SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número especialA noção de tarefa, pré-tarefa e trabalho na teoria de E. Pichon-RivièreEspaços interqualificantes e prevenção do envolvimento dos jovens no tráfico de drogas índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versión impresa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.17 no.spe São Paulo jun. 2014

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v17ispe1p119-128 

TRADUÇÕES

 

O trabalho na creche a partir do invisível*

 

Le travail en crèche à partir de l'invisible

 

Daily life in nursery, about invisible work

 

 

Anne-lise Ulmann1

Conservatoire Nacional des Arts et Métiers (Paris, França)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o trabalho de algumas profissionais da primeira infância em duas creches. A partir de um procedimento de tipo etnográfico, ele mostra as tensões vividas silenciosamente por essas mulheres e questiona suas consequências, tanto sobre sua saúde como sobre seu modo de agir com as crianças. Observadora implicada, mas também interlocutora dessas profissionais, a autora se apoia no que vê e sente, a fim de produzir uma reflexão conjunta com elas sobre as dimensões éticas de situações aparentemente ordinárias.

Palavras-chave: Profissões da primeira infância, relação de serviço, cuidado, atividade invisível, intervenção, abordagem etnográfica.


RÉSUMÉ

Cet article présente le travail des professionnelles de la petite enfance dans deux crèches. A partir d'une démarche de type ethnographique, il montre les tensions vécues silencieusement par ces femmes et questionne leurs conséquences tant sur leur santé que sur leur fonctionnement avec les enfants. Observateur-impliqué mais aussi interlocuteur de ces professionnelles, l'auteur s'appuie sur ce qu'il voit et éprouve pour instaurer une réflexion conjointe avec elles sur les dimensions éthiques de situations en apparence ordinaires.

Mots-clés: Métiers de la petite enfance, relation de service, care, activité invisible, intervention, approche ethnographique.


ABSTRACT

This field research presents the day to day work of early childhood education practitioners in two day-nurseries. Using an ethnographic approach and participant observation, the author describes the tensions silently experienced by these practitioners, most of them women. The author also analyses how these tensions affect their health and their relationships with the children they take care of. An Involved observer and discussion partner, her subjective perceptions and observations become a source for group discussion about how ethical issues affect apparently ordinary situations.

Keywords: Early years practitioners, service relationship, care work, invisible work, intervention, ethnographic approach.


 

 

Uma intervenção sem demanda explícita

Penetrar no pequeno mundo das creches para compreender o trabalho dos profissionais (na maior parte dos casos, mulheres) não é fácil. É claro que acreditamos que essas mulheres cuidam das crianças, alimentando-as, trocando suas roupas, levando-as a brincar... Mas de que maneira elas o conseguem? Mistério. Como fazem para responder equitativamente a seus pedidos simultâneos? Mistério. Como vivenciam, no próprio exercício de sua atividade, essa relação com as crianças que as solicitam durante o dia inteiro? Mistério. O trabalho não é completamente desconhecido: de um lado, porque não deixa de evocar o trabalho feito na esfera doméstica; de outro, porque a importância das políticas de emprego, especialmente no que se refere ao trabalho das mulheres, questiona os diferentes dispositivos de guarda e, consequentemente, o lugar, a identidade e os papéis das profissionais que trabalham nesse campo (Cresson et al., 2011; Chaplain & Custos Lucidi, 2001; Bloch & Buisson, 1988); enfim, porque na psicologia e nas ciências da educação os trabalhos sobre as crianças exploram a relação que se constrói com os profissionais que delas cuidam ou entre os profissionais e os pais (Rayna, 2003; Mellier, 2001; Montagnier, 1978, 2012). São diferentes abordagens servindo para repensar essa formação (Murcier, 2006; Fablet, 2004; Rayna & Pérales, 1992). No entanto, apesar da abundância e da qualidade desses estudos, são raros aqueles que lançam alguma luz sobre o trabalho que está sendo feito, do ponto de vista dos atores que estão a fazê-lo, interrogando aquilo que esses profissionais mobilizam como competências e recursos ao longo de suas atividades. As situações de trabalho cotidianas, banais, como a vigilância, a preparação de uma brincadeira, não são consideradas como vias de acesso para se apreender a maneira como se estruturam as relações com as crianças, nem como se desenvolvem as posturas profissionais. Raramente desdobrado para compreender o que pode conter, esse trabalho continua a ser encarado, nas representações sociais, principalmente como relacional, assimilado ao feminino (já que poucos homens o exercem), necessitando essencialmente de qualidades – e, no melhor dos casos, de competências relacionais.

Interessada por essa abordagem a partir do trabalho realmente feito, a Caixa Nacional de Alocações Familiares (CNAF) solicitou ao CNAM2 que buscasse esclarecimentos sobre essa parte obscura da atividade com as crianças. Nossas solicitações para observar o trabalho desses profissionais se chocaram com várias recusas por parte das direções, como se esse desvelamento pudesse comportar algo inconveniente, arriscado. O que procuramos ver em uma atividade que depende da evidência? Por que as entrevistas não são suficientes?

Finalmente, duas creches aceitaram nossa presença em seu estabelecimento. A primeira, uma creche municipal, acabava de sofrer o fracasso de uma greve. As profissionais,3 muito mobilizadas e apoiadas pelos pais contra o novo decreto4 que aumentava o número de crianças a serem cuidadas nas diferentes seções, estavam um pouco amarguradas. A diretora aproveitou a oportunidade de nossa proposta para aliviar indiretamente o reconhecimento desprezado de seu trabalho. A segunda creche, associativa, atingida menos diretamente por esse decreto, é dirigida por uma pessoa interessada pelas questões de formação, sendo, ela própria, formadora. Há muito tempo ela vem refletindo a respeito das maneiras de trabalhar com as crianças e utiliza nossa proposta como uma ocasião suplementar para continuar o trabalho que já faz com sua equipe.

Essas conjunções de diferentes interesses nos põem em um status duplo: de um lado, o de quem realiza a intervenção, pois, por trás da focalização de um trabalho desconhecido, impõem-se, especialmente para a creche municipal, questões de reconhecimento e de valorização dessas profissionais; de outro lado, o status de pesquisador, analista do trabalho, para compreender o que é feito – não a partir de um ponto de vista externo, do alto, e sim partindo do real, ou seja, do trabalho e de seus empecilhos. Se existe um interesse manifesto nessas duas creches para fazer reconhecer o trabalho, não existe o pedido, como solicitação direta, de uma intervenção, mas nossa oferta faz aparecer uma demanda. A partir daí, levantamos a hipótese de que essas profissionais têm expectativas e que nossa abordagem centrada sobre o trabalho que está sendo feito pode, sem dúvida, contribuir para respondê-las em parte.

De início, apresentaremos nossos quadros teóricos e as abordagens metodológicas que nos possibilitaram investir em espaços profissionais onde nenhuma solicitação nos havia sido endereçada explicitamente. Em seguida, a partir de nossa observação em imersão, proporemos a análise de algumas tensões a que esses profissionais estavam submetidos e mostraremos as situações às quais a imersão nos deu acesso. Concluiremos analisando a importância de um modo de pensar etnográfico, a fim de ter acesso ao trabalho e construir, com essas profissionais, uma reflexão conjunta que lhes permitiu interrogar de outra forma as dificuldades profissionais com que se encontravam confrontadas.

 

Um arranjo metodológico para ter acesso ao trabalho

Como o sublinha Guy Jobert,5 do ponto de vista das possibilidades metodológicas de observação e de análise, o objeto da pesquisa – a atividade dos profissionais da primeira infância – se apresenta como um caso limite. Trata-se, na realidade, de compreender uma atividade que se apresenta como impalpável, por ser produtora de poucos objetos, e essencialmente não discursiva, desenvolvendo-se basicamente a partir de uma atividade de localização e de interpretação de signos emitidos pela criança e por seu entorno familiar. Abordar tal atividade é questionar os instrumentos que permitem o acesso a ela, ultrapassando o que as profissionais possam dela dizer: na verdade, estas interiorizaram frequentemente os estereótipos de gênero, as representações que dão pouco valor a seu trabalho, além das opiniões que delas podem ter os pais e as instituições interessadas.

As análises que pretendemos fazer se inscrevem em uma perspectiva interdisciplinar, no cruzamento da ergonomia de língua francesa, que diferencia a tarefa da atividade, da sociologia clínica, que permite compreender o que, apesar de não visível, está presente na situação observada, e da etnografia, que, por uma imersão longa junto das profissionais, permite "aprender a ver, a ouvir e a compreender de maneira nova, despojando o corpo e o espírito de suas crenças naturais e expondo-os a faces, gestos e palavras, momentos e lugares que os surpreendem" (Cefaï, 2010, p. 554). Tal abordagem não pode ser vista a priori com um protocolo de trabalho pronto para o emprego, e supõe ajustes progressivos com as profissionais. Sem tentar fazer que seja esquecida nossa presença junto das profissionais, é necessário encontrar um modo de funcionamento que preserve as possibilidades de observação e as permutas a respeito das situações observadas. Se cabe a cada um efetuar "um trabalho de inovação metodológica para construir sua própria fórmula" (Lacoste, 1999, p. 64), essa elaboração não se liga nem a um "processo claro, próprio e lógico" (Becker, 2002, p. 39) nem ao trabalho solitário do pesquisador, e sim a uma elaboração conjunta com as profissionais. Ela não é apenas uma criação do pesquisador, servindo-lhe como ponto de apoio para produzir resultados, mas assemelha-se antes a uma montagem, uma construção frágil, que ele tenta equilibrar entre seus pressupostos teóricos, seus objetos de pesquisa e o terreno sobre o qual se encontra.

Para esse estudo, foram feitas observações, através de dois regimes de presença diferentes, desejados pelas profissionais e coerentes com suas maneiras de trabalhar com as crianças. Na creche municipal, fizemos uma observação participante. Nossa presença na atividade era ainda mais apreciada porque nossa participação nos momentos intensos podia, às vezes, aliviar as profissionais. Dessa maneira, nós nos tornaríamos interlocutores e não mais simples observadores. Esse lugar implicado na atividade durante cinco semanas, em jornadas completas, mas de maneira descontínua, permitiu não apenas que fôssemos destinatários, ao longo dessas jornadas, de numerosos comentários sobre a vida cotidiana com as crianças e o funcionamento da creche, mas também que experimentássemos em nossa própria pele diversas provações: a fadiga física, a dificuldade em suportar o choro, um interesse mais profundo por alguns, o receio de que eles se machucassem... Essas impressões e esses comentários, anotados sistematicamente no fim da jornada em um diário de pesquisa, em diversas ocasiões puderam ser objeto de permutas com as profissionais, seja no tempo de atividades mais calmas (sesta), seja no fim da jornada de trabalho, em momentos curtos, para não sobrecarregar suas jornadas.

Na creche associativa, onde trabalham de maneira diferente com as crianças, as profissionais não desejaram que nossa intervenção incidisse diretamente nelas. Durante as sete semanas, as observações tiveram como foco o trabalho com as crianças, e, paralelamente, as reuniões de regulação da equipe. Embora a possibilidade de tomar notas seja mais simples nesse contexto, a dificuldade da observação "exterior", em tal situação, residia na identificação de elementos significantes para "aprender algo sobre a maneira pela qual as estruturas das atividades cotidianas são produzidas e sustentadas de forma comum e rotineira" (Garfinkel, 1967, p. 100). A observação de uma atividade como a vigilância, na qual, aparentemente, não acontece quase nada, mostra-se embaraçosa. Entretanto, com o tempo, esse modo de observação mais distanciado permitiu, pouco a pouco, compreender a densidade da presença junto às crianças e a mobilização subjetiva de uma atividade que à primeira vista se mostra sem profundidade. Tomando distância do "fazer" das profissionais com as crianças, podíamos compreender como essas mulheres estruturam uma relação com elas, sem passar pela mediação de uma atividade lúdica organizada. Essas observações mais distanciadas permitiram-nos observar o trabalho de interpretação realizado por essas profissionais a fim de compreender as solicitações das crianças antes de trazer uma resposta. Progressivamente, esse modo de observação, de alguma forma coerente com as práticas de trabalho, permitiu apreender as teorias que as profissionais mobilizam em suas ações com as crianças. Participando regularmente das reuniões da equipe, pudemos discutir nossa compreensão do trabalho e conhecer os pontos de vista das profissionais.

Nos dois casos, esse modo de observação levou-nos a fazer uso de nosso "choque emocional e moral" (dificuldade de suportar algumas situações) como um "instrumento de investigação" para expressar a essas profissionais o que sentíamos e trabalhar com elas as diferentes percepções: as de pessoas não acostumadas com esse tipo de trabalho (nós) e as delas, profissionais aguerridas (Benelli & Modak, 2010).

 

A creche: um universo atravessado por tensões

A imersão em uma creche faz descobrir um universo completamente diferente do que é evocado habitualmente pelos discursos sociais a respeito da primeira infância. Reproduzindo a organização do espaço estruturado em dois circuitos estanques, o do "sujo" – com as cozinhas, os vestiários, os sanitários dos funcionários e a lavanderia –, raramente evocado, exceto no plano do respeito das regras de higiene, e o do "limpo" – o espaço das crianças, onde o mundo se reveste de belas cores vivas. Os discursos sobre a vida na creche parecem igualmente clivados em dois mundos: um, que é sentido, mas raramente evocado; outro, que é idealizado, objeto de múltiplos discursos sobre a socialização da criança pequena. Fazer a imersão nas creches supõe ultrapassar essas clivagens para compreender o que ali é vivido. Além ou aquém das belas cores vivas que decoram esses espaços luminosos, as profissionais se confrontam com diferentes tensões que põem à prova, às vezes duramente, sua saúde.

 

Tensão entre o trabalho real e o trabalho idealizado

Um primeiro tipo de tensão se deve às defasagens entre os discursos e as práticas. Por exemplo: enquanto os projetos pedagógicos das creches mostram sempre a vontade de respeitar os ritmos individuais das crianças, a observação do trabalho revela mais um trabalho feito sob a pressão do relógio. Da chegada à saída das crianças, o tempo é contado para que refeições, brinquedos e cuidados estejam estritamente de acordo com os horários do pessoal da cozinha e da volta dos pais. Uma obrigação implícita de respeitar esses detalhes de horários pesa sobre a organização do dia: no momento de devolver a criança aos pais, ela já deve ter dormido, brincado e feito todas as refeições previstas. Essa organização "natural" do dia de trabalho acarreta, para as profissionais, uma tensão entre as demandas das crianças e essa exigência implícita de respeito dos tempos: "os pais ficam contentes, no fim de semana, de estar com seus filhos; eles os carregam assim que eles pedem, mas, para nós, chegada a segunda-feira, é preciso recomeçar tudo". Essa moldagem da criança às exigências da creche, claramente difícil de ser feita, suporia uma cooperação dos pais, mas esta é falha, segundo as profissionais. Estas, no entanto, não comentam isso explicitamente com os pais, uma vez que é delicado relativizar os discursos sobre o respeito aos ritmos da criança nas creches. Essa denegação do mal-estar relativo ao horário obriga a múltiplos e delicados ajustes entre os ritmos às vezes muito irregulares das crianças e os princípios organizadores da jornada. Aparentemente anódinos, eles colocam em dura prova a paciência e podem gerar exasperação ou até a violência retida no caso de resistência da criança: "Todos os dias é assim com ele, ao longo do tempo, é desgastante; ele atrapalha os outros, virando-se para todos os lados, e bem depois, quando ele começa a dormir, bem, já é hora de os outros começarem a acordar... A gente não consegue, é inútil". A exasperação chega ao cúmulo quando a resistência da criança põe a profissional em dificuldades, mas quase sempre ela é aflitiva, pois questiona indiretamente a ética no trabalho: agir com justiça. Como não se deixar dominar por certa criança, a fim de ficar igualmente disponível para as que solicitam menos? Pode-se aceitar que uma criança que resiste ao sono não faça a sesta e obrigar as outras ao repouso, por serem mais dóceis?

 

Tensões de autoridade entre pais e profissionais

Além da questão do tempo, as profissionais também enfrentam outro tipo de tensão: de um lado, há uma relação de serviço que busca conservar a confiança dos pais, provando isso por intermédio de seu filho, mostrando que aquele momento na creche é propício à sua socialização; de outro lado, há um trabalho de cuidado (care) mais obscuro, sem possibilidade real de se fazer reconhecer (Ulmann, 2012). Essa tensão pode explicar as escolhas de funcionamento com base em concepções educativas diferentes ou mesmo opostas. No funcionamento que privilegia a relação de serviço, as profissionais se entregam à tarefa de colocar as crianças em atividade, estimulando-as e organizando atividades coletivas que supostamente contribuirão para seu desenvolvimento. A ação com relação às crianças é concebida e organizada em resposta às solicitações implícitas dos pais. Esse estímulo das crianças supõe que se alternem momentos de contenção, para conseguir obter do grupo a atenção necessária (escutar a história, cantar, dançar etc.), e momentos de relaxamento, nos quais elas podem se soltar livremente, depois do esforço de concentração. Essa alternância contenção/relaxamento tem, claramente, um custo físico e psíquico para as profissionais, que, às vezes, expressam o sentimento de um trabalho impossível: "Há dias assim, que são como o faroeste, a gente já não consegue [...] Então, com crianças, além do mais, vocês verão o que vai acontecer". Nessa creche às vezes são utilizadas paradas curtas de trabalho para "respirar um pouco".

No funcionamento orientado principalmente para o trabalho de cuidar (care), as profissionais limitam os estímulos à atividade. As crianças não são mais postas em atividade de maneira direcionada, mas um espaço lúdico com diferentes "cantinhos" fica a sua disposição. A organização do espaço, preparada em função das idades e da evolução das crianças, é objeto de um trabalho regular de equipe com a diretora, para tomar decisões sobre as transformações à vista (acréscimo ou supressão de brinquedos etc.). As atividades lúdicas não estão ausentes, mas são integradas ao quadro de ação e não são conduzidas pelas profissionais, que, sentadas, observam as evoluções das crianças no espaço e intervêm somente se solicitadas. Se a agitação e o nível sonoro são claramente menores, a relação com as crianças, não sendo mais mediatizada por uma atividade lúdica, necessita de um trabalho de equipe contínuo e efetuado, na maior parte do tempo, durante as pausas meridianas. Essa maneira de trabalhar com as crianças só parece possível se for apoiada pelas reuniões de regulação, que ocorrem em um momento previsto para o "não trabalho", mas considerado por todas como um momento essencial, que alivia as provações do trabalho com as crianças. Nesses casos, a pausa não é um tempo de repouso para se recuperar da fadiga, aparece como uma instância de trabalho diferente, que facilita, para cada uma, a retomada das atividades com as crianças. Ela permite respirar, sem o distanciamento do trabalho, mas verbalizando-o para tomar certo recuo, para compreender o que se passa e diminuir o peso desse fardo subjetivo. Longe da demanda dos pais, que buscam as provas do bem-estar de seu filho, o recurso do coletivo profissional parece constituir-se como a condição do trabalho com as crianças. Seria possível levantar a hipótese de que, ao privilegiar o trabalho coletivo, a direção dessa creche afirmaria melhor sua autoridade institucional diante dos pais e, ao fazer isso, protegeria o pessoal do esgotamento profissional?

 

Tensão entre a reserva obrigatória ou regulada dos afetos

O trabalho com as crianças pequenas não se limita às atividades técnicas de cuidados maternos ou de aprendizagens sociais; ele implica a construção de uma relação com cada uma delas. Essa relação, ao mesmo tempo ilusória e ativa, muitas vezes se torna suspeita de entrar em concorrência com a relação estabelecida entre a criança e seus pais. Tranquilizar os pais sobre o bem-estar de seu filho na creche supõe também tranquilizá-los sobre a perenidade desse vínculo com seu filho. Essa concorrência afetiva entre pais e profissionais, real ou imaginária, leva-os a deixar na sombra uma parte de seus saberes sobre a criança, mantendo-se em uma postura servil (Molinier, 2006). Mas, além dessa dificuldade, permanece o fato de que o trabalho com as crianças mobiliza os afetos, remetendo-nos sempre à criança que fomos (Soarès, 2003). Torna-se, pois, necessário "apreender, de um lado, o que ressoa na psique, a partir do trabalho e de seu contexto [...] e, do outro, o que é investido psiquicamente pelos indivíduos, de forma pontual ou mais frequente, em seu trabalho" (Amado, 2010, p. 66). Essa compreensão das ressonâncias parece particularmente importante quando os afetos (amor, exasperação, desgosto, prazer etc.) que sempre agem na construção de uma relação tornam o trabalho especialmente desgastante física e psiquicamente. Os sorrisos encantadores, assim como os gritos de raiva das crianças, questionam as profissionais sobre a maneira de responder a eles, de modo que as respostas efetivamente dadas são muito pouco dissociadas dos afetos experimentados.

A necessidade de "despontaneizar" a relação com as crianças, como diz uma auxiliar de puericultura da creche associativa, por endossar uma postura profissional e se distanciar de uma concepção doméstica da profissão, parece, nesse caso, uma resposta que convém a essas profissionais. Nessa creche, ser profissional consiste em se diferenciar da figura paterna ou materna, a fim de escapar à representação de uma profissão que somente reproduziria os saberes relacionais atribuídos ao gênero ou herdados do modelo familiar. O trabalho de regulação destinado a partilhar no interior da equipe as dificuldades, as interrogações ou os sucessos com uma criança claramente constitui um recurso para afirmar a postura profissional e o lugar dessas trabalhadoras, tanto em relação às crianças quanto em relação aos pais. "A atividade impedida" (Clot, 2008), psiquicamente custosa, mas discutida em equipe, permite a construção coletiva de uma identidade de profissão, afirmada nos seguintes termos por uma das auxiliares de puericultura dessa creche: "não estamos aqui para fazer brincar ou divertir, isso é o papel dos pais, nós somos profissionais". Essa "despontaneização" é objeto de um trabalho coletivo de regulação, no qual a questão dos afetos na relação com as crianças pode ser tratada sem que seja rebaixada a protocolos aplicativos. Na verdade, quando o uso sistemático de uma "implicação distanciada" se impõe a cada uma como uma técnica profissional sem que haja um trabalho coletivo de verbalização dos afetos sentidos ou das dificuldades encontradas, ele termina por rebaixar a complexidade dos vínculos com a criança a uma engenharia do relacional, ou seja, a reduzir a profissão aos procedimentos formais de trabalho. Essa "implicação distanciada", que impõe às profissionais que fiquem próximas das crianças, mas guardando sua distância, que sejam cativantes sem, no entanto, se deixar cativar, não faz mais sentido e parece interromper as possibilidades de pensar a profissão. Essa retenção dos afetos, imposta como um procedimento profissional, baseada em aprendizagens práticas de formação (não beijar uma criança, evitar uma proximidade muito grande na maneira de carregá-la etc.), conduz a uma profissionalização que se efetua em sentido inverso ao da profissão. Algumas dizem aumentar seu consumo de cigarros quando as férias terminam, quase todas têm frequentes dores de cabeça ou nas costas, e muitas delas já utilizaram, ao menos uma vez, o recurso da suspensão curta de trabalho, quando se sentem "no bagaço". Pode-se levantar a hipótese de uma relação entre essas constatações de saúde degradada e as tensões profissionais vividas silenciosamente em seu trabalho? O ocultamento dessas tensões, essas "entradas em apneia" (Dejours, 2009) podem ter consequências sobre o trabalho com as crianças?

 

O lugar do pesquisador que intervém na elucidação do trabalho

O trabalho com crianças carrega certa tensão: de um lado, estão concepções mais ou menos teorizadas sobre o desenvolvimento da criança e mais ou menos ditadas pelas expectativas dos pais; de outro, aparece uma concepção da profissionalização, que, como acabamos de notar, prescreve o lugar destinado aos afetos. Para o pesquisador que coordena uma intervenção, essa questão dos afetos é difícil de se apreender, porque o trabalho da relação é praticamente indescritível. Ele resiste a qualquer medida e, a princípio, só aparece de forma indireta, através da força dos sistemas defensivos que emergem, especialmente sob forma de discurso de justificativa, ou nas maneiras de se lidar com as crianças. Mergulhando no trabalho com as profissionais, o pesquisador que intervém pode se dar conta disso, caso aceite deixar que se manifeste sua própria subjetividade, abrindo possibilidades de permutas com as profissionais, permitindo trazer à luz "a economia emocional escondida" no trabalho (Benneli & Modak, 2010, p. 57).

A partir de suas próprias experiências, a atenção do pesquisador durante a intervenção se volta mais facilmente para os sinais de fadiga das profissionais, os quais se manifestam sem palavras: um brinquedo colocado brutalmente sobre uma prateleira alta, uma crispação das mãos reprimindo um nervosismo extremo, alterações do tom de voz, às vezes a necessidade de uma retirada brusca da "arena" para fumar um cigarro, "tomar ar por 5 minutos" e voltar mais calma. Outros indícios de exasperação, menos imediatamente visíveis, descobrem-se a posteriori, dando a cada uma, durante o curto instante desse desvelamento, o sentimento de que as coisas não andam, sem, todavia, identificar exatamente essas "coisas" que deixam de funcionar silenciosamente. Isso aconteceu, por exemplo, quando uma mãe, levando sua filha de manhã, repara em um roxo no antebraço da criança, o que poderia evocar a pressão de uma mão. Disputa entre crianças? Um adulto que a teria feito voltar meio rapidamente para um lugar de onde ela se afastava? O que essa marca significa ao longo de uma jornada na creche, tanto para as crianças como para as profissionais? Seriam atos não controlados que ultrapassam a singularidade das pessoas que os executam, emergindo de sua invisibilidade quando, por acaso, eles aparecem indiretamente em pistas como uma mancha roxa, um objeto deteriorado?

Às vezes, essas tensões podem ser percebidas na banalidade das atividades cotidianas, se o pesquisador consegue captá-las ao longo da intervenção. A situação de Camille é um exemplo dessa percepção fugaz das dificuldades oriundas do trabalho, em um momento ordinário de brincadeiras livres, em uma sala de crianças entre 5 e 15 meses.

Camille é um bebê de 10 meses que, comparado às outras crianças da sala, é menos ágil, certamente por causa de seus óculos. Sentada numa almofada, ela brinca com um móbile colocado acima dela, mas seus óculos são objeto de grande desejo das outras crianças da sala, que tentam, regularmente, tirá-los dela. Obrigada a intervir diversas vezes, seja para recolocar corretamente os óculos, seja para tentar distrair a atenção das outras crianças com outro objeto, a profissional termina, aborrecida, por tirar definitivamente os óculos de Camille e colocá-los em um suporte fora do alcance das crianças. Dez minutos mais tarde, a diretora atravessa a sala e, como faz diariamente, verifica se as profissionais escaladas para cada sala estão efetivamente presentes. Nesse mesmo momento, ela para de andar para dizer umas palavrinhas às crianças que ela não viu na hora da entrada. Então descobre Camille em uma almofada e diz: "Bom dia, Camille, também não vi você pela manhã... Puxa, que lindo vestido você está usando, todo de renda, você está muito chique". Em seguida, sem fazer o menor comentário sobre a ausência dos óculos, ela sai, continuando sua verificação nas outras salas.

Participando do trabalho da seção, essa situação nos chama a atenção. Nós nos perguntamos interiormente se, ao retirar os óculos, a profissional busca se poupar fisicamente, pois, a cada instante, ela tinha de se dirigir para a criança que retira os óculos para tomá-los dela, levantava-a para deixá-la mais longe, depois se abaixava de novo para Camille, a fim de reajustar os óculos. A repetição de tal operação, que interrompe outra e que deve ser feita com presteza, evidentemente é fatigante. Trata-se de um gesto que busca proteger Camille, que, a cada vez que isso acontece, começa a chorar? Buscaria preservar os óculos, que a toda hora devem ser tomados das mãos da criança que os tirou? A retirada dos óculos de Camille acarreta uma cegueira geral, a ponto de a diretora não se inquietar com sua falta? Movida por essas perguntas, tentamos compreendê-las e falar sobre elas com a profissional.

Primeiramente, é evocada a retirada dos óculos em nome de um "princípio superior comum" (Boltanski, 1991): "os pais deveriam saber que, na creche, os óculos são um problema...". Compreendemos esse ponto de vista, mas mantivemos nossa argumentação sobre as dificuldades da criança, que fica incomodada sem os óculos. Nesse momento, as profissionais sentem necessidade de falar de outras situações delicadas. Parece, de repente, que a partir do "caso Camille" torna-se possível falar do trabalho, da denegação dos limites, que não lhes permite mais situar as fronteiras entre o que é e o que não é possível no exercício da profissão. Progressivamente, no correr dessa discussão, elas tomam consciência de que a maneira carinhosa de falar com as crianças, criando um contato caloroso com elas, oculta as dificuldades reais do como cuidar delas num contexto coletivo. Cada uma precisa inventar, improvisar, fazer ao menos o que é possível, sem saber mais se o que é feito é funcional ou disfuncional. À força do silêncio, da solidão no trabalho e das prescrições desfeitas, a tomada de consciência sobre o alcance dos atos profissionais se dissolve na carga de trabalho. Os óculos de Camille foram tirados, mas quem pode dizer, senão as próprias profissionais, a partir das discussões entre elas, se essa escolha não era, no fundo, a melhor?

A imersão com as profissionais permitiu instalar com a pesquisadora que conduzia a intervenção um espaço de diálogo para tratar os enigmas e os imprevistos que apareceram no decorrer da confrontação com a realidade do trabalho. O interesse por essa observação de pequenos acontecimentos não se deve a uma atração particular pelo minúsculo, mas porque "a descrição de uma situação precisa e situada é sempre a metonímia de uma questão social ou política que ela pretende esclarecer" (Ulmann, 2011, p. 218). Portanto, é a partir da ocorrência de pequenas situações, as quais precisamos compreender, que se torna possível falar do trabalho com profissionais para oferecer um espaço inédito de reflexão sobre as dificuldades escondidas e que, com o tempo, se fazem evidentes por si mesmas. Nas creches, as "múltiplas formas de ocultamento do trabalho" (Lhuilier, 2010, p. 32) produzem uma desagregação das práticas cujas consequências para as crianças e para as profissionais não são anódinas. Os corpos parecem resistir a essas denegações, manifestando-se através da dor, mas os sinais que eles enviam raramente são compreendidos como uma questão relativa aos coletivos de trabalho. Quando palavras e afetos se encontram barrados na cena do trabalho, a intervenção centrada na análise da atividade pode ajudar a tirar da sombra essas práticas não conhecidas e a dar um pouco de "segurança" (Mellier, 2008) a esses funcionamentos à deriva. Essa presença do pesquisador que intervém junto aos profissionais ressalta, aqui, a importância do "raciocínio etnográfico que, pela abordagem comparativa ligada à distância cognitiva entre o pesquisador e o pesquisado" (Beaud & Weber, 2010, p. 243), coloca o profissional em uma perspectiva de discurso onde ele não é mais um executante que aplica procedimentos, mas um sujeito que se questiona e pensa seu trabalho.

 

Referências

Amado, G. (2010). Subjectivité limitée, travail et résonance psychique. In Y. Clot & D. Lhuilier (Orgs.), Travail et santé, ouvertures cliniques (pp. 65-78). Toulouse: Érès.         [ Links ]

Beaud, S. & Weber, F. (2010). Le raisonnement ethnographique. In S. Paugam (Org.), L'enquête sociologique. Paris: PUF.         [ Links ]

Becker, H-S (2002). Les ficelles du métier: comment conduire sa recherche en sciences sociales. Paris: La Découverte.         [ Links ]

Benelli, N. & Modak, M. (2010). Analyser un objet invisible, le travail de care. Revue française de sociologie, 51 (1), 39-60.         [ Links ]

Bloch, F. & Buisson, M. (1998). La garde des enfants, une histoire de femmes. Entre don équité et rémunération. Paris: L'Harmattan.         [ Links ]

Boltanski, L. & Thevenot, L. (1991). De la justification. Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Cefai, D. (Org.) (2010). L'engagement ethnographique. Paris: EHESS.         [ Links ]

Chaplain, D-L & Custos Lucidi, M-F. (2001). Les métiers de la petite enfance. Des professions en quête d'identité. Paris: Syros.         [ Links ]

Clot, Y. (2008). Travail et pouvoir d'agir. Paris: PUF.         [ Links ]

Cresson, G., Delforge, S., Devetter, F.-X. & Lemaire, D. (2011). Qualité du travail, qualité des emplois et qualité de l'accueil dans les métiers de la petite enfance. Rapport de recherche pour la Caisse Nationale des Allocations Familiales, Centre lillois d'études et de recherches sociologiques et économique.         [ Links ]

Dejours, C. (2009). Souffrance en France. La banalisation de l'injustice sociale. Paris: Points.         [ Links ]

Fablet, D. (2004). Les groupes d'analyse des pratiques professionnelles: une visée avant tout formative Connexions, 2 (82), 105-117.         [ Links ]

Garfinkel, H. (1967/2007). Recherches en ethnométhodologie. Paris: PUF.         [ Links ]

Lacoste, M. (1999). Communication et intelligence collective. Le travail à l'hôpital. Paris: PUF.         [ Links ]

Lhuilier, D. (2010). L'invisibilité du travail réel et l'opacité des liens santé travail. Sciences Sociales et Santé, 28 (2), 31-63.         [ Links ]

Mellier, D. (2008). La question du "travail de contenance" dans la petite enfance. Spirale, 4 (48), 19-31.         [ Links ]

Mellier, D. (Org.) (2001). Observer un bébé: un soin. Toulouse: Érès.         [ Links ]

Molinier, P. (2006). Le care à l'épreuve du travail. Vulnérabilités croisées et savoir-faire discrets. In P. Parperman & S. Laugier (Orgs.), Le souci des autres. Éthique et politique du care. Raisons pratiques (pp. 299-316). Paris: EHESS.         [ Links ]

Montagner, H. (2012). L'enfant et la communication: comment gestes, attitudes et vocalisations deviennent des messages. Paris: Dunod.         [ Links ]

Murcier, N. (2006). Les savoirs dans le champ de l'accueil des enfants. Idéologies, mots d'ordre, modes. Informations sociales, 133 (5), 30-37.         [ Links ]

Rayna, S. (2003). Regard sur les apprentissages des tout-petits, Enfances & Psy, 24 (4), 30-34.         [ Links ]

Rayna, S., Péralès, D. & Mazet, P. (1992). L'entrée en crèche: une expérience d'accueil. In CRESAS, Accueillir à la crèche, à l'école: il ne suffit pas d'ouvrir la porte! (pp. 67-136, n. 9). Paris: INRP / L'Harmattan.         [ Links ]

Soares, A. (2003). Les émotions dans le travail. Travailler, 1 (9), 9-18.         [ Links ]

Ulmann, A.-L. (2011). De l'immersion à la construction des données. Une démarche de type ethnographique pour comprendre le travail. In G. Le Meur & M. Hatano (Orgs.), Approches pour l'analyse des activités (pp.187-222). Paris: L'Harmattan.         [ Links ]

Ulmann, A.-L. (2012). Le travail émotionnel des professionnelles de la petite enfance. Politiques Sociales et Familiale, 109, 47-57.         [ Links ]

Ulmann, A.-L., Betton, E. & Jobert, G. (2011). L'activité des professionnelles de la petite enfance. Dossier d'études CNAF, 145, 1-88.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
anne-lise.ulmann@cnam.fr

 

 

* Publicado originalmente em: Nouvelle Revue de Psychosociologie, 15 (1), 193-206, 2013. DOI: 10.3917/nrp.015.0193
1 Educadora-pesquisadora. Equipe profissões da formação do CNAM, Centro de Pesquisa sobre o Trabalho e o Desenvolvimento.
2 Esse estudo ocasionou uma pesquisa exploratória realizada por A-L. Ulmann, E. Betton e G. Jobert, em 2009-2010.
3 Empregaremos doravante o feminino: nosso estudo se refere somente a mulheres, pois nenhum homem trabalhava nessas creches.
4 Esse novo decreto foi publicado em 8 de junho de 2010 no Diário Oficial. Ele facilita igualmente as condições de diplomas para os profissionais que se ocupam de crianças.
5 Comunicação por ocasião de um colóquio interno na CNAF, Paris, 14/06/11.