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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.16 no.2 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Aposentadoria e saúde mental: uma revisão de literatura

 

Retirement and mental health: a literature review

 

 

Eliana Andrade Lima Panozzo; Janine Kieling Monteiro

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo, RS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o incremento da expectativa de vida observado no contexto mundial e brasileiro, é esperado um número cada vez maior de aposentadorias e o aumento do tempo que a população permanece na condição de aposentada. Em contrapartida, a sociedade contemporânea valoriza os vínculos com o sistema de produção, designando ao trabalho um lugar central. A relação da desvinculação das atividades profissionais com a saúde mental torna-se um tema de estudo relevante. Esta investigação objetivou realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema aposentadoria e saúde mental, no período de 2006 a 2011, a partir de artigos e trabalhos acadêmicos publicados nas principais bases de dados nacionais e internacionais. Encontrou-se um total de 1797 publicações. Após um refinamento com base nos critérios de inclusão e exclusão, 28 publicações foram analisadas, de acordo com o tipo de estudo e o tema abordado. Os achados foram agrupados nas seguintes categorias: 1) Qualidade de vida e satisfação com a aposentadoria; 2) Preparação para aposentadoria; 3) Expectativas e perspectivas frente à aposentadoria; 4) Envelhecimento e 5) Consequências da aposentadoria na saúde. Houve um predomínio de estudos quantitativos e a temática consequências da aposentadoria na saúde foi a mais estudada na literatura internacional, proporcionando maior compreensão sobre essa relação.

Palavras-chave: Trabalho, Aposentadoria, Saúde mental.


ABSTRACT

Since life expectation has increased, observed in the global and Brazilian context, it is expected an increasing number of retirements, and also an incensement of the time for the population to remain in retirement condition. On the other hand, the contemporary society appreciates the bounds with the current production system, assigning a central position to labor. Thus, the relation between the unbinding of professional activities and mental health becomes a relevant study subject. This investigation aimed to perform a bibliographic review on the subject retirement and mental health, comprised between 2006 and 2011, from articles and academic works published in the main national and international databases. A number of 1797 publications were found. After a filtering process based on inclusion and exclusion criteria, 28 publications were analyzed, according to the type of study and addressed topic. The findings were grouped into the following categories: 1) Life quality and satisfaction with retirement; 2) Preparing to retire; 3) Expectations and perspectives towards retirement; 4) Aging; and 5) Consequences of retirement for the health. Quantitative studies prevailed and the thematic "consequences of retirement for the health" was the most studied in the international literature, providing a greater understanding of this relation.

Keywords: Labor, Retirement, Mental health.


 

 

Introdução

O prolongamento da expectativa de vida e o envelhecimento da população são temas que vêm ganhando, em nível mundial, uma amplitude significativa. Países da Europa vêm empreendendo estudos e investimentos importantes relacionados a esses temas, considerando-se que o aumento da longevidade de sua população tem como reflexo imediato uma elevação no número de pessoas aposentadas. Segundo dados do IBGE (2009), o Brasil apresenta expectativas de que, no período de 2000 a 2020, o grupo etário de 60 anos ou mais passará de 13,9 para 28,3 milhões, elevando-se em 2050 para 64 milhões. De acordo com as projeções, o número de idosos já supera o número de crianças e adolescentes em cerca de quatro milhões e a previsão é de que essa diferença se distancie, em 2050, para 35,8 milhões. As formas das pirâmides etárias futuras da população serão de diminuição excessiva de contingentes em sua base, ocorrendo ali um estreitamento, e de aumento na participação das idades posteriores. Ainda segundo a projeção do IBGE, o país continuará galgando anos na vida média de sua população, e alcançará, em 2050, o patamar de 81,3 anos de expectativa de existência. Nesse sentido, ao mesmo tempo que aumenta a expectativa de vida, mais aposentadorias são concedidas. Em 2010, o número de aposentadorias ultrapassou 15 milhões em todo o país, indicando mais de meio milhão de aposentados em relação ao ano de 2009. Percebe-se um prolongamento em torno de 20 anos do tempo em que o indivíduo permanece na condição de aposentado, representando um período expressivo de sua vida.

A aposentadoria é um momento aguardado por muitos trabalhadores ao longo de suas trajetórias profissionais. É a hora de obter o retorno do investimento e da dedicação de muitos anos de trabalho. Zanelli, Silva e Soares (2010) afirmam que a aposentadoria sugere a passagem de um ciclo no qual há vinculação com o trabalho para outro, orientado pela desocupação, pelo ócio e pelo lazer. Proporciona ao indivíduo a possibilidade real de um mundo de não trabalho, e tal mundo pode ser percebido de forma negativa ou positiva. Muitas pessoas podem sentir esse momento de maneira dolorosa, permeado de sentimentos de insegurança e dúvidas em relação ao vazio provocado pela falta da atividade, do trabalho, bem como pela perda dos vínculos oriundos do ambiente laboral. De um lado, o rompimento do ciclo da produtividade com o trabalho, a tomada de consciência de não pertencer mais àquele grupo profissional e a associação dessa fase ao envelhecimento caracterizam aspectos ambíguos nessa transição da aposentadoria. Por outro lado, de forma positiva, apresentam-se o direito ao descanso, ao usufruto do tempo livre, à escolha sobre o quê, onde e de que forma realizar as atividades com a família e os amigos. Descobrir novos interesses, imprimir outro ritmo na maneira de viver, primando pela qualidade de vida, sem os compromissos, as regras e as rotinas tão peculiares ao trabalho, são escolhas possíveis a partir de então.

Ao longo da carreira profissional, o lugar que o trabalho ocupa na hierarquia dos valores pessoais será responsável pela definição da intensidade dos sentimentos relacionados à aposentadoria que o indivíduo irá vivenciar, seja de forma positiva ou de forma negativa. Frente a isso, considerando a relevância do tema aposentadoria e saúde mental, este artigo procurou realizar uma revisão teórica sobre tal temática, a partir de levantamento e análise das publicações que contemplam o período de 2006 a 2011.

 

Método

Inicialmente, foram escolhidas as bases de dados científicos nacionais e internacionais no campo da pesquisa. As bases investigadas foram: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library Online), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Web of Science, Web of Knowledge – ISI e Academic Search Premier. Tais bases foram eleitas por serem consideradas as mais abrangentes entre as disponíveis e também por agregarem fontes consistentes de dados científicos. Em relação ao período de postagem, foi considerado o intervalo de 2006 a 2011.

Os descritores utilizados na pesquisa foram: aposentadoria e saúde mental, em português, retirement and mental health, em inglês, e jubilación y la salud mental, em espanhol. No levantamento inicial, foram encontradas 1797 publicações, sendo que, em sua grande maioria, elas não apresentavam uma relação com os termos pesquisados – e por isso não contemplaram o foco desta pesquisa. Dentre estas, encontramos artigos que relacionavam o tema da aposentadoria e saúde mental com envelhecimento e cuidados, e não tinham a aposentadoria como foco principal – como na pesquisa de Celich, Creutzberg, Goldim e Gomes (2010), intitulada Envelhecimento com qualidade de vida: a percepção de idosos participantes de grupos de terceira idade, e na de Dow e Meyer (2010), intitulada Caring and retirement: crossroads and consequences. Além desses trabalhos, encontraram-se estudos que associavam os descritores citados à saúde e ao desemprego, como nos estudos de Hintikka et al (2009) – Unemployment and ill health: a connection through inflammation?– e Mandal, Ayyagari e Gallo (2011) – Job loss and depression: the role of subjective expectations. Outro critério de exclusão dos artigos pesquisados foi a eliminação dos que estavam vinculados à temática da medicina, como, por exemplo, a pesquisa de Henkens, Solinge e Gallo (2007), Effects of retirement voluntariness on changes in smoking, drinking and physical activity among Dutch older workers. E, por último, foram descartados os estudos relacionados a economia, como o trabalho de Gómez, Duque e González (2010), La pensión de vejez por deficiencia en la legislación colombiana: restricciones de acceso desde su instrumento evaluador.

Percebeu-se, então, a necessidade de selecionar o material a partir da análise dos títulos e, em alguns casos, da análise de seus resumos. Após a leitura dos títulos, foi realizada uma seleção daqueles que, num primeiro momento, pareciam ter relação próxima com o assunto pesquisado. Os artigos que continham a expressão completa no título foram selecionados. Nos casos de dúvida, foi realizada a leitura dos resumos e, por consequência, a eliminação daqueles que não atendiam ao objetivo deste estudo, como a publicação de Korkeila et al (2011) – Early retirement from work among employees with a diagnosis of personality disorder compared to anxiety and depressive disordes –, em que os pesquisadores estudaram os indivíduos que se aposentaram antecipadamente por problemas de saúde mental. Esse trabalho foi descartado por tratar de aposentadoria antecipada.

A partir disso, consideraram-se somente os artigos que permitiram o acesso aos textos completos. A busca pela localização do texto completo ocorria primeiramente no próprio periódico onde ele fora publicado. Se não se obtivesse êxito, o título era também lançado no Google Acadêmico, considerando a hipótese de que as referências pudessem estar disponíveis em outras fontes. Os artigos que se repetiam em mais de uma base de dados foram reconhecidos somente na primeira aparição do levantamento.

Para localizar os dados de teses e dissertações, foi realizada uma pesquisa no banco de teses da Capes1, contemplando o tema aposentadoria e saúde mental, para as bases nacionais, e retirement and mental health, para as bases internacionais. Os anos consultados individualmente foram 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011. No caso da pesquisa nacional, foram localizadas seis dissertações de mestrado e três teses de doutorado. Foram selecionadas apenas as dissertações de Buonsanti (2007), Vivências subjetivas de professores da UFPB no processo de aposentadoria e na utilização do tempo livre, e de Amoroso (2008), Motivações e expectativas de docentes face a aposentadoria. Os demais estudos contemplavam temas relacionados à saúde coletiva e à gerontologia. Como exemplos, citam-se o estudo de Teixeira (2009), que tinha por objetivo avaliar a qualidade de vida de ex-trabalhadores de uma fundição de chumbo, e o estudo de Brito (2010), que visava verificar a associação entre o apoio social de idosos com alterações cognitivas e os diferentes contextos de vulnerabilidade social.

Para a pesquisa internacional de teses e dissertações, novamente foi utilizado o banco de dados disponível do portal da Capes2, resultando em 21 estudos nos últimos cinco anos. Entretanto, todos os estudos foram desconsiderados por não apresentarem relação com o tema desta pesquisa. Nos sites tel.archives-ouvertes.fr/index.php e www.phddata.org/search.php, nenhuma pesquisa foi localizada.

Para esta revisão, foram incluídos os artigos e dissertações publicados em língua portuguesa, inglesa e espanhola. No início da pesquisa, foram encontrados 1797 estudos, porém, após a análise mais detalhada dos artigos e dissertações, foram consideradas, para o presente artigo, 28 publicações que apresentavam relação com o tema desta pesquisa – aposentadoria e saúde mental –, sendo quatorze nacionais e quatorze internacionais.

 

Resultados

Para a apresentação e a discussão dos resultados, os achados nacionais e internacionais foram separados e classificados em "teóricos", "relatos de experiência profissional" e "empíricos'. Os estudos foram considerados teóricos quando se tratava de revisões de literatura ou pesquisas bibliográficas; relatos de experiência profissional, quando descreviam uma proposta de intervenção individual ou coletiva; e, por último, empíricos, quando apresentavam uma pesquisa envolvendo uma coleta de dados de natureza qualitativa, quantitativa ou mista. Observou-se (ver Tabela 1) que o método quantitativo predominou nas pesquisas internacionais, totalizando onze artigos, o que equivale a 78,57%, e os estudos qualitativos foram a maioria entre os estudos nacionais, totalizando seis publicações entre dissertações e artigos, o que equivale a 42,85%. Dentre os estudos nacionais, também foram identificados dois artigos de reflexão teórica e dois de relato de experiência.

Posteriormente, para uma análise mais aprofundada, todos os estudos selecionados foram categorizados conforme as temáticas abordadas. Essa nova organização resultou na seguinte classificação: 1) Qualidade de vida e satisfação com a aposentadoria; 2) Preparação para aposentadoria; 3) Expectativas e perspectivas frente à aposentadoria; 4) Envelhecimento e 5) Consequências da aposentadoria na saúde. A seguir serão descritos os dados referentes a cada uma das categorias de análise.

Qualidade de vida e satisfação com a aposentadoria

Nesta categoria, constam cinco estudos, sendo três nacionais e dois internacionais (Tabela 2), que tiveram como objetivo analisar os aspectos que podem interferir na qualidade de vida e no bem-estar dos aposentados, bem como sua satisfação com a aposentadoria. Pimenta et al. (2008), ao avaliarem os aspectos que poderiam interferir na qualidade de vida de 87 sujeitos, destacaram que os aposentados que praticavam atividade física regular ou que tinham alguma atividade de trabalho no momento da pesquisa apresentaram melhores índices de qualidade de vida. Assim como outros estudos apontaram uma tendência ao aumento do bem-estar após a aposentadoria, em função da maior disponibilidade de tempo para os relacionamentos familiares e sociais e do maior investimento em atividades físicas e de lazer (Oliveira, Torres & Albuquerque, 2009; Vailant, Dirago & Mukamal, 2006). A satisfação na vida após a aposentadoria depende dos significados que os indivíduos atribuem a esta, dos recursos internos e das circunstâncias externas, conforme as conclusões de Alvarenga, Kiyan, Bitencourt e Wanderley (2009) e de Pinquart e Schindler (2007).

Preparação para a aposentadoria

Esta categoria (ver Tabela 3) abrange sete artigos nacionais que refletem sobre a importância do planejamento e da implantação, por parte das organizações, de programas de preparação para a aposentadoria. Tais programas teriam como objetivo fornecer recursos para seus funcionários para um melhor enfrentamento dessa nova fase da vida (França & Carneiro, 2009; Oliveira & Farinelli, 2008; Lima, Soares & Luna, 2010). Além disso, os artigos propõem uma reflexão sobre o papel da psicologia na orientação de carreira e na aposentadoria, ampliando as possibilidades de atuação profissional do psicólogo e incentivando a inserção desse profissional nas atividades de orientação de carreira realizadas ao longo da vida laboral dos indivíduos (Costa & Soares, 2009; França & Soares, 2009; Lima, Soares & Luna, 2010; Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007). A orientação profissional anterior à aposentadoria torna-se relevante ao possibilitar ao indivíduo a construção de novas escolhas e novos projetos, o redimensionamento da visão vinculada à condição de aposentado e uma reflexão sobre a relação entre identidade e trabalho (Selig & Valore, 2010).

Expectativas e perspectivas frente à aposentadoria

Nesta categoria (ver Tabela 4) estão incluídos três artigos e uma dissertação de mestrado que objetivaram investigar as expectativas frente à aposentadoria de indivíduos prestes a se aposentar. Na pesquisa de Crespo, Santos, Fernandes e Moar (2006), em que foram avaliados 253 funcionários da Universidade de Santiago de Compostela, os sentimentos frente à aposentadoria são de ilusão e esperança. Há também manifestações de interesse de seguir trabalhando após a aposentadoria, sendo que o maior temor apresentado é a limitação do poder aquisitivo. Já os participantes do estudo de Cintra, Ribeiro e Andrade (2010) entendem a aposentadoria como uma maneira de complementar a renda, ampliar vínculos e vivenciar, de forma mais leve, o próprio trabalho. No estudo de Duarte e Silva (2009), foram registrados sentimentos de insegurança, ocasionados em alguns momentos pela instabilidade financeira e, em outros, pela perda do papel social. Vivências de perdas e ganhos contemplam a vida dos sujeitos prestes a se aposentar e a dos sujeitos aposentados. Na pesquisa, destaca-se ainda a busca por maior liberdade e melhorias no convívio familiar e na qualidade de vida – em contrapartida, esse processo pode vir a transformar a identidade de cada sujeito.

Na dissertação de mestrado de Amoroso (2008), a pesquisadora buscou identificar, entre os professores da rede pública e privada da educação básica e superior do Distrito Federal, quais eram as motivações para se continuar na carreira após a aposentadoria. Também investigou-se os possíveis fatores que influenciam a não permanência na profissão e buscou-se identificar a importância da formação continuada para os que permanecessem na profissão. Os resultados evidenciaram que a grande maioria dos professores da educação superior e da rede privada de ensino deseja continuar trabalhando após a aposentadoria, motivada pela expectativa de manutenção da saúde física e mental e pela troca compensatória na relação professor/aluno. Além disso, esses participantes consideraram a profissão gratificante e com muitos desafios, o que estimula a continuidade do trabalho após a aposentadoria.

Envelhecimento

Nesta categoria estão relatados os artigos que abordam o significado do processo de envelhecimento no mercado de trabalho e o sentido da velhice para os idosos, apresentados na Tabela 5. No período avaliado, foram encontrados apenas dois artigos nacionais.

A pesquisa qualitativa, de Souza, Matias e Brêtas (2010), teve como objetivo conhecer o significado do envelhecimento no mercado de trabalho para idosos. Após a análise dos dados, os pesquisadores concluíram que nas sociedades capitalistas, onde o trabalho é supervalorizado, quando este deixa de existir, seja em razão da aposentadoria ou do desemprego, pode ser comprometida a qualidade do envelhecimento do indivíduo, principalmente se faltarem condições e habilidades para incorporar outras atividades e valores em suas vidas. Fernandes e Garcia (2010), por sua vez, investigaram qual é o sentido da velhice para homens e mulheres idosos. Apesar do fato de que boa parte dos homens avaliados ainda se sente jovem, a desvalia social da aposentadoria faz com que muitos tendam a se considerar mais velhos. Já as mulheres expressam a velhice de forma ambígua: apesar de entenderem a velhice como algo negativo, consideram que podem desfrutar de forma mais livre os anos de vida que lhes restam.

Consequências da aposentadoria para a saúde

Neste tópico, constam os dez artigos que relacionaram o tema consequências da aposentadoria para a saúde (ver Tabela 6). Em dois estudos (Butterworth et al. 2006a; Butterworth et al. 2006b), os pesquisadores concluíram que os homens que se aposentaram mais jovens apresentaram maior probabilidade de ter problemas de saúde mental em relação aos trabalhadores acima de 65 anos, e, em outro estudo, encontraram os mesmos resultados com aposentados britânicos e australianos. Tais estudos indicaram ainda que a associação entre aposentadoria e saúde mental varia conforme a idade do sujeito. Na mesma direção, os dados de um estudo longitudinal realizado por Jokela et al. (2010) sugerem que as associações entre aposentadoria e saúde dependem de três fatores: da idade na ocasião da aposentadoria, da razão da aposentadoria e do tempo de aposentadoria. A análise dos dados apontou que o estado de saúde melhora depois da aposentadoria voluntária, embora tal melhora pareça se atenuar ao longo do tempo.

Ao comparar as mudanças em relação a saúde, comportamentos saudáveis e bem estar nos períodos pré e pós-aposentadoria, ao longo de três anos, a pesquisa de Wells, Vaus, Kendig e Quine (2009) revelou que houve um declínio da saúde no período da avaliação. Além disso, o estudo indicou que a relação conjugal melhorou com a aposentadoria e que os participantes mais velhos manifestaram menor felicidade no último ano de medição do estudo.

O estudo de Zhan, Wang, Liu e Scultz (2009) examinou a relação entre os empregos de passagem (atividade laboral que o indivíduo desenvolve após a aposentadoria, podendo ser consultoria, assessoria etc.) com a saúde dos aposentados. A pesquisa revelou que os aposentados que estavam engajados em alguma atividade apresentaram menos limitações funcionais do que os que se aposentaram totalmente, principalmente se os empregos de passagem estivessem relacionados à sua carreira. Já Mandal e Roe (2008) compararam o efeito da perda involuntária do trabalho e da aposentadoria sobre a saúde mental de norte-americanos mais velhos. Na investigação, notaram que a perda involuntária do trabalho piora a saúde mental, que o reemprego resgata o status de saúde mental anterior e que a aposentadoria melhora a saúde mental dos norte-americanos mais velhos. Ao estudar as associações entre diferentes medidas de saúde e mercado de trabalho em dez países europeus, Alavinia e Burdorf (2008) sugeriram que políticas sociais que encorajam os empregos para pessoas mais velhas sejam incorporadas nesses países. Por outro lado, na Europa existe uma preocupação com questões relacionadas à saúde, ao estilo de vida e às doenças crônicas, o que tem contribuído para que os indivíduos em idade mais avançada fiquem fora do mercado de trabalho.

Investigar se o vínculo com algum tipo de trabalho, a idade ou outros fatores de risco explicam a redução de episódio depressivo e de ansiedade ao redor da idade da aposentadoria foi o objetivo do estudo de Villamil, Huppert e Melzer (2006). Os autores evidenciaram em seus achados que estar vinculado a uma atividade de trabalho era um fator significativo para os homens, e que houve uma descontinuidade dos episódios depressivos, tanto para homens quanto para as mulheres em idade de aposentadoria.

No Brasil, um estudo quantitativo (Miranda, Carvalho, Fernandes, Silva & Sabino, 2009) buscou relacionar transtornos mentais e comportamentais de servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, durante o período de 2000 a 2005. O estudo identificou que 61% das aposentadorias por invalidez foram causadas por transtornos de humor, 19% por transtornos do pensamento e 4% por transtornos mentais orgânicos e de personalidade. Solinge (2007), em um estudo quantitativo longitudinal, identificou que a aposentadoria não prejudica nem beneficia a saúde. O autor considerou que a saúde está diretamente relacionada às condições de vida que o indivíduo teve durante sua vida ativa de trabalho.

 

Considerações finais

Este artigo objetivou realizar uma revisão da literatura produzida nos últimos cinco anos em âmbito nacional e internacional sobre a relação entre aposentadoria e saúde mental. Entre os métodos de pesquisa utilizados, predominaram os estudos quantitativos na literatura internacional e os qualitativos no âmbito nacional. Ao comparar os resultados por temáticas, observou-se que a mais estudada relacionou-se às consequências da aposentadoria para a saúde. Esse fato proporcionou maior compreensão do processo de transição, do período imediatamente anterior e do período posterior à aposentadoria, bem como da interferência dessa fase na saúde dos protagonistas, no momento de vida em que a desvinculação do trabalho está prestes a acontecer ou que já se efetivou. As pesquisas apontaram que a idade do sujeito na ocasião da aposentadoria pode influenciar nas repercussões sobre sua saúde mental e sugeriram que continuar vinculado a alguma atividade de trabalho pode ser benéfico à saúde de pessoas de mais idade.

A segunda temática mais estudada foi a preparação para aposentadoria. As pesquisas dão mostra do quão importante pode ser um programa de educação para a aposentadoria, o qual pode oportunizar, nessa nova fase, a construção de um novo projeto de vida. Além disso, destaca-se o papel do psicólogo como facilitador desse processo, por meio de orientação profissional – na qual podem ser trabalhados, de forma mais abrangente e com qualidade, os aspectos que estão no entorno da aposentadoria.

A terceira temática mais estudada foi a qualidade de vida e a satisfação com a aposentadoria. Esses estudos apontaram uma melhor qualidade de vida após a aposentadoria associada à satisfação com essa condição. Em função do tempo disponível em razão da ausência do trabalho, a aposentadoria pode permitir a prática de exercícios físicos regulares e a ampliação do espaço destinado ao prazer, possibilitando ao sujeito primar pelas relações interpessoais e pelo bem-estar.

O número reduzido de estudos apresentado pela categoria que relaciona envelhecimento e aposentadoria é outro aspecto dos resultados que chama a atenção, pois aponta uma lacuna na literatura nacional e internacional. Esses estudos vão se tornando cada vez mais imprescindíveis, visto que os achados ressaltam um aumento da expectativa de vida, o envelhecimento da população e, por consequência, a ampliação do tempo que os indivíduos permanecem na condição de aposentados.

Outro aspecto a ser salientado é a escassez de artigos abordando aspectos mais psicológicos da aposentadoria e a preponderância de estudos envolvendo outras questões à temática, como saúde física e questões econômicas. Depois de ter acesso a cerca de 1800 artigos encontrados nas bases de dados, somente 28 tratavam especificamente do tema da relação entre aposentadoria e saúde mental.

Essa revisão espera ter contribuído com informações importantes que possam estimular outros estudos sobre a aposentadoria e saúde, principalmente trabalhos que abordem as temáticas menos exploradas, como envelhecimento e aposentadoria. Apresentou-se uma descrição atual das pesquisas sobre aposentadoria e saúde e situou-se o fenômeno pesquisado com certa abrangência, justificando assim a necessidade de novos estudos que invistam na busca de entendimento dessa complexa problemática.

 

Referências

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Endereço para correspondência
eliana@evolutivarh.com.br, janinekm@terra.com.br

Recebido em: 20/08/2012
Revisado em: 28/03/2013
Aprovado em: 02/04/2013

 

 

1 http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
2 Por meio do site http://www.cybertesis.net