o expediente das mães.

A falta de flexibilidade e de reconhecimento profissional do trabalho feminino formal faz com que muitas mulheres busquem alternativas precárias de trabalho, como o doméstico e o comércio ambulante, que envolvem geralmente longas jornadas de trabalho, elevada informalidade e baixos rendimentos resultantes.

Outro fato a ser destacado é a questão da dupla jornada, pois, segundo Bruschini (1990), são sempre as esposas que se encarregam da maior parte do serviço doméstico, uma vez que, ainda que tenham alguma ajuda, são elas as responsáveis pelo planejamento, distribuição e cobrança das tarefas diárias. No que diz respeito à participação dos maridos nas tarefas domésticas, é nítida a dificuldade que as esposas encontram em obter ajuda, muitas vezes incorporando a ideia de que o trabalho doméstico é mesmo atribuição feminina.

 

Mercado informal e participação das mulheres

Entre as atividades do setor autônomo procuradas por pessoas com dificuldade de inserção na economia capitalista, encontra-se o de comerciante autônomo, que exerce atividade nas ruas em espaço limitado, e que popularmente é conhecido no Brasil como camelô. Para Ramires (2002) os vendedores ambulantes foram sempre marginalizados na sociedade, estando acima apenas dos mendicantes em termos de status social. Para este autor, a atividade dos ambulantes não é escolhida, mas decorre de contingências da história de cada um. Pressionados pela falta de oportunidade de trabalho assalariado, ingressam no comércio de rua por necessidade. Não tendo lugar e capital para instalar um estabelecimento comercial, ficam nas calçadas. Não podendo pagar impostos dessa sua atividade, vivem na clandestinidade tributária à luz do dia.

Ao invés de serem vistos como membros pertencentes à sociedade e, como tais, merecedores de participação digna na produção social, os ambulantes são comumente vistos como estorvo, uma vez que atrapalham a circulação de pessoas e veículos, além de contribuir para a degradação da beleza da metrópole.

Segundo Da Matta (1984), existe uma força simbólica na oposição casa/rua que colabora com a representação negativa da participação do ambulante. De um lado temos a casa como lar, local de segurança, onde sabemos quem somos e quem são os que nos cercam, podendo assim, interagir com segurança. Nosso lar é a nossa fortaleza, onde podemos relaxar, nos esconder, onde estamos protegidos, principalmente sob uma forte moral. De outro, a rua, a selva, lugar incerto onde surpresas indesejáveis ocorrem. Lá estão as “mulheres de rua”, a comida que não é caseira, o desafeto para o qual não haverá promoção de entendimento.

Para Da Matta (1984) “a rua é equivalente à 'dura realidade da vida'. O fluxo da vida, com suas contradições, durezas e surpresas, está certamente na rua...” (p. 29). Enquanto na casa predominam sentimentos de honra e respeito, na rua predominam a desconfiança e a insegurança. São sentimentos próprios do brasileiro, para ele, que a rua não é lugar onde se pode enriquecer honestamente.

Segundo Melo e Teles (2000) a atividade de ambulante é predominantemente masculina com tendência crescente na participação feminina. Se incluirmos as vendas “porta-aporta”, porém, que incluem aquelas de alimentos e produtos de beleza, a participação feminina chega a 40%. Para os mesmos autores, um dos principais fatores da entrada da mulher neste setor, além da falta de oportunidade no mercado formal de trabalho, é o da flexibilidade de horários, que permite a conciliação da atividade com os afazeres domésticos. Apesar disso, ressaltam algumas dificuldades inerentes a essa ocupação, que se potencializam para as mulheres que a exercem, como aquelas que solicitam respostas corporais frente à disputa de pontos, perseguição de fiscais, assaltos etc.

 

Pesquisa de campo

Frente à carência de estudos específicos sobre o tema, buscamos realizar uma pesquisa de campo com mulheres ambulantes, focando a relação entre as questões de gênero e de trabalho entre elas, utilizando-nos do referencial da identidade, comum à Psicologia Social. O objetivo geral da pesquisa foi o de analisar a relação entre a identidade feminina e a identidade profissional entre vendedoras ambulantes da cidade de São Paulo. Como objetivos específicos, buscamos enfocar o cotidiano dessas mulheres, em especial em relação à questão da chamada “dupla jornada”, e a forma como se dá sua inserção em um território considerado “masculino” – a rua – com os riscos decorrentes da disputa pelo espaço público. Procuramos analisar também o histórico profissional destas mulheres e seus projetos profissionais futuros.

A pesquisa de campo foi realizada com 20 mulheres ambulantes com pontos fixos de venda, que foram abordadas em seus locais de trabalho, em horários de pouco movimento de clientes. Em relação aos bairros, foram entrevistadas: nove vendedoras ambulantes na região da Rua 25 de Março, cinco em Santo Amaro, três em Moema, duas na Liberdade e uma no Tatuapé. A modalidade de entrevista utilizada foi a semi-aberta, com roteiro de temas estabelecido a partir dos objetivos descritos anteriormente. As entrevistas foram gravadas e transcritas com o consentimento livre e esclarecido das entrevistadas6. No geral, as mulheres pesquisadas se mostraram solícitas à participação na pesquisa. Como intercorrências frequentes, tivemos interrupções momentâneas em várias das entrevistas, para que as ambulantes efetuassem suas vendas e, até mesmo, para esquivarem-se da fiscalização.

Os dados foram submetidos à analise qualitativa, por meio da técnica da análise categorial de conteúdo.

 

Resultados e discussão

A maioria das entrevistadas era casada, com poucos filhos (até dois) e com escolaridade de nível fundamental incompleto. O tempo médio de ocupação como vendedora ambulante entre elas foi de 10 anos.

Em relação aos produtos comercializados, a grande maioria situava-se no setor de alimentos. Entre eles: doces, bolos, trufas, lanches e marmitas. Estes produtos eram quase sempre produzidos por elas mesmas, muitas vezes com a ajuda de outros membros da família. A produção e venda de alimentos no comércio ambulante são, como vimos, elementos presentes há muitas décadas nas grandes cidades brasileiras e um recurso frequente exercido por mulheres de camadas populares. Ao lado de atividades como o cuidado de crianças, com as roupas e com a limpeza da casa, o “fazer comida” é uma atividade tida tradicionalmente como feminina no Brasil, o que levou gerações de mulheres pobres a buscar exercer estas atividades como meio de subsistência, como ocorre também com as mulheres aqui pesquisadas.

Os resultados da pesquisa são altamente concordantes com as ideias desenvolvidas por Singer (1979) a respeito do setor autônomo da economia. Para ele, este setor sobrevive na competição com a economia capitalista devido ao fato das pessoas se sub-remunerarem, além do fato de constantemente se empregarem outros familiares no mesmo negócio, sem haver remuneração por este trabalho, e de haver uma frequente não-tributação das atividades. Pudemos observar estes elementos fortemente presentes entre as entrevistadas. Muitas delas recorrem a outros familiares para a produção do que é comercializado por elas, especialmente em relação aos produtos alimentares. Buscam também uma “compensação” à sub-remuneração por meio do aumento da carga horária de trabalho. Esta era bastante elevada, tanto em termos de horas diárias trabalhadas, como por incluir também muitas vezes os sábados e/ou domingos 7. Algumas falas das entrevistadas resumem esses pontos:

O lucro da gente é muito pequenininho. Então tem que ser dois a trabalhar, pra juntar os dois e tentar pagar uma conta (Amanda, 62 anos);

O meu dia é... Levantar todo dia cinco e meia, vim pra cá, chegar aqui seis e meia, aí começa a rotina, vai no açougue, vai no mercado e... (Marina, 40 anos);

Bom, eu levanto cinco e meia da manhã, arrumo a menina pra ir pra escola, tomo café e tento pegar o ônibus cheio pra vir pro parque... Até dez horas da noite... De final de semana eu chego aqui lá pelas oito, nove horas e lá pelas seis eu estou indo embora (...) Que a gente vira escravo da gente mesmo. Porque mesmo que esteja frio você vem, se está ameaçando chuva você fica naquela expectativa de que pode chover, você vem assim mesmo, assim né? (Viviane, 41 anos);

A gente trabalha muito, talvez a gente ganha um pouquinho mais do que trabalha fora, em outro serviço, pelo fato da gente trabalha muito, tá? Você não tem tempo pras coisas, você trabalha direto, porque é pra você, mas só que... (Lisa, 41 anos).

A situação de “desemprego disfarçado” dos que ocupam o Setor autônomo da economia, conforme a descrição de Singer (1979), era evidenciada nos discursos das entrevistadas, que mostravam frequentemente a atividade de ambulante como fruto de uma dificuldade de inserção no setor formal da economia como assalariadas8. O recurso à ocupação de vendedora ambulante foi citado por elas como causado principalmente pela falta de oportunidade de emprego em outras áreas e como alternativa ao emprego doméstico9:

Melhor do que trabalho doméstico. De preferência eu ia... queria numa firma, já que eu não arrumei (Marina, 40 anos);

Aí eu trabalhava em casa de família e aí num tava suprindo as necessidade, aí eu comecei a fala com Deus. Do que eu tava precisando, do que eu tava passando. Tinha o meu esposo, também, só que ele tava no Rio, aí depois ele veio pra cá, mais aí demoro um pouco. Aí, o rapaz que trabalhava aqui neste ponto, ele viajou, aí ele precisava de uma pessoa pra fica aqui pra num fecha, pra num perde a freguesia, aí a esposa dele me chamou, aí eu vim (Elaine, 43 anos);

Ah, foi porque o mercado de trabalho está muito competitivo. E não é todo mundo que tem espaço dentro dele com isso eu conheci uma pessoa e essa pessoa me levou lá pra dentro do bolsão. E lá eu comecei a trabalhar lá com a minha patroa e nisso eu estou há dois anos com ela (Dóris, 26 anos).

Apesar disso, não podemos tomar esta condição de uma forma puramente negativa, como fruto apenas de uma impossibilidade de escolha, já que algumas referiram como vantagens de serem vendedoras ambulantes o fato de não se ter “patrões” e a maior liberdade em relação aos horários cumpridos10. Ainda que possamos questionar se elas de fato não se encontram “presas” a uma rotina de trabalho mais estafante do que a maior parte das assalariadas, consideramos que podemos observar aqui uma recusa à ordem formal do trabalho da economia capitalista:

Trabalho de ambulante porque você não tem ninguém pra perturbar você, se você chega atrasado, você não tem satisfação pra dar a ninguém, você dá pra você mesmo. É isso que eu vejo (Marina, 40 anos);

É porque se eu cismar que eu não quero vir eu não venho, não tenho um patrão para estar me mandando, não tem ninguém para estar me vigiando se eu estou trabalhando bem ou se eu não estou (Viviane, 41 anos).

A ocupação do espaço público, especialmente em uma atividade não-legalizada, contudo, traz diversas consequências sobre a vida profissional dessas mulheres. O espaço público é como vimos, um local tido como masculino em nossa cultura, ainda que as mulheres de camadas populares tenham sistematicamente ocupado as ruas ao lado dos homens. Lugar de desconfiança e insegurança por excelência, como mostra Da Matta (1984), as ruas são também locais privilegiados das estratégias de controle social, destinadas à modernização das cidades e ao controle dos segmentos populares, como mostram Esteves (1989) e Soihet (2001). No caso das entrevistadas de nossa pesquisa, a ocupação de um espaço público muitas vezes ameaçador e a frequente ação policial11 voltada a coibir o comércio ambulante se mesclam, deixando-as sob um frequente sentimento de receio de perda das mercadorias e da violência:

Já sofri com a perseguição, também já tive perda de mercadoria, tudo, mas graças a Deus Papai do Céu nunca deixou que faltasse (Mafalda, 63 anos);

Tem que saí, mesmo que tenha a licença, tem que saí. Tem que sair correndo (Rosana, 28 anos);

É muito difícil pra trabalhar que já perdi a barraca quatro vezes. Hoje tenho um carrinho desse e faz mais ou menos um mês que eu perdi um carrinho de hot-dog novo completo (Juliana, 39 anos);

A gente trabalha praticamente clandestino, né? Então tem que se... Se bobear pode até perder tudo (Marta, 43 anos).

A ação de fiscais e policiais sobre o comércio ambulante depende evidentemente dos projetos que as administrações municipais têm em relação à cidade, como mostra Costa (1989). No presente caso, foram comuns as referências a um recrudescimento das ações de controle ao comércio de rua no período em que as entrevistas foram feitas (segundo semestre de 2007), na gestão do prefeito Celso Kassab. É interessante a associação feita por algumas entrevistadas entre a aprovação da Lei da Cidade Limpa, ocorrida no final de 2006 e que visa coibir a poluição visual por meio da regulamentação dos anúncios, com as ações de “limpeza” da cidade dos ambulantes, presentes na mesma gestão:

Porque eles não querem, eles querem cidade limpa. Eles querem a cidade limpa, sem ambulantes (Paula, 34 anos);

Porque agora nosso prefeito fala que a cidade tem que estar limpa. Então a gente estando aqui na rua a gente está atrapalhando o projeto dele (Marta, 43 anos);

... Você vê essa perseguição do prefeito aí com a gente na rua, então eu não quero isso pro meu filho (Amanda, 62 anos);

É, agora, fiscal não, agora é os guarda metropolitano. É mais eles pegam, eles entram aqui e se não tiver com o auxiliar de banca, eles prende a mercadoria (Lorena, 35 anos).

A ação policial se reflete em intenso sofrimento psíquico por parte das entrevistadas, que aparece não somente sob a forma de um medo da violência, mas também como um sentimento de humilhação pelo não reconhecimento da própria ocupação:

É uma coisa terrível, é um terror que você sente e aquilo, você fala, Deus como eu vou conseguir repor isso, pra você ter que fazer o dinheiro, como você tem que pagar o coqueiro, tem que pagar o mercado, tudo isso, tudo isso... (Mafalda, 63 anos);

Você trabalha com medo. Cada viatura que você vê, você sai correndo, aí você derruba churrasco, você quebra litro de bebida, o meu carrinho de cachorro quente, levaram tudo, quebraram tudo, bebida... (Juliana, 39 anos);

Porque o perigo é bem próximo, porque a polícia corre lá pra dentro você não sabe ao que você está exposto, porque é um lugar em aberto, uma hora pode acontecer um acidente com você (Doris, 26 anos);

Ah, muito, muito, muito, eles perseguem muito, muito a gente, viu? Dá a impressão que a gente sempre é marginal. Nunca a gente é gente assim comum, nunca a gente é trabalhador, porque eles chegam e dizem: vou apreender sua mercadoria, vou prender seu carro, como se a gente fosse o quê, sabe? (Amanda, 62);

Os guarda na rua, que agora a PM não pega mais ladrão, pega trabalhador. Infelizmente... (Elaine, 43 anos).

Apesar dos riscos envolvidos, a rua assume em alguns momentos para elas também o status de um local de exercício da liberdade. Associada à liberdade frente ao “patrão” apontada anteriormente, a permanência em um local aberto e o fluxo maior de pessoas permite uma diversidade de contatos que as agrada12:

Estou satisfeita com a minha atividade, porque é uma coisa assim, que a gente conversa com todo mundo, eu converso com todo mundo, eu tenho essa liberdade, é um, é outro, oi Doutor? Como vai o senhor? (Mafalda, 63 anos);

A gente conhece muita gente. Inclusive você [risos]. É ótimo. A rua é muito boa, eu gosto da rua. Então a gente conhece muita gente e vê todas as qualidades, então isso é muito bom (Gabriela, 59 anos);

Eu gosto da minha atividade porque é uma atividade de lidar com o público. E isso é do meu gosto (Dóris, 26 anos).

O desgaste associado à carga horária intensa e as formas de sofrimento psíquico experienciadas levam ao desejo quase onipresente de descanso ou aposentadoria, no caso das que tem mais idade, ou ao desejo de se qualificar profissionalmente para um futuro exercício de uma ocupação menos penosa, comum entre as mais jovens:

Descansar, descansar mais um pouco porque isso aqui é muito cansativo (Areta, 37 anos);

E... Se Deus me dá licença de aposentar um dia, é viver minha velhice... É curtir minha velhice. Se Deus me permitir (Marina, 40 anos);

Ah, que queria fazer uma faculdade mesmo, eu sou louca pra fazer uma faculdade, terminar os estudos, ser enfermeira, pretendo, ou ser secretária também (Andrea, 23 anos).

Da mesma forma que os camelôs estudados por Ramires (2002) elas alimentam continuamente o sonho de deixar o comércio de rua. A solução mais comum por elas imaginada para lidar com o desgaste e o sofrimento relacionado à atividade é a de serem donas de um pequeno comércio, com ponto fixo13:

Queria montar um negócio meu mesmo. Uma coisa minha, sair da rua. Aqui é meu trabalho, mais eu queria sair da rua. Que é muito sacrificado, sabe? Ce aguenta humilhação de fiscais, você aguenta humilhação da prefeitura, sabe? (Roberta, 46 anos);

Ah, tenho... Sonhos, né? [risos] Projeto da gente é sonho. É porque é difícil você junta uma renda para você fazer algo, mas eu sonho em ter um comercio meu mesmo, esse é o desejo do meu coração (Elaine, 43 anos).

Esse projeto, contudo, parece quase sempre distante, resultado de um longo tempo de sua ocupação como ambulantes e da falta de perspectivas a curto e médio prazo. A dura realidade nas ruas vai aos poucos impedindo a própria possibilidade de sonhar ou tornando este sonho cada vez mais improvável ou menos ambicioso, como fica patente no uso do diminutivo em algumas falas (grifos nossos):

Ah, eu teria vontade de, sabe, alugar um armazenzinho, botá uma doceria, uma lanchonetezinha, uma coisinha qualquer, porque essa vida aqui é meio ingrata (Amanda, 62 anos);

Nós adoramos. Ainda a coisinha que nós queríamos ainda, com tudo que nós temos esse carrinho, nós gostaríamos de abrir uma portinha...” (...) “Nunca é tarde pra gente sonhar, então eu tenho, a gente tem esse projeto de abrir a portinha, não queremos uma coisa, coisinha pequena, assim tá bom (Mafalda, 63 anos).

A impossibilidade prática de mudança da ocupação (lembremo-nos aqui que o tempo médio de exercício do comércio ambulante entre elas é de 10 anos) leva muitas delas a transferir para a próxima geração o sonho de um trabalho menos precário. Foram constantes as entrevistadas que referiram o desejo dos filhos terem uma educação formal mais longa (ou o orgulho pelos que já haviam conseguido isso) e a preocupação de que eles não exercessem a mesma atividade que elas:

Mas eu ainda penso em ajudar meu filho pra deixar ele bem, com a vida, com o futuro dele bem, porque no momento mesmo eu penso assim, tudo o que eu faço é pensando no meu filho, sabe? Então tudo o que eu penso é assim, eu quero ajudar meu filho pra quando eu for dessa eu vou descansada e também não quero que ele tenha a vida que eu tenho (...) não quero isso pro meu filho, eu quero que ele tenha uma boa escola, um bom estudo, um bom trabalho (Mariana, 62 anos);

Ah, conseguir guardar um dinheirinho pra poder a minha filha estudar. Porque se Deus quiser eu quero que ela faça uma faculdade. Eu não fiz, não tive oportunidade, mas eu quero que ela tenha, mas pra mim. (...) Eu preferia que ela tenha um emprego fixo. Que ela não tenha que ficar no sol o dia inteiro, pega chuva. Eu prefiro que ela tenha um serviço fixo (Viviane, 41 anos);

Não, o meu filho ele fica... ajuda o meu pai na barraca dele, mas já minha filha não, já faz faculdade. Está fazendo engenharia. O meu filho não quer estudar, paciência. Não quer porque é um burro na vida (Roberta, 46 anos);

Quero que elas estudem, façam uma faculdade e não trabalhem assim de ambulante (Areta, 37 anos);

Pra mim é legal porque eu tive um filho só e consegui estudar meu filho, meu filho já fez faculdade, já está preparando para o mestrado (Márcia, 45 anos).

Vimos que uma parte considerável das mulheres pesquisadas não apenas comercializa os produtos, mas também os produzem, como forma de auferir uma renda maior. Isso evidentemente levava aquelas que produziam em casa a própria comida a ser vendida a uma sobrecarga extra de trabalho, que se acumulava com os cuidados da casa e dos filhos. Indo além da “dupla jornada”14 descrita por Bruschini (1990), comum em uma sociedade que define as tarefas caseiras como atribuições femininas, em alguns casos podemos falar de uma “tripla jornada”, de comerciante, cozinheira/doceira e dona-de-casa, em jornadas diárias que chegam a impressionar:

É duro, eu levanto seis horas da manhã, já começo já em casa, faço trufas. Então, a gente faz na faixa de oitocentas trufas por dia. Então é eu, minha filha e mais duas moças que trabalham. Ai vai, a gente trabalha até duas horas da manhã mais ou menos porque não dá tempo de paras é as trufas e tem mais o trabalho da casa. Tem que dar conta da casa, mais a neta que tem que leva e busca na escola, então é um trabalho na faixa de 20 horas, dezoito horas por dia (Roberta, 46 anos);

Ah, corrido. É porque eu acordo às cinco e meia pra fazer as maçã, faço tudo, limpo a casa e depois venho pra cá aí depois vou pra casa de novo e depois vou dormir uma hora da manhã (Rosana, 28 anos).

A somatória de atividades mostra o quanto a opressão de classe soma-se à opressão de gênero entre estas mulheres. Para dar conta destas atividades, o mais comum é o recurso à ajuda de outros familiares, tanto no preparo dos alimentos que serão vendidos quanto na ajuda com as atividades domésticas. Na maior parte dos casos, porém, são as outras mulheres da família (filhas ou mães, principalmente) que prestam esta ajuda. Mesmo com a maior parte delas sendo casada e com filhos, são poucas as descrições de ajuda do marido ou filhos do sexo masculino nestas tarefas:

Não, em casa eu tenho minhas irmãs que me ajudam, meu marido e minhas irmãs que a gente faz trabalho em equipe. Elas fazem o que dá pra fazer o trabalho em casa (Márcia, 45 anos);

Ah, lava uma louça, faz café. Se precisar fazer comida ele faz, mas eu tenho a minha irmã que me ajuda também (Viviane, 41);

Geralmente, porque minha mãe tem probleminha de saúde. Então quando não dá pra ela terminar a tarefa doméstica, quando eu chego, eu termino pra ela (Dóris, 26 anos);

Tenho, minha sogra me ajuda porque ela está comigo agora, me ajuda bastante. No trabalho da casa, pra fazer as maçãs, em tudo (Rosana, 28 anos);

Tem minha filha que me ajuda, já é uma mocinha, me ajuda bastante (Lorena, 35 anos).

Como visto em Soihet (2001), a inserção da mulher de camadas populares se deu de forma diversa da mulher burguesa. Enquanto a última respondia com mais recato e submissão à opressão de gênero, a mulher pobre, quando casada, absorvia frequentemente o papel de provedora na relação conjugal em face ao não cumprimento dessa função pelo homem. As entrevistas revelam este papel ainda cumprido ativamente pelas mulheres, mesmo que por vezes dividido com os maridos. Estes, porém, raramente contribuíam para as atividades domésticas. Quando eram questionadas a respeito da ajuda dos maridos, aquelas que eram casadas mais comumente respondiam depois de um riso, como que a significar a falta de iniciativa para estas atividades ou de solidariedade em relação à sobrecarga da esposa:

Não [risos]. Sou eu mesmo (Areta, 37 anos);

Não, mulhé [risos]. Meu marido... Óhh, o bicho é preguiçoso, é aposentado, ele diz que tá lá com o braço doendo, aí naquele braço... É assim (Mercedes, 62 anos).

Além das queixas referentes à jornada excessiva e aos riscos da profissão, outra queixa comum foi a da dificuldade de estabelecer intervalos para algumas necessidades, como a de alimentação e a do uso de sanitários, fato que ocorre devido à própria dinâmica do comércio ambulante. Ao contrário do que imaginávamos, porém, esta questão não é objeto de preocupação maior entre elas, que parecem adaptadas às possibilidades que a rua oferece, utilizando-se de marmitas, no caso da alimentação, e de estabelecimentos vizinhos ou banheiros comunitários. Da mesma forma que entre os ambulantes de ambos os sexos do estudo de Salvitti et al. (1999), a solução mais frequente nestes casos entre elas é a de pedir a ajuda de outros ambulantes conhecidos:

Aqui quando eu, é, vou, fica meu marido e vice-versa ou então sempre tem alguém da outra barraca que ajuda (Roberta, 46 anos);

Nós pedimos ajuda dos vizinhos, um socorre o outro (Gabriela, 59 anos);

Ah, sim sempre são muito amigos, sempre um tenta ajudar o outro. A socorrer, se me acaba o ketchup eu preciso. Um exemplo, uma batata, sempre você pode correr no seu colega que eles sempre ajudam (Amanda, 62 anos);

A gente tem muitos amigos, aqui é um por todos. Todo mundo ajuda todo mundo. Na hora que o rapa vem, se todo mundo corre com a mercadoria, tenta corre, mas é difícil, porque geralmente eles cercam e levam tudo (Juliana, 39 anos).

A relação com os outros ambulantes, porém, nem sempre é tranquila. Algumas se referem à competição e a contínua disputa de espaço entre eles, gerando tensão:

É. Ai se tem... É uma concorrência violenta. Você tem que fazer freguesia, conquistar a freguesia, também é um passo bem difícil. Você tem que inventar novidade, inventar as coisas diferentes, porque nesse ramo, infelizmente, tem bastante gente (Marta, 43 anos);

Porque as pessoas às vezes implicam, não quer deixar você no lugar, então você tem que por o pé firme, porque senão as outras pessoas não deixam (Rosana, 28 anos).

 

Conclusão

A partir da proposta de análise qualitativa feita por Michelat (1987), escolhemos um trecho da fala de Mafalda, que condensa a questão central da pesquisa realizada, ou seja, a forma pelas quais se articulam a opressão de classe e a de gênero entre as mulheres ambulantes:

Mafalda: (...) a gente não é de falar, será que vai dar certo? Será? Não, não tem nada, nós vamos fazer. Deus primeiramente, ele na nossa frente e vamos lá. Então nós temos que agradecer, nós somos mulheres, mas umas mulheres guerreiras, que pouca gente, muita gente que a gente sabe que luta, não fez nem um terço do que nós já fizemos.

Entrevistadora: Isso depende de muita luta.

Mafalda: Muita luta e a gente já vem de mãe, de avós (…).

É interessante observar nesse trecho a identificação dela e suas colegas como “mulheres guerreiras”. Há aqui uma óbvia referência ao trabalho, possivelmente somado às atividades domésticas, como uma “luta” ou uma “guerra”. Podemos notar, porém, a relação de oposição estabelecida entre “mulheres” como categoria geral e “mulheres guerreiras como particular: “nós somos mulheres, MAS umas mulheres guerreiras”. Isso parece indicar a percepção do rompimento com um ideal de passividade e dedicação exclusiva à vida doméstica que é comum nas representações associadas à identidade feminina no Brasil. Nestas mesmas representações, “trabalhar”, ou “ir à guerra” são atributos da identidade masculina. Trabalhar, especialmente em um ambiente como a rua, associado aos domínios da masculinidade, como vimos, implica em romper com as expectativas implícitas na identidade feminina tradicional. Ao mesmo tempo, Mafalda parece perceber também que tal rompimento já vem de algumas gerações (“e a gente já vem de mãe, de avós”), o que deixa claro que o trabalho fora do ambiente doméstico é algo antigo entre estas mulheres de segmentos populares, ainda que as representações acerca da identidade feminina afirmem o contrário. Estes resultados são coerentes com os estudos direcionados à história das mulheres no Brasil feitos por Esteves (1989), Engel (1997) Rago (2001) e Soihet (2001). Esses estudos indicam que, ainda que fossem dominantes as associações da mulher com a “casa” e do homem com a “rua”, as prescrições daí advindas eram muito mais seguidas pelas mulheres burguesas e de segmentos médios do que por aquelas de camadas populares, obrigadas muitas vezes a buscar o próprio sustento por meio do trabalho fora de casa, muitas vezes nas ruas.

Em relação ao comércio ambulante propriamente dito, o estudo mostrou uma grande concordância com as descrições do funcionamento do setor autônomo feita por Singer (1979) e com alguns estudos sobre camelôs, como os de Salvitti et al. (1999) e Ramires (2002). O comércio ambulante aparece para elas como alternativa ao desemprego ou a formas de emprego bastante precárias, como é o caso do emprego doméstico. Observamos entre elas a constante sub-remuneração, implícita na elevada carga horária e no emprego de familiares no preparo das comidas a serem vendidas. Além disso, o fato do comércio informal não ser tributado possibilita a “competição” com lojas, padarias ou restaurantes em relação à comercialização dos produtos. Algumas dificuldades relatadas por elas, como aquelas relacionadas ao risco de apreensão de mercadorias foram também bastante semelhantes às destacadas pelos estudos sobre camelôs descritos.

Apesar das semelhanças apontadas, há algumas particularidades no exercício feminino da ocupação de ambulante. Uma delas refere-se ao próprio produto principal vendido: a comida. Observamos que muitas delas não apenas comercializam este produto em suas várias formas, mas também o produzem. O ciclo de geração de renda, desta forma, inclui também a etapa de preparação da comida a ser vendida. Há dessa forma, uma conexão entre as esferas doméstica, de produção das mercadorias, com a da rua, de comercialização das mesmas. Se no segundo caso há, como vimos, um rompimento com a identidade feminina tradicional, no primeiro podemos observar uma coerência com a mesma, uma vez que o “fazer comida” é um elemento fortemente presente nas representações associadas a esta identidade.

Outra possível especificidade das mulheres ambulantes em relação aos homens de mesma ocupação diz respeito à preocupação com o futuro dos filhos. Embora não tenhamos realizado um estudo comparativo com homens ambulantes, a intensidade com que tal preocupação apareceu entre elas nos fez pensar que entre elas as identidades de mãe e provedora somam-se, o que parece mostrar a incorporação de um sentimento de forte responsabilidade em relação à vida futura da próxima geração. Neste sentido podemos dizer que assumem uma função tradicionalmente associada à identidade masculina na cultura brasileira, a de “provedor”, sem abrirem mão da função de cuidadora, a de mãe. Essa conciliação, porém, requer uma dedicação exaustiva, como vimos, em uma rotina que às vezes é impossível de ser mantida:

Ah, eu senti muito na carne quando meus filhos eram pequenos. Porque crescem e você não tem muito tempo para eles (Rosana, 28 anos).

Mesmo com toda a carga de opressão presente nos discursos, é importante ressaltar que o comércio ambulante e a ocupação das ruas, apesar dos riscos e perdas que acarretam, são também às vezes revestidos de certa positividade por elas. Isso parece mostrar tanto uma resistência de classe – ao poder dos “patrões” e à divisão capitalista do trabalho – quanto de gênero – ao poder dos homens e maridos e às prescrições de gênero direcionadas às mulheres. A presença destas formas de resistência, ainda que limitadas em relação ao seu poder atual de mudança das relações de classe ou de gênero em nossa sociedade, nos mostra o quanto estas “mulheres guerreiras” indicam caminhos a serem trilhados em busca de uma possível transformação social. Pensamos aqui nas diversas possibilidades de associativismo, que surgem de uma forma espontânea em seus discursos:

A gente tem muitos amigos, aqui é um por todos. Todo mundo ajuda todo mundo (Mafalda, 63 anos);

Ah, sim, quando é um perto do outro? Ah, sim sempre são muito amigos, sempre um tenta ajudar o outro. A socorrer, se me acaba o ketchup eu preciso. Um exemplo, uma batata, sempre você pode correr no seu colega que eles sempre ajudam (Amanda, 62 anos).

Essas reflexões finais nos remetem à necessidade de promoção de políticas sociais que favoreçam as formas de cooperativismo entre elas, de forma a se fomentar uma possibilidade mais efetiva de mudança das condições de opressão de classe e gênero que recaem sobre estas mulheres. Acreditamos que somente a chamada “economia solidária” (Singer, 2003) poderia possibilitar a estas trabalhadoras autônomas a chance de permanecerem competitivas no mercado sem a necessidade de submissão ao cotidiano de trabalho desumano que muitas enfrentam.

 

Referências

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Endereço para correspondência
mgarcia@ufscar.br, adri@centergroup.net, alessandra@baccaro.com.br,
ligiaadv@terra.com.br, cleciarecado@bol.com.br,mirhiamcandido@gmail.com

 

 

Recebido em: 26/08/2008
Revisado em: 07/04/2009
Aprovado em: 07/05/2009

 

 

1 Caso isso não ocorresse, o indivíduo tenderia a mudar de grupo, ou, se isto fosse impossível, buscaria reinterpretar as características do próprio grupo na busca de uma positividade e/ou se engajaria em tentativas de mudança das características concretas do grupo ao qual pertencesse (Tajfel, 1983).
2 Ver, a esse respeito, Amâncio (1999).
3 Ver Frable (1997) e Ellemers, Spears e Doosje (2002). Em relação às pesquisas brasileiras, ver Paiva (2004).
4 É importante considerar, contudo, como aponta Ramires (2002), que, se por um lado o trabalho dos camelôs situa-se fora da divisão de trabalho capitalista, por outro lado é complementar a ele, na medida em que grande parte das mercadorias vendidas são manufaturadas por unidades produtivas inseridas nesta divisão (como, por exemplo, produtos industrializados).
5 Após a Proclamação da República, iniciou-se na capital brasileira de então um processo de redimensionamento das políticas de controle social com parâmetros burgueses definidores da ordem progresso, modernização e civilização, como mostra Engel (1997). Tal processo adentrou as primeiras décadas do século XX e se disseminou pelas outras grandes cidades brasileiras.
6 Para garantia do anonimato, todos os nomes aqui citados são fictícios.
7 Tal constatação é semelhante à de outros estudos sobre camelôs, como o de Salvitti et al. (1999) e o de Ramires (2002).
8 As declarações se contrapõem, portanto, às ideias de Melo e Teles (2000), para quem a entrada da mulher nesse setor seria em função da flexibilidade de horários.
9 Salvitti et al. (1999) observaram em seu estudo a renda como fator predominante de escolha do comércio ambulante em relação às poucas alternativas disponíveis. Nesse sentido para os camelôs homens e mulheres “(...) tanto faz se é um trabalho como vendedor de crediário ou como doméstica, contanto que renda mais” (p. 9). Consideramos que é importante relativizar esta afirmação no que diz respeito ao emprego doméstico como alternativa no discurso de nossas entrevistadas. Ainda que gere eventualmente mais renda e que possa ser formalizado, este pareceu ser visto algumas vezes como uma ocupação indigna por parte delas. Para Camargo (1992), por ocupar o lugar mais desvalorizado da casa e da escala produtiva, a empregada doméstica tem sua inserção no mercado de trabalho acompanhada por uma desvalorização dupla – enquanto trabalho execrável e enquanto trabalho estigmatizado – sendo depreciada por isso. Em função disto, a recusa do emprego doméstico (ou o receio de tê-lo como única alternativa) é comum entre mulheres de camadas populares, como mostra Carvalho (1999).
10 Essa referência esteve presente também entre os camelôs da pesquisa de Salvitti et al (1999).
11 Os conflitos constantes entre camelôs e os “agentes da ordem” são extensamente descritos por Ramires (2002).
12 A referência à rua como um espaço de liberdade parece ser comum a alguns segmentos de mulheres de camadas populares. A possibilidade de frequentar os espaços públicos as livra do confinamento no ambiente doméstico e/ou no local de trabalho. Ver a esse respeito o estudo sobre a prostituição feminina conduzido por Freitas (1985), que observa o mesmo argumento entre as prostitutas de rua em relação ao trabalho em bordéis. No trottoir, pelo fato de não haver uma fronteira física definida, não se cria uma segregação espacial imediata, uma vez que outros personagens, além dos clientes, circulam por estes lugares, o que permite outros tipos de interação, reduzindo o sentimento de exclusão.
13 Sonho idêntico é também citado nas pesquisas de Salvitti et al (1999) e Ramires (2002).
14 Salvitti et al.(1999) descrevem a “dupla jornada” como um elemento comum entre as ambulantes do sexo feminino de sua pesquisa.

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