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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.17 no.spe São Paulo jun. 2014

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v17ispe1p21-32 

TRADUÇÕES

 

O formador de adultos: um agente de desenvolvimento*

 

Le formateur d'adultes, un agent de développement

 

Work and adults training

 

 

Guy Jobert1

Conservatoire National des Arts et Métiers (Paris, França)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objeto deste artigo são as relações entre o trabalho e a formação de adultos. Tal articulação entre a formação e o trabalho pode criar novas perspectivas, tanto no plano das ideias quanto no das práticas, sobre a maioria das questões vivas e das práticas atuais em matéria de formação, como a alternância, a engenharia, a validação das aquisições da experiência (VAE), a orientação ou o desenvolvimento das competências. O trabalho, entendido como atividade situada e normalizada, é uma tomada de risco que implica escolhas deliberadas. Ele é ação de produção no mundo externo e, no mundo interno, produção de si mesmo.

Palavras-chave: Trabalho, Atividade, Formação, Desenvolvimento, Reconhecimento.


RÉSUMÉ

L'objet de cet article est de traiter des relations entre le travail et la formation des adultes. Cette articulation entre la formation et le travail peut ouvrir de nouvelles perspectives, aussi bien au plan des idées qu'au plan des pratiques, sur la plupart des questions vives et des pratiques actuelles en matière de formation, comme l'alternance, l'ingénierie, la validation des acquis de l'expérience (VAE), l'orientation ou le développement des compétences. Le travail, entendu comme activité située et normée, est une prise de risque qui implique des choix délibérés. Il est action de production dans le monde extérieur et, dans le monde intérieur, production de soi.

Mots-clés: Travail, Activité, Formation, Développement, Reconnaissance.


ABSTRACT

The purpose of this article is the exploration of the relationship between work and the pedagogy of adult people. This connection between pedagogy an work may open new theoretical and practical perspectives within the pedagogical field such as: the alternation (between teaching sessions and periods one probation on the ground floor), teaching-learning engineering, the validation of the professional experience, the orientation or development of specific skills. Work as a contextualised and standardized activity can be considered as a risk which involves intentional choices. It is an act of production in the outside world and, within the inner world, it contributes to the production of the self.

Keywords: Work, Activity, Pedagogy, Development, Recognition.


 

 

Introdução

O objeto deste artigo são as relações entre o trabalho e a formação de adultos e, particularmente, a formação profissional de adultos. Meu propósito, aqui, é estabelecer uma defesa e uma argumentação sobre o interesse que há para os formadores, para os teóricos e os responsáveis pela formação, mas também para os responsáveis de recursos humanos e os gerentes, de levar em conta o trabalho em sua ação, em matéria de formação ou de Gerência de Recursos Humanos. Essa articulação entre a formação e o trabalho pode abrir novas perspectivas, tanto no plano das ideias quanto no plano das ações, sobre a maioria das questões e das práticas atuais em matéria de formação, como a alternância, a engenharia, a validação das aquisições de experiência (VAE), a orientação ou o desenvolvimento de competências.

O trabalho é um objeto familiar – ou deveria sê-lo – para os formadores. Ao mesmo tempo, é também para eles um ponto cego (Jobert, 1993). Na verdade, os formadores de adultos se interessaram tardiamente pela questão do trabalho. Houve, entretanto, trabalhos precoces de certo número de pesquisadores sobre esses vínculos. Penso especialmente na obra de M. de Montmollin, A análise do trabalho, anterior à formação. Da mesma forma, na época do CUCES (Centre Universitaire de Coopération Économique et Sociale) e da INFA (Institut National pour la Formation des Adultes),2 em Nancy, pesquisadores fizeram análises de postos e de situações de trabalho. Tais análises também estavam objetivavam esclarecer e alimentar a engenharia de formação. Porém, esses trabalhos não foram difundidos.

Como explicar isso? Em sua obra recente, Pierre Pastré (2011) propõe algumas explicações. A princípio, o campo das ideias e das práticas em formação de adultos se constituiu como reação ao sistema escolar, apoiando-se em disciplinas das ciências sociais, como a psicossociologia das organizações, com Crozier, Friedberg, e em seguida Sansaulieu. Ora, tanto a psicossociologia como a sociologia das organizações e da análise estratégica possuem como característica comum a não existência do trabalho. Ele está ausente.

Pode-se notar também a hegemonia da corrente da pedagogia por seus objetivos. Ela se apoia na análise das exigências dos postos de trabalho e em sua elaboração, permitindo a redação dos objetivos de formação que deveriam sempre ser expressos por verbos de ação. A ideia era esta: sendo a competência algo não observável, podia-se, em compensação, observar o desempenho obtido pela ação competente e os objetivos visados. Assim, indo diretamente ao resultado, fazia-se economia da organização da atividade, da organização do trabalho e, logo, da própria atividade.

É preciso também notar que, nessa época (anos 1970), as bases conceituais e metodológicas de análise do trabalho não eram muito difundidas, nem ensinadas nas formações de formadores. Sem dúvida, o elemento que mais retardou esse processo foi o que se chamou "a crise", o segundo choque do petróleo: a formação foi maciçamente articulada ao emprego. Tornou-se um instrumento de intervenção a serviço das políticas de emprego, tanto nos mercados de trabalho internos quanto nos externos, devendo intervir na "estrutura qualitativa da mão de obra".

Tratava-se, pois, de definir um "estado-alvo", ou seja, os tipos de emprego para os quais era necessário formar as pessoas. Esses "estados-alvo" eram definidos com base nas descrições de postos de trabalho, nos discursos dos que as concebiam e dos engenheiros – às vezes, as descrições eram produzidas pela gestão de previsão de vagas de emprego.

Alguns formadores poderiam se aventurar no terreno (dizia-se "desciam" ao terreno, sempre se "desce" ao terreno, o terreno está embaixo). Eles iam até a fábrica ou às oficinas e interrogavam alguns operadores para lhes perguntar o que faziam. Conseguiam respostas muito interessantes. Mas o trabalho declarado não é a atividade. Buscava-se, assim, definir o estado inicial da mão de obra que seria preciso formar, recorrendo-se a testes. Isso era feito com o propósito de estabelecer o diferencial qualitativo e quantitativo entre o estado-alvo e o estado inicial – logo, de regular ações de formação que servissem de remédio, destinadas a preencher essa diferença. Essas operações desconheciam a complexidade dos processos em causa: o vínculo entre trabalho e formação não é realmente tratado nesses procedimentos mecanicistas.

E, a partir do momento em que o emprego se tornou cada vez mais problemático, esse esquema apresentou mais dificuldades: se, em período de pleno emprego, pode-se ainda definir estados-alvo, ou seja, postos a preencher, quando não há esses postos não se sabe mais exatamente para que serão formadas as pessoas.

É preciso que ressaltemos: o emprego não é o trabalho. Trata-se aí de um mal-entendido persistente. Utiliza-se a palavra "trabalho" no lugar de "emprego" em numerosas formulações: "perdi meu trabalho", "procuro trabalho", significam, na verdade, a perda ou a procura de emprego. É preciso definir aqui o que se entende por "trabalho".

 

O trabalho: entre a tarefa e a atividade, o que não é dado pela prescrição

Proponho que construamos esta noção à luz das disciplinas que têm o trabalho como objeto – a ergonomia e a psicologia do trabalho, em particular. O que se costuma chamar de "trabalho" é a atividade. É o que fazem homens e mulheres, o que devem fazer, o que é necessário que façam de modo a agir em uma situação e atingir seus objetivos. A distinção proposta pela ergonomia de língua francesa entre o trabalho prescrito e o trabalho real nos permite definir o trabalho.

O trabalho prescrito é o conjunto de procedimentos, de prefigurações da ação, de regras que são exógenas e antecedentes à ação. Esse conjunto de regras, de procedimentos, de process book, de senhas, pode ser mais ou menos formalizado e mais ou menos abundante.

Na direção ou na gestão de sistemas técnicos hipercomplexos de risco, tais como o funcionamento de um reator nuclear, a condução de um avião, de uma linha de moendas, de um trem, nós encontramos atividades hiperprocessadas. Essa quantidade de prescrições formalizadas tenta encontrar respostas ou preconizar respostas adaptadas à totalidade das situações possíveis e imagináveis. No outro extremo, outras atividades são mais dificilmente prescritíveis: são, especialmente, todas as atividades relacionadas ao serviço, ao cuidado, ao guichê, ao balcão, à educação etc.

É preciso acentuar os limites intransponíveis da prescrição, sem, por isso, condená-la. Ela é muito útil: permite encarar os imprevistos em situações como a pilotagem de um avião, ou o não funcionamento de um reator. Mas seus limites devem-se ao fato de que ela é elaborada com referência a situações estandardizadas e estabilizadas. Toda regra escrita, por ser escrita, formalizada, guarda distância das características particulares de tal ou qual situação. Ora, o que caracteriza a ação é o fato de ser situada. E o que caracteriza as situações é sua variabilidade e sua singularidade. Elas são, assim, atravessadas por acontecimentos que levam a previsibilidade da ação ao fracasso.

O trabalho prescrito, que os ergonomistas chamam de "a tarefa", não é sinônimo do que é preciso fazer em situação real, do que é chamado de "a atividade". Sempre há uma diferença entre a tarefa e a atividade. Ou, como o diz Philippe Davezies (1993), "o trabalho é o que não é dado pela prescrição". Se não é dado, é preciso trazê-lo.

O trabalho é, pois, a contribuição dos homens e das mulheres à obtenção de resultados em uma situação. Eles devem desdobrar inteligência e invenção, seja para fazer algo com as regras, seja para avaliar a pertinência do que existe para aplicar as regras, ou seja, reportá-las à singularidade de uma ou outra situação, mas, às vezes, também para não respeitar as regras; ou para substituir regras existentes por outras mais pertinentes, em uma situação concreta, ou para remediar a ausência ou a não pertinência das regras. Trabalhar é esse desdobramento da subjetividade humana, é essa presença humana no trabalho, sem a qual o desempenho não é obtido. Isso significa dizer que não há trabalho de execução. Nenhum trabalho é de execução. Jamais. E que só há trabalho humano. Um trabalhador que somente executasse, de maneira estrita, a instrução, estaria, de alguma forma, "mecanizado" e poder-se-ia dizer que ele não trabalha.

 

O trabalho: uma tomada de risco, uma ação eficaz, situada e regulada

Portanto, o trabalho pressupõe correr risco, pois, quando trabalhamos, estamos sempre em uma relação complexa com a regra. Somos levados a adaptá-la, a interpretá-la, a não respeitá-la, a opor outras normas às normas escritas, individual ou coletivamente. E essa relação complexa com a regra nos expõe a correr riscos que podem se voltar contra nós. Quando "funciona", quando nossa esperteza, nossa habilidade, nossa inteligência permitem obter o resultado, tudo vai bem. Por outro lado, quando há um problema (pane, acidente, atraso, defeito), as pessoas se voltam contra o trabalhador de quem se suspeita que não tenha respeitado as regras. Ora, um verdadeiro profissional não pode estar nesse "respeito" dessas regras. Trabalhar significa trapacear. Não significa trapacear para enganar, mas para ter êxito.

O que não quer dizer que o trabalhador possa fazer qualquer coisa. A ação eficaz situada é uma ação que deve obedecer a regras, a normas. O conjunto da prescrição faz parte importante das normas; mas trabalhar é renormalizar as situações e, logo, produzir regra (Schwartz, 1988). Toda ação é uma escolha, pois todo gesto feito no mundo real afasta uma série de outros gestos que teriam sido possíveis. Com base em que se deve regular essa escolha, essa ação? As regras da ação, as normas da atividade, sempre são ao mesmo tempo técnicas e éticas: elas são indissociáveis uma da outra.

 

O trabalho: uma atividade deliberada, uma sucessão de decisões

Trabalhar é agir, agir é escolher. Na atividade de trabalho, somos levados permanentemente a fazer escolhas, a tomar um grande número de decisões. Mas, vistas de dentro, ou seja, quando somos da profissão, as pequenas decisões podem ser absolutamente determinantes para a atividade que exercemos. Ser professor primário, perguntar algo a um grupo de alunos, ver mãos que se levantam e decidir dar a palavra a alguém, todas essas são microdecisões. Mas, se parássemos na análise de cada microdecisão, poderíamos desvendar elementos constitutivos essenciais, ao mesmo tempo, do profissionalismo dos educadores e das consequências de tais decisões em relação a qualquer outra tomada de decisão.

Em parte, essas decisões são determinadas. No fundo, não refletimos, fazemos espontaneamente. Determinadas por quê? Por determinações intrapsíquicas – nossas neuroses, para dizer logo a verdade – e por determinações sociais – nosso habitus. Elas determinam uma boa parte das escolhas que fazemos na ação sobre a ação que convém. Mas não se trata apenas disso. As escolhas que fazemos no trabalho também são escolhas deliberadas, ou seja, ligadas a uma intencionalidade consciente. Isso pressupõe que a tomada de decisões seja precedida de uma deliberação. Essa deliberação pode ser extremamente fugidia. Ela pode estar no foro interior, ou pode ser deliberada com colegas em quem confiamos ou, melhor ainda, em um coletivo.

 

O trabalho: uma produção de si mesmo, um operador de desenvolvimento, de "formação"

Em sua essência, o trabalho é uma requisição de nós mesmos. Se quisermos que "isso funcione", como dizem, "é preciso pôr algo de seu". Daí a expressão "investimento subjetivo" usada por alguns. É um engajamento necessário. Se não o fazemos, as coisas não funcionam. A greve do zelo mostra bem isso: as pessoas se contentam em fazer o que é prescrito, escrito, e nada mais funciona. A greve do zelo é a greve do investimento subjetivo no trabalho.

Esse enfrentamento mobilizador à resistência do real tem efeitos sobre o mundo real, já que trabalhar é agir sobre o mundo para transformá-lo; por outro lado, o trabalho tem efeitos sobre aquele que age.

No fundo, há um duplo status do trabalho. Ele é ação de produção no mundo externo, sendo também, no mundo interno, produção de si mesmo. Nós nos produzimos ao produzir; construímo-nos ao agir e transformar o mundo. O trabalho não é apenas uma imposição, uma obrigação, uma injunção que nos é feita. É, igualmente, uma oportunidade que nos é dada de construção de nós mesmos. O trabalho funciona como um operador de identidade, como um meio de construção de nós mesmos, de nossa identidade, um operador central do desenvolvimento da pessoa.

Ora, evidentemente, a questão da formação e do desenvolvimento da pessoa (no sentido antropológico de processo de humanização) está no alicerce da formação de adultos e, de certa maneira, da gestão de recursos humanos.

 

A formação dos adultos, mais ao lado do desenvolvimento do que da aprendizagem

O primeiro ponto a ser abordado consistirá a afirmação de que a formação de adultos encontra sua especificidade no desenvolvimento, tanto quanto e até mesmo mais, que na aprendizagem. Examinemos essas duas noções, desenvolvimento, aprendizagem e, sobretudo, suas relações.

No campo da aprendizagem, a referência é a aquisição dos saberes e do saber-fazer constituídos. Metaforicamente, podemos evocar a imagem do vazio e do cheio. A aprendizagem seria a transferência dos saberes, do saber-fazer, para os aprendizes, os alunos: a transmissão e a aplicação dos saberes. Esses são mais ou menos genéricos, mais ou menos descontextualizados, mais ou menos separados da ação.

Referimo-nos ao tríptico bem conhecido: qualificações, certificações, classificações. Qualificações? São os saberes definidos pelos especialistas com referência a uma profissão particular. Qualificar-se é adquirir esses saberes definidos pelos especialistas: para que possam ser formalizados, eles estão amplamente descontextualizados.

A certificação é dar provas de que possuímos os saberes definidos pelos especialistas com referência a uma profissão. Exames permitem obter um diploma e ao mesmo tempo esse diploma vai permitir uma inserção na sociedade e no mundo do trabalho. Existe, é claro, uma relação entre o nível do título obtido e o posicionamento social: é a classificação.

O modelo qualificação-certificação-classificação que rege o emprego situa-se no campo da aprendizagem e preenche a função de distribuição social em um espaço hierarquizado. A aprendizagem é também acumulação, aquisição: é um provedor de recursos para a ação. O caráter descontextualizado dos conhecimentos não significa que, na ação, não se utilizem esses diferentes recursos, se bem que eles sejam distintos tanto da ação quanto do desenvolvimento.

No campo do desenvolvimento, notamos, logo de início, que não se trata de desenvolvimento pessoal, mas da referência à "psicologia do desenvolvimento". Aliás, esta se aplica essencialmente ao desenvolvimento da criança. Seus grandes nomes, sejam eles Piaget ou Vygotsky, são psicólogos da criança.

Podemos pensar o desenvolvimento no adulto? Esta é uma questão difícil: qual é seu processo? Quais são os marcadores do desenvolvimento? Há invariantes do desenvolvimento? Podem-se deduzir as leis do desenvolvimento?

O desenvolvimento – primeira tentativa de definição – remete à transformação orientada dos recursos disponíveis em um indivíduo, em um coletivo, em uma organização, em um território. A transformação orientada dos recursos disponíveis preexistentes produzida pela história, pela ação anterior, pela sedimentação da experiência acumulada – seja no plano individual, seja no plano coletivo.

Aqui, parte-se do que existe e não da metáfora do vazio. Desenvolver é fazer algo diferente a partir dos recursos disponíveis já acumulados ou, para retomar uma fórmula de Yves Clot, é "fazer da ação passada o recurso para uma ação futura diferente". Essa afirmação remete a esta bela frase de Vygotsky: "O homem está cheio, em cada minuto, de possibilidades não realizadas".

O desenvolvimento, tal como esboçado aqui, é ao mesmo tempo continuidade e ruptura entre o preexistente que, revisitado, torna-se o recurso para uma ação futura, e a própria ação. O que supõe que não se esteja na repetição, mas na abertura de alternativas, na exploração de possibilidades que não foram abertas pelo passado, pois, no fundo, cada ação que se produz é a ação que triunfa em relação a outras ações que seriam possíveis.

O desenvolvimento é contingente. Toda ação pode ser aprendizagem, mas nem toda aprendizagem é necessariamente desenvolvimento. A capacidade de desenvolvimento varia muito conforme os indivíduos. Especialmente porque isso supõe descontinuidade, metamorfose. É, pois, desestabilizador. Apresentamos obstáculos ao desenvolvimento em situações que, em nosso funcionamento, estejam submetidas à repetição. A chegada do novo pode ser uma ameaça grande demais para que o indivíduo aceite deixar-se deslocar.

Enfim, o desenvolvimento é um processo histórico: seu fim não está predeterminado. Já no campo da aprendizagem pode-se tentar definir o lugar aonde queremos chegar com os aprendizes.

 

Os vínculos entre aprendizagem, trabalho e desenvolvimento: Piaget, Vygotsky

No que diz respeito às relações entre a aprendizagem e o desenvolvimento, pode-se distinguir duas grandes concepções. Para Jean Piaget, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Ele está ligado ao capital genético de que cada um de nós é portador e o indivíduo vai se desenvolver ultrapassando sucessivamente certo número de etapas, em idades mais ou menos iguais para uns e para outros. Em tal estágio, somos capazes de fazer tal aprendizagem. É nesse sentido que o desenvolvimento precede a aprendizagem.

Trata-se de uma teoria do desenvolvimento que poderia ser chamada de "biogenética". No fundo, o motor do desenvolvimento é interno à pessoa. E há anterioridades de desenvolvimento para a aprendizagem, simultaneamente necessárias e universais.

A outra concepção de desenvolvimento é a de Vygotsky, psicólogo da escola russa do início do século XX. Em Vygotsky, o motor do desenvolvimento não está, a princípio, do lado biológico, mas do lado das interações inter-humanas e da ação. Não se trata mais de um sujeito biogenético, mas sim sociossemiótico. Sócio, o indivíduo social. Semiótico, o sentido. Evidentemente, a linguagem está no centro desses processos de desenvolvimento. Nessa concepção, a aprendizagem precede o desenvolvimento, já que este é movido pelas significações que são veiculadas pela linguagem. Ora, nada é mais social que a linguagem. Nada é mais herdado. Nada contém mais de social que a linguagem.

E o trabalho se define exatamente como uma ação sobre o mundo, entre outras. O trabalho é uma ação endereçada sob o olhar do outro. Aqui reconhecemos a centralidade do trabalho na construção da pessoa. Pierre Pastré (2011) o ressalta: "É no trabalho que a maioria dos adultos reencontra seu desenvolvimento". Trata-se do desenvolvimento da pessoa; pode-se pensar também no desenvolvimento das organizações ou dos territórios – em tais casos, os conceitos e processos são do mesmo tipo: pressupõem apoiar-se sobre recursos que já estão disponíveis.

 

O formador de adultos: um agente de desenvolvimento

O que devemos reter dessa primazia dada ao trabalho pela formação? Do lado das concepções, das políticas, das práticas? Nessa concepção, o formador de adultos vai encontrar verdadeiramente sua identidade própria como agente de desenvolvimento, ou seja, como mobilizador de recursos a serviço de uma ação transformada, a serviço da criação de alternativas, ao que está posto, ao que já está feito, e não como professores de adultos que difundem os saberes descontextualizados. Esse primado do desenvolvimento significa também que, se a ação e as interações são privilegiadas, não se pode recorrer à ordem das coisas.

A formação de adultos se constituiu negando uma ordem das coisas do social: os lugares ocupados por uns e outros na sociedade não são o efeito de uma ordem sobre-humana ou natural que distribuiria os lugares em função de nossos méritos que seriam apreciados ou depreciados. A formação de adultos é a ideia de que podemos nos desenvolver, que os lugares que nos pertencem não são indicados por uma ordem das coisas que seria exterior à ação humana, de alguma forma exterior ao político.

Assim, não podemos também remeter a formação de adultos a uma ordem das coisas biológicas, como prevalece na concepção piagetiana. Evidentemente, é preciso continuar a ensinar, ajudar a aprender os conhecimentos. Mas essa tarefa não pode ser suficiente, ela não é a única finalidade da formação de adultos.

Se o desenvolvimento é indissociável da ação e das interações – em outras palavras, se não estamos somente do lado do homem epistêmico, mas também do lado do que Paul Ricoeur chamou de "homem capaz" (G. Fiasse 2008) –, estamos ao lado da ação e não apenas dos saberes, o que é uma ruptura em relação à tradição filosófica. A modalidade particular do agir humano que constitui o trabalho deve se tornar um objeto familiar para o formador, esclarecido pelas disciplinas das ciências sociais que têm o trabalho como objeto. Isso significa que ele deve utilizar e melhorar as metodologias de desenvolvimento profissional, ao lado e como complemento das metodologias de formação stricto sensu.

 

Engenharia de formação: sair do "formar pessoas que não existem para um trabalho que não existe"!

Passarei a rever algumas das grandes questões ao mesmo tempo teóricas e práticas da formação de adultos hoje, bem como a esclarecer até que ponto interessar-se pelo trabalho renova as práticas e o pensamento.

A engenharia da formação profissional se baseia principalmente no trabalho prescrito, nas descrições de cargos, no que dizem os teóricos, no que dizem os gerentes, às vezes no que dizem os trabalhadores. O risco, no final das contas, é formar pessoas que não existem para um trabalho que não existe. É lícito pensar que um conhecimento melhor do trabalho real, caso seja reinjetado na engenharia da formação, permitirá uma engenharia mais eficaz, menos onerosa, mais rápida, mais útil para as pessoas em questão. Mas aí começam as dificuldades.

Aqueles que são mais interessados pela análise do trabalho, vendo-a como anterior à formação, à engenharia da formação, inscrevem-se no que é chamado de "didática profissional" (ver a última obra de Pierre Pastré [2011], discípulo de Vergnaud, discípulo de Piaget). Realmente, há muito trabalho a ser feito para conceber dispositivos de formação verdadeiramente voltados para a análise do trabalho. Não se trata de dizer que ainda não há belas realizações. Pode-se assinalar, por exemplo, o excelente artigo de Sophie Aubert (2000) sobre a formação dos pintores na aeronáutica; o desvio pela análise do trabalho permite inventar dispositivos de grande eficácia.

 

Alternância: não pacificar o espaço entre a escola e o trabalho

A alternância se fundamenta no reconhecimento dos limites do que é possível aprender na escola e na necessidade de se aprender na prática. É, pois, o reconhecimento de que há dois tipos de saberes e que há lugares para esses saberes: alguns sendo transmitidos pela escola, outros sendo produzidos através da ação.

Todos concordam em deplorar o que se chama "alternância justapositiva", induzida por um modelo aplicacionista: aprendizagem na escola e, em seguida, na prática, a aplicação do que foi aprendido. Aliás, diz-se "terreno de aplicação", "escola de aplicação", "mestre de aplicação", "estágio de aplicação". Ora, trabalhar nem sempre significa aplicar o que se aprende na escola.

Tomemos um exemplo: a estudante de enfermagem chega ao serviço e começa a preparar sua bandeja de cuidados; as colegas a olham, dizendo: "O que você está fazendo?"; "Preparo minha bandeja"; "Ah, é? Quem lhe ensinou isso?"; "Foi na escola..."; "Ah, certo, faça como quiser, mas se você fizer como está fazendo, ao meio-dia ainda não terá visto um doente. Se você quiser, podemos ensinar-lhe o trabalho, o que supõe, pelo menos durante o tempo do estágio, que você desaprenda o que lhe foi ensinado na escola". A aprendiz não tem escolha: se quiser aprender a profissão, é preciso que aprenda os saberes dos outros, daqueles que estão a seu lado. No final de algumas semanas, a estudante de enfermagem aprendeu o trabalho. Alguém lhe diz: "Diz aí, não é na próxima semana que os professores vêm inspecionar você?"; "Oh, eu tinha esquecido!"; "Porque, se eles veem você fazer o que lhe ensinamos a fazer, você nunca conseguirá seu diploma". O coletivo vai, então, tornar a ensiná-la a fazer o que o olhar escolar exige para lhe dar uma boa avaliação.

Para sair desse esquema, sem dúvida, não se pode querer pacificar a relação entre os dois polos da alternância e da aprendizagem. Não são os mesmos saberes, nem os mesmos espaços, as mesmas racionalidades, as mesmas finalidades, as mesmas temporalidades, nem os mesmos ritmos de um lado e de outro; eles são irredutíveis um ao outro. Não têm as mesmas zonas de pertinência. Para retomar o vocabulário de Vygotsky: os conceitos científicos e os conceitos cotidianos não podem se sobrepor.

Logo, trata-se de criar um espaço onde esses saberes possam se encontrar e se confrontar, mas assumindo sua tensão ou mesmo a conflitualidade existente entre eles e assim fazer desse encontro conflituoso um objeto comum de palavra e de pensamento, comum aos professores, aos alunos e aos tutores.

Deve-se fazer também que esse objeto comum seja o trabalho: falar do trabalho e dos saberes do trabalho. Isso supõe que aqueles que pertencem à instituição de formação, além de competência sobre determinado conteúdo, da competência pedagógica, da competência didática, adquiram uma competência em análise do trabalho. Todos os formadores da aprendizagem deveriam também ser bons conhecedores da análise do trabalho, de maneira a ter sobre ele outro olhar e, assim, serem capazes de construir outro objeto, diferente daquele do teórico e daquele do prático.

Os acasos de minhas próprias atribulações de consultor-pesquisador me levaram a trabalhar, há muito tempo, na análise do trabalho de gestão das centrais nucleares. Por isso, posso ensinar aos operadores algumas coisas sobre seu trabalho. Mas não viria a ideia, nem a mim, nem a eles, de fazer funcionar, eu mesmo, um reator. Há uma diferença substancial entre o saber do analista e o saber do prático!

 

VAE, relatório de competências, orientação, conselho para o emprego, acompanhamento

Na VAE (validação das aquisições de experiência), os relatórios de competências, a orientação, o conselho para o emprego, o acompanhamento, a questão do trabalho, tudo isso é central: não se trata somente do emprego. Quais são as representações dos conselheiros a partir do que ouvem dizer sobre o trabalho feito, ou sobre o trabalho a fazer? Muitas vezes, eles não têm conhecimento da atividade, eles têm conhecimento do que está descrito no repertório operacional das profissões e dos empregos. Isso vai orientar consideravelmente sua maneira de trabalhar e, consequentemente, a utilidade dos serviços que eles prestam às pessoas.

 

Dispositivos de formação visando ao desenvolvimento mais do que ao aprendizado

Existem formações cuja finalidade é o desenvolvimento. Elas propõem às pessoas que possam fazer a autoanálise de seu trabalho. Uma das características do agir humano é que ele nos escapa. É difícil transformá-lo em linguagem: o trabalho escapa à simbolização através da linguagem porque nossa competência está incorporada.

É preciso, portanto, criar dispositivos regulados que encorajem o discurso – logo, o elemento dialógico, porque toda palavra é endereçada a alguém. Trocando-se o destinatário, podemos modificar a maneira como as pessoas falam de seu trabalho: isso vai depender de que elas falem a um pesquisador, a um formador, a um igual, à sua família; é sempre uma história diferente que é contada. Essa produção discursiva, dialógica, permite pensar o trabalho. Por sermos humanos, não temos outro modo de pensar a não ser falar, objetivar. A linguagem não é apenas o veículo do pensamento, ela é o material do pensamento, é o que nos permite pensar.

Há diferentes métodos para isso: entrevista de explicitação, instrução ao sósia, autoconfrontação simples, autoconfrontação cruzada. São dispositivos cuja finalidade é explicitamente promover o desenvolvimento. Eles permitem aos indivíduos, a partir da exploração de suas experiências passadas, criar alternativas, mobilizar de outra forma o que já está ali.

 

A dinâmica do reconhecimento, motor do desenvolvimento de competências

Não se pode separar competência e trabalho. A competência é a mobilização da inteligência no trabalho, diante da singularidade, da variabilidade, do acontecimento, das situações; é a capacidade de enfrentar o que se apresenta, de improvisar, de transferir, de inventar. Isso supõe um investimento subjetivo.

Como compreender os recursos do investimento subjetivo no trabalho? Como compreender que as pessoas busquem tornar-se competentes? Como compreender que elas procuram fazer direito seu trabalho e que sofrem, às vezes, até a doença e a morte, quando são impedidas de fazê-lo, quando não podem mais se reconhecer no que fazem (Clot, 2010)?

Mas não há apenas o reconhecimento no que fazemos: há também o reconhecimento pelo outro. Somos seres sociais e "funcionamos" pelo outro. Isso significa que temos necessidade vital de conservar esse vínculo social que nos mantém vivos e de fazer viver esse vínculo através de nossa ação sob o olhar do outro. A questão do reconhecimento no trabalho, essa busca permanente, é o que nos conduz a submeter nosso agir ao julgamento do outro e a alimentar esta "dinâmica do reconhecimento" (Dejours, 2000).

O reconhecimento precede a competência. É a possibilidade de executar essa dinâmica vital da construção de si que é o motor do desejo de fazer bem feito e do desenvolvimento das competências.

 

Referências

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Endereço para correspondência
guy.jobert@wanadoo.fr

 

 

* Publicado originalmente em: Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15 (1), 31-44, 2013. DOI: 10.3917/nrp.015.0031
1 Professor honorário em Ciências da Educação na Universidade de Genebra e no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), na cátedra de formação de adultos.