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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versión impresa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.17 no.spe São Paulo jun. 2014

 

TRADUÇÕES

 

Introdução à edição francesa*

 

 

Dominique LhuilierI; Vanessa Andrade de BarrosII; José Newton Garcia de AraujoIII

IConservatoire Nacional des Arts et Métiers (Paris, França)
IIUniversidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG)
IIIPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG)

 

 

Este número da Nouvelle Revue de Psychosociologie é resultado do Primeiro Colóquio Internacional de Psicossociologia do Trabalho, organizado na Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, de 12 a 14 de abril de 2012.

O projeto do colóquio nasceu da colaboração iniciada no ano precedente entre a equipe do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Intervenção em Psicologia do Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais e o grupo de pesquisa em psicossociologia do trabalho do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), da França. A convergência de nossos trabalhos e nosso interesse comum em aprofundar os fundamentos teóricos e metodológicos da psicossociologia do trabalho nos levaram à construção conjunta do programa desse colóquio, visando a conhecer melhor e a debater as elaborações atuais em pesquisa e intervenção que contribuem para o desenvolvimento dessa orientação.

Organizado por Vanessa Andrade de Barros e José Newton Garcia de Araujo, a quem devemos o sucesso do evento, o colóquio se inscreve também em uma história de vários colóquios internacionais de psicossociologia e sociologia clínica, organizados por eles e por seus colegas na Universidade Federal de Minas Gerais. Tais colóquios reuniram, em suas diversas edições, um considerável número de estudantes, professores, pesquisadores e profissionais. Encontramos aí o cuidado com a dimensão internacional, que permite levar em conta a diversidade de situações sócio-históricas, além de renovar nossas análises, sob o prisma de comparações e debates, com abertura à pluridisciplinaridade no campo das ciências humanas e sociais.

Esse primeiro colóquio de psicossociologia do trabalho também privilegiou essa abertura: colocou no núcleo dos debates a questão do trabalho, em suas diferentes formas, em contextos socioeconômicos e históricos contrastados, dando continuidade a diálogos entre as diferentes correntes da clínica do trabalho, em especial a psicodinâmica do trabalho, a clínica da atividade e a ergologia.

Essas diferentes correntes, oriundas de distintas tradições epistemológicas e disciplinares, têm fundamentos comuns, bem como divergências, que devem ser objeto de debates – o que torna necessário que criemos condições para tal. A Nouvelle Revue de Psychosociologie já tomou uma iniciativa nesse sentido, a partir de seu número sobre as clínicas do trabalho, em 2006 (lembremos também a obra coletiva Clínicas do trabalho, organizada por Bendassolli e Soboll, publicada pela editora Atlas, em São Paulo).

Em geral, a psicossociologia é pouco conhecida pelas outras clínicas do trabalho e, por isso mesmo, surgem confusões e mal-entendidos, que merecem ser esclarecidos aqui. No entanto, neste momento privilegiamos o estudo das pesquisas e intervenções em psicossociologia, colocando a questão do trabalho no centro de suas elaborações e ações. Isso supõe que tornemos claras nossas concepções de trabalho e seus modos de abordagem.

Sem dúvida, um trabalho conceitual é indispensável. Não exatamente para alimentar a ilusão de uma captura do real pelo conceito, nem para instituir um conceito promulgado como o único válido e legítimo, o que validaria apenas suas aplicações (no modelo do one best way taylorista). O conceito é um instrumento de pensamento e de ação que fenece quando não é desenvolvido por e em seus usos. Com efeito, o termo "trabalho" é polissêmico, inclusive entre os psicossociólogos, e convém reconhecermos isso, a fim de evitar seu enclausuramento em doutrinas.

Em nossos debates no colóquio, exploramos os fundamentos da psicossociologia do trabalho e os recursos que ela mobiliza na elaboração teórica e clínica. Pode-se dizer que esse colóquio estabeleceu as bases para a construção de um campo de pesquisa especifico na área de psicossociologia – o campo do trabalho.

O trabalho é objeto de representações quase sempre clivadas, que opõem sua versão negativa (por excelência, na esfera da heterodeterminação e da exploração) e sua versão idealizada (condição de subjetivação e de cidadania). Essas figuras devem ser superadas, para que estejam asseguradas análises dialéticas e dinâmicas que coloquem contradições, tensões e conflitos no cerne do trabalho.

A perspectiva internacional também pode nos ajudar a sair de uma espécie de sociocentrismo dominante, que tende a limitar o trabalho a suas formas sociais, em especial a forma como é concebido na sociedade salarial. Daí vem uma confusão crônica entre trabalho e emprego, bem como a prevalência do paradigma do trabalho industrial nas ciências do trabalho. No entanto, não se pode datar o nascimento do trabalho no momento em que surgiu a economia de mercado, pois isso faria dele uma entidade abstrata, independente de seu conteúdo, concebido como uma mercadoria que se troca por um salário. Em maior escala, no tempo da história e no espaço mundial (e não somente dos países ditos industrializados), não se pode reduzir o trabalho à atividade assalariada. Este último não é senão um epifenômeno na longa história das sociedades humanas. Podemos até dizer que isso a que chamamos de trabalho "informal" é a regra geral, enquanto o regime moderno assalariado seria a exceção.

A prevalência do modelo do trabalho assalariado produz uma dupla opacidade: ele deixa na sombra as outras formas sociais do trabalho (nesse caso, não haveria trabalho fora de regulações sociais mais ou menos instituídas) e relega à invisibilidade, aos subterrâneos, o trabalho clandestino ou ilegal, bem como o trabalho realizado na esfera da economia doméstica. Ora, em muitos países, as atividades de trabalho enquadradas pelo direito e que dão acesso às prestações sociais são minoritárias. E, nas sociedades dominadas pelo trabalho assalariado ou em vias de assim se tornarem, não somente há uma parte importante de trabalho não declarado, mas o trabalho concreto, ou "trabalho real", jamais é redutível a sua alienação de mercado ou à representação que dele podem fazer aqueles que o prescrevem ou que o compram. Portanto, a análise do trabalho não supõe que viremos as costas ao emprego para nos centrarmos nas atividades, mas sim que consideremos conjuntamente as atividades e as formas sociais que as enquadram. Isso requer ainda considerar suas interações e interdependências. Os artigos apresentados neste número contribuem fartamente para isso.

A problemática saúde e trabalho tem sido um dos principais fios condutores de nossos estudos e de nossas trocas. Sem dúvida, isso ocorre porque nossa concepção de saúde não a reduz à ausência de doença, nem à ideia de normalidade tal como esta é definida pela norma social. A saúde é, a um só tempo, recurso e projeto, objeto do trabalho de saúde e desafio essencial da atividade, em sua dupla vocação subjetivante e socializante. Ela remete às formas de vida ao mesmo tempo dadas e criadas na e pela atividade – uma atividade sempre inscrita em uma história singular e coletiva.

Entre o conjunto de contribuições de nosso colóquio, tivemos de fazer uma escolha difícil a fim de obedecer ao formato de um número de revista. Mas os artigos aqui reunidos dão conta dos principais eixos de trabalho do colóquio: investigação das posições teóricas e clínicas da psicossociologia – inclusive, é claro, nos diálogos propostos com outras perspectivas epistemológicas, como, por exemplo, a filosofia e a ergologia; aprofundamento dos conceitos "trabalho", "atividade", "práxis", através de diferentes formas sociais de engajamento do sujeito no e sobre o mundo, quer se trate de trabalho assalariado ou de trabalho à margem desse quadro instituído; reavaliação dos processos psíquicos e das dinâmicas coletivas, na óptica da atividade; além disso, claro, o retorno à questão da intervenção, da ação nos meios de trabalho. No que tange às pesquisas científicas sobre o trabalho, pode-se reencontrar aqui a distinção habitual entre diferentes concepções de trabalho teórico: teoria "científica", depurada da questão da ação, teoria a serviço da ação crítica, teoria como instrumento da ação de transformação nos meios de trabalho. A psicossociologia do trabalho, por sua vez, inscreve-se no paradigma da pesquisa-ação, que articula fundamentalmente atividade de pesquisa e projeto de ação – sua relação não é de subordinação de uma à outra, mas de complementaridade e de reciprocidade. Aqui, a teoria é indissociável de suas condições de produção na ação.

Não podemos encerrar esta apresentação sem agradecer aos colegas de diferentes países (Brasil, França, Argentina, Itália, Canadá) e a todos aqueles que trouxeram suas contribuições à revista, através de um trabalho considerável de tradução, leitura e releitura, a fim de conferir a este número a dimensão internacional que era esperada.

 

 

* Publicado originalmente em: Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15 (1), 7-10, 2013. DOI: 10.3917/nrp.015.0007        [ Links ]