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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.17 no.2 São Paulo dez. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Fatores de estresse relacionado ao trabalho: as vozes dos atendentes de telemarketing

 

Stress factors related to working conditions: what telemarketing attendants have to say

 

 

Sérgio Roberto de Lucca1; Aline Bedin Zanatta2; Marcelo Scarpari Rodrigues3; Igor Benedick Coimbra4; Felipe Seixas Queiroz5; Beatriz Correa6

Universidade Estadual de Campinas (Campinas, SP)

Correspondência

 

 


RESUMO

A elevada rotatividade e o crescimento do número de casos de transtornos mentais entre os atendentes de telemarketing é resultado do trabalho penoso a que esses trabalhadores são submetidos. Este artigo teve por objetivo analisar os fatores organizacionais e psicossociais relacionados ao estresse e sofrimento psíquico percebidos pelos atendentes de uma empresa de telemarketing. Foi aplicado um questionário de avaliação do estresse no trabalho e criou-se um grupo focal para a discussão e identificação das principais categorias relacionadas com o sofrimento psíquico desses trabalhadores. A falta de controle e a falta de autonomia foram os principais fatores de estresse e sofrimento psíquico nos dois instrumentos, tanto no quantitativo, quanto nos grupos focais (qualitativo), ambos adotados neste estudo. Na percepção dos atendentes, a falta de transparência nos critérios de promoção e reconhecimento, a precariedade do suporte e o apoio da chefia e os relacionamentos conflitantes na organização pesquisada também influenciam negativamente a saúde mental destes sujeitos.

Palavras-chave: Teleatendimento, Organização do Trabalho, Saúde Mental, Subjetividade.


ABSTRACT

The high turnover and the increased incidence of mental disorders among telemarketing workers result from the burdensome work they are submitted to. This article evaluated the organizational and psychosocial factors related to stress and psychic suffering perceived by the attendants of a telemarketing company. A questionnaire was used to assess stress at work and a focal group was created for the discussion and identification of key categories related to psychological distress among these workers. The lack of control and autonomy were the main factors related to stress and psychic suffering in both quantitative and qualitative instruments used in this study. In the perception of the attendants, the aspects related to career and recognition, support and leadership, relationships and peer support are relevant to the mental health of these individuals.

Keywords: Call center, Work organization, Mental health, Subjectivity.


 

 

Introdução

As novas tecnologias de informação modificaram profundamente a estrutura do mercado de trabalho, com reestruturações que abrangem desde a modificação ou extinção de processos de trabalho e funções previamente existentes, até o surgimento de novas atividades. Ao processo produtivo predominantemente industrial dos anos 70, seguiu-se uma profunda mudança nas relações de trabalho e na distribuição dos trabalhadores nos diversos setores econômicos. Houve um crescimento acentuado dos setores de serviços e de comércio em relação ao setor industrial.

Das atividades do setor de serviços destaca-se o crescimento vertiginoso das centrais de atendimento. De acordo com a Associação Brasileira de Telemarketing (ABT), telemarketing é toda e qualquer atividade desenvolvida através de sistemas de telemática e de múltiplas mídias, objetivando ações padronizadas e contínuas de marketing. As empresas de telemarketing empregam atualmente, no país, cerca de 1,5 milhões de trabalhadores. Destes, 45% são absorvidos nas atividades de serviço de atendimento ao cliente (SAC), 23% em recuperação de crédito, 22% em televendas e 10% em outras atividades (ABT).

Algumas características desse trabalho, tais como: atividade de comunicação virtual, jornada de trabalho de 6 horas e 20 minutos e a não exigência de experiência prévia são os principais atrativos para os jovens que procuram o primeiro emprego. Essa categoria profissional é predominantemente jovem, sendo que 76% são do gênero feminino e 74% dos atendentes possuem escolaridade equivalente ao ensino médio completo (ABT).

De acordo com dados do DIEESE (2011) a categoria de teleatendimento apresentou, no ano de 2011, uma taxa de rotatividade bruta de 63,6%, o que coloca esse subsetor na liderança quando comparado a outros setores da economia. As pesquisas apontam algumas características perversas desse setor como causas da elevada rotatividade e o crescimento no número de afastamento dos atendentes como: a falta de autonomia, de suporte e treinamento adequado, além do elevado nível de controle e racionalização, com metas cada vez mais desafiadoras entre os principais fatores desencadeantes de estresse no trabalho. Tais características repercutem na saúde mental dos trabalhadores de telemarketing. O sofrimento psíquico é manifestado pelo mal-estar e elevados índices de absenteísmo com sintomas relacionados à depressão, ansiedade e até à exaustão, o que culmina na demissão voluntária e no abandono da profissão. (Barreto, 2001; Glina & Rocha, 2003; Jackson & Assunção, 2006; Lucca & Campos, 2010; Ramalho, Arruda, Sato, & Hamilton, 2008; Sznelwar, Abrahão, & Mascia, 2003; Venco, 2006).

Nesse contexto, a hipótese levantada na pesquisa foi a de verificar e confirmar a importância dos fatores organizacionais e psicossociais, intrínsecos do processo de trabalho das atividades de telemarketing, como desencadeadores de estresse e sofrimento psíquico percebido pelos trabalhadores de uma empresa desse ramo de atividade.

Reconhece-se que o sofrimento psíquico é a situação mais recorrente entre os trabalhadores de atendimento ao cliente (Barreto, 2001). Sabe-se, também, que implicações psicológicas derivadas do trabalho são diretamente relacionadas à organização do trabalho e aos modos de gestão (Chanlat, 1995; Dejours, 1987; Dejours, Abdouchelli, & Jayet, 1994). A maior contradição nesse tipo de atividade diz respeito à natureza do trabalho, que é a necessidade de interação usuário-atendente, e a imposição de normas rígidas de gestão que cerceiam a liberdade de expressão e subjetividade desses trabalhadores, essencial a todo processo de comunicação humana (Jackson Filho & Assunção, 2006).

As relações estabelecidas entre trabalho, saúde e sofrimento psíquico têm sido estudadas sob diferentes modelos teóricos: estresse ocupacional, psicodinâmica do trabalho e do desgaste. Na abordagem do estresse ocupacional são identificados e quantificados os fatores do ambiente de trabalho que funcionariam como estressores ocupacionais. Na teoria da psicodinâmica de Dejours (1994), o trabalho pode constituir fonte de prazer ou de sofrimento mental e ainda ser importante instância de sublimação. Já na teoria do desgaste biopsicossocial, de Seligmann-Silva (2011), a saúde mental é resultado de uma multiplicidade de componentes (sociais, culturais, biológicos e psicológicos), e sua correlação desigual no processo saúde-doença.

O neotaylorismo é o modelo de gestão que mais comumente rege o trabalho no segmento de telemarketing. Esse tipo de gestão é caracterizada por uma hierarquia verticalizada, pela divisão fragmentada do trabalho, pelo controle rígido e inflexível do tempo, pela realização de tarefas repetitivas, pela remuneração por produtividade e pelo direito de expressão e autonomia reduzidos, viabilizados pela adoção de elaborados sistemas de controle através da utilização de um software (Chanlat, 1995). Além disso, a intensa demanda cognitiva expõe os teleatendentes a uma situação de grande vulnerabilidade no desenvolvimento de doenças de ordem psíquica, agrupados nos transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho.

A Secretaria de Inspeção do Trabalho, atenta ao elevado número de casos de adoecimento do setor e após receber diversas denúncias de pesquisadores e sindicatos de trabalhadores de centrais de teleatendimento, aprovou, em 2007, a inclusão do Anexo II da NR-17 de Ergonomia – Trabalho em Teleatendimento/Telemarketing – com o objetivo de garantir critérios mínimos relacionados às condições ergonômicas e à organização do trabalho para o exercício dessa atividade. Entretanto, o documento do Ministério do Trabalho pouco se refere aos componentes psicossociais e subjetivos relacionados ao adoecimento psíquico desses trabalhadores (Ministério do Trabalho, 2007).

É irrefutável o fato de que a inclusão da organização do trabalho na referida norma foi o avanço mais significativo da nova redação, isso porque já se sabia que os estudos comprovaram o papel decisivo desempenhado pela organização do trabalho na gênese de numerosos comprometimentos à saúde do trabalhador relacionados aos acometimentos de DORT (Doenças Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) e aos de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho. Assim, faz-se necessário um detalhamento das obrigações relacionadas à organização do trabalho, bem como às medidas de apoio para os casos que, por sua natureza, representam a exposição dos trabalhadores a riscos psicossociais (Baruki, 2015).

Exige-se, do teleatendente ideal, pró-atividade e iniciativa, sem que este possa se manifestar na maior parte das vezes, capacidade de compreender e resolver com interesse o problema do cliente, devendo se manter imparcial e seguir o trabalho prescrito, muitas vezes na forma de scripts padronizados, mesmo que isso implique em não resolver alguma situação que poderia ser solucionada se houvesse a flexibilização do método de trabalho. Essa situação traz conflitos éticos aos atendentes.

Além disso, esse trabalhador deve ser rápido, atento, cordial, calmo, equilibrado emocionalmente, flexível e ter habilidade de contornar situações inesperadas. Precisa transmitir segurança e confiança frente à diversidade de demandas dos clientes, ter boa capacidade de argumentação, relacionar-se com o cliente de forma espontânea e natural sem, no entanto, deixar de utilizar frases e fórmulas pré-estabelecidas (Sznelwar, 2006).

Devido à grande gama de fatores envolvidos com o desenvolvimento de sofrimento psíquico e de suas interações, torna-se um desafio para a adoção de instrumentos apropriados para a avaliação dos fatores psicossociais presentes nesse tipo de trabalho. Esses instrumentos deveriam qualificar e quantificar a contribuição de cada um dos fatores de estresse ocupacional e permitir com isso a elaboração de medidas de intervenção para proteção coletiva.

O presente estudo tem por objetivo identificar os fatores organizacionais e psicossociais relacionados ao estresse e sofrimento psíquico percebidos pelos teleatendentes de uma empresa de telemarketing. Entre esses fatores, destacam-se a natureza e conteúdo do trabalho, as características de gestão e as relações interpessoais na gênese do sofrimento mental.

 

Método

Esta investigação apresentou duas etapas, a primeira sendo de caráter observacional, exploratório e descritivo com delineamento transversal e abordagem quantitativa, através da aplicação de um questionário de autopreenchimento, e a segunda etapa é de conteúdo qualitativo, através da constituição de um grupo focal (GF) e da categorização e análise do conteúdo das falas dos participantes.

Na primeira etapa um questionário de avaliação dos fatores de estresse relacionados ao trabalho foi aplicado. O instrumento utilizado neste estudo, validado originalmente na língua inglesa por Edwards, Webster, Van Laar, & Easton (2008) e denominado HSE-IT (Health Safety Executive Indicator Tool), foi desenvolvido para avaliar os fatores primários de estresse relacionado ao trabalho. Esse instrumento, validado e traduzido para o português por Lucca et al. (2013) e descrito no anexo I, é constituído de 35 questões, distribuídas em sete categorias de análise: demanda (oito itens), controle (seis itens), relacionamentos (quatro itens), cargo (cinco itens), mudanças (três itens), apoio gerencial (cinco itens) e apoio dos colegas (quatro itens). O modelo utiliza uma escala do tipo Likert, com uma única alternativa de escolha para cada item: (0) nunca, (1) raramente, (2) às vezes, (3) frequentemente ou (4) sempre. Para as categorias "controle", "cargo", "mudanças", "apoio gerencial" e "apoio dos colegas", são considerados fatores de estresse as respostas assinaladas como "nunca" e "raramente", enquanto que para as categorias "demanda" e "relacionamentos", as respostas assinaladas como "sempre" e "frequentemente".

A empresa estudada oferece serviços de atendimento ao cliente (SAC) através do telemarketing para diferentes ramos de atividade, incluindo uma indústria automobilística, uma fabricante de eletrodomésticos e atividades de recuperação de crédito, cobrança e televendas para dois bancos comerciais e uma instituição educacional.

Foram incluídos no estudo todos os trabalhadores que assinaram o TCLE e trabalhavam há mais de seis meses na empresa. Esses sujeitos foram orientados a assinalar somente a melhor alternativa para cada item, de acordo com a percepção individual, em relação ao item do processo e à organização do trabalho apresentada. Os questionários foram aplicados entre os meses de maio e junho de 2013. Dos 720 trabalhadores que preencheram os critérios de inclusão, obteve-se um retorno de 390 questionários, dos quais 371 pessoas responderam por completo. Sendo a taxa de resposta de 54.1%.

Entre os 371 participantes, foram selecionados, aleatoriamente, 14 atendentes, considerando-se média de idade, tempo na empresa e a distribuição proporcional das respectivas unidades de negócio da empresa: automobilística, de eletrodomésticos, bancária e da instituição educacional. O GF final foi constituído de dez trabalhadores que participaram de todas as sessões e consentiram que o conteúdo das sessões fosse gravado integralmente. Foram realizadas seis sessões de GF, cada uma com duas horas de duração, com frequência semanal, sendo que o critério utilizado para a cessação de novos grupos focais foi a saturação dos dados, ou seja, não houve inclusão de novos enunciados e temas nas categorias analisadas (Fontanella, 2011).

Para o adequado êxito do GF, os pesquisadores se organizaram durante as sessões em quatro funções: mediador, relator, observador e operador/transcritor das gravações. As transcrições foram analisadas e as falas dos participantes categorizadas, utilizando-se o método de análise de conteúdos que, segundo Minayo (2007), possui duas funções primordiais: a verificação de hipóteses e/ou questões e a descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado.

Os discursos foram agrupados aprioristicamente em seis categorias de análise: controle, autonomia, suporte, apoio da chefia, relacionamentos e apoio dos colegas. Durante as sessões, os participantes enfatizaram um problema novo, que denominaram de "polêmica", relacionado com a falta de transparência nos critérios de carreira e promoção. Dessa forma, também foi incluída a categoria denominada "carreira e promoção".

Todas as etapas foram conduzidas pelos autores deste estudo. Os representantes da empresa não participaram da discussão dos grupos focais ou da avaliação das transcrições. Os questionários não identificavam os participantes, somente a célula de trabalho. Os dados coletados foram utilizados somente para os objetivos já referidos anteriormente, sendo tais informações apresentadas de forma coletiva, sem qualquer prejuízo para as pessoas envolvidas, principalmente no que diz respeito à menção dos nomes dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Os dados se encontram sob a guarda dos pesquisadores, o que garante o sigilo e a confidencialidade.

 

Resultados e discussão

Caracterização da empresa e organização do trabalho

Trata-se de uma empresa de telemarketing que vende os serviços de sete unidades de negócio independentes, agrupadas nas modalidades de serviço de atendimento ao cliente (SAC), recuperação de crédito, cobrança e televendas. Na modalidade SAC, a remuneração é fixa e algumas operações possuem remuneração superior a outras. Nas demais modalidades, além do salário fixo, que é menor, há uma remuneração variável na forma de comissão, condicionada a um percentual do montante recuperado na cobrança estipulada pela instituição financeira ou educacional. Outra característica do negócio é a separação entre receptivos (que recebem as ligações dos clientes), e ativos (que ligam para os clientes para oferecer um serviço ou produto).

A empresa possui 1500 empregados, com predominância do gênero feminino (80%) e média de idade de 23 anos. O turnover anual é de 8% e o absenteísmo por doença é de 3,7% ao mês. A empresa opera com dois tipos de horário de trabalho: 6 horas e 20 minutos com turnos de trabalho, incluindo sábados em dias alternados, ou 7 horas e 20 minutos em horário fixo de segunda à sexta feira. Do ponto de vista da gestão e organização, cada unidade de negócio é administrada por um gerente e seus respectivos supervisores. Cada supervisor faz a gestão de 18 atendentes, em média. Dentro de cada unidade há uma célula da empresa cliente, compradora do serviço, que fiscaliza e acompanha, in loco, toda a gestão.

Questionário de avaliação de estresse relacionado ao trabalho

A avaliação de risco, no contexto organizacional e nas situações de trabalho, fornece informações relevantes sobre a natureza e a dimensão dos seus possíveis efeitos, assim como o número de pessoas expostas a eles. Esses dados devem ser utilizados no desenvolvimento de um plano de ação de intervenção primária para a eliminação da fonte dos fatores desencadeantes. Os instrumentos disponíveis em português para mensurar o estresse relacionado ao trabalho são escassos e, de maneira geral, limitados quanto à amplitude e à diversidade de dimensões. O Modelo do HSE-IT é mais completo, porque avalia os fatores de estresse no trabalho distribuídos em sete grupos: demanda, controle, relacionamentos, cargo, mudanças, apoio da chefia e apoio dos colegas.

Os resultados do questionário de avaliação do estresse relacionado ao trabalho estão descritos na Tabela 1. Com relação ao perfil dos 371 sujeitos da pesquisa que responderam o questionário, 77% são do gênero feminino, com média de idade de 26 anos e tempo médio de empresa de dois anos.

Os principais fatores de estresse relacionado ao trabalho apontados pelos participantes foram: controle (64%), mudanças (53%), apoio da chefia (40,3%) e dos colegas (35,2 %). Por outro lado, os sujeitos da pesquisa assinalaram demandas (16,0%), relacionamentos (12,2%) e cargo (9,2%) como fatores de menor estresse no trabalho.

As pesquisas sobre trabalho e organização do trabalho em call centers relatam o excesso de controle, a falta de apoio da chefia e as demandas de trabalho como principais fatores de estresse nessas empresas, além de ser um trabalho intenso, com pouco tempo de descanso e alta rotatividade (Ricci, 2013).

Por outro lado, a qualidade dos relacionamentos e o apoio dos colegas poderiam funcionar como estratégia de defesa contra o adoecimento dos teleatendentes. Nesse sentido, parte dos resultados obtidos no questionário confirmou que o controle, a falta de comunicação sobre mudanças na organização e o apoio da chefia (ou falta desta), estão entre os principais fatores de estresse na empresa pesquisada. Entretanto, os sujeitos da pesquisa não consideraram as demandas (exigência das tarefas) entre os fatores desencadeantes de estresse no trabalho.

Grupo focal

Inicialmente, os resultados do questionário foram propostos no GF, como roteiro de discussão, especialmente as subescalas assinaladas com elevado nível de estresse, como as de "controle" e "mudanças". Entretanto, com o desenvolvimento da dinâmica de grupo e após a análise do conteúdo das falas dos participantes do GF, foram definidas seis categorias de análise: carreira e reconhecimento, controle e autonomia, suporte e apoio da chefia, relacionamentos e apoio dos colegas. Porém, durante as sessões, os participantes enfatizaram um problema novo, o qual denominaram "polêmica", relacionado com a falta de transparência nos critérios de carreira e promoção. Dessa forma, optou-se pela inclusão de mais uma categoria denominada "carreira e promoção".

Carreira e reconhecimento

Já na primeira sessão com o GF, os participantes sugeriram a discussão sobre a falta de transparência nos critérios de promoção na carreira e reconhecimento. Segundo a política da empresa, os critérios de ascensão na carreira estão vinculados ao cumprimento de metas e aos parâmetros de qualidade, assiduidade e produtividade das respectivas modalidades de negócio. A política prevê a progressão dos atendentes de N1 para N2, de N2 para N3 e deste para supervisor. Aqueles que atendem aos parâmetros são considerados Top Performance do mês e, havendo vaga disponível, podem concorrer e progredir na carreira, só podendo concorrer ao cargo de supervisão os atendentes N3 que forem considerados Top durante três meses consecutivos e que tiverem recebido qualificação "boa" nos últimos seis meses.

Para os atendentes, os critérios de ascensão definidos na política da empresa não são obedecidos, o que gera muita insatisfação entre eles:

A empresa tinha que rever a forma de tratamento. . . . Tem muita competição, promoção de pessoas mais próximas dos supervisores e gerentes... (Atendente 1)

Funcionários de qualquer nível (1, 2 ou 3) podem concorrer à vaga. Já teve casos de N1 que passaram direto pra N3 e de N1/N2 que passaram a supervisor. (Atendente 2)

Para atingir as metas, a empresa utiliza o fetiche do Top Performance. Ainda que o atendente atinja os critérios estabelecidos, ser Top, na prática, não é suficiente para quem deseja ascender na carreira:

O Top Performance é uma ilusão. Força os funcionários a serem perfeitos pra poder participar do processo seletivo. Hoje, num corredor de 14 pessoas, só uma ou duas são Top. (Atendente 3)

Por outro lado, para muitos, alcançar o Top significa reconhecimento, ser referência para os demais:

Para mim, o Top Performance é a referência (espelho), ele é o cara, é mais importante este reconhecimento do que o dinheiro ou participação de sorteio. (Atendente 4)

Para Dejours (1994), o reconhecimento exerce um papel fundamental para o equilíbrio psíquico dos trabalhadores. Para o autor, existem dois tipos de reconhecimento: o julgamento de utilidade ou da mitocracia utilizado pela empresa como critério de promoção ou prêmio e o julgamento da beleza, utilizado quando o reconhecimento de um trabalho bem feito vem dos próprios colegas. Segundo Dejours, o reconhecimento estaria diretamente ligado à "motivação- -satisfação" (ou "desejo-prazer"), e funcionaria como um dos elementos de "descarga psíquica" dos trabalhadores, no sentido de evitar o sofrimento e o adoecimento. Entretanto, Martinez (2002) constatou que a associação entre satisfação no trabalho e saúde não é direta e depende também de outros fatores, como ritmo ou carga de trabalho, que podem exercer maior impacto sobre a saúde do que a satisfação no trabalho.

Para Merlo et al. (2004), o reconhecimento é condição indispensável no processo de mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho. Por esse motivo, desempenha um papel fundamental na possibilidade de transformar o sofrimento em prazer.

Observa-se na organização pesquisada que o Top Performance gera sentimentos antagônicos nos sujeitos pesquisados, pois, para ser Top, o atendente precisa trabalhar mais para atender as demandas, podendo ou não atingir as metas ao final do mês; caso as atinja, se sente reconhecido e posto como referência em posição superior e almejada pelos pares. Porém, ao mesmo tempo em que isso acontece, foi relatada a dificuldade de atingir as metas impostas pela organização. Mesmo sendo Top e participando do processo seletivo para ascender na carreira, há certa perversidade, visto que, segundo os relatos, existe um protecionismo em relação a certas pessoas, sendo que estas podem estar sendo privilegiadas nos processos seletivos.

Vindo de encontro com esta assertiva, Mazzilli e Agra (1998) reconhecem que o binômio privilégio-restrição se transforma no binômio prazer-sofrimento. A angústia provocada pelos controles e pelas exigências dadas por metas desafiadoras é compensada pelo prazer de conquistar, prazer agressivo de dominação, de se superar e de se autodominar. Por esse meio, os indivíduos são integrados à organização mais do que por outros, pois, no nível inconsciente, internalizam as restrições e os tipos de satisfações que ela oferece. Por meio de uma pesquisa qualitativa foram obtidos os resultados que se encontram descritos no decorrer do trabalho.

Controle e autonomia

A principal característica do processo de trabalho de telemarketing é a perda de controle e autonomia dos trabalhadores durante o desenvolvimento das suas atividades. Segundo a percepção dos participantes da pesquisa, há pouco poder de controle e decisão sobre o próprio ritmo de trabalho, sobre o modo de desenvolver o seu próprio modo de trabalhar e de responder aos problemas individuais. A atividade de teleatendimento apresenta todos os elementos de um trabalho penoso, uma vez que não há controle do trabalhador sobre o trabalho e/ou para interferir em suas regras e prescrições (Sato, 1993).

A separação física existente na relação de serviço entre usuários e atendentes (ambiente virtual) é um componente do trabalho que perturba a interação nessa comunicação. Segundo relatos, o usuário/cliente é exigente e espera que seu problema seja resolvido de imediato. Quando isso não ocorre, sente-se no direito de desabafar e agredir verbalmente o atendente. Por outro lado, espera-se que o atendente tenha o controle da situação e que possa compreender e resolver com interesse o problema do cliente, devendo se manter imparcial e seguir o trabalho prescrito. Essa situação de aparente desequilíbrio no processo de comunicação gera o estresse e o sofrimento mental dos atendentes.

Ao se manifestarem acerca da percepção da gênese do sofrimento e do desgaste psíquico, os atendentes apontam como principais fatores de estresse as pressões exigidas pelos clientes e a rigidez do trabalho prescrito com falta de autonomia na resolução de problemas:

Todos os dias recebo sessenta ligações e tenho que seguir o mesmo script... (Atendente 1)

A cada 48 horas, mesmo se não tiver mudanças de informações, temos que entrar em contato com o cliente. (Atendente 6)

Graças à utilização dos scripts e ao fato de os atendentes estarem cientes da monitoria "de qualidade" do conteúdo e do tipo de entonação utilizada, a comunicação fica artificial. Para Vilela e Assunção (2004), o script anula a liberdade e a subjetividade do atendente, na medida em que controla seu afeto e suas reações espontâneas:

Na minha operação, nós não podemos alterar nada e ainda somos tratados como números. (Atendente 2)

Nos retornos com o cliente temos que repetir as mesmas coisas todos os dias – é cansativo, repetitivo, estressante... (Atendente 7)

Como observaram Ramalho et al. (2008), embora não exista um script pré-estabelecido, o controle sobre os atendentes é realizado através da escuta dos discursos por parte dos supervisores e, portanto, passa a ser internalizado por todos, no conteúdo (do que se fala) e na forma (como se fala). Dessa forma, os atendentes são controlados quanto aos critérios de qualidade (tempo e conteúdo das informações prestadas aos clientes) e assiduidade, não sendo permitido atraso ou falta, ainda que esta seja justificada mediante apresentação de atestado médico.

Vindo de encontro com os achados do presente estudo, uma pesquisa realizada com teleatendentes na cidade de Porto Alegre(RS) por Scolari (2009) observou que os atendentes relataram sentimentos ambíguos em relação aos procedimentos adotados na atividade, principalmente em relação ao script, considerando que, ao mesmo tempo que o consideravam um padrão para que a venda fosse realizada com maior eficiência, também consideravam-no ineficaz para o atendimento de todos os tipos de público, já que não podiam fugir das regras estipuladas pela empresa.

Além da falta de autonomia na resolução de problemas, o trabalho prescrito também traz dilemas éticos aos atendentes na medida em que inclui a omissão ou a transmissão de informações erradas aos clientes:

O cliente sempre culpa o atendente, que é obrigado a omitir as informações. (Atendente 8)

O que mais me estressa é eu ter que ligar toda hora e passar informação errada para o cliente. (Atendente 9)

Segundo Seligman-Silva (2011), pode-se localizar duas origens do surgimento da falsidade: a que é usada no arsenal da manipulação psicológica instrumentalizada pelo gestor e aquela utilizada pelo assalariado, acionada pelo medo. A falsidade deteriora as relações interpessoais e contribui para o individualismo, cada vez mais competitivo. Ao mesmo tempo que se exige o envolvimento com o cliente, nas situações em que o atendente tem que transgredir, o sofrimento psíquico fica camuflado e, ainda, não pode ser reconhecido oficialmente.

Para Dejours (1996), um dos fatores que exige a gerência do sofrimento em proveito da saúde e da produtividade é a diferença que ocorre entre a organização prescrita e a organização real do trabalho. Para ser operacional, a atividade prescrita necessita de reajustes. São diversas as maneiras que os trabalhadores utilizam para construir a organização real de trabalho. Quando os gestores adotam um estilo de direção excessivamente normativo e prescritivo, essa organização real do trabalho ocasiona grande sofrimento.

 

Suporte e apoio da chefia

Inclui o apoio ou o reconhecimento e feedback por parte dos superiores hierárquicos, bem como o suporte adequado e os recursos fornecidos pela empresa por parte da chefia para resolver os problemas durante o desenvolvimento do trabalho. Como os supervisores têm a responsabilidade de atender as metas estabelecidas pela empresa cliente e compradora dos serviços, pressionam os atendentes para a obediência aos critérios de qualidade:

O supervisor ganha às nossas custas, cobra quando nosso rendimento é menor que o que eles esperam de nós, mas tem pouca responsabilidade. (Atendente 1)

Os fatores de natureza psicossocial apresentados pelos atendentes não são tratados adequadamente pelos supervisores:

Temos muitos problemas familiares, e é impossível separar as coisas – eles dizem que quando passamos da portaria, os problemas têm que ficar para fora, mas é impossível. (Atendente 10)

Além da falta de apoio, os atendentes são sistematicamente pressionados:

A supervisão não dá apoio, ao contrário. Estamos acostumados a ouvir: "não quer ficar, peça a conta e vá embora". Não posso confiar no meu chefe.(Atendente 2)

Nós perdemos o Top se trouxermos atestado; não podemos nem passar mal e, se reclamarmos, ainda ganhamos advertência. (Atendente 4)

Hoje, muitos funcionários estão prestes a surtar, e não temos nenhum apoio psicológico na empresa. (Atendente 1)

Os limites entre a pressão por produtividade e o assédio moral são sutis, através de uma intencionalidade seguida de consequente fragilização com intuito de manter o poder (Heloani & Barreto, 2010). O assédio na forma de cascata (a empresa cliente pressiona o gerente, que pressiona os supervisores, que pressionam os atendentes) configura o assédio moral organizacional. Segundo Araújo (2012) o assédio moral organizacional é "um conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa dos seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos".

Nas relações de trabalho entre supervisores e atendentes, foi observado que as atitudes pessoais muitas vezes se sobrepõem aos critérios de natureza profissional, embora o papel do supervisor seja o de influenciar sua equipe de trabalho:

Hoje é preciso ter "costas quentes" com o supervisor e os gerentes; quem não é "queridinho", sofre. A relação é pessoal, não profissional. (Atendente 8)

O incentivo e o apoio do supervisor são muito gratificantes e necessários para um bom rendimento da equipe. O apoio do chefe deverá estar presente em diversas situações, inclusive na dificuldade no início da atividade, e é fundamental para uma boa adaptação e para a transformação dos obstáculos em fatores positivos (Scolari, 2009).

 

Relacionamentos e apoio dos colegas

Inclui a cultura e a orientação da empresa para a promoção de comunicação interpessoal adequada e respeito às diversidades entre os trabalhadores, para evitar os conflitos comportamentais, se existe procedimento para evitar conflitos e garantir condução apropriada nas situações de assédio moral no trabalho e ainda se há espaço de diálogo para que os trabalhadores possam compartilhar as informações relacionadas ao próprio trabalho.

Além disso, o trabalho em equipe e o apoio dos colegas geram prazer e minimizam o sofrimento, já que, através das conversas, os trabalhadores podem compartilhar experiências. Embora a organização do trabalho privilegie a disciplina e não a colaboração, conforme analisa Venco (2006), a cooperação entre os trabalhadores funciona como um mecanismo para suportar a carga de trabalho e, ao mesmo tempo, para alcançar as metas pré-estabelecidas e sofrer menor pressão. Segundo os depoimentos:

Um ponto positivo é que aqui não há nenhuma discriminação, nem a homossexual, nem a cor, raça, credo, nada. . . . A amizade é fundamental e dependemos muito dos amigos e colegas nesse setor para nos ajudar no dia a dia. (Atendente 1)

Algumas pessoas não têm consciência de responsabilidade e a missão do que está sendo proposto. (Atendente 2)

Alguns dos pontos positivos destacados pelos atendentes são: a ausência de discriminação e a relação de amizade e solidariedade entre colegas de trabalho. Entretanto, o comportamento individual de alguns atendentes e o medo de ser entregue por um colega pode quebrar a coesão do grupo:

Tem gente que só reclama. . . . Têm outros que, ao invés de ajudar, entregam a gente para o supervisor. Esse tipo de pessoa a gente não tem como mudar.(Atendente 3)

O estresse é a 'colegada' do lado, que passa o dia inteiro reclamando e atrapalha." (Atendente 6 )

Segundo Dejours (1987), os indivíduos desenvolvem estratégias de defesa como mecanismos de defesa individuais e coletivos para fazer frente ao sofrimento e aos constrangimentos relacionados ao trabalho. O adoecimento de um ou de vários indivíduos fragiliza esses mecanismos e desestabiliza o grupo, o que leva os trabalhadores a discriminarem e responsabilizarem o indivíduo que adoeceu. Esse tipo de mecanismo tem também um aspecto coercitivo que leva os trabalhadores a adotarem a estratégia do silêncio e o individualismo (Lancman & Uchida, 2003).

 

Demandas e exigências

Compreende os aspectos relacionados à carga de trabalho, organização e ambiente de trabalho. Também inclui as exigências relacionadas à produtividade e às metas individuais e coletivas que deveriam ser atingidas no horário de trabalho, e se há uma gestão adequada aos problemas relacionados ao ambiente e ao posto de trabalho. Espera-se que as atividades sejam concebidas em função das competências dos trabalhadores.

A carga de trabalho para Seligmann-Silva (1994) representa o conjunto de esforços investidos de modo a atender às exigências das tarefas, conceito que abrange os esforços físicos, cognitivos e psicoafetivos (emocionais). A autora ainda destaca que os três tipos de carga estão intimamente relacionados e que qualquer sobrecarga em um dos tipos pode se manifestar em outras áreas.

A carga de trabalho também pode ser definida como "os elementos do processo de trabalho que interagem entre si e com o corpo do trabalhador, desencadeando alterações nos processos psíquicos que se manifestam como desgastes físicos e psíquicos potenciais ou efetivamente apresentados" (Oliveira Secco, Cruz Robazzi, Alves de Souza, & Sayuri Shimizu, 2010). A carga de trabalho é o resultado da relação entre condicionantes internas e externas com o trabalhador e a análise desta carga requer o levantamento dos elementos que impõem limites às possibilidades de ação e de regulação dos trabalhadores, os quais determinam as exigências físicas, cognitivas e psíquicas do trabalho (Wisner, 1987; Ferreira, 2002). Para Dejours (1994) as cargas de trabalho se dividem em componentes físicos, psíquicos e cognitivos. Para os autores, a carga física compreende os fatores ambientais e biomecânicos sendo considerados o ruído, a vibração, temperatura, iluminação, atividade muscular e postura corporal. A carga mental é o somatório das cargas psíquicas e cognitivas.

Seligmann-Silva (2011) considera que as demandas com respeito à carga de trabalho representam o conjunto de esforços desenvolvidos para atender às exigências das tarefas que podem gerar desgaste físico e mental. A autora enfatiza a carga de trabalho das exigências cognitivas, afetivas e físicas para a realização das atividades de trabalho e sua natureza biopsicossocial e cumulativa.

A carga de trabalho durante o desenvolvimento da atividade atua diretamente na esfera cognitiva e afetiva dos atendentes. Ao ter que reprimir as emoções ou a raiva, devido à impossibilidade de responder às agressões de clientes, pode ocorrer uma dissonância emocional. A repressão das emoções durante o processo de comunicação artificial (controlada e vigiada) repercute em sofrimento psíquico e de estresse relatados pelos teleatendentes:

É muito estresse; às vezes a atendente está com cliente na linha ouvindo xingamentos até a 5ª geração familiar, chorando, estressada e sem apoio da supervisão. (Atendente 8)

Outro aspecto relevante que repercute negativamente na saúde psíquica dos atendentes é a ocorrência de pane no sistema informatizado. Evidentemente, o cliente não sabe o que está acontecendo e, nesses casos, durante o processo de comunicação, há, concomitantemente, uma exigência adicional sobrecarregando os atendentes:

Problema no sistema é muito comum. A gente tem que anotar tudo no bloco de notas e passar depois os dados, porque pode travar e apagar tudo! (Atendente 9)

O conteúdo da tarefa é monitorado através dos critérios de qualidade que incluem o que se fala, como se fala e em quanto tempo, independentemente do tipo de demanda do cliente:

Precisa ter qualidade de 98%, assiduidade de 90%. (Atendente 2)

Eles levam a linguagem muito a sério, uma única vírgula de erro desconta pontos. . . . Pra mim o fator mais estressante é a pressão que sofremos pra fazer tudo perfeito. (Atendente 1)

A busca pela perfeição para atingir os parâmetros pré-estabelecidos pela organização artificializa ainda mais o processo de comunicação e impede que os atendentes vivenciem a experiência subjetiva da emoção (Vilela & Assunção, 2007). A inexistência de um script não autoriza os teleatendentes a personalizar o processo de comunicação ou de informação ao cliente:

Na minha operação nós não podemos alterar nada e ainda somos tratados como números. (Atendente 9)

 

Considerações finais

A constituição e a caracterização do trabalho em uma empresa de setor de telemarketing descritos neste estudo podem ser consideradas representativas de um setor que adota um modelo de gestão neotaylorista, onde se misturam controle e disciplina, através do uso de tecnologias sofisticadas, como principal elemento de cerceamento à liberdade e subjetividade dos trabalhadores. Em seus discursos, os teleatendentes demonstraram como esse tipo de organização de trabalho contribui na gênese do sofrimento psíquico.

O maior paradoxo neste tipo de organização refere-se ao ambiente virtual que caracteriza o processo de comunicação e o controle. Exige-se uma comunicação eficaz, entretanto há dificuldade de interação cliente–atendente devido à impossibilidade de utilização de gestos e expressões faciais e da imposição do tempo e conteúdo. Essas características contribuem para a ineficácia dado processo de comunicação e aprisiona emoções e subjetividade dos atendentes (Vilela & Assunção, 2007).

A metodologia utilizada neste estudo demonstrou que o instrumento quantitativo de avaliação dos estressores ocupacionais não foi suficiente para investigar a dinâmica das interações entre a organização do trabalho, a saúde e o sofrimento psíquico dos trabalhadores de telemarketing. Esse tipo de abordagem do estresse ocupacional não incorpora as vivências subjetivas dos trabalhadores no momento da análise dos fatores estressantes, ou seja, a essência desse tipo de trabalho é a captura e aprisionamento da subjetividade dos atendentes por meio do controle virtual e físico permanente e do assédio organizacional potencializado pela disciplina do medo.

Por outro lado, o método qualitativo, com a utilização do grupo focal e a análise do conteúdo das falas dos participantes, possibilitou categorizar os principais aspectos relacionados à organização do trabalho e percebidos como desencadeantes de estresse e do cerceamento da subjetividade no processo de sofrimento psíquico dos atendentes. O excesso de controle e a falta de autonomia foram os principais aspectos de convergência nos dois instrumentos (qualitativo e quantitativo) adotados neste estudo. Na percepção dos atendentes, os aspectos relacionados à carreira e reconhecimento, ao suporte e apoio da chefia, aos relacionamentos e ao apoio dos colegas são relevantes para a saúde mental desses sujeitos.

 

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Endereço para correspondência
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Recebido em: 22/10/2014
Revisado em: 05/05/2015
Aprovado em: 05/05/2015

 

 

1 Professor doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas, docente da Faculdade de Ciências Médicas e coordenador da área de Saúde do Trabalhador.
2 Mestre e doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas.
3 Residente de medicina do trabalho da Faculdade de Ciências Médicas.
4 Residente de medicina do trabalho da Faculdade de Ciências Médicas.
5 Residente de medicina do trabalho da Faculdade de Ciências Médicas.
6 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas.

 

 

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