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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.16 no.2 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Implicações das políticas educacionais nas vivências subjetivas de professoras de escolas públicas

 

Implications of educational policies in the subjective experiences of teachers working in public schools

 

 

Mônica Rafaela de AlmeidaI; Mary Yale NevesII; Francecirly Alexandre dos SantosIII

IUniversidade Federal Rural do Semi-Árido (Mossoró, RN)
IIUniversidade Federal Fluminense (Niteroi, RJ)
IIIFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (Cajazeiras, PB)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As políticas educacionais implementadas no Brasil desde a década de 1990 têm produzido efeitos significativos na reestruturação do trabalho docente. O estudo realizado teve como objetivo analisar as implicações dessas políticas nas vivências subjetivas de professoras de escolas públicas do município de João Pessoa. Para tanto, fizemos uso de observações da atividade e da constituição de comunidades ampliadas de pesquisa. A análise dos materiais produzidos foi realizada seguindo a perspectiva dialógica do discurso. Constatamos que, em geral, os programas educacionais são vistos pelas professoras como medidas imediatas e paliativas, que não resolvem efetivamente os problemas da educação e da qualidade do ensino. As professoras relatam que esses programas, ao invés de favorecer seu trabalho, têm gerado sobrecarga, dificultando a realização de sua atividade, e, inclusive, acarretando implicações na sua saúde. Entretanto, observamos que, apesar das dificuldades encontradas pelas professoras nas situações de trabalho, elas realizam, por intermédio de sua mobilização criativa, diversos modos de regulação da atividade, dando novas formas ao trabalho e desenvolvendo diferentes maneiras de articular-se em relação a ele.

Palavras-chave: Professoras, Vivências subjetivas, Políticas educacionais, Escolas públicas.


ABSTRACT

The educational policies implemented in Brazil since the 1990s have been producing significant effects on the restructuring of the teaching job. The carried out study aimed to analyze the implications of these educational policies in the subjective experiences of teachers from public schools in the municipality of João Pessoa. For that, we have used observations of the activities and of the constitution of amplified communities researched. The analysis of the materials produced was carried out following the dialogic perspective of the discourse. We have verified that the educational programs, in general, are seen by the teachers as immediate and palliative measures, which do not effectively solve education and teaching quality problems. They report that these programs, instead of favoring their job, have generated overload, making it difficult the accomplishment of their activity, and also causing implications to their health. We have observed, however, that, despite the difficulties found in the work situations, the teachers, through their creative mobilization, carry out several ways of activity regulation, giving new shapes to the work and developing different ways of articulating themselves to it.

Keywords: Teachers, Subjective experiences, Educational policies, Public schools.


 

 

Introdução

Os anos 1990 foram marcados pela implementação de políticas neoliberais, tanto no Brasil como em diversos países latino-americanos. Esse processo decorreu da crise do capitalismo do final do século passado, produto do esgotamento do regime de acumulação fordista iniciado a partir dos anos 1970 (Hirata, 2002; Oliveira, 2004).

A reestruturação produtiva, a ascensão do neoliberalismo e a reconfiguração do papel do Estado diante da globalização da economia – processos que se intensificaram, principalmente, a partir da década de 1990 – influenciaram de modo significativo o campo da educação (Frigotto, 1995; Antunes & Alves, 2004; Viegas & Angelucci, 2004; Oliveira, 2005; Rosário & Araújo, 2008; Paparelli, 2009).

Frente ao avanço do processo de globalização da economia, essas mudanças buscaram adequar a educação às exigências do padrão de acumulação flexível (Harvey, 1999), levando a uma transformação profunda das estratégias de gerenciamento e financiamento do sistema escolar. O Estado brasileiro desincumbe-se da responsabilidade pela gestão da execução dos serviços, que é repassada para as escolas, mas continua centralizando a formulação e o controle sobre os resultados (Freitas, 2004; Santos, 2004; Oliveira, 2005).

Assim, as novas formas de financiamento e gerenciamento da educação constituem medidas políticas e administrativas de regulamentação dos sistemas escolares. Surgem como supostas soluções para a resolução de problemas de ineficiência administrativa ou da busca por racionalização dos recursos existentes para a ampliação do atendimento, vindo ainda acompanhadas da ideia de transparência (prestação de contas e demonstração de resultados) e de participação local (Weber, 2003).

Conforme Oliveira (2004), essa nova regulamentação das políticas educativas interfere na organização do sistema escolar, contribuindo para a regulação da sociedade – quer como instância formadora de força de trabalho, quer como disciplinadora da população, papel que ganha relevância em face das transformações sociais atuais. Nesse sentido, observamos que os programas da reforma educacional focalizam a escola como a unidade do sistema, transformando-a em núcleo de gestão e planejamento. Tais programas são aplicados diretamente nas escolas, tanto no sentido de financiar ações quanto no sentido da avaliação dos resultados. Isso vem associado com o estímulo à administração por objetivos, bem como à pedagogia de projetos, à cultura da eficiência e à demonstração de resultados (Freitas, 2004; Santos, 2004).

Em meio às transformações ocorridas nas escolas, encontram-se as professoras,1 que são tidas como agentes responsáveis pela mudança nos contextos da reforma (Oliveira, 2005). Nesse sentido, nosso estudo teve como principal objetivo analisar as implicações das políticas educacionais dos governos federal e municipal – materializadas em seus diversos programas – no trabalho de professoras do ensino fundamental da rede pública do município de João Pessoa (PB) no ano de 2009.2

Neste artigo, inicialmente se situará o aporte epistemológico e teórico que norteou a pesquisa. Em seguida, será apresentado o método adotado e, por fim, serão indicadas algumas das análises efetuadas a partir dos materiais produzidos ao longo da investigação.

 

A atividade de trabalho e a irredutível defasagem entre o prescrito e o real

Para a compreensão da atividade de trabalho das professoras, valemo-nos principalmente dos pressupostos teóricos da Ergonomia da Atividade (Guérin et al., 2001; Daniellou, 2004) e da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004, 2008, 2011), operados sob a perspectiva ergológica (Schwartz & Durrive, 2010). O debate sinérgico que é travado entre elas – resguardados seus limites e suas diferenças – nos parece profícuo para um melhor entendimento da relação entre trabalho e saúde.

A Ergonomia da Atividade é entendida como sendo o estudo da adaptação do trabalho frente às características dos indivíduos, de forma que essa adaptação traga conforto, bem-estar, qualidade, produtividade e segurança no trabalho (Guérin et al., 2001). Ela procura apreender as relações dos indivíduos com as situações de trabalho, na tentativa de compreender as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para minimizar ou limitar as condições patogênicas (Daniellou, 2004).

Essa disciplina sinaliza que em qualquer situação de trabalho existe uma defasagem entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Na situação real, os trabalhadores recorrem às suas experiências a fim de se antecipar às variabilidades técnicas e humanas que surgem no momento da realização das atividades e que não foram previstas ou catalogadas no ato de prescrição do trabalho.

Essas variabilidades requerem do trabalhador o uso de seu corpo e de sua mente, de engenhosidade e de procedimentos definidos para dar conta das constantes regulações do trabalho que têm como meta atingir os objetivos fixados. Dessa forma, o trabalho passa a ser entendido não apenas como a realização da tarefa prescrita, mas como algo que se ancora no amplo escopo da atividade humana.

Desse modo, as dimensões técnicas, econômicas e sociais do trabalho só existem efetivamente em função da atividade que as põe em ação e as organiza (Guérin et al., 2001). Nese sentido, a Ergonomia da Atividade constitui uma disciplina importante na apreensão da problemática que envolve o campo do trabalho. Associada às outras ferramentas, contribui para a melhoria das condições de trabalho de homens e mulheres que vivem de sua atividade laboral (Daniellou, 2004).

A Psicodinâmica do Trabalho, por sua vez, contribui na análise da atividade de trabalho. Ela aponta para as relações intersubjetivas como lugar central de análise, sendo que a organização do trabalho não é mais percebida em sua rigidez, mas sim como algo decorrente desse constante movimento entre o trabalho prescrito e o trabalho efetivamente realizado (Dejours, 2004).

A análise psicodinâmica dos processos intersubjetivos mobilizados no trabalho ajuda a compreender que os homens não estão passivos diante dos constrangimentos organizacionais. Eles são capazes de se proteger de eventuais efeitos nocivos, desenvolvendo sistemas de defesa engendrados fundamentalmente por ação dos coletivos de trabalho, que fazem que a normalidade seja preponderante em relação ao adoecimento mental (Dejours, 2008).

Para dar conta de suas atividades, os trabalhadores mobilizam inteligência prática (ou astuciosa), que passa pela solicitação dos sentidos, demandando uma experiência prévia da situação de trabalho, acrescentando o novo ao já conhecido. Entretanto, o uso da inteligência prática somente se torna possível quando os trabalhadores conseguem compartilhar regras, valores, e estabelecem laços de confiança e cooperação (Dejours, 1993).

Dentro dessa perspectiva, o reconhecimento aparece como um elemento importante para que a inteligência astuciosa seja acionada pelos trabalhadores. O trabalhador espera que, ao contribuir, encontre também uma retribuição por sua atividade. O reconhecimento se dá mediante julgamentos de utilidade e de originalidade acerca do trabalho, proferidos pela hierarquia, eventualmente pelos clientes, e pelos pares (Dejours, 2004, 2011; Neves, Seligmann-Silva & Athayde, 2004).

Quando os sujeitos são reconhecidos por seu trabalho, ocorre uma mobilização subjetiva dos indivíduos, fazendo que os mesmos sintam-se ativos para utilizar não apenas sua inteligência prática (no sentido de construir os melhores recursos para aumentar a eficiência do trabalho), mas também para buscar sentido e nexo na realização de suas tarefas (Dejours, 1993; Athayde, 2005).

Na perspectiva de organizar as contribuições advindas desses campos teóricos, e articulando-os aos saberes dos trabalhadores produzidos cotidianamente em situações de trabalho, procuramos entender os pressupostos éticos e políticos que atravessam as relações entre pesquisadores e trabalhadores envolvidos no processo de produção de saber, tal como preconiza a perspectiva ergológica (Schwartz, 2000; Schwartz & Durrive, 2010).

Para esta, qualquer situação de trabalho é precedida de normas antecedentes, que são provenientes de diferentes direções e podem por vezes ser contraditórias. Essa constatação leva Schwartz (2002) a considerar que em todas as situações de trabalho está presente uma pluralidade onde se configura um debate de normas e valores (mercantis, próprios da produção capitalista e do bem comum) e tentativas individuais e coletivas de renormatização (cada um imprimindo sua capacidade normativa).

Segundo esse autor, trabalhar é fazer uso de si. Entretanto, esse uso é caracterizado pela dialética estabelecida com o uso de si pelos outros, na medida em que todo ato de trabalho se desenvolve nessa negociação entre o uso de si por si mesmo e o uso de si pela heterodeterminação (Schwartz, 2002).

Foi a partir dessa compreensão teórica que conduzimos nosso estudo acerca da relação entre as políticas educacionais e a atividade de professoras de escolas públicas (Almeida, 2010; Almeida, Neves & Santos, 2010).

 

Método

Para conhecer uma determinada situação de trabalho, acreditamos ser necessário apreender as singularidades e o contexto sócio-histórico em que ela está inserida (Daniellou, 2004; Schwartz, 2000).

Por entendermos que o elemento que dá vida ao processo de trabalho é a atividade humana, consideramos que as atividades linguageiras das docentes fornecem uma via de acesso privilegiada à apreensão de seu trabalho. Entretanto, enquanto o trabalho prescrito está em relação direta com o linguageiro (manuais, normas, regras escritas e faladas etc.), o trabalho realizado encontra grande dificuldade de ser colocado em palavras, na medida em que se depara com a complexidade do real, que as palavras não dão conta de expressar (Schwartz & Durrive, 2010).

Nessa perspectiva, o marco teórico adotado fundamentou nosso método de estudo de maneira a criar uma situação de sinergia, produzindo as ferramentas teórico-metodológicas necessárias, com vistas a evitar uma abordagem mutilada das situações de trabalho. Para tanto, buscamos implementar uma articulação crítico-criativa entre o saber advindo da experiência das professoras das escolas públicas do ensino fundamental e o saber das disciplinas (Odonne et al., 1986; Schwartz, 2000). Participaram voluntariamente dessa investigação 24 professoras e um professor da primeira fase do ensino fundamental (1º ao 5º ano), todos provenientes de três escolas públicas do município de João Pessoa (PB).

Inicialmente, realizamos diversas visitas às escolas, que possibilitaram aproximação e compreensão das problemáticas que envolvem o trabalho docente. Inspirados pela referência metodológica da Ergonomia da Atividade (Guérin et al., 2001; Daniellou, 2004), que preconiza a análise da atividade no curso da ação, realizamos observações da atividade no intuito de conseguir um detalhamento mais rigoroso da atividade das docentes.

Após a realização das observações, foram constituídas comunidades ampliadas de pesquisa (CAPs) em cada uma das escolas. Estas são desenvolvidas a partir de encontros sobre o trabalho entre trabalhadores e pesquisadores. Para Brito, Athayde e Neves (2003), as CAPs possibilitam a construção de espaços mais adequados à apreensão da complexidade que envolve o trabalho, pois as relações de trabalho se dão coletivamente e não isoladamente. Segundo Brito e Athayde (2003), as comunidades ampliadas de pesquisa têm como referência e inspiração o Modelo Operário Italiano (MOI) (Odonne et al., 1986) e o Dispositivo Dinâmico de Três Polos (Schwartz, 2000) preconizado pela perspectiva ergológica. Esses modelos sinalizam para a potencialidade de um diálogo crítico e criativo entre os saberes da experiência (dos trabalhadores) e os saberes acadêmicos (dos pesquisadores) acerca da relação entre saúde e trabalho.

As CAPs realizadas nas escolas tiveram em média cinco encontros, que foram destinados à apresentação da proposta de pesquisa, à discussão de questões-temas norteadoras, e um último encontro para a validação (confirmação e/ou refutação) e a devolução dos materiais produzidos ao longo da investigação (Neves, Athayde & Muniz, 2004). Os encontros sobre o trabalho foram realizados nas próprias escolas e tiveram uma duração média de 60 minutos, sendo autorizada a sua gravação.

A análise dos materiais produzidos ao longo do trabalho de campo se baseou na perspectiva dialógica do discurso. Os comentários das trabalhadoras sobre seu próprio trabalho no interior de uma cadeia dialógica, como é proposto por Bakhtin (2003), representaram o principal material de análise deste estudo.

Devido à existência de um hiato – uma diferença de lugares e valores entre a compreensão da docente acerca de seu trabalho e a de outrem –, a tarefa do pesquisador é tentar captar o modo como a professora se vê, para depois assumir plenamente seu lugar exterior e dali configurar seu ponto de vista de acordo com que a trabalhadora vê. Isso significa dizer que uma análise dialógica do discurso exige um processo de exotopia, ou seja, um desdobramento de olhares a partir de um lugar exterior, lugar que permite que se veja sobre a trabalhadora e seu trabalho algo que ela não vê (Brait, 2002).

Outro fator importante na análise dialógica do discurso é o elemento transacional, que considera uma relação de textos e contextos, sendo sua apreensão feita no fluxo da história.

Um terceiro elemento é o dialógico, já que a vida é dialógica por natureza. Como diz Bakhtin (2003), viver é participar de um diálogo com o corpo inteiro, sendo a transação linguageira o centro organizador/formador da atividade mental e o modelador/determinador de sua orientação.

Desse modo, o desenrolar do diálogo e os movimentos discursivos observados permitiram a coprodução de dados que dizem respeito simultaneamente às relações entre o diálogo característico existente entre pesquisadores e professoras, as áreas de suas atividades e o modo como cada uma se identifica e se reconstrói sob o olhar do outro (Schwartz & Durrive, 2010).

 

Resultados e discussões

Políticas e programas educacionais

A descentralização do ensino, processo que tem a municipalização como um de seus desdobramentos, é uma ideia inicialmente difundida no Brasil nas décadas de 1920 e 1930, e que é retomada na década de 1940, com o fim do Estado Novo, e na de 1970, com o golpe militar. Apresentada como propiciadora de maior flexibilidade nas mudanças curriculares e de uma gestão mais democrática nas escolas, na década de 1980, a descentralização passa inclusive a incorporar a necessidade de participação da comunidade nas decisões educacionais.3 Segundo Peixoto (1999, p. 104), a proposta de descentralização do ensino é alçada a novo patamar a partir da década de 1990, quando "novos marcos legais, propostos a partir da Constituição de 1988, vão colocar a questão no centro das atenções, à medida que são introduzidas alterações significativas no quadro de distribuição de poderes, responsabilidades e recursos entre as esferas governamentais".4

De acordo com Santos (2004), como o setor educacional é considerado fator estratégico no processo de desenvolvimento, no estágio atual do capitalismo uma nova arquitetura se desenha para tal setor, alicerçada em critérios de eficiência e eficácia econômica de acordo com os interesses do mercado. Para tanto, programas e projetos têm sido financiados por organismos multilaterais, tais como o Banco Mundial, e conduzidos por órgãos de cooperação técnica, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Dentre os critérios que fundamentam as orientações do Banco Mundial para a educação brasileira, a autora supracitada aponta

[...] elaboração de currículos sintonizados com as demandas do mercado; centralidade para a educação básica, com a redução de gastos com o ensino superior; ênfase na avaliação do ensino em termos dos produtos da aprendizagem e do valor custo/benefício; centralidade da formação docente em serviço em detrimento da formação inicial; autonomia das escolas com o maior envolvimento das famílias (Torres, 1996, citado por Santos, 2004, pp. 1147-1148).

Portanto, desde os anos 1990, novos objetivos começaram gradativamente a nortear as atividades realizadas nas escolas. O Governo Federal, ao mesmo tempo que se desincumbiu da responsabilidade direta pelo gerenciamento dos serviços referentes à educação escolar, centralizou a formulação e o controle sobre seus resultados. O ideário da educação para todos e o da formação para a empregabilidade, entre outros, nortearam uma profunda transformação nas estratégias de gestão educacional nas escolas, a qual passa a ser orientada pelos parâmetros de produtividade (Oliveira, 2005; Paparelli, 2009) e, ao menos em tese, de excelência.

Assim, políticas, planos e programas educacionais variados são retoricamente criados com o objetivo de alavancar a educação nos municípios. Fatores como o número de alunos matriculados nas escolas, o nível de aprendizagem e a qualidade de ensino são apresentados gradativamente como critérios de avaliação da educação e injeção de recursos federais.

Dentre as proposições educacionais que foram instituídas pela União a partir do final dos anos 1990, destacamos:

- o "Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB" (que substituiu o antigo FUNDEF5), que tem oficialmente por finalidade o repasse de recursos financeiros – levando em consideração o desenvolvimento social e econômico das regiões, mensurado a partir do número de alunos matriculados na educação básica e dos dados obtidos no Censo Escolar realizado –, e a valorização docente, por intermédio de melhores salários e condições de trabalho mais adequadas;

- o "Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), uma estratégia para proporcionar meios para aquisição de recursos didático-pedagógicos, equipamentos, reparos e conservação do prédio da unidade de ensino – mediante o número de alunos e os outros dados das escolas obtidos no Censo Escolar –, com o objetivo de contribuir para elevar os índices de desempenho da educação básica;

- o "Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)", que diz respeito a processos de planejamento estratégico para a melhoria da qualidade do ensino, da aprendizagem e da gestão participativa;

- o regime de "Progressão Continuada", que passa a ser recomendado às prefeituras e aos estados, consiste na adoção do sistema de ensino por ciclos e que não prevê a reprovação do aluno de ano em ano caso este não tenha obtido rendimento suficiente. Nesses casos, deveria haver um acompanhamento contínuo dos professores paralelamente às aulas, como aponta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB;6

- a "Prova Brasil", que tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino ofertado pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos;

- o "Programa Mais Educação", que visa aumentar o número de atividades optativas nas escolas públicas por meio de acompanhamento pedagógico, incentivo ao meio ambiente, esporte, lazer, cultura, artes etc. (Brasil, 2009).

No que concerne especificamente ao município de João Pessoa (PB), segundo o Governo Municipal, outros programas foram criados no final dos anos 2000 como forma de enfrentar as condições precárias e de baixa qualidade que assola o ensino público. Dentre eles, destacamos o "Prêmio Escola Nota 10", criado em 2009, que, na condição de política de avaliação educacional, tem como objetivo incentivar o desenvolvimento da educação pública por meio da premiação com o selo Escola Nota 10 e com a implantação do 14º salário para os funcionários das unidades escolares. Para tanto, os servidores terão de atingir um total de100 pontos (decorrentes do êxito obtido em determinados indicadores7, tais como a avaliação da gestão escolar, a aprendizagem dos alunos e a frequência dos trabalhadores da educação na Formação Continuada. Destacam-se também o "Programa Escola Municipal Aberta", cuja principal finalidade é ampliar o acesso à arte, à cultura e ao lazer nas escolas da rede pública municipal e o "Programa de Prevenção ao Uso e Abuso de Drogas", que tem como objetivo minimizar o problema do uso de drogas entre os alunos do ensino fundamental por meio de cursos, palestras e seminários (João Pessoa, 2009).

Ainda encontramos outros programas que, segundo a Secretaria de Educação daquela cidade, foram criados com o intuito de beneficiar os professores, como é o caso do "Professor Plugado", que objetiva a formação dos docentes e a modernização de suas atividades pedagógicas, disponibilizando cursos de introdução à educação digital e financiamento de microcomputadores. Também é o caso do "Programa de Bem com a Vida", dedicado a ações de saúde preventivas e qualidade de vida das profissionais de educação, visando estabelecer o controle das doenças adquiridas no próprio local de trabalho, com foco nas áreas de psicologia, fonoaudiologia e fisioterapia (João Pessoa, 2009).

Desse modo, é possível perceber que o movimento das reformas, que demarca uma nova regulação das políticas educacionais, traz consequências significativas para a organização e a gestão escolar, resultando em uma reestruturação do trabalho docente e alterando sua natureza e definição. O trabalho docente não pode mais ser definido apenas como atividade em sala de aula, pois agora compreende a gestão da escola – no que se refere à dedicação das professoras ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e à avaliação. Além da inclusão dessas atividades referentes às novas funções assumidas pelas escolas, o trabalho docente também se intensifica com o aumento do número de alunos por turma (Oliveira, 2004; Freitas, 2004; Paparelli, 2009).

Cabe ainda acrescentar, de acordo com Paparelli (2009), que as tentativas cotidianas de reconstrução das reformas educacionais representam um elemento importante para as investigações acerca do trabalho docente, na medida em que, de um lado, explicitam a relação existente entre as atividades das professoras e as políticas educacionais e, de outro, desvendam as formas de enfrentamento e resistência engendradas por essas profissionais no cotidiano das unidades escolares (Barros et al., 2007; Heckert & Barros, 2007; Neves, Brito & Athayde, 2010).

Vivências subjetivas das professoras de João Pessoa

A partir dos anos 1990, vários programas e políticas do governo federal e dos governos estaduais e municipais são desenvolvidos retoricamente com vistas à melhoria do cenário educacional. Dentre esses, destaca-se o FUNDEB (antigo FUNDEF), que, como vimos, se propõe a investir no desenvolvimento da educação básica e na valorização dos professores, por meio da melhoria das condições de trabalho e dos salários – na medida em que se estabeleceria o piso salarial nacional e a liberação de recursos financeiros para a capacitação dos docentes.

Porém, de acordo com dados de avaliações do sistema de ensino em âmbito nacional realizadas nos últimos anos, como é o caso do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica),8 constata-se um aumento ínfimo nos índices de aprovação. Verifica-se que, apesar da garantia do acesso à educação e da diminuição da evasão escolar – especificamente no ensino fundamental –,9 a qualidade na educação do alunado não esteve assegurada (Paparelli, 2009).

Nos diferentes encontros sobre o trabalho das comunidades ampliadas de pesquisa (CAPs) realizados nas escolas participantes do estudo, em diversos momentos ocorreram debates sobre normas e valores (Schwartz, 2000; Schwartz & Durrive, 2010) relativos a vários aspectos da educação pública. No que concerne diretamente à implantação de programas e políticas educacionais nas escolas de João Pessoa – PB, as professoras, mesmo reconhecendo a importância de algumas estratégias governamentais, tecem críticas contundentes a seu respeito. Sinalizam que, em vários desses programas, os profissionais da educação não são envolvidos em seu processo de discussão e construção, e que estes não alcançam êxito e não contribuem efetivamente para a melhoria da educação,10 conforme observamos nos enunciados a seguir:

[As políticas] vêm prontas, eu queria que elas fossem construídas dia a dia com os educadores. Olhando a realidade de cada turma, porque são coisas que vêm de fora de uma forma que a gente não dá nenhuma opinião e vai ser posta ali (Professora 5).

Seria bom que no início do ano todos da escola se reunissem e dissessem aos professores quais seriam os projetos implantados na escola [...] e houvesse uma discussão com todos de como seria feito. [...] Porque seria algo construído junto e assim o resultado seria diferente (Professora 8).

Os programas fazem os alunos ficarem dentro das escolas, [...], mas não precisa ter qualidade não. Assim, esses programas não resolvem o problema da educação e da qualidade do ensino (Professora 2).

Na direção dos estudos de Souza (2006) e Ramos (2009), note-se que também predominou nos encontros a "ideia de se 'capacitar' professores sem se fazer amplos investimentos – utilizando-se da modalidade à distância como estratégia principal –, e de meritocracia como estratégia para as ações de valorização docente, parecendo manter-se o pressuposto de que o professor ainda é o responsável principal pelos problemas de qualidade do ensino brasileiro" (Ramos, 2009, p. 8). Assim, observa-se no cenário educacional a tendência crescente de se oferecer cursos de formação continuada aos professores, com a tarefa de "capacitar", "reciclar" e "melhorar a competência dos agentes escolares", indo ao encontro do que Santos (2004) denomina como "cultura do desempenho" assegurada pela criação do Estado avaliador.

Nesse sentido, as propostas de formação contínua dos educadores focam os professores individualmente, isolando-os de seu contexto de trabalho, além de considerá-los profissionais mal qualificados que precisam ser mais bem treinados. As escolas, seus contextos sociais e institucionais, bem como as condições concretas de ensino não têm sido considerados em sua heterogeneidade como elementos importantes no decorrer do processo de formação desses professores (Neves, 1999; Souza, 2006; Heckert & Barros, 2007; Souza & Rocha, 2011).

No caso do FUNDEF (atual FUNDEB), por exemplo, acrescentamos que, em função de não terem sido envolvidas no processo de discussão da Emenda Constitucional que o instituiu, as professoras da rede pública de João Pessoa parecem não entender os objetivos das mudanças que ela propõe. Portanto, perguntamos se esses objetivos visariam efetivamente à melhoria da qualidade de ensino ou à melhor distribuição dos recursos financeiros, dando-se conta de que o resgate do salário e da valorização efetiva do trabalho da professora ainda está a anos-luz de distância (Neves, 1999).

Nessa mesma direção, elas debateram a perversidade de programas tais como o "Escola Nota 10", da Secretaria Municipal de Educação.

O "Escola Nota 10" é uma humilhação para o professor [...] porque a prefeitura tem dinheiro para pagar. Mas depender de receber esse dinheiro só porque você tem que alfabetizar seu aluno, mas se ele não quiser ser alfabetizado, você não recebe esse dinheiro, eu acho uma humilhação isso" (Professora 15).

Como já foi dito, o "Escola Nota 10" é um programa que tem como objetivo incentivar o desenvolvimento educacional, premiando as professoras que alcançam os resultados propostos pela rede municipal de ensino. Ele estabelece critérios que avaliam a aprendizagem dos alunos e a gestão escolar no final de cada ano. Nesse sentido, esse programa é uma forma de avaliação do trabalho docente, constituindo um instrumento de intensa pressão sobre o seu trabalho (Dejours, 2008), já que a meta estipulada de aprendizagem dos alunos constitui o principal fator para que todos os funcionários da escola alcancem essa premiação, que é equivalente a um décimo quarto salário.

Segundo Gomes e Pimenta (2011), a premiação

[...] é tratada como consequência de modelos avaliativos que são utilizados para fins gestionários e que implica criar um ambiente de competitividade/concorrência entre escolas e professores. Criar um terreno propício para ajustar os sistemas educacionais em mercados educacionais é um pressuposto que acompanha a discussão e permite a articulação entre os temas mercado, educação e avaliação permitindo questionar sobre como as práticas avaliativas se propagaram nas diversas regiões da federação e como estas experiências foram induzindo novas práticas (p. 11542).

Dessa forma, a política de avaliação desenvolvida em João Pessoa recorre ao bônus como fator de motivação para estimular os servidores da educação no envolvimento com os processos operacionais da gestão e da aprendizagem, com o objetivo de intervir no cotidiano das escolas e imprimir mais qualidade nas ações educacionais. Segundo as docentes, na verdade, por intermédio dessa iniciativa controladora e centralizada – além de outros projetos específicos – a Secretaria de Educação busca modificar os baixos resultados obtidos nos exames nacionais (Gomes & Pimenta, 2011).

Por outro lado, nos encontros das comunidades ampliadas de pesquisa (CAPs), o salário era apontado como um dos elementos mais denunciadores da desvalorização social da atividade docente. No caso concreto do magistério no Brasil, acreditamos que se torna imprescindível a incorporação da questão salarial (um dos elementos das condições de trabalho) como componente da dinâmica de reconhecimento (Dejours, 2004). A existência de subsalários no país, quadro que não foi alterado com a implantação do FUNDEB, é percebida pelas professoras como não reconhecimento social de seu trabalho (Neves & Seligmann-Silva, 2006; Barros et al., 2007).

Portanto, é evidente a urgência de uma revisão salarial como fator decisivo para a subsistência das professoras e ponto de partida para o reconhecimento e a valorização de sua atividade, na medida em que a baixa remuneração do trabalho afeta a dignidade e a saúde das trabalhadoras. Contudo, acompanhando Neves e Seligmann-Silva (2006), acreditamos que "apesar de essa revisão ser imprescindível, não é suficiente, ou seja, não é o salário por si só que vai fazer com que as professoras trabalhem mais e melhor".

Com isso, queremos chamar a atenção para outros fatores (que extrapolam a questão salarial) e trazer para o debate a importância do tipo de gestão que se encontra nas escolas e, em particular, focar o que Dejours (1993) denomina "dinâmica do reconhecimento". Como o autor, pensamos que um ambiente é mais favorável ao desenvolvimento do trabalho quando ocorre a dinâmica do reconhecimento do saber, do investimento cognitivo e afetivo mobilizado para dar conta da atividade (Athayde, 2005), ou seja, no caso do trabalho docente, quando há um retorno/retribuição da direção, da Secretaria, dos alunos e da sociedade em geral em relação ao esforço desenvolvido pelas docentes.

As pesquisas realizadas acerca do trabalho docente em diversos países (Arroyo, 1985; Carpentier-Roy, 1992; Matínez, 1993; Apple, 1995; Costa, 1995; Nóvoa, 1995; Paparelli, 2009) indicam que a perda (relativa, diríamos) da autonomia e a desvalorização do trabalho afetam brutalmente a autoestima e a referência profissional, fazendo que a professora deixe de ser aquela que ensina para se transformar principalmente numa administradora de currículo, o que, na maioria das vezes, pode colaborar para uma postura reativa, em que a trabalhadora não vê sentido no que faz, nem o prazer nesse fazer (Neves & Seligmann-Silva, 2006).

De acordo com Dejours (2004, 2008), o julgamento do trabalho (reconhecimento do fazer) possibilita a gratificação identitária, isto é, incorpora-se esse reconhecimento ao registro do ser, que está em constante busca de seu acabamento. Entretanto, em geral, o julgamento das professoras termina por combinar as duas dimensões do fazer e do ser, desviando a análise para a própria pessoa da professora. No caso dessas profissionais (nessa questão, concordamos com Neves & Seligmann-Silva, 2006), podemos compreender que elas são afetadas (e sofrem com isso), principalmente devido ao não reconhecimento de seu trabalho por parte das direções, da Secretaria de Educação e da sociedade em geral, que, por sua vez, provoca o desprestígio do estatuto social da profissão.

Nos encontros, as docentes debatem ainda a ineficácia de programas como o "Mais Educação" e a "Prova Brasil", ambos do governo federal.

O menino foi para o "Mais Educação" e eu não vi nenhuma mudança nele. Eles vão para lá mesmo só para brincar, não tem nada para me ajudar. Eles lá só leem um texto, desenham ou pintam, só isso. Isso não tá servindo de nada, as minhas colegas pensam da mesma forma (Professora 18).

[...] deveria ser posto o avanço desse aluno ao longo do ano. A gente tem que procurar observar isso e se colocar para o pessoal que vem aplicar essas provas desses programas que existem (Professora 23).

Com a implantação do "Mais Educação" do governo federal, e dos programas "Escola Municipal Aberta" e "Prevenção ao Uso e Abuso de Drogas", da Secretaria Municipal de Educação, as escolas pessoenses assumiram a função de suprir necessidades de lazer e cultura da região em torno da escola, de realizar ações de educação na área de saúde, campeonatos, gincanas esportivas que incluam familiares de alunos, ações de recepção, de distribuição de tarefas e acompanhamento de voluntários da escola etc. Isso diversifica o leque de ações a cargo das professoras, terminando por causar nessas profissionais, como dissemos anteriormente, sentimentos de desprofissionalização (Neves & Seligmann-Silva, 2006; Paparelli, 2009).

A falta de planejamento na implantação dos vários programas educacionais e a inadequação de alguns deles aos conteúdos das aulas e à realidade das escolas são percebidas pelas docentes como fontes de desgaste físico e psíquico (Seligmann-Silva, 2011). Isso ocorre porque, mesmo não participando diretamente de todos eles, elas disponibilizam tempo previsto para ensino, prejudicando o extenso conteúdo a ser lecionado durante o ano letivo e, consequentemente, o processo ensino-aprendizagem. Assim, mesmo que considerem alguns desses projetos inicialmente bem-vindos, as pressões para dar conta do grande volume de programas levam a vivências de insatisfação e sofrimento (Dejours, 2004):

A escola está passando por um processo intensificado de projetos, cobranças e tantas coisas e nós temos que participar desse processo, muitas vezes nós não sabemos o que vai ser pedido (Professora 4).

É um puxa para lá e um puxa para cá. Quando a gente pensa que concluiu já começa outro e geralmente a gente não tem tempo de se deter na avaliação dos projetos, porque vem um em cima do outro (Professora 10).

Para dar conta da complexidade e da amplitude da prescrição de seu trabalho (Daniellou, 2004; Guérin et al., 2001), para além do que está posto na Classificação Brasileira de Ocupações,11 as docentes atestam a necessidade de serem flexíveis e polivalentes, como pode ser visto nos depoimentos a seguir:

"As atividades docentes são variadas. E como somos polivalentes, é variado o trabalho (Professora 2).

O trabalho docente tem uma sequência bem dinâmica, se você tiver hábito você leva e se não tiver você grita, esperneia, mas tem que rebolar para dar certo (Professora 4).

Segundo Guérin et al. (2001), para que a atividade aconteça é necessária a mobilização das funções físicas, psíquicas e sociais. Ou seja, a atividade implica ir além do que é prescrito, fazendo desvios para suplantar as lacunas da execução padronizada. Esses ajustes compõem uma parte enigmática do trabalho, aquela que fica irredutivelmente a cargo dos trabalhadores (Daniellou, 2004).

Dessa forma, o trabalho desenvolvido pelas professoras de escolas públicas municipais de João Pessoa está longe de se configurar como um trabalho simples, repetitivo e monótono, seja pela complexidade inerente a qualquer atividade humana, seja pela engenhosidade, inteligência e criação, usos de si por si, como apontam Schwartz e Durrive (2010), constantemente mobilizadas pelas docentes para tornar suas práticas cotidianas um lugar possível de reinvenção do mundo e acabamento (permanente) de si (Dejours, 2004, 2008).

Em meio aos limitados recursos materiais, as professoras são convidadas a ser eficientes nos estreitos limites colocados pelas diretrizes da educação definidas pelos especialistas tecnocratas.

As políticas de regulamentação do fluxo escolar oriundas do governos federal e do governo municipal de João Pessoa são um exemplo disso. Tendo como principal objetivo minimizar os altos índices de reprovação e evasão da rede pública, instituem mecanismos que impedem a repetência de séries na primeira fase do ensino fundamental ou buscam ajustar a idade do aluno à série cursada por ele. No entender das professoras, a progressão continuada implantada desde o final dos anos 1990 nas escolas municipais representa basicamente economia de recursos, já que não mais seria necessário um segundo investimento na escolarização de alunos reprovados.

Assim, as professoras mostram-se incomodadas com esse sistema de regulamentação do fluxo escolar, porque, segundo elas, a progressão continuada não significa necessariamente melhoria na qualidade do ensino público. Expressa-se aí um intenso e acalorado debate acerca de normas e valores relativos à qualidade do ensino (Schwartz & Durrive, 2010).

Aí, as colegas do ano seguinte olham assim e dizem "como é que passam um aluno desses?". Então, se reprova a Secretaria reclama e, se passa, as colegas reclamam (Professora 18).

E assim, no final do ano, que eu olho o trabalho e vejo oito reprovados. A Secretaria reclama dizendo que é muito aluno, mas eu não tenho como mudar isso [...], não tem como avaliar esses alunos. E aí a gente vai passar essa criança para levar a bomba para a outra colega do ano seguinte (Professora 15).

Um estudo anterior, realizado por Neves (1999), já chamava a atenção para o fato de que as professoras do município de João Pessoa relatavam que aquelas que se recusassem a aprovar alunos que não tivessem obtido a média exigida eram advertidas. A diretriz da Secretaria de Educação "obrigava a professora a aprovar os alunos", sob o argumento de que essa reprovação refletiria no cômputo geral de avaliação do quadro da educação do município.

As professoras pessoenses apontam também uma preocupação com o aumento da indisciplina e o aprofundamento das relações de desconfiança em relação à comunidade escolar devido à adoção de tal política, ficando esses elementos mais difíceis de serem enfrentados na escola (Neves, 1999; Paparelli, 2009).

A nosso ver, o debate em torno da progressão continuada implantada por diferentes gestões governamentais desde o final dos anos 1990 no município de João Pessoa necessita ser mais aprofundado. Segundo Neves (1999), a simples imposição de aprovação geral às professoras (tirando-lhes a autoridade diante dos alunos, "já que eles vão passar de qualquer jeito"), o uso de si por outrem (Schwartz & Durrive, 2010), não atende à demanda de um ensino de qualidade reivindicado por parte da sociedade civil, incluída aí a própria categoria profissional dos docentes. Ora, além do critério econômico (pois a repetência engarrafa o sistema educacional, fazendo com que vagas fiquem retidas) e da necessidade decorrente da pressão pelo aumento do nível médio de escolaridade da população, há que se considerar o elemento político-pedagógico dessa questão.

O sofrimento vivenciado pelas professoras diante desse problema não é gerado pelo princípio da progressão continuada, mas pela maneira como ela vem sendo efetivamente implantada. Para as docentes, da forma como foi implementada – e pelo menos até o período em que esse estudo foi desenvolvido –, a progressão continuada em João Pessoa na verdade resultava em mera aprovação automática.

Dessa forma, as críticas voltam-se principalmente para a forma de implantação dessa política de regulamentação do fluxo escolar sem a devida participação das professoras, sem um projeto pedagógico que lhe dê sustentação e sem condições para viabilizar um programa de apoio necessário à recuperação da defasagem dos conteúdos pelos alunos (Paparelli, 2009; Gomes & Pimenta, 2011).

Em geral, as professoras também afirmam que trabalham precariamente, pois as turmas são grandes e as salas de aula pequenas e inadequadas, o que compromete a qualidade do trabalho, o que tem inclusive repercussões sobre a sua saúde das profissionais. Isso vai de encontro à elaboração/retórica de programas, como são os casos do "Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)" e do "Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)", que dizem respeito a processos de planejamentos estratégicos para a melhoria da infraestrutura das escolas e da qualidade do ensino (Oliveira, 2005).

De fato, percebemos que a inadequação da estrutura física parece limitar os espaços de trocas e interação entre as profissionais na escola. Segundo Dejours (1993), a existência de espaços públicos internos (de interação) é um dos fatores essenciais para uma organização do trabalho mais adequada, na medida em que os encontros entre os trabalhadores facilitam a produção de relações de cooperação e de confiança, o reconhecimento entre os pares e a produção de sentido no trabalho. Consequentemente, a carência de maior contato e comunicação entre as professoras torna-se um obstáculo na busca da solução de problemas e espaços de criação, o que pode favorecer a rotinização das atividades e dificultar a produtividade e a qualidade do trabalho (Neves & Seligmann-Silva, 2006).

Apesar das investidas governamentais em suas distintas esferas na educação do município de João Pessoa nos últimos anos, as professoras revelam-se insatisfeitas e induzidas a trabalhar quase exclusivamente com o livro didático, o quadro e o pincel. Isto porque, mesmo quando há outros materiais, o uso destes é mínimo, devido à falta de informação das professoras, o mau funcionamento desses materiais e/ou a dificuldade de acesso aos mesmos.

Tem os computadores [...]. Mas eu não dou aulas frequentes na sala de informática por causa dessa dificuldade de acesso, porque é necessário um técnico de informática e nesse turno não tem (Professora 8).

[...] coloca um laboratório e, dessa maneira, mesmo o professor tendo o conhecimento de informática, precisa preparar o seu material aqui. Era para ter um técnico aqui, para você deixar o material e ele preparar tudo, para quando você chegar trazer seus alunos e aplicar sua aula (Professora 3).

Em suma, não obstante algumas docentes reconhecerem alguns avanços parciais, como é o caso dos programas "Professor Plugado" e "De Bem com a Vida" – este último recém-lançado quando da realização dos encontros das CAPs –,12 elas enfatizam que em grande parte as políticas educacionais dos governos federal e municipal são construídas e implementadas de cima para baixo, sem a sua participação e sem considerar as variabilidades existentes em cada realidade de trabalho. Portanto, é necessário atentar para as sobrecargas (físicas e psíquicas) originadas pela diversidade de políticas educacionais implantadas nas escolas e seus efeitos – alguns até imperceptíveis à primeira vista, mas fortemente nocivos ao exercício da atividade e à saúde das trabalhadoras.

Entretanto, observamos que as professoras ressingularizam as situações de trabalho. Em meio às inúmeras dificuldades que se apresentam no exercício da docência, encontramos docentes que exercitam diariamente novas formas de lidar com os limites de seu trabalho, elaboram outros tipos de normas/regras com objetivo de quebrar as amarras da organização escolar. Assim, compreendemos que a organização real do trabalho docente não é estática, mas sim marcada pela variabilidade (técnica e humana), o que demanda das professoras reajustes e interpretações constantes (Dejours, 1993; Daniellou, 2004; Schwartz & Durrive, 2010).

Ou seja, as docentes costumam gerenciar as variabilidades do dia a dia utilizando um conjunto de operações de previsão, antecipação e prevenção, efetuando uma regulação permanente da produção da sua própria atividade, de forma que essas estratégias possibilitem algum conforto, bem-estar, segurança e qualidade naquilo que fazem. As professoras afirmam que, mesmo em condições tão adversas, procuram mobilizar suas competências com o intuito de dinamizar as aulas (uso da criatividade) para que os alunos possam aprender mais e melhor.

 

Considerações finais

Vimos que, com a pretensão de colocar o Brasil no rol dos países desenvolvidos que têm a educação na pauta de suas políticas governamentais, diversas proposições educacionais foram instituídas desde a década de 1990 com o objetivo de tentar elevar o padrão de acessibilidade e de excelência da educação pública da rede básica de ensino.

Entretanto, assim como já apontaram diversos estudos, este trabalho verificou, nas escolas públicas brasileiras – apesar das (questionáveis) investidas governamentais baseadas em princípios empresariais de produtividade, competitividade, mérito e excelência –, um cenário de baixa qualidade do ensino público, com profissionais recebendo salários irrisórios.

Um aspecto destacado nas discussões dos encontros sobre o trabalho com as professoras, e que instaurou um debate sobre normas e valores, foi que concretamente os investimentos públicos se voltam mais para a garantia do aumento do número de alunos e a diminuição da evasão escolar. Ou seja, garante-se a permanência física e formal do alunado nas escolas, porém não são dadas as condições objetivas adequadas para que a mobilização subjetiva engendrada propicie às professoras a realização de um efetivo trabalho de qualidade, comprometendo assim o sentido do trabalho.

Em geral, as professoras não veem seu trabalho devidamente reconhecido e são muitas vezes responsabilizadas pelo desempenho insatisfatório dos alunos, da escola e do sistema de ensino. Ora, o atual modelo de gerenciamento educacional, que impõe novas demandas às trabalhadoras e institui um ritmo acelerado de trabalho, com turmas superlotadas, insuficiente número de profissionais, necessidade de adaptação às exigências das políticas educacionais vigentes, realização de várias atividades simultaneamente, além das cobranças por rendimento do alunado e a falta de condições de trabalho, tem contribuído para intensificar as vivências de sofrimento e processos de adoecimento das professoras no ambiente escolar.

Ao longo dos encontros, verificamos com as docentes que os programas e projetos educacionais em curso são vistos como medidas imediatas e paliativas que não resolvem efetivamente os problemas da educação e da qualidade do ensino, já que não envolvem processos mais amplos – que incluam, dentre outros aspectos: escola em tempo integral, apoio pedagógico de fato para os alunos no contraturno, uma formação básica e continuada qualificada das docentes, condições de trabalho mais adequadas, redução da jornada de trabalho, com a alocação das docentes em uma única unidade escolar, e salário digno para as profissionais da educação.

Assim, foi possível constatar que as políticas educacionais que vêm sendo implementadas – seja pelos últimos governos federais, seja pela prefeitura de João Pessoa – têm engendrado uma forma de organização do trabalho escolar que expressa um novo modo de regulamentação do sistema educacional, tendo como efeito uma reestruturação do trabalho docente que altera sua natureza e definição. Isso contribui para um sentimento de desprofissionalização, de perda de referência profissional, e para a constatação de que às vezes ensinar não é o mais importante.

Contudo, apesar das inúmeras dificuldades encontradas no cotidiano escolar, por vezes, utilizando sua capacidade criativa, as professoras mobilizam, em paralelo, diversos modos de regulação da atividade, o que possibilita a reconfiguração de seu trabalho, contribuindo por conseguinte para a afirmação da vida (no e pelo trabalho).

 

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Endereço para correspondência
monicaalmeida496@hotmail.com, myale@uol.com.br, francy_psic@yahoo.com.br

Recebido em: 26/09/2012
Revisado em: 05/08/2013
Aprovado em: 06/08/2013

 

 

1 Com base em Neves (1999), procuramos tornar visível desde já a divisão sexual do trabalho. Para isso, esclarecemos que, independentemente da regra gramatical (que constitui ela mesma uma produção social), estaremos nos referindo aos trabalhadores e trabalhadoras de escolas,, principalmente do ensino fundamental, sempre no feminino – as trabalhadoras –, devido ao fato de sua composição ser majoritariamente de mulheres.
2 Esse é um dos objetivos da pesquisa que deu origem à dissertação de mestrado A atividade de trabalho de professoras de escolas públicas: Ser professor é rebolar (Almeida, 2010). A referida pesquisa esteve atrelada ao Programa de Formação em Saúde, Gênero e Trabalho nas Escolas Públicas, um programa de pesquisa-formação-intervenção em rede desenvolvido nos estados do Rio de Janeiro e no município de João Pessoa, PB (Brito & Athayde, 2003; Neves, Brito & Athayde, 2010).
3 Para Fávero (1999), se o Estado Novo (1937-1945) abafou de vez as primeiras conquistas na direção da "descentralização", a União mantém seu poder centralizador, mesmo depois da Constituição liberal de 1946, que promulgou a vinculação de recursos financeiros para o sistema educacional e a obrigatoriedade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Plano Nacional da Educação. Foi a partir de meados dos anos 1970 que se instituíram as propostas de municipalização do ensino fundamental (antigo 1º grau), embora tais propostas não tenham encontrado condições de se efetivar na maioria dos municípios, por falta de recursos, quadros e incentivos (p. 109).
4 Na verdade, a descentralização é apontada como saída para o impasse político-institucional do Estado brasileiro, visto como excessivamente centralizador e incapaz de atender às necessidades básicas de parcela considerável da população (Peixoto, 1999).
5 Criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério – FUNDEF, ao instituir, via Emenda Constitucional de 1998, a municipalização do ensino no Brasil, põe em prática a ideia extremamente polêmica de custo-aluno, procedimento que retoricamente contribui para amenizar os baixos salários de grande contingente de professores e professoras (Neves, 1999). Durante o primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva, em 2006, o FUNDEB amplia o escopo do anterior FUNDEF, ao incorporar à sua proposição não apenas o ensino fundamental, mas também o ensino infantil e o médio e a educação de jovens e adultos, e, além de contemplar os professores, passa a se destinar ao conjunto dos profissionais da educação escolar. Para uma análise aprofundada das diferenças e semelhanças entre os dois fundos, ver Ramos (2009).
6 Esse sistema de ensino se diferencia do sistema por séries, que pressupõe que cada aluno com desempenho insatisfatório seja reprovado ao final do ano letivo e os que dominam o conhecimento esperado avancem para a série seguinte.
7 Os indicadores remetem à avaliação da gestão escolar (documentos de regularidade escolar, patrimônio e despesas de custeio); avaliação de atividades interdisciplinares (projetos, avaliação do Projeto Político-Pedagógico e avaliação da informática educacional); avaliação na frequência na formação continuada; e avaliação da aprendizagem dos alunos. Segundo Gomes e Pimenta (2011), a experiência de João Pessoa apresenta um modelo de monitoramento que associa a avaliação dos estudantes, dos professores e dos gestores em uma mesma estrutura.
8 O Ideb, que retrata a situação do ensino básico no país, foi criado em 2007 e é divulgado a cada dois anos. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação dos alunos obtidos por intermédio do Censo Escolar e de médias de desempenho nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Saeb, para os Estados e o Distrito Federal, e da Prova Brasil – para os municípios. Ele serve tanto como diagnóstico da qualidade do ensino brasileiro como de baliza para as políticas de distribuição de recursos (financeiros, tecnológicos e pedagógicos) do Ministério da Educação e Cultura – MEC.
9 Adiante, retomaremos esse ponto.
10 Como indicado, por exemplo, pelo "Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)" (Oliveira, 2005). Na mesma direção, conferir também Viegas e Angelucci (2004) e Rosário e Araújo (2008), que problematizam a elaboração e a implementação das políticas educacionais.
11 A prescrição, de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho, é de que os professores têm a obrigação de: participar do desenvolvimento da proposta pedagógica da escola; elaborar e cumprir planos de trabalho segundo a proposta pedagógica da escola; zelar pela aprendizagem dos alunos; estabelecer e implementar estratégias de recuperação para os alunos com menor rendimento; ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos; participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento; realizar as avaliações bimestrais; proporcionar o desenvolvimento do alunado; colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade; e executar as atividades de regência de classe.
12 O programa "De Bem com a Vida", que teoricamente poderia propiciar às professoras condições de trabalho menos precárias e nocivas, apresentou-se como mais um programa falacioso do governo municipal em exercício, sendo desconhecido da maioria do professorado e até mesmo do próprio sindicato da categoria.