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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versión impresa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.19 no.2 São Paulo  2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O sentimento de medo no cotidiano de trabalho na vigilância prisional e seus impactos sobre a subjetividade dos agentes penitenciários

 

The feeling of fear in daily work in prison surveillance and its impact on the subjectivity of penitentiary agents

 

 

Eneida SantiagoI; Pedro Costa ZanolaII; Renato Shoiti Hisamura JrI; Iúri Yrving Müller da SilvaIII

I Universidade Estadual de Londrina (Londrina, PR, Brasil)
II Universidade Federal do Paraná (Curitiba, PR, Brasil)
III Faculdade da Alta Paulista (Tupã, SP, Brasil)

 

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste relato de experiência, problematizamos as vivências subjetivas construídas na atuação profissional de agentes penitenciários que atuam em uma unidade prisional fechada paranaense. Utilizamos referenciais da Psicodinâmica do Trabalho, da Psicanálise e de escritos sobre Processos Grupais para disponibilizarmos aos trabalhadores um espaço grupal semanal em que eles eram convidados a conversarem e refletirem sobre o cotidiano laboral no intramuros institucional. A partir da compreensão da inseparabilidade entre trabalho e vivências subjetivas, acolhemos no espaço coletivo relatos sobre um cotidiano prisional que produz desgastes e desdobramentos de suas dimensões institucionais sobre os próprios sujeitos, bem como de suas relações familiares, afetivas e sociais. Em análise dos conteúdos, foi possível identificar vários aspectos de como a instituição prisional produz impactos na subjetividade daqueles que ali trabalham, entre eles, o sentimento de medo. As condições que delineamos são cotidianas, ou seja, não são exceções, e refletem os vínculos complexos e contraditórios entre sujeitos trabalhadores e instituição prisional.

Palavras-chave: Relações de trabalho, Processos de subjetivação, Sentimento de medo, Sistema prisional, Instituições.


ABSTRACT

In this report of experience, we problematize the subjective experiences built up in the professional performance of prison agents who work in a closed prison unit in Paraná. We used references from the Psychodynamics of Work, Psychoanalysis and writings on Group Processes to provide workers with a weekly group space in which they were invited to talk and reflect on the daily work in the institutional intramural. From the understanding of the inseparability between work and subjective experiences, we welcome in the collective space reports about a daily prison that produces wear and unfolding of its institutional dimensions on the subjects themselves, as well as their family, affective and social relations. In analyzing the contents, it was possible to identify several aspects of how the prison institution produces impacts on the subjectivity of those who work there, among them, the feeling of fear. The conditions we outline are everyday, that is, they are not exceptions, and reflect the complex and contradictory links between working subjects and the prison institution.

Keywords: Labor relations, Subjective processes, Sense of fear, Prison system, Institutions.


 

 

Introdução

O presente artigo é fruto dos processos de pesquisa e intervenção realizados em uma instituição prisional situada do interior do estado do Paraná ao longo de três anos. Tais processos compuseram um projeto mais amplo que estudava as vivências subjetivas relacionadas à atuação profissional de servidores do sistema prisional. No recorte que aqui fazemos, destacamos as experiências realizadas especificamente ao longo de dois anos em uma unidade prisional fechada masculina. Parte das ações era a disponibilização de um espaço de escuta grupal aos agentes de segurança penitenciária. Este espaço visava à oferta e promoção de acolhimento das vivências cotidianas no intramuros prisional, oferecia suporte para os processos de elaboração subjetiva do sofrimento psíquico relacionado direta ou indiretamente ao trabalho institucional, bem como a construção de processos de atenção à saúde. A partir das informações levantadas nos grupos com os agentes, e que aqui são apresentadas, refletimos acerca dos efeitos do trabalho neste contexto institucional, sobre a subjetividade e a saúde mental e física, com destaque para as vivências do sentimento do medo pelos trabalhadores da vigilância prisional, com base em referenciais da Psicodinâmica do Trabalho e Psicanálise, bem como de estudos sobre processos grupais.

 

Trabalho e subjetividade

Na sociedade contemporânea, o trabalho é uma importante fonte de subjetivação dos indivíduos. Através do trabalho, o indivíduo atua sobre o mundo, modificando-o. Ao mesmo tempo, é também pelo trabalho que o indivíduo se define e se constitui psicológica e socialmente. Desta forma, a investigação e análise das possíveis experiências positivas ou limitadoras que o cotidiano de trabalho oportuniza, desafia e ao mesmo tempo exige do trabalhador se tornam um importante campo de estudo da psicologia.

Sobre a importância do trabalho na subjetividade humana, assumimos neste texto o posicionamento de que "pensar o comportamento humano exige considerar a centralidade do trabalho no cotidiano dos indivíduos (...). O trabalho circunscreve as suas possibilidades de subjetivação, confirma modos de ser e estar no mundo" (Magalhães-Pinto & Codo, 2006, p. 218). Desta forma, para se pensar o homem, sua saúde e sua subjetividade, torna-se extremamente relevante a análise de seu contexto de trabalho, bem como as possibilidades e desafios que ele lhe impõe.

Como sinaliza Dejours (1993), o trabalho é elemento primordial na construção de nossa subjetividade que, em algumas de suas configurações, pode acarretar formas diversas de sofrimento e adoecimento, mas também é essencial para a saúde, a subjetivação e a sociabilidade do homem. Assim, ao analisarmos a relação do homem com seu trabalho devemos, então, obrigatoriamente questionar se a organização das atividades laborais favorece ou impossibilita o equilíbrio psíquico do trabalhador. A realização de qualquer trabalho impõe desafios para aqueles que o concretizam; mesmo a regra mais técnica ou rigidamente apresentada não será cegamente obedecida. É o movimento diverso, criativo e criador diante dos imperativos do trabalho, e não a adaptabilidade, que dá ao trabalho o status de contribuinte para a saúde. Contrariamente, é a severa limitação neste espaço de criação, acompanhado de uma crescente defasagem entre o que é prescrito e o que é concretamente realizado, que pode alimentar as ocorrências de sofrimento nos trabalhadores, como o sentimento de medo (Dejours, 1993).

Ainda para Dejours (1993), pensar a saúde vinculada à realidade do trabalho implica considerar que a saúde não é um estado calmo e uniforme, mas faz parte de um processo em que o sujeito deve se implicar com sua inquietação para a criação, podendo esta funcionar no fazer laboral como um motor, sendo este trabalho também uma fonte de escoamento de angústias. Assim, no trabalho, o indivíduo traça metas, define objetivos e investe desejos que o impulsionam e o colocam em produção, em sentidos objetivo e subjetivo. Com a construção das relações entre trabalho prescrito e real, com suas imposições e possibilidades, o trabalhador precisará estabelecer um modo operatório de ser trabalhador em determinadas condições. Este modo, que pode favorecer ou não seu equilíbrio psíquico, também poderá criar conflito entre as condições do trabalho a ser realizado e seus anseios e projetos pessoais e profissionais. Quanto mais frágil ou custoso este equilíbrio, maior a possibilidade de que o sofrimento se faça presente, causando adoecimentos físicos e/ou psíquicos.

Questionar e refletir sobre os efeitos do trabalho e do trabalhar na subjetividade passa, então, pela avaliação se o sujeito pode, ou não, encontrar um equilíbrio psíquico, mesmo que precário mas ainda assim positivo, em seu cotidiano laboral, no conflito, sempre presente, entre desejos, metas, projetos e ações espontâneas e autênticas e a configuração do trabalho, entre o prescrito e o real.

 

Instituições e processos de subjetivação

Nas discussões que aqui promovemos para se compreender os efeitos do trabalho sobre a subjetividade dos trabalhadores, se faz essencial analisar a instituição em que eles estão inseridos, assim como de quais formas ela contribui ou impossibilita a construção e transformação das vivências subjetivas e da subjetividade de seus servidores, a partir dos objetivos, processos e discursos institucionais.

Segundo Magalhães-Pinto e Codo (2006), a instituição se define por ter um conjunto de ideologias e visões que são engendradas e transmitidas aos trabalhadores por um sistema vincular, modelando a subjetividade deles para que respondam adequadamente às necessidades operacionais e de manutenção da própria instituição. Na perspectiva de sujeitos que na instituição trabalham, é possível afirmar que este processo "...germina num espaço fora de nós que é uma parte de nós: essa exteriorização de um espaço interno é a nossa relação mais anônima, mais violenta e mais forte que mantemos com as instituições" (Kaës, 1991, p. 20).

Como consequência deste processo, é bastante frequente o sofrimento psíquico e o adoecimento do trabalhador, já que sua inserção institucional não visa a sua saúde ou seu bem-estar, mas sim sua pactuação e obediência às regras institucionais, em uma modelagem, a partir da submissão da subjetividade do trabalhador. Com efeito, "...conhecimento e ideologias são repassados aos novos integrantes, que ao incorporarem as visões institucionalizadas, através das práticas laborais, se reposicionam no mundo, reconstruindo a sua própria identidade perante esse novo referencial" (Magalhães-Pinto, 2002 citado por Magalhães-Pinto & Codo, 2006 p. 216). A partir do destacado pelos autores, podemos dizer que os efeitos do trabalho sobre a subjetividade do trabalhador são ainda mais intensificados quando essa relação se dá em uma instituição fechada, uma instituição total, como os presídios, que possuem uma imperativa e rígida padronização dos procedimentos, bem como o máximo fechamento diante do mundo externo, o extramuros.

Goffman (1974), ao discorrer sobre as instituições afirma que "...seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico" (p. 16). Desta forma, uma instituição fechada é caracterizada por fortes imposições de regras e condutas de permanência e trabalho em seu interior, assim como por ser uma grande veiculadora de ideologias que restringem o trabalhador a um universo de atividades densas e altamente restritivas e repetitivas. Assim, a transformação da subjetividade através de processos diversos decorrentes do trabalho em instituições fechadas potencialmente acontece de forma mais intensa e mais irrefreável.

Quanto aos efeitos do trabalho sobre a subjetividade, estudos apontam que em instituições prisionais há uma elevada presença de casos de adoecimento entre os servidores, principalmente ligados aos fatores psíquicos (Costa, 2002; Lourenço, 2010; Rumin, Barros, Cardozo, Cavalhero, & Atelli, 2011; Santiago, Silva-Roosli, & Di Osti, 2017). Codo e Jacques (2002) afirmam que o sofrimento psíquico relacionado ao trabalho ocorre quando este afeta esferas de nossas vidas que são geradoras e transformadoras de significados. Esses efeitos seriam massificados em instituições fechadas, como as instituições prisionais, que apresentam protocolos rígidos e repetitivos para a realização do trabalho, assim como para o cotidiano institucional como um todo, isto em um meio que favorece fortemente o contato direto dos servidores com a violência e suas várias formas, bem como a constante exposição ao risco físico e o frágil sentimento de realização profissional, todos dados identificados em estudos sobre o sistema penitenciário (Costa, 2002; Lourenço, 2010; Rumin et al., 2011; Santiago et al., 2017).

 

Precisamos falar sobre o medo

Em alguns contextos de trabalho, os riscos ao corpo do trabalhador se colocam como parte obrigatória do cenário, são perceptíveis nas atividades da construção civil realizadas em andaimes a metros de altura, o são, na indústria química, em maquinários operados que, se descompassados, podem vitimar centenas de pessoas, entre outros. Em outro extremo estão cenários que parecem mais "limpos", ou seja, sem riscos facilmente visualizados que possam colocar em cheque a integridade física dos sujeitos trabalhadores. Nestes ambientes considerados mais "limpos", os riscos existentes circunscrevem processos cognitivos, em que as incorreções podem advir do acesso e manuseio de informações.

São dos riscos, ou seja, da possibilidade de o trabalhador sofrer algum dano físico ou mental em decorrência de sua atividade profissional, que o medo surge como dimensão complexa (Dejours, 1992, 1999) e que neste artigo é elencado como categoria analítica de destaque em um contexto de trabalho específico, o intramuros da instituição prisional.

O medo constitui uma das dimensões da vivência dos trabalhadores quase sempre ignorada por todos os estudos em psicopatologia do trabalho. Falaremos aqui em medo, não de angústia. Faz-se necessário uma precisão semiológica: a angústia resulta de um conflito intrapsíquico, isto é, de uma contradição entre dois impulsos inconciliáveis. (...) Nosso assunto aqui é o medo, um conceito que não é propriamente psicanalítico – e que responde por um aspecto concreto da realidade e exige sistemas defensivos específicos, essencialmente mal conhecidos até hoje (...) que constitui uma abordagem específica na relação do homem com a realidade (Dejours, 1992, p. 63, destaques do autor).

Como correspondente de aspectos concretos e inerentes de qualquer realidade de vida e de trabalho, o medo se constitui a partir de elementos externos aos sujeitos, podendo ser de distintas ordens e origens: os relacionados ao medo de desgaste do funcionamento mental e equilíbrio psicoafetivo originado da desestruturação dos laços com os colegas de atuação, advindo de fluxos de suspeições, de discriminações e de formas variadas de violência e agressividade, do receio de desorganização mental pela repressão psíquica extrema, pelo esforço para se manterem constantes comportamentos altamente repetitivos, da apreensão diante da possibilidade de fragmentação e deterioração do corpo físico por condições insalubres de trabalho (Merlo Lapis, 2007; Dejours, 1992, 1999).

Assumindo um outro ponto reflexivo sobre o medo, Bauman (2008) se dedicou ao estudo do medo como dimensão que destacaria as incertezas:

O medo é mais assustador quando difuso, disperso, indistinto, desvinculado, desancorado, flutuante, sem endereço nem motivos claros; quando nos assombra sem que haja uma explicação visível, quando a ameaça que devemos temer pode ser vislumbrada em toda parte, mas em lugar algum se pode vê-la. Medo é nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito (Bauman, 2008, p. 8, destaques do autor).

Na instituição prisional, muito, senão tudo, remete ao risco: são barras de ferro, cadeados, equipamentos de proteção como coletes à prova de balas. A própria estrutura predial e de processos produz e reforça o risco iminente e deste, a possibilidade do medo. O contato humano, a relação entre as pessoas também se torna permeado pelo risco, já que, dependendo do posto de trabalho, a maioria, senão a totalidade dos contatos e das trocas sociais que um agente penitenciário realizará em um turno de trabalho de 12 horas será com apenados. Assim, a questão que se apresenta é: como manter a percepção do risco e da incerteza sob contenção evitando que se transmute em medo? Isto é possível? Se sim, a partir de que desdobramentos e a que custo para os trabalhadores? Estes são questionamentos que realizamos a partir dos dados acessados por meio dos encontros grupais que aqui relatamos.

 

Delineando problemática e metodologia

Frente à fundamentação apresentada, fazemos aqui o relato e a problematização das condições e vivências de trabalho de vigilância de agentes de segurança penitenciária em uma instituição prisional do interior do estado do Paraná. Os conteúdos aqui apresentados foram acessadas a partir das narrações e falas espontâneas manifestadas em um grupo de escuta realizado com estes sujeitos trabalhadores. Estes dados serão aqui discutidos quanto aos desafios subjetivos que impõem cotidianamente aos agentes e como, na tentativa de conciliação dos diversos aspectos, o sentimento de medo se coloca como parte ou produto do processo. Nosso interesse pelo trabalho de vigilância prisional se deveu ao fato de ser esta uma função realizada na grande proximidade física e no contato direto dos agentes com os apenados, inclusive com o compartilhamento de espaço físico sem o intermédio de grades ou outros recursos limitadores.

A proposta de desenvolvimento de ações com os servidores do sistema prisional, e especificamente com os agentes penitenciários da instituição destacada, nasceu da demanda dos próprios trabalhadores que, organizados, procuraram o curso de Psicologia da Universidade solicitando a parceria, que se concretizou institucionalmente por meio de um Projeto Integrado de Pesquisa e Extensão Universitária, o que possibilitou a realização dos trabalhos que aqui relatamos, além de outros.

A procura espontânea por algum tipo de intervenção direcionada aos servidores se sustentava na identificação dos próprios trabalhadores de ocorrências individuais e coletivas de sofrimento psíquico e físico, que seriam ocasionadas pelo trabalho no contexto prisional. Segundo relatos, essas ocorrências, por vezes, se traduziam em afastamentos para tratamento da saúde, além de pedidos de desligamento da função. A partir da demanda, foi elaborada a proposta de realização de um amplo processo de trabalho exploratório e interventivo quanto às condições objetivas e subjetivas de trabalho no contexto penitenciário. Parte deste processo foi a oferta de um grupo de escuta, acolhimento e suporte psicológico para os agentes de segurança, chamado de Grupo de Conversa. O relato aqui apresentado é fruto destes momentos grupais, em diálogo com dados e análises obtidos por meio, também, dos levantamentos exploratórios.

O Grupo de Conversa aconteceu semanalmente em sala restrita dentro da instituição prisional, com duração dos encontros de aproximadamente uma hora e meia, em dia e horário fixos, tendo ocorrido ao longo de cerca de dois anos. Ao longo deste tempo de realização das atividades grupais, ocorreram algumas interrupções na frequência dos encontros por questões distintas tanto da instituição quanto acadêmicas1. Os encontros eram coordenados por uma dupla de estagiários de Psicologia do último ano da graduação, que eram supervisionados semanalmente. A cada encontro do Grupo, as anotações dos coordenadores eram registradas posteriormente em diários de campo pessoais.

Quaisquer dos agentes penitenciários da unidade prisional podiam participar dos encontros, independente da existência de queixas relacionadas à sua saúde. O perfil dos participantes era bem amplo, com agentes com idade entre 28 e 50 anos, com tempo na instituição entre 2 meses e 16 anos, vínculos temporários e efetivos; algumas mulheres agentes frequentaram, mas, principalmente, agentes homens. Assim, o grupo era homogêneo quanto ao trabalho realizado pelos participantes – agentes de segurança penitenciária atuando na vigilância prisional – e heterogêneo quanto aos elementos concretos e organizativos dos variados postos de trabalho e dos desdobramentos destes para os trabalhadores2.

Sobre a organização prática do processo grupal, foi acordado com os gestores institucionais que os agentes em plena jornada de trabalho no horário da atividade grupal teriam autorização para saírem de seus postos e participarem do encontro, desde que houvesse condições de "cobertura"3 do posto pela reorganização de outros agentes ou do chefe de segurança. Os agentes em folga no período dos encontros eram autorizados a adentrarem a instituição para a participação do grupo, além de também serem convidados e estimulados pelos coordenadores grupais a fazerem isto. Todavia, nenhum trabalhador em folga participou do encontro ao longo dos dois anos.

Enquanto enquadre, o grupo se organizava de forma aberta, permitindo que os interessados participassem de alguns dias, sem, necessariamente, se comprometerem em longo prazo com estarem nos encontros; contudo, se estivessem presentes, o acordado também era quanto à participação até o final do encontro do dia.

A forma aberta foi uma estratégia que tinha dois objetivos distintos: o primeiro, por parte dos coordenadores do grupo, a finalidade de valorizar o desejo dos trabalhadores em estarem nos encontros grupais, rompendo qualquer tipo de cobrança da gestão institucional ou dos pares do coletivo de trabalho, pressão que efetivamente ocorreu em alguns momentos do processo4. Além disso, a forma aberta foi uma importante estratégia para contornar organizadores institucionais que poderiam limitar as participações, tais como dificuldades materiais para a "cobertura" do posto de trabalho do agente interessado em estar no grupo, as jornadas de trabalho de 12 trabalhadas por 36 horas de descanso (chamada 12 por 36), que impossibilitava a presença na instituição dos mesmos trabalhadores sempre nos mesmos dias e horários semanais, entre outros.

Esta liberdade acordada do espaço grupal aberto se traduziu em um número ora mais elevado de participantes, ora mais reduzido. Entre participantes mais constantes e outros ocasionais ou pontuais, ao longo dos dois anos de sua ocorrência, os encontros grupais tinham, em média, cinco participantes, sendo que o mínimo para sua realização eram dois. Quanto ao máximo de participantes em um mesmo encontro, o grupo contou com dezessete agentes.

Os aspectos teórico e metodológico do processo grupal eram apoiados nas perspectivas da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 1992, 1993, 2004a, 2004b; Mendes, 2007; Martins, 2009; Martins & Mendes, 2012) e da Psicanálise (Käes, 1991; Enriquez, 1997), com contribuições de embasamentos grupais clínicos no campo social (Bleger, 1980; Pichon-Rivière, 1988).

O contexto grupal tinha por objetivo disponibilizar um espaço de circulação e ressignificação de experiências subjetivas relacionadas à atuação profissional no sistema prisional. Compreendendo uma inseparabilidade entre trabalhar e solicitações de engajamento da subjetividade (Dejours, 2004b), assumimos como condição fundante e analítica no processo realizado, e no relato aqui feito, que não há como produzir aproximações com as vivências subjetivas dos trabalhadores sem questionarmos os próprios processos do trabalho.

A expressão verbal e discursiva sobre as vivências subjetivas, de sofrimento ou de prazer e realização, no contexto de trabalho pode ser alcançada por métodos associativos através de formas e circunscrições várias em que as vivências conflituosas se expressam. Deste modo, um espaço grupal de circulação da palavra, de conversas e trocas de percepções e impressões pode permitir a emergência dos afetos, que propiciaria a representação do passado, da situação atual e das perspectivas futuras. Assim, a reelaboração de representações forneceria suporte à reconstituição identitária dos trabalhadores, de construção de resistências ao sofrimento e a doença, contribuindo para a manutenção da saúde mental.

Nos encontros do Grupo de Conversa, a expressão discursiva era acolhida e problematizada a partir do viés grupal e coletivo de compartilhamento de percepções e afetos, mobilizações de sentimentos de solidariedade e esforços de ruptura de sensações individualizantes, como "somente eu sinto isso" ou "somente eu passo por isso". Assim, o espaço coletivo permitiu estabelecer negociações e recriações de novas formas de perceber, sentir e viver intra e intersubjetivamente o trabalho e as relações sociais dentro dos muros da instituição prisional, mas também no extramuros. A apreensão atenta das falas e os apontamentos visavam desvelar o que estava subentendido nos discursos, em uma "escuta arriscada" (Dejours, 2004b), ou seja, uma escuta que privilegiava e analisava os vínculos que uniam os trabalhadores ao seu trabalho no contexto em que ocorriam: a instituição prisional.

Na prática da dinâmica grupal, tanto os coordenadores do grupo quanto os agentes participantes podiam propor temáticas ou questões a serem conversadas no encontro5, cabendo aos primeiros coordenar as reflexões, além de fazerem intervenções buscando problematizações quanto às relações entre as questões discutidas e os possíveis âmbitos da vida que poderiam ser afetados em variadas profundidades e complexidades. São exemplos de temáticas discutidas: condições materiais e imateriais do trabalho, identidade e reconhecimento profissional, laços de sociabilidade entre agentes e apenados e entre coletivo de agentes, conflitos e confrontações entre agentes e apenados, vivências de violência física e simbólica, sentimentos surgidos e ampliados a partir do cotidiano de trabalho, ociosidade e monotonia no cotidiano do trabalho prisional, exigências e desgastes físicos na vigilância prisional, entre outros.

 

Caracterização da instituição prisional

Para o delineamento e a problematização do sentimento de medo no trabalho na vigilância prisional, apresentamos a unidade penitenciária em que a experiência aqui apresentada se realizou. Tal unidade penitenciária em questão é estatal, podendo ser definida como uma instituição do tipo fechada, que recebe somente presos masculinos provisórios6. Esse caráter provisório também é encontrado entre os agentes de segurança penitenciária, que em sua maioria são contratados como trabalhadores temporários com contrato de dois anos após aprovação em Processo Seletivo Simplificado (PSS), período que pode ser renovado por mais dois anos, mas sem estabelecimento de vínculo estatal.

A instituição prisional em questão têm 19 anos de existência e conta com uma estrutura composta por pouco mais de 70 celas que têm capacidade para receber 288 detentos, sendo oficialmente prescrito o número máximo de 4 detentos por cela. Todavia, durante o desenvolvimento das atividades aqui relatadas, este presídio contava com, em média, cerca de 440 detentos, ou seja, por volta de 6 detentos por cela. Dados superlativos que não condiziam com aumentos proporcionais no número de agentes de segurança, que, também durante o período de realização de nossas atividades ali, contava, em média, 30 agentes penitenciários efetivos e 54 agentes com contratos provisórios, indivíduos de ambos os sexos a serem divididos pelos turnos de trabalho.

Segundo resolução do Ministério da Justiça (2009), a partir de parâmetros europeus, a proporção mínima recomendada entre agentes penitenciários e o número de detentos deve ser, em média, de até 5 presos por trabalhador (5 para 1). Todavia, no Brasil, esta proporção, em média, é de 8 apenados para cada agente (8 para 1), sendo que somente 38% das unidades penais no território nacional atendem o recomendado pela resolução (Ministério da Justiça, 2014). No Paraná, oficialmente, em média, a proporção encontrada é de 5,5 apenados para cada agente disponível (5,5 para 1) (Ministério da Justiça, 2014). Tanto na proporção nacional quanto na paranaense, o cálculo médio entre presos por trabalhador de vigilância desconsidera o sistema de turnos e plantões institucionais a que os agentes são submetidos, pois, ainda segundo o próprio Ministério da Justiça (2014), se refizermos o cálculo da proporção recomendada considerando as jornadas de 24 horas trabalhadas por 72 horas de descanso7, as exigências de disponibilidade de agentes deveriam ser quadruplicadas. Extra oficialmente, considerando licenças prêmios, afastamento por saúde, faltas, organização de turnos e outros, no estado do Paraná, a relação entre agentes e apenados chega aos alarmantes 50 presos para cada trabalhador da vigilância (50 para 1) (Portal Liderança, 2016).

Quanto à organização concreta do trabalho na instituição, os agentes de segurança penitenciária cumpriam turnos de trabalho de 12 horas trabalhadas seguidas por 36h em descanso (12 por 36). Suas atividades eram diferenciadas quanto ao sexo. Agentes homens, em sua maioria, supervisionam as celas, os blocos e corredores da instituição prisional, sendo responsáveis por manter a organização física dos apenados, gerenciando possíveis brigas e desentendimentos, ou seja, são os agentes masculinos que cuidam do interior dos pavilhões de celas e pátios. Estas funções são mais voltadas a procedimentos que envolvem força e contenção física, tornando o trabalho potencialmente mais tenso e desgastante, com considerável chance de produzir agravos à saúde do servidor, inclusive física.

As agentes femininas, em número reduzido na unidade8, eram responsáveis por supervisionar o trânsito à entrada e saída de internos, visitantes e funcionários, procedendo a revistas para identificar e coibir qualquer tipo de objeto que não fosse permitido dentro da instituição prisional, tais como substâncias psicoativas, aparelhos celulares, objetos perfurocortantes ou que potencialmente pudessem ser utilizados em fuga, entre outros. Estes tipos de trabalho são considerados menos estressantes pelo grupo e, assim, também menos danosos à saúde. Em maioria, os incômodos e sofrimentos relatados pelas servidoras no exercer de suas funções estavam relacionados a, ocasionalmente, terem que expor visitantes a situações de revista corporal, solicitando que levantassem ou retirassem suas roupas para garantir que nenhum objeto era escondido ou "grudado" ao corpo ou vestes dos visitantes, o que poderia causar conflitos e constrangimentos entre agente e visitante. Percebidas pelas trabalhadoras como desconfortáveis, formalmente, as revistas eram destinadas a impedir a entrada de objetos proibidos que pudessem trazer riscos à segurança e à ordenação do presídio (Departamento de Execução Penal, s/d).

Quanto às regras que definiam as normas de trabalho no ambiente institucional, a prescrição oficial determinava que a violência empregada pelos agentes sobre os apenados deveria ser evitada. Para manter a ordem dos presos que apresentassem comportamentos considerados desaprovados – como manter objetos não permitidos, conversar através do guiché da cela com outro preso, ou recursar-se a deixar a cela quando determinado –, os agentes poderiam aplicar processos institucionais punitivos: isolamento, suspensões de visitas e perda de regalias (como assistir televisão e desfrutar de banho de sol) (Departamento de Execução Penal, s/d).

 

Resultados e discussões: o cotidiano de trabalho em uma instituição prisional

Ao longo do período da intervenção, os relatos dos agentes de segurança penitenciária que participaram do Grupo de Escuta demonstraram diferentes aspectos de como o cotidiano de trabalho poderia afetar sua subjetividade.

Um destes aspectos era relacionado à forma como o trabalho de vigilância prisional que realizavam era visto e percebido socialmente e, por consequência, eles também, os próprios trabalhadores. Trata-se da noção de identidade enquanto resultado de uma luta de vir a ser nunca acabada totalmente, em que o trabalho se coloca como espaço fundamental para as vinculações entre sujeito individual e sujeito coletivo, em um processo constante de construção da identidade social que, no espaço do trabalho, articula subjetividade e atividade laboral (Neves, Seligmann-Silva, & Athayde, 2004).

A identidade do agente de segurança fica fragilizada ou impossibilitada quando, em muitos dos postos de trabalho na unidade prisional, os trabalhadores apontavam a monotonia e o tédio nas repetições de tarefas altamente simplificadas e pouco desafiadoras - como o abrir e fechar cadeados e celas por horas seguidas. Além disso, no contexto mais amplo da sociedade, muitos agentes apontavam a presença de processos de generalização em que se toma o todo pelas partes, replicando posturas e opiniões de ódio dirigidas ao sistema prisional e aos servidores que diariamente ali se inserem. Temos aí um jogo de impressões permeadas/nutridas pela falta de informação ou confiança quanto aos servidores prisionais – perceptível quando, a partir de frase pelos trabalhadores citada, a relação "quem trabalha com bandido, bandido também é" é proferida e reproduzida em alguns espaços públicos que associam indesejáveis (apenados) com outros indesejáveis (trabalhadores da vigilância prisional) em um jogo que articula os sentidos da função de agente penitenciário com algo desonroso, algo vergonhoso que necessita ser escondido.

A construção da identidade, no âmbito profissional, demanda a presença de reconhecimento, dos pares do coletivo de trabalho, mas também social. As associações "indesejáveis-indesejáveis" eram apontadas também pela socialmente oportuna distância física da unidade prisional do espaço da cidade – os muros da prisão somente eram vistos por quem ali fosse ou quando, por questões administrativas ou de motins ou rebeliões, a imprensa ia até o local. Um comentário recorrente era quanto aos questionamentos sobre sua profissão – em um cadastro no comércio ou na conversa com uma pessoa recém-conhecida, muitos agentes afirmavam que respondiam apenas que eram "servidores públicos" ou "profissionais da área de segurança", sem especificar sua inserção no sistema prisional; isso teria a função de evitar serem atingidos pelas construções sociais negativas direcionadas aos trabalhadores do sistema, tais como a de que seriam trabalhadores corruptíveis e prontos a se envolverem em atos ilegais.

No âmbito social, esta visão e compreensão enviesadas sobre o trabalhar no contexto prisional era apontada pelos agentes como um forte, mas não único, contribuinte para se sentirem sozinhos, isolados socialmente, abandonados dentro do sistema prisional e, consequentemente, desmotivados.

Em aprofundamento sobre como e a partir de que elementos a permanência no trabalho prisional se sustentava, alguns participantes das atividades grupais relataram, com frequência, como a urgência e aspereza das necessidades materiais da vida (compromissos financeiros com aluguel, alimentação e custos diversos da vida diária) se sobrepunham a qualquer ensaio possível de construção de outra expressividade individual, social e laboral - como o muito presente desejo de fazer um curso superior, em especial entre os agentes mais jovens, e mudar de área de atuação, realidade já alcançada por alguns trabalhadores que tinham concluído um curso superior, mas, pela estabilidade financeira do serviço público, permaneciam no sistema prisional.

Frases como "ninguém tem o sonho de ser um agente de cadeia!" apareceram em discussões sobre o descontentamento com que percebiam como desejos de realização profissional e necessidade de reconhecimento pelos coletivos do trabalho e social eram rasgados e cediam espaço ao forte apelo da remuneração, vista como muito boa. Ao mesmo tempo, muitos falavam da ânsia de buscar profissões fora do sistema prisional, mas dentro de outros sistemas e âmbitos da segurança pública – como a Polícia Civil e a Polícia Federal, áreas vistas como mais valorizadas pela sociedade do que o Sistema Penitenciário. Todavia, os agentes admitiam que conseguir articular e concretizar isto – organizar o tempo e a vida para estudarem para concursos muito concorridos – era uma realidade bem difícil de ser alcançada. Tanto que, ao longo do período de nossas atividades, nenhum agente efetivo pediu desligamento e saiu da instituição nestas condições. Os desligados registrados foram pelo fim do contrato de trabalho temporário sem possibilidade de renovação – 22 agentes durante o período de nossos trabalhos na instituição saíram devido ao fim do contrato, já os que voluntariamente pediram desligamento do Sistema foram, no total, sete (7) agentes temporários e um (1) agente efetivo. Aos que solicitaram o desligamento não tivemos acesso para sabermos informações dos trabalhadores sobre o porquê das decisões.

Os agentes efetivos, que testemunham as passagens de outros trabalhadores, confessaram que o "entra e sai" de trabalhadores na vigilância prisional impõe, aos que permanecem, um leque de exigências de readaptação a novos parceiros de jornadas de atividades, o que é acompanhado de receios quanto ao crescimento real da vulnerabilidade coletiva pela inserção dos novos contratados que, mesmo com a realização de treinamento técnico obrigatório, não apresentam o que os agentes chamam de "traquejo" do trabalho ou "conhecimento de prisão" – possuem conhecimento teórico, mas não vivencial do cotidiano de trabalho no contexto prisional, que somente poderia advir da observação e da experimentação direta do presídio. O conhecimento teórico da prisão gerava medo e angústia extras nas longas jornadas de trabalho nos servidores remanescentes – em especial, nas jornadas noturnas –, já que, em situações de enfrentamento corporal entre agentes e apenados ou de quebras de segurança9 como motins e rebeliões, os agentes de segurança devem, na medida do possível, se protegerem fisicamente de forma mútua. Dependendo do número de trabalhadores sem "traquejo" no turno de trabalho, esta proteção coletiva fica gravemente comprometida.

Além de ser caracteristicamente uma unidade penal para presos provisórios, a instituição em que se realizou o Grupo de Escuta que aqui relatamos convivia com um "sistema de passagem" muito presente na vigilância prisional paranaense (Augusto, 2014; Felizardo, 2016; Santiago et al., 2017). Era o trânsito – a cada dois ou quatro anos – de servidores temporários entre o total de agentes penitenciários efetivos da unidade. Ao longo do processo grupal, o total de trabalhadores temporários variou, por diferentes questões institucionais, entre 32 e 38, em um total de mais de 90 agentes.

Dados da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJU) de agosto de 201410 (Augusto, 2014) afirmavam haver, naquele momento, mais de mil funcionários temporários atuando no sistema penitenciário paranaense. Trabalhadores que estavam alocados em funções diversas, como agente de cadeia, agente de monitoramento, além de também atuarem em posições administrativas. Já em dados de 2016 (Portal Liderança, 2016), constavam 3.289 agentes penitenciários temporários em todo o Paraná.

A presença de servidores temporários em postos de vigilância prisional representa, segundo os servidores, um acréscimo para a já elevada tensão interna da rotina de trabalho, pois os agentes temporários são responsáveis pelas mesmas atividades técnicas que os agentes efetivos, mas contam com preparação para a função mais reduzida, sendo ela basicamente teórica e realizada intensivamente durante cerca de apenas três dias. Além disso, os temporários contavam com salários bem menores, que, em média, representavam metade da remuneração total de um agente efetivo (Augusto, 2014; Felizardo, 2016). Em um perverso desenho de uma hierarquia de precarização das condições de trabalho na instituição prisional, os agentes temporários são exemplos claros de trabalhadores em condições e vínculos ainda mais precarizados que os agentes efetivos, isto tudo em um contexto e coletivo de trabalho já altamente precários.

Assim como muitas das instituições prisionais do Brasil, a unidade retratada também passava por diversas dificuldades materiais que tornavam as regras prescritas desatualizadas em comparação com a realidade carcerária do país (Ministério da Justiça, 2014). Durante todo o período de nossas atividades na instituição, ela apresentou superlotação, com um maior número de presos por cela do que a capacidade oficialmente orientada, sem o proporcional aumento de agentes de segurança, como seria necessário. Isso ocasionava, ou agravava, segundo os trabalhadores, além das dificuldades numéricas, também desafios qualitativos ao cumprimento das atividades, bem como, quanto ao cada vez mais constante uso de quebra galhos como acertos informais na rotina de trabalho para tornar real o prescrito. Realidade cotidiana de ausência ou escassez de equipamentos de proteção como uniformes, botas e rádios de comunicação interna, o que impunha dificuldades e ajustes dos trabalhadores para conseguirem realizar as tarefas determinadas. Dificuldades essas que poderiam ser agravadas pela insuficiência dos treinamentos técnicos de vigilância e atuação dos agentes em episódios de conflitos e confrontos com ou entre apenados para o restabelecimento da ordem – os agentes qualificavam que os poucos treinamentos existentes eram muito teóricos e pouco práticos, além de serem considerados pelos trabalhadores como de pouca aderência com a realidade institucional cotidiana.

Em muitas falas grupais, os agentes destacavam a falibilidade da proposta de reinserção social, sendo esta um dos principais objetivos do sistema prisional brasileiro. Relatavam como não viam mudanças produzidas pelo encarceramento nas condutas dos apenados, pelo contrário, a clausura os deixaria ainda mais violentos e suscetíveis à reincidência criminal, que no Brasil é da faixa de 70% (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2015). Desta forma, o valor social e o sentido que os agentes atribuíam ao próprio trabalho sofriam de uma fragilidade fundamentada na percepção de falta de sentido das atividades realizadas, o que acarretaria o acometimento ou agravamento de vivências de sofrimento relacionadas ao trabalho, além da impossibilidade de construir e dar manutenção a uma identidade profissional positiva do ponto de vista da manutenção da subjetividade, em que o que se realiza se esvazia em sentido e possibilidade com muita facilidade.

Uma constância no cotidiano de trabalho na vigilância prisional, segundo os servidores, era a presença da violência. Apenados que agrediam verbal e fisicamente outros apenados, mas também os agentes de segurança. Poucos (apenas dois), mas significativos, foram os relatos nos encontros de agentes mantidos reféns em motins em anos anteriores. Em ambos os casos, por poucos minutos de cativeiro. As histórias sobre serem reféns, repetidas com o rigor dos detalhes, eram de disputas agressivas, seguidas pela submissão por parte dos agentes às ordens dos apenados como medida de, ao indicar obediência, minimizar possíveis ocorrências de ferimentos, além de conter o medo de aniquilamento físico e subjetivo. Mantidos em cativeiro nas celas, os trabalhadores viraram moeda de negociação e troca, mas antes, era ali, no espaço restrito entre os beliches, que os apenados descontavam raiva e frustração, se vingando com chutes e tapas no rosto do agente – este último gesto classificado como de grande impacto para a dignidade do trabalhador de segurança. Aos feitos reféns restou o retorno ao trabalho de vigilância no próximo turno institucional após a libertação, salvo se tivessem fisicamente ficado feridos, o que não ocorreu nas situações relatadas. Nenhum suporte profissional – psicológico ou psiquiátrico – era ofertado pelo Estado para ajudar a lidar com a intensa experiência vivida, postura estatal classificada pelos trabalhadores como de abandono.

Mais do que uma vivência, a presença da violência no presídio impõe, aos trabalhadores, uma convivência que requer ser aprendida. Essa convivência faz com que se gere certa dessensibilização – nome dado pelos agentes –, fazendo com que a violência seja percebida como natural no intramuros institucional, ou seja, como parte inerente do sistema e a respeito do qual pouco se pode fazer. Sejam direcionadas ou presenciadas pelos trabalhadores, essas formas de violência são de empurrões, socos, embates físicos, xingamentos e ameaças de ferimentos futuros, alimentando a percepção de que a relação entre apenados e agentes penitenciários se sustenta em um antagonismo que os aproxima, ao mesmo tempo em que os afasta – os trabalhadores afirmam, em uma clausura compartilhada, passarem mais horas do dia com os prisioneiros do que com qualquer outra pessoa de suas relações.

A dessensibilização, com relação à violência vivida ou presenciada, era confessada pelos trabalhadores como algo que lentamente adentra e adere às suas subjetividades, levando a uma falta da capacidade de sentir. Muitos agentes, após anos de inserção no contexto prisional, diziam se perceber mais rígidos e distantes, tanto no relacionamento social, de forma abrangente, quanto nos íntimos espaços familiares e de amizade - como retratado pela frase repetida em mais de uma vez, por mais de um dos servidores, de que após entrarem no sistema prisional se tornaram uma pessoa mais fria.

As relações conflitivas entre agentes e apenados se expressam também no modo como os segundos acreditavam serem percebidos pelos primeiros: como representantes da punição, como "carrascos", ou seja, figuras que personificavam os braços estatais do castigo judiciário que se realizava e atualizava em cada encontro enclausurado entre agente-apenado e em cada jornada de trabalho dos servidores. Ser visto como carrasco, segundo relatado nos grupos, localizava, ao nosso ver, o cerne da conturbada relação agente-apenado, que é envolta em sentimentos de ódio mútuo, tornando o ambiente de trabalho ainda mais ameaçador e desgastante objetiva e subjetivamente.

Muitos agentes apontavam como que, através de posturas suspeitas, podiam identificar apenados que estariam utilizando "técnicas" de estabelecimento de laços de amizade, parceria e solidariedade interessada fundamentados no fato de estarem "todos no mesmo barco". Em contrapartida, discursos de ameaças claras ou veladas também eram constantes. Ambos, amizades interessadas e ameaças disparadas eram alimentos para o antagonismo apenados-agentes.

Mesmo não tendo sido reféns, a maioria dos trabalhadores relatavam variadas histórias de embates físicos com os apenados, que resultavam em hematomas e lesões graves, gerando riscos e temores para os agentes e mantendo no ambiente dos pavilhões um clima de um vir a ser violento, que poderia surgir, inesperadamente, de qualquer lugar, o que causa ansiedade e suspeição constante, agravadas pelas possibilidades de falhas organizativas e operacionais que se intensificavam devido à superlotação – com a superlotação, a contagem e acompanhamento dos presos para a saída das celas para o pátio de sol e vice e versa poderia se tornar um desafio logístico, devido à muito elevada desproporcionalidade entre agentes e apenados, como discutido anteriormente.

 

Considerações finais: a dimensão do medo no trabalho prisional

O relato do processo de intervenção grupal realizado em uma instituição prisional é uma oportunidade de dar voz e visibilidade ao cotidiano de trabalho dos agentes de segurança penitenciária.

A partir da reflexão das falas e relatos destes sujeitos, acessados pelo espaço grupal, foi possível identificar vários aspectos de como a instituição prisional produz impactos consideráveis na subjetividade daqueles que ali trabalham, em especial, na função de vigilância prisional. As condições que delineamos são cotidianas, ou seja, não são exceções, e refletem os vínculos complexos e contraditórios entre sujeitos trabalhadores e instituição.

Esses impactos sobre a subjetividade dos trabalhadores são, como detalhamos, a forma como os trabalhadores acreditam serem vistos negativamente pela sociedade a partir do trabalho que realizam, sendo associados à criminalidade em duas facetas: "quem cuida de bandido, bandido também é" e, em um contexto de muitos sujeitos que cometeram transgressões, facilmente corruptíveis eles se tornariam. Associações estas que causam uma dificuldade em se delinear uma identidade positiva pessoal e profissional.

São os movimentos da transitoriedade de servidores, em especial os temporários que possuem vínculo de trabalho limitado temporalmente, que, com seu precário preparo técnico, contribuem para a percepção nos demais agentes de fragilização dos laços coletivos de apoio e confiança entre os trabalhadores, inclusive como medida de resistência e força concreta para intervenção e enfrentamento das quebras de segurança institucional. A convivência com a violência física, verbal e psicológica, que produziria um congelamento na capacidade de sentir, leva a uma dessensibilização, denunciada pelos trabalhadores como algo que sai da instituição e invade as relações extramuros da prisão. Há o esvaziamento e, por vezes, inexistência de qualquer sentido que pudesse ser construído na realização do trabalho, seja pela elevada reincidência dos apenados no sistema prisional brasileiro, seja pela monotonia e ociosidade nas longas jornadas intramuros, que são permeadas de movimentos de suspeição incentivados e atuantes institucionalmente, mas que se reproduzem também subjetivamente.

Os dados apresentados demonstram o quão intensas podem ser as vivências objetivas e subjetivas do agente penitenciário no contexto prisional. Em um cotidiano de normas e exigências, muito pequeno é o espaço disponível para o improviso e a criação a partir de qualquer singularidade que pudesse ser acionada na realização de tarefas que, de forma muito constante, esgarçava a subjetividade na tentativa de alcançar e manter o que era prescrito e, neste processo, se manter distante do sofrimento psíquico. Sofrimento, no contexto de trabalho, entendido como o espaço situado entre, de um lado, o bem-estar e, de outro, a doença mental, a loucura (Dejours, 1992).

Em nossa inserção no contexto prisional e oferta do espaço grupal, não tínhamos o sentimento de medo como foco inicial de análise ou problematização. Todavia, nos desdobramentos do processo com os agentes penitenciários, tal temática se fez constantemente presente de forma indireta; somente posteriormente – após meses de nossa presença semanal na instituição – esse sentimento passou a ser claramente indicado e nomeado. Às vezes, como desabafo ao final de um relato, às vezes como algo que se admite para, logo na sequência, tentar afastar. Mas, quase sempre, o sentimento de medo surgia como algo permeado de vergonha, cercado de justificativas como se fosse preciso se desculpar.

No jogo entre medo e vergonha se constitui um dos elementos estruturais do que Dejours (1999) chamou de "ideologia da vergonha". Como construção coletiva, a ideologia da vergonha presta-se a eufemizar a percepção do sofrimento nos indivíduos e no grupo como um todo, dilatando o limite subjetivo de suportar o contexto adoecedor, colocando em risco a saúde física e psicológica dos trabalhadores.

Se, como afirmado por Dejours (1992), o medo advém da percepção dos riscos à integridade física do trabalhador, não podemos ceder e permitir que a dificuldade do enfrentamento leve a se minimizar a existência do sentimento de medo, cercando-o sob os limites de ser uma problemática da ordem da subjetividade dos sujeitos trabalhadores sem qualquer relação com o contexto de trabalho. No trabalho do agente penitenciário na vigilância prisional, mostramos como os riscos no cotidiano do trabalho intramuros são reais, complexos e persistentes, e não fantasiosos ou exagerados, como comprovam os relatos acima.

No âmbito institucional, compreendemos que o sentimento de medo é resultado das formas de organização e funcionamento prisional que enclausura e sujeita tanto os apenados quanto os trabalhadores, de ambos solapando corpos e subjetividades.

Concluímos desejando que estas páginas sejam alimento para o escopo de ações práticas direcionadas aos servidores do sistema penitenciário.

 

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Endereço para correspondência
ensantiagobr@yahoo.com.br, pedro_zanola@hotmail.com, renato.shoiti@hotmail.com, iurimuller@bol.com.br

Recebido em: 27/01/2017
Revisado em: 09/07/2017
Aprovado em: 14/07/2017

 

 

1 Ao longo do processo aqui descrito ocorreram pausas mais longas e previamente acordadas, como durante os recessos acadêmicos nos fins e meios de ano, mas também interrupções pontuais, que, apesar de acontecerem com relativa frequência, não tinham como serem antecipadas. Elas eram devido às ocorrências internas à instituição prisional (tais como revistas surpresa às celas, previsão ou chegada e saída de novos apenados no período, entre outros). Nestas situações, por procedimentos de manutenção de segurança, a entrada de externos, entre estes os estagiários, ficava impedida. Avaliamos que tais interrupções não impactaram os trabalhos realizados; por isso, não são considerados nas análises.
2 O curto espaço destas páginas não permitirá nos aprofundarmos na apresentação e discussão quanto à diversidade e exigência objetiva e subjetiva dos variados postos de trabalho de vigilância prisional em uma unidade penal. Aos interessados, recomendamos o estudo "O trabalho do agente penitenciário na vigilância prisional: um estudo exploratório a partir das contribuições do ponto de vista da atividade" (Santiago, Silva-Roosli, & Di Osti, 2017).
3 A condição, ou não, de "cobertura" do posto de trabalho para ausência temporária do agente de segurança podia ser variável em função de outros aspectos, tais como trabalhadores ausentes no turno com atestados diversos ou afastados por questões de saúde ou administrativas, reorganização internados/agentes em função de chegada ou saída de apenados, entre outros.
4 Apesar de constantemente descontruídas pelos coordenadores do processo, foram relativamente presentes compreensões várias que, direta ou indiretamente, produziam formas de pressão para participação nos encontros grupais de alguns trabalhadores, independente de suas vontades. Entre estas compreensões estava a que tentava articular uma suposta maior necessidade de participação de quem "precisava mais" entre os agentes (com vivências de sofrimento mais visíveis ou, pela compreensão dos pares, mais agravadas).
5 Concretamente, as proposições feitas pelos coordenadores do grupo ocorreram de forma mais frequente no início dos trabalhos grupais, se tornando bem inconstantes e raros conforme o avanço no tempo nos cerca de dois anos de processo. Em análise, compreendemos essa diminuição da frequência de proposição de temáticas como um resultado do estabelecimento de vínculo entre participantes e coordenadores do grupo.
6 São denominados "presos provisórios" as pessoas que foram acusadas de um crime e, por especificidades jurídicas, estão aguardando julgamento em instituição fechada.
7 Padrão de turno de trabalho mais frequente no sistema penitenciário brasileiro (Ministério da Justiça, 2014).
8 Tanto o número de agentes masculinos quanto femininas na unidade penal variou ao longo do período em que realizamos nossos trabalhos na instituição. Em média, foram em torno de 8 a 10 agentes femininas e cerca de 85 agentes masculinos.
9 São chamadas de "quebra de segurança" ou "quebras de procedimento de segurança" as alterações ou desobediência das normas e rotinas institucionais estabelecidas como medida obrigatória de segurança. Os exemplos mais comuns desta "quebra de segurança" são os motins e as rebeliões entre apenados.
10 Esclarecemos que o ano de 2014 compreende o período em que as atividades aqui relatadas ocorreram.

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