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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

Print version ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.20 no.1 São Paulo Jan./June 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS/ORIGINAL ARTICLES

 

Modo de produção flexível, terceirização e precariedade subjetiva

 

Flexible mode of production, outsourcing and subjective precariousness

 

 

Fernando Gastal de Castro1; Melina Alvarez2; Rodrigo Luz3

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ)

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é sustentar a hipótese de uma precariedade subjetiva como face fundamental do fenômeno da terceirização. Para isso, primeiramente foi desenvolvido o argumento de que o fenômeno da terceirização precisa ser compreendido como parte de um processo histórico mais amplo, caracterizado pela transformação do modo de produção fordista no de produção flexível. Numa segunda parte, analisou-se o fenômeno da terceirização em um setor específico do mundo do trabalho, qual seja, dos trabalhadores de telemarketing e call center ou, como serão chamados, dos teleatendentes. Para isso foi realizada revisão bibliográfica de livros e artigos, bem como de uma análise documental com base nos arquivos do Departamento de Saúde do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro (Sinttel Rio) e em dados da Previdência Social do Brasil. Visa-se nesse momento compreender a lógica de funcionamento das empresas terceirizadas desse setor, assim como as relações entre trabalho e adoecimento, próprias desse campo de atividade. Por fim, numa última parte, foram analisadas relações existentes entre terceirização e precariedade subjetiva, que se evidencia, conforme nossa análise, pela fragmentação dos laços sociais, pelo crescimento do assédio moral, pelo medo da exclusão, pela extrema vigilância, pela falta de autonomia, pelo individualismo competitivo e pela impotência.

Palavras-chave: Terceirização, Precariedade subjetiva, Teleatendimento.


ABSTRACT

The purpose of this article is to support the hypothesis of a subjective precariousness as the main side of the outsourcing phenomenon. To do this, firstly we developed the argument that the outsourcing phenomenon should be analyzed as part of a larger historical process, characterized by the transformation of the Fordist mode of production into the flexible one. In the second part, we presented an analysis of the outsourcing phenomenon in a specific sector of the labor market, which is the telemarketing and call center operators, or as we call, the telemarketers. In order to do this, we performed a literature review of books and articles, as well as a documentary analysis based on the files of the Health Department of the Telecommunications Laborer's Union from Rio de Janeiro (Sinttel-Rio) and on data from the Brazilian Social Security database. In this part, we aimed to understand the operating logic of the outsourced companies in this sector, and the relation between work and illness, typical of this field of activity. In the last part, we analyzed the correspondence between outsourcing and subjective insecurity, which according to our analysis is evident in fragmentation of social bonds, growth of psychological harassment, fear of exclusion, extreme vigilance, lack of autonomy, competitive individualism and impotence.

Keywords: Outsourcing, Subjective precariousness, Call center.


 

 

Terceirização e mundo do trabalho na atualidade

Terceirização, subcontratação, outsourcing, externalização da mão de obra e descentralização produtiva são nomes diferentes que, no essencial, designam um mesmo fenômeno, o emprego de terceiros por um contratante para a realização de parte de suas atividades (Giorgi & Loguercio, 2014). Segundo recente sondagem realizada pela Confederação Nacional da Indústria (Central Única dos Trabalhadores, 2014), a razão mais importante que conduz as empresas a realizar esse processo consiste na redução de custos. É esse o aspecto central que permite compreender o forte crescimento da terceirização nos últimos anos e que tem levado sociólogos a falar do fenômeno em termos de uma "nova epidemia" que vem disseminando-se pelo mundo do trabalho nas últimas décadas (Antunes & Druck, 2014).

Um dos aspectos importantes desse crescimento da terceirização refere-se às transformações do modo de produção fordista, dominante no mundo industrializado até meados dos anos 1970, para um modo de produção flexível (Harvey, 1992). Passa-se, desde então, a desenvolver uma estrutura de produção flexível, com uma desconcentração produtiva baseada em uma empresa central e uma infinidade de subcontratadas. A empresa Toyota, por exemplo, passou a empregar de 10% a 15% da mão de obra em sua usina de montagem, sendo esta o topo de uma estrutura piramidal (keiretsu) que vem acompanhada de um total de 45.000 empresas subcontratadas: 170 ditas de primeiro time, 5.000 de segundo (que fornecessem peças e serviços às primeiras) e cerca de 40.000 de terceiro nível (Gorz, 1997). Segundo Gorz (1997), considerando ainda o exemplo da Toyota, entre as subcontratadas de primeira linha, informatizadas e robotizadas, empregam-se entre 100 a 500 pessoas, os salários são 25% inferiores àqueles pagos pela firma-mãe. Entre as subcontratadas com menos de 100 assalariados, os salários são 45% inferiores e, às vezes, ainda mais baixos, para um trabalho precário, irregular e pago por peça (p. 59).

Com essa descentralização produtiva, uma série de outras flexibilizações se tornam necessárias na transformação para um modo de produção flexível e permitem, por sua vez, melhor compreender o grande crescimento do trabalho terceirizado no Brasil e no mundo. Uma delas diz respeito à flexibilização da legislação concernente às formas de contrato de trabalho, visando legalizar o trabalho temporário e a subcontratação, de maneira a tornar a empresa central mais enxuta (lean production) e o custo da mão de obra mais barato. O exemplo do partido conservador inglês mostra-se paradigmático nesse sentido. Margaret Thatcher, ao chegar ao poder em 1979, implementou uma série de reformas liberais em oposição à política trabalhista até então predominante no país. Como principais pontos dessa transformação do mercado de trabalho observou-se: privatização de praticamente todas as empresas estatais; legislação fortemente desregulamentadora das condições de trabalho e flexibilizadora dos direitos sociais; e, por fim, aprovação de medidas pelo Parlamento para coibir a atuação sindical, visando destruir a forte base fabril dos shop stewards (organização nos locais de trabalho), base institucional do Trades Union Congress (TUC) e do Labor Party (Antunes, 1999).

Além dessas medidas que flexibilizam o mercado de trabalho e viabilizam a descentralização produtiva, cabe citar ainda dois outros aspectos do novo modo de produção que se tornaram imperativos no mundo do trabalho: flexibilização do salário em função de bônus e ganhos extras por metas produtivas e flexibilização da atividade, levando as organizações a exigirem, cada vez mais, um trabalhador polivalente, adaptável e envolvido subjetivamente com a empresa (Antunes & Druck, 2014). Novamente aqui nos referimos a um importante fato histórico que nos ajuda a compreender essas duas outras características fundamentais do novo modo de produção que se hegemoniza. Com a publicação, em 1981, de Excelência acima de tudo, de Tom Peters e Nancy Austin, uma nova individualidade produtiva torna-se cada vez mais comum e disseminada no mundo do trabalho. Trata-se do novo modelo de não apenas fazer bem seu trabalho, mas de fazê-lo melhor do que os outros, cada vez mais rápido e de ser fora do comum:

buscar a excelência é querer ultrapassar a si mesmo e aos outros, como um alpinista que busca o pico mais alto, como um atleta que quer bater seu próprio recorde [. . .] esta excelência que se traduz por uma conquista pessoal, mostra-se a imagem de nossa sociedade e do individualismo que a caracteriza. (Aubert & Gaulejac, 1991, p. 74)

Ser excelente passa, então, a ser sinônimo de indivíduo ativo, impregnado pelos valores de ser o melhor e de estar apto a concorrer com os demais, um ser determinado a não fraquejar e a vencer as exigências de adaptabilidade permanente (Aubert & Gaulejac, 1991). Enfim, para compreendermos o crescimento da terceirização e suas consequências, é preciso situá-la como um fenômeno característico de nosso atual tempo histórico, engendrado, por sua vez, por uma grande transformação do modo de produção, no qual passa a predominar descentralização produtiva, flexibilização neoliberal do mercado de trabalho e nova ideia de individualidade produtiva baseada em individualismo competitivo permeado pelo valor da excelência.

A raiz histórica desse novo modo de produção que hoje mostra-se hegemônico no mundo industrializado encontra-se na citada Toyota, quando realiza na década de 1960 sua reestruturação produtiva. O engenheiro Taiichi Ohno concebe uma nova forma de produção diretamente vinculada à demanda (sistema just in time), um sistema horizontalizado e composto por uma empresa-mãe, um conjunto de fornecedores de peças e serviços e um trabalho em equipe com trabalhadores multifuncionais capazes de operar várias máquinas e funções simultaneamente e, ainda, realizarem o controle de qualidade (Antunes, 1999). Segundo Antunes e Druck (2014, p. 15), "enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada em seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% dela e a terceirização e a subcontratação passam a ser central na estratégia patronal".

Segundo dados de um estudo realizado por Pochmann (Central Única dos Trabalhadores, 2014), a população trabalhadora mundial correspondia, em 2006, a 2,4 bilhões, sendo 16% desses trabalhadores subcontratados. Estima-se atualmente que no Brasil existam entre 12 e 13 milhões de terceirizados, o que representa em torno de 25% da população formalmente empregada e põe nosso país em segundo colocado no ranking mundial de contratação por meio dessa modalidade (Central Única dos Trabalhadores, 2014). Quando particularmente observamos as características do fenômeno da terceirização no Brasil, um fato torna-se evidente: a precarização.4 Em termos de salário, os trabalhadores de empresas terceirizadas recebem um rendimento em média 24,7% menor do que aqueles diretamente contratados (Central Única dos Trabalhadores & Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014). No que se refere à jornada semanal, os terceirizados trabalham em média 43 horas, três horas a mais do que aqueles diretamente contratados, o que equivale a uma diferença de 7,5% a mais na carga horária semanal. A grande parte dos trabalhadores terceirizados (68,5%) recebe até três salários mínimos, revelando que a grande massa dessa categoria encontra-se situada na faixa mais baixa de empregabilidade. Outra característica do fenômeno da terceirização no Brasil é a alta rotatividade, na qual podemos encontrar um tempo médio de permanência no emprego dos diretamente contratados em torno de cinco e oito anos, enquanto para os terceirizados esse tempo diminui para dois e sete anos.

Além de terem um salário menor, uma carga horária maior e um menor tempo de permanência no emprego, os trabalhadores terceirizados também estão mais sujeitos a maior número de calotes, não cumprimento da legislação vigente e maior risco de acidentes fatais. Os calotes têm ocorrido principalmente ao final dos contratos de prestação de serviços, sendo comum o desaparecimento da empresa sem o devido pagamento das remunerações e obrigações trabalhistas (Central Única dos Trabalhadores, 2014). Com relação aos acidentes fatais, é ilustrativo o diagnóstico feito pelo procurador José Lima, coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho: "o terceirizado é um trabalhador invisível para a sociedade: não recebe o mesmo treinamento; não tem cobrança para o uso de EPI e não ganha o mesmo que um empregado direto, exercendo a mesma função" (Central Única dos Trabalhadores, 2014, p. 24). Três exemplos são significativos desse maior risco dos trabalhadores terceirizados: no setor elétrico a maioria dos acidentes fatais (62%) está relacionada a algum tipo de precariedade no exercício da atividade, como falta de equipamento de proteção e treinamentos. De maneira que, dos 79 acidentes fatais ocorridos no setor em 2011, 61 foram com trabalhadores terceirizados e 18 com funcionários da própria empresa. Já no setor petrolífero, o número de terceirizados cresceu 2,3 vezes de 2005 para 2012, correspondendo a um crescimento do número de acidentes no mesmo período de 12,9 vezes. Na Petrobras, dos 99 acidentes fatais que ocorreram no período referido, 85 envolveram trabalhadores terceirizados. E, por fim, no setor de papel e celulose, a empresa Klabin apresentou um percentual de acidentes com terceirizados praticamente 50% mais elevado do que com aqueles diretamente contratados. Um último elemento que cabe ressaltar como significativo da precarização dos trabalhadores terceirizados no Brasil diz respeito à questão do trabalho escravo. Segundo Figueiras5 e Dutra (2014, p. 26), "há fortes indícios de que a terceirização e o trabalho análogo ao escravo não simplesmente caminham lado a lado, mas estão intimamente relacionados". Dados do Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que, nos dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil, entre 2010 e 2013, 90% dos casos tratavam-se de trabalhadores terceirizados (Central Única dos Trabalhadores & Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014). Recentemente o Brasil conheceu diversos flagrantes do MTE e da Polícia Federal em pequenas oficinas que prestavam serviço às marcas Zara, Pernambucanas, C&A, Marisa e Renner (Repórter Brasil, 2012). Tais marcas terceirizavam grande parte de sua produção por meio de pequenas oficinas de costura. Os flagrantes revelaram funcionários trabalhando em condições análogas à escravidão que segundo Sakamoto (Repórter Brasil, 2012): "Para cortar custos, as empresas começam a cortar direitos do trabalhador e a pagar menos, até o ponto em que você tira a dignidade do trabalhador. É nesse momento que você pode cruzar a linha da escravidão".

Mal remunerados, instáveis, superexplorados, fragilizados e sujeitos a um maior risco de acidentes, eis o que podemos traçar como quadro da terceirização no Brasil. Fruto de uma profunda transformação histórica mundial dos modos de produção, o fenômeno da terceirização, portanto, precisa ser compreendido como elemento dentro de um conjunto maior que o abarca e no qual se torna peça-chave. Terceirização de produção e serviços, com todas as características de precarização que a acompanha, não pode ser compreendida como um fato isolado, desconectado da complexidade do tempo histórico atual na qual está inserida e a partir do qual ganha sentido. Mostra-se fundamental, desse modo, que a precarização do trabalho terceirizado seja conectada desde sua raiz com a descentralização produtiva oriunda do modelo Toyota de produção que, por sua vez, relaciona-se às flexibilizações neoliberais do mercado de trabalho e à ideia de uma nova individualidade produtiva. Na sequência deste artigo, apresentaremos e analisaremos um caso específico, o dos trabalhadores do setor de telemarketing e call center, os chamados teleatendentes. Buscaremos primeiramente expor a lógica de funcionamento do trabalho das empresas terceirizadas desse setor e suas formas de adoecimento e precarização que lhe são correspondentes, o que nos permitirá, num momento seguinte, tratar do fenômeno da terceirização não somente em sua dimensão de precarização objetiva, como também subjetiva.

Nossa metodologia consistiu em, num primeiro momento, analisar a bibliografia dos últimos cinco anos presente nas bases de dados PsycINFO, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico, bem como relatórios sobre o fenômeno da terceirização realizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em seguida, consultamos o site da Previdência Social do Brasil e procedemos à análise das informações concernentes ao Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) relativas à ocupação dos trabalhadores em telecomunicações e centrais de atendimentos. Por fim, consultamos e analisamos as Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) e os documentos sobre saúde ocupacional dos anos de 2014-2015 contidas no Departamento de Saúde do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro (Sinttel Rio). Tal levantamento de dados ocorreu no período de março de 2014 a novembro de 2015.

 

O setor de telecomunicações e a terceirização

A terceirização do trabalho dos teleatendentes no Brasil encontra-se estreitamente relacionada à privatização das empresas estatais ocorrida em 1998. Após o processo de privatização do sistema Telebras, a empresa Oi, por exemplo, tornou-se a maior do país, terceirizando de imediato todo o conjunto de suas atividades operacionais e de teleatendimento que passaram, de acordo com o Dieese (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2014), a ter maior jornada de trabalho, maior rotatividade, menores salários e maiores riscos relativos à saúde.

Atualmente, o setor de teleatendimento no Brasil conta com cerca de 1,4 milhão de trabalhadores, sendo 550 mil desses terceirizados. Conforme reportagem recente da revista Interativa (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015), é possível observar desrespeito aos direitos trabalhistas, assédio moral, baixos salários e péssimas condições de trabalho como práticas comuns a que estão sujeitos aqueles que trabalham nesse setor. A privatização da Telesp, por exemplo, reduziu o número de funcionários de 45 mil para 8 mil em dois anos, passando a terceirizar grande parte tanto de suas atividades-meio como de suas atividades-fim e ocasionando, da mesma maneira, ampliação da jornada de trabalho, intensificação do ritmo das atividades, diminuição das perspectivas de ascensão na empresa e queda dos níveis salariais (Larangeira, 2003).

É interessante notar como o perfil dos trabalhadores recrutados e treinados para a atividade de teleatendimento também ganhou nova forma. Passou-se a buscar, em conformidade com a nova individualidade produtiva presente no empresariado mundial, um perfil de trabalhador competitivo, proativo, rápido, ágil e envolvido subjetivamente a fim de conseguir acompanhar as altas demandas tecnológicas e comunicacionais. Enfim, observamos aqui como as exigências toyotistas de um trabalhador flexível, permeado pelas ideias de excelência e adesão à empresa, mostram-se presentes e produtivamente eficazes.

Além dessa transformação para um modo de produção toyotista, observa-se também aquilo que paradoxalmente podemos denominar de hipertaylorização da atividade. O layout e a disposição das mesas de trabalho são organizados em ilhas (os postos de atendimentos – PA) de maneira a facilitar a vigilância dos operadores pelos supervisores e a mecanização das tarefas. O trabalho prescrito é composto por um tempo médio de atendimento que deve ser respeitado rigorosamente (em torno de 4 minutos, em média), um script estritamente rígido que organiza o que dizer e não dizer, altas metas a alcançar calculadas pelo monitoramento eletrônico das quais depende a maior parte do salário e, por fim, um alto grau de vigilância eletrônica. Em suma, podemos dizer que o trabalho dos teleatendentes é composto por um alto rigor prescritivo, fortes metas e por uma extrema vigilância que impedem qualquer possibilidade de autonomia. Conforme revela um funcionário de uma empresa terceirizada:

hoje o tronco é o próprio PA (posto de atendimento) [. . .] de onde, após sentar, o trabalhador só pode sair com autorização do chefe que controla todos seus movimentos exigindo mais e mais produção e a superação de metas absurdas, tal como um feitor. (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015, p. 9)

De acordo com o Portal G1 (Cavallini, 2012), os teleatendentes recebem entre 40 e 130 ligações por dia, evidenciando como a sobrecarga, a mecanização e o extremo controle reduzem ao mínimo a margem de manobra daqueles que trabalham. O relato de um operador mostra-se expressivo dessa falta de autonomia:

eu me apresentava, ele falava o problema, havia oito sistemas abertos na minha tela que eu tinha que checar para resolver o caso dele. Porém se ficasse 30 minutos com esse cliente, nos próximos atendimentos teria que diminuir o tempo para 3 ou 4 minutos, para compensar no final do dia o tempo que fiquei com o cliente de meia hora. (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015, p. 9)

Além dessa junção entre um sistema toyotista, que tende à externalização da mão de obra e fomenta a adesão subjetiva de seus trabalhadores com um sistema hipertaylorizado que prescreve e monitora de forma imperiosa toda e qualquer atividade, encontramos ainda nas empresas terceirizadas do setor uma precariedade das condições de trabalho bastante acentuada.

Em janeiro de 2015 inspetores do MTE interditaram a sede da empresa Contax em Recife, uma das maiores empresas de terceirização de teleatendimento do Brasil. Os inspetores comprovaram a existência de práticas de assédio moral por parte dos supervisores e coordenadores, más condições de trabalho que incluíam falta de higiene, de equipamentos adequados, além de proibições excessivas que impediam os operadores de saírem de seus postos de atendimentos para irem ao banheiro ou beberem água (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015, p. 12). Segundo Cristina Serrano, auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Pernambuco (SRTE-PE), "a forma assediadora de organizar o trabalho tem por base as metas e exigências feitas pela contratante" (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015, p. 12). É possível observar, nesse sentido, em conformidade com os dados fornecidos por Antunes e Braga (2009) a respeito dos trabalhadores de telecomunicações, que tal precarização das condições de trabalho verificada em Recife mostra-se, infelizmente, uma regra e não uma exceção, fazendo dos trabalhadores do setor verdadeiros infoproletários (Antunes & Braga, 2009).

Em pesquisa realizada com o grupo Atento, um dos líderes no ramo de teleatividades nos países de língua espanhola e portuguesa, Oliveira (2009) ajuda-nos ainda mais a compreender as características da organização do trabalho no setor. Observemos o que diz a autora sobre a relação entre supervisor e teleatendente dentro da empresa: "o supervisor deve acompanhar de perto o trabalho de cada um de seus subordinados, ressaltar e elogiar os pontos fortes das equipes, detectar os pontos fracos e estabelecer metas para melhorias" (p. 119). O supervisor torna-se, nesse sentido, um animador de equipe, responsável por criar um ambiente de trabalho alegre e descontraído (Oliveira, 2009). Cabe aos supervisores fornecerem enfeites, balões de aniversários para aniversariantes, organizarem cafés da manhã, churrascos, campeonatos sobre a melhor venda daquela hora etc., como estratégias para tornar o ambiente de trabalho descontraído e competitivo. Em contraponto a esse espírito toyotista e deixando clara a situação paradoxal dos teleatendentes, Figueiras e Dutra (2014) listam as características organizacionais que fazem desse setor um trabalho hipertaylorizado e precarizado: remuneração desproporcional, ritmo intenso e repetitivo, pausas excessivamente curtas, alta pressão em função de metas abusivas, péssimas condições de saúde e de segurança e aspectos ergonômicos inadequados. Temos, enfim, um quadro composto por uma alegria mecanizada, uma descontração altamente vigiada, uma solicitação à participação intensamente instrumental e um apelo à afetividade visando unicamente o alcance das metas.

 

Terceirização e adoecimento na atividade de teleatendimento

O processo de adoecimento na atividade de teleatendimento encontra no psiquiatra francês Louis Le Guillant um clássico estudo, o texto "A neurose das telefonistas" (2006). Cobranças excessivas por produtividade, vigilância constante por parte dos supervisores, foco em metas produtivas abusivas e uma relação extremamente competitiva entre as operadoras compunha, segundo Le Guillant (2006), uma situação de trabalho extremamente patogênica. O autor observou ainda um conjunto de alterações somáticas, de distúrbios do sono, variações de humor e de corrosão de caráter que em muito se assemelham aos terceirizados dos setores de call center e telemarketing da atualidade.

Um estudo realizado por Cavaignac (2011) entre 2006 e 2010, com funcionários de uma empresa terceirizada de teleatendimento em Recife, nos proporciona evidências do potencial patogênico desse setor. Segundo um dos funcionários entrevistados:

O operador agora tá fazendo muito mais do que ele fazia antes. Porque o decreto [. . .] veio dizendo que o cliente não podia ser transferido, que ele tinha que ficar no máximo dez segundos na espera. Se ele ficar mais do que isso, a empresa paga multa. A empresa vai querer pagar multa? Não vai. Para o cliente não ser transferido, o operador, em vez de fazer só aquilo que era cabível ao setor dele, ele vai fazer o dos outros setores [. . .] Em vez de ocorrer mais contratação, ocorre o contrário: ele vai atender os outros setores. Aumentou a carga de trabalho. (p. 53)

Em outro depoimento, vemos como essa sobrecarga de trabalho soma-se à total falta de autonomia dos operadores, nos permitindo visualizar o forte potencial patogênico da atividade em questão:

O supervisor às vezes não deixa o cara ir ao banheiro [. . .] Um dia comecei a sentir muita dor no braço, avisei ao supervisor e ele disse para eu continuar atendendo. A lágrima escorria do meu olho [. . .] Então decidi desligar os aparelhos e ir falar com o coordenador. [. . .] Saí da empresa travada, direto para o hospital. (Cavaignac, 2011, p. 54)

O rígido controle exercido pelos supervisores a fim de fazer com que os operadores cumpram as prescrições hipertaylorizadas, e em total contradição com seu papel de animador de equipe destacado anteriormente, permite observar um ambiente de trabalho permeado pelo terror e pelo medo, como descrito no depoimento a seguir:

O trabalho do atendente é muito mais estressante porque ele lida com a pressão do cliente, que entra (na linha) sempre irritado, e o atendente tem que estar muito calmo para atender, e a pressão do supervisor, que exige que ele bata as metas de TMA (tempo médio de atendimento), de nota de qualidade, para não transferir (ligações) e falar tudo que tem de falar em média de três a quatro minutos, dependendo do dia. Existe essa pressão muito grande. Se ele não atingir as metas, é claro que há retaliações: ele acaba sendo demitido no próximo mês. (Cavaignac, 2011, p. 68)

Os operadores de telemarketing e call center, em função desse coquetel gestionário no qual se misturam uma forma organizacional toyotista, uma atividade hipertaylorizada e condições de trabalho precárias, tornam-se, assim, fortes candidatos ao adoecimento físico e psíquico em um curto espaço de tempo. Encontramos, nesse sentido, aquilo que pesquisadores definiram como ciclo do trabalhador, período de 20 a 24 meses que abrange desde a contratação até o descarte dos funcionários (Figueiras & Dutra, 2014). Tal ciclo começa pela contratação de pessoas inexperientes, em sua maioria, em relação à política da empresa e aos produtos vendidos ou serviços a serem realizados. Em seguida, estima-se um período médio de dois a três meses no qual o teleatendente torna-se proficiente no produto e/ou no serviço a ser feito. Após esse período inicial, o profissional encontrar-se-ia apto a alcançar as metas exigidas e a consequente remuneração diferenciada. O momento seguinte do ciclo, segundo Figueiras e Dutra (2014), se caracterizaria por um processo de adoecimento progressivo que se daria depois de um período de 20 a 24 meses de trabalho e viria em função do endurecimento das metas, da rotinização do trabalho, do despotismo dos supervisores, da negligência por parte da empresa com relação às pausas, dos problemas ergonômicos, do esgotamento físico e psíquico e de um conjunto de dores e problemas físicos. Disso resultaria, consequentemente, redução progressiva da capacidade produtiva, crescente indisposição ao trabalho e perda da motivação inicial. Segundo os autores, depois de 24 meses em média, 42,9% dos teleatendentes apresentam doenças ocupacionais e 75,5% tornam-se absenteístas por razões médicas. Os problemas mais comuns são lesões por esforços repetitivos, crises de vertigem associadas a zumbidos nos ouvidos, surdez progressiva, hipertensão, calos vocais, quadros depressivos, além de outros transtornos mentais graves. Com a queda do potencial produtivo resultante desse processo, o teleatendente transforma-se, pouco a pouco, em um recurso inútil à empresa, advindo disso tanto a alta rotatividade presente no setor – no ano de 2014 ocorreram 480 mil demissões e 550 admissões – bem como um tempo de empregabilidade extremamente curto, em torno de 2,7 anos (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro, 2015).

Uma corroboração dessas observações sobre o risco de adoecimento a que está sujeita esta categoria profissional pode ser encontrada no NETP (Previdência Social do Brasil, 2007), que informa a existência de risco à saúde ou agravo de adoecimento para cada atividade econômica. Segundo esse texto, as atividades profissionais do setor de teleatendimento estão associadas a riscos e agravos nas seguintes doenças: transtorno de humor não especificado (CID F39), transtornos fóbicos ansiosos (CID F40), síndrome de despersonalização e desrealização (CID F48.1), transtorno do nervo trigêmeo (G50), angina pectoris (CID I20), doença isquêmica crônica do coração (CID I25), miosite (CID 60), reumatismo (CID M90.0), dor em membro (CID M79.6), fibromialgia (CID M79.7), entre outras.

Em pesquisa coordenada por Castro et al. (2014) com trabalhadores do setor de telecomunicações do Rio de Janeiro, constatou-se, da mesma maneira, a existência de elevados riscos de adoecimento e de agravos à saúde dos profissionais do setor de teleatendimento. De um conjunto de 137 trabalhadores submetidos à aplicação do Inventário de Sofrimento Patogênico de Mendes e Araújo (2012), foi possível observar para a dimensão de "Indignidade"6 um risco de adoecimento alto e moderado para 52% dos sujeitos inquiridos. No que se refere à dimensão de "Reconhecimento", observou-se um total de 59% dos trabalhadores com risco alto ou moderado. Ao considerar os mesmos percentuais em relação ao tempo de trabalho, foi possível encontrar uma corroboração das pesquisas de Figueiras e Dutra (2014) relativas ao ciclo do trabalhador de telemarketing e call center. Para aqueles trabalhadores com até um mês de atividade profissional tem-se um percentual de 4% experimentando algum risco de adoecimento na dimensão Indignidade, e de 5% na de Reconhecimento. Já para aqueles trabalhadores com um ano de atividade, o percentual sobe para 41% e 49%, respectivamente. Ou seja, após um ano de trabalho, de 40% a 50% dos trabalhadores sentem-se injustiçados, desanimados, insatisfeitos, desgastados (dimensão da Indignidade) e desqualificados, não admirados pelos colegas e chefias e impedidos de expressar o que pensam e sentem (dimensão do "Reconhecimento"). Quando analisados somente os operadores de teleatendimento, ou seja, excluindo-se da amostra os supervisores e profissionais da área técnica e administrativa, é possível observar ainda um aumento do risco desses percentuais. Conforme os dados da mesma pesquisa, de um total de 63 teleatendentes respondentes, após um ano de serviço, 67% dos teleatendentes sentem-se injustiçados, desanimados, insatisfeitos, desgastados (dimensão Indignidade) e 60%, desqualificados, não admirados pelos colegas e chefias e impedidos de expressar o que pensam e sentem (dimensão "Reconhecimento"), o que, mais uma vez, confirma o potencial patogênico descrito pela literatura concernente a esse tipo de atividade profissional.

Em uma análise de documentos do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Rio de Janeiro (2014), foi possível obter mais evidências relativas ao potencial patogênico a que estão sujeitos os teleatendentes7. Identificou-se uma funcionária com dez anos de função na atividade de serviço de atendimento ao consumidor (SAC) sofrendo com disfunção temporal-mandibular (ATM) e depressão em consequência de sobrecarga de trabalho vivida durante seis meses, período em que foi exigida a realizar a atividade de três operadoras simultaneamente. Em outro caso observou-se uma teleatendente afastada por estresse e fobia social provocados pelo excesso de pressão do trabalho. Em um terceiro caso observado, uma trabalhadora manifestava como única esperança conseguir pelo menos sair da empresa com saúde. Casos de assédio moral mostram-se também frequentes nos documentos analisados: operadores e operadoras relatam situações de descaso por parte dos supervisores em relação às dores sentidas, queixando-se de ameaças frequentes nas quais se sentem "um lixo", ou ainda no "limite da loucura" por causa do desrespeito cotidiano sofrido. Há situações de total falta de autonomia nas quais observa-se um funcionário relatando suspensão por "faltas injustificadas" em função de atrasos de poucos minutos, enquanto outra funcionária relata ter sido impedida de sair de seu posto de PA quando necessitava ir ao banheiro. A tensão entre operador e cliente mostra-se outra fonte de sofrimento patogênico ao revelar funcionários sem autonomia para resolver demandas solicitadas, tampouco responder questões que saiam do script pré-estabelecido. A sobrecarga e a precariedade relativa às condições de trabalho mostram-se outra fonte de mal-estar: observamos uma operadora adoecida em função de ferramentas inadequadas de trabalho (cadeiras desajustadas, falta de descansos para os pés e mãos), e outra devido à falta de refrigeração e consequente excesso de calor, com diagnósticos de doenças osteoarticulares relacionadas ao trabalho (Dort).

É possível concluir, desse modo, a vulnerabilidade física e psíquica a que estão sujeitos os trabalhadores terceirizados do setor de teleatendimento. Profissionais subcontratados, submetidos a uma atividade altamente sobrecarregada, exigidos a fazer cada vez mais trabalho com menos suporte, movidos por metas que individualizam e tornam extremamente competitivo o ambiente de trabalho, expostos ao paradoxo de um toyotismo taylorizado e trabalhando em condições precárias, os teleatendentes perdem a própria vida tentando ganhá-la. Dedicaremos a parte final desse artigo a esse último aspecto, tratando e desenvolvendo aquilo que, a partir de Linhart (2014), podemos chamar de precariedade subjetiva.

 

Terceirização e precariedade subjetiva

Segundo Linhart (2014, p. 45), é possível entender a precariedade subjetiva nos seguintes termos:

É o sentimento de não estar em casa no trabalho, de não poder se fiar em suas rotinas profissionais, em suas redes, nos saberes e habilidades acumulados graças à experiência ou transmitidos pelos antigos; é o sentimento de não dominar seu trabalho e precisar esforçar-se permanentemente para adaptar-se, cumprir os objetivos fixados, não arriscar-se física e moralmente [. . .] É o sentimento de não ter a quem recorrer em caso de problemas graves no trabalho, nem aos superiores hierárquicos (cada vez mais raros e cada vez menos disponíveis) nem aos colegas de trabalho que se esgarçam com a individualização sistemática da gestão dos assalariados e a concorrência entre eles. É o sentimento de isolamento e abandono. É também a perda a autoestima.

Os trabalhadores de teleatendimento não se experimentam "em casa" em seu trabalho. Para que isso ocorresse seria necessário existir uma apropriação singular do espaço laboral, não somente como espaço da empresa, mas também como seu próprio espaço, ou seja, que de alguma forma exista uma margem entre o prescrito e o real de maneira a possibilitar uma reinvenção singular daquilo que está dado pela gerência e prescrito pelas técnicas. Mas em uma organização na qual prepondera a impessoalidade da prescrição e a vigilância estrita que inibe as possibilidades de iniciativa para além da norma, a experiência de sentir o trabalho como seu e de sentir-se em casa a partir da atividade que se executa tendem a não existir.

As habilidades acumuladas e experiências passadas mostram-se também uma dimensão sem muito valor para os teleatendentes. Como vimos, com três meses em média os novos trabalhadores, em geral jovens, em seu primeiro emprego e sem experiência, tornam-se aptos a manejar os sistemas operacionais, a dominar os scripts e a interiorizar os tempos necessários ao cumprimento das elevadas metas. É possível observar, nesse sentido, que a exigência fundamental que recai sobre os profissionais refere-se à adaptação e à lógica organizacional, sem que haja necessidade e lugar para as experiências passadas acumuladas. O imperioso é seguir as exigências dos sistemas operacionais com rapidez sem que para isso seja necessário utilizar qualquer experiência anterior. O fundamental é corresponder ao script prescrito, é saber da impossibilidade de contorná-lo, é limitar-se àquilo que se deve e não se deve dizer. O imprescindível é dominar o tempo médio de atendimento para conseguir alcançar a remuneração diferenciada, o que torna inoperante qualquer passado pessoal. Em suma, o passado pessoal, com suas experiências, conhecimentos, expertises adquiridas que o sujeito do trabalho poderia valer-se em determinados momentos de forma a pôr algo de si naquilo que faz, mostra-se sem valor e improdutivo.

Ainda nos referindo à definição de Linhart (2014), é possível afirmar que os teleatendentes "não dominam seu trabalho". Dominar, no sentido aqui colocado, não se refere à capacidade adquirida com três meses de treinamento, mas sim a possibilidade de ter certo grau de controle e autonomia sobre aquilo que realizam. Nesse sentido, ao invés de dominar seu trabalho, os teleatendentes são dominados por ele. São dominados pela tecnologia e pelos sistemas operacionais, são dominados pelas elevadas metas que precisam ser batidas, são dominados pelo script rigoroso, são dominados, por fim, pela vigilância. A margem de manobra dos operadores e operadoras, portanto, é próxima a zero e a autonomia para utilizar o sistema operacional ou reinventar o script, praticamente inexistente.

A subjetividade dos teleatendentes é também corroída pela necessidade de adaptarem-se permanentemente de maneira a cumprir os objetivos fixados. O valor quantitativo do trabalho mostra-se aqui supremo, visto que a capacidade fundamental exigida refere-se à adaptação face a todas as adversidades que permite o sujeito alcançar as metas fixadas: saber ajustar-se ao tempo médio de atendimento, saber reagir bem aos xingamentos dos clientes, conseguir ter calma e não se descontrolar diante de cobranças e assédio moral dos supervisores, ter tranquilidade para navegar por entre seis e oito sistemas informacionais abertos na tela sem ultrapassar o tempo permitido de atendimento, conseguir dar conta das tarefas de dois ou três colegas de trabalho caso seja necessário etc. Essa capacidade permanente de adaptação e ajustamento às exigências organizacionais corresponde a uma competência também permanente de anulação de si, ou seja, a um empobrecimento subjetivo que se opera a cada jornada de trabalho e que possui seu término, muitas vezes, no adoecimento.

Além disso, os teleatendentes mostram-se sem ter a quem recorrer quando enfrentam problemas em seu trabalho. Os supervisores, encarregados de uma animação assediante de sua equipe e de promover uma descontração vigiada, são sujeitos atravessados por um utilitarismo paradoxal e, portanto, seu papel de suporte e de mediação na resolução dos problemas de seus funcionários torna-se totalmente deteriorado. Com relação aos demais colegas de trabalho, cada teleatendente encontra-se muito mais imbuído pela competição do que pela solidariedade. Dessa forma, individualizados pela busca das metas e pela perseguição à remuneração variável, o outro aparece muito mais como ameaça do que possível suporte. A deterioração subjetiva aparece nesse aspecto como a outra face da deterioração dos laços sociais, restando ao sujeito a experiência da impotência, do isolamento, do abandono, da falta de reconhecimento, da desconfiança, do ressentimento e de tantas outras formas reveladoras de uma perda do poder de agir sobre si e sobre o mundo (Clot, 2008).

Por fim, a "perda da autoestima", ainda seguindo os passos da definição de Linhart (2014), é um fato visível na situação dos teleatendentes terceirizados. Assediados moralmente de forma constante, as experiências de humilhação, de se sentirem desvalorizados, de estarem à beira da loucura, de rebaixamento, evidenciam como a estima de si é largamente afetada e comprometida ao longo da atividade profissional. Além do assédio, é preciso acrescentar as inúmeras formas de adoecimento e de mal-estar físico e psíquico como fortes indicativos de deterioração subjetiva: sentir dores e não se ver reconhecido em seu mal-estar, sentir vontade de urinar e ser impedido de ir ao banheiro, trabalhar horas a fio e muitas vezes receber um calote ou não ver seus direitos trabalhistas reconhecidos e encontrar-se no limite da tensão emocional e não poder descansar ou se tratar são aspectos que fazem parte de um cotidiano laboral extremamente penoso.

A terceirização mostra-se, assim, extremamente desumana quando observamos a situação dos profissionais do setor de teleatendimento. Tal desumanidade, no entanto, não se revela somente do ponto de vista da precariedade objetiva concernente às más condições materiais de trabalho, mas também por meio da precariedade subjetiva, reveladora de uma experiência profundamente limitante e empobrecida das possibilidades humanas. Espaço de trabalho sem condições de ser apropriado como seu, passado pessoal sem muito valor, ausência de domínio sobre sua própria atividade, adaptação constante às altas demandas produtivas, impotência e ausência de laços sociais no trabalho capazes de dar suporte e, por fim, perda de si que possui como destino o adoecimento e mal-estar, eis o quadro de precariedade subjetiva que se revela quando analisamos a situação dos teleatendentes.

 

Considerações finais

Sustentamos a hipótese de que precariedade subjetiva se dá como uma face do fenômeno da terceirização, que, por sua vez, precisa ser compreendido como parte de um processo histórico mais amplo, relativo às transformações dos modos de produção. Nosso tempo histórico, desse modo, ao descentralizar a produção, ao flexibilizar a legislação trabalhista para viabilizar as formas de trabalho temporário, ao fortalecer o poder do livre mercado em detrimento das políticas sociais, ao desenvolver uma nova individualidade produtiva baseada na competitividade, no assalariamento variável e na excelência, faz com que o fenômeno da terceirização se caracterize por uma precarização da vida. Precarização, por um lado, objetiva, dada sua função primordial em baixar os custos com mão de obra, contribuindo, assim, para a criação de condições sociais e materiais deterioradas no Brasil e no mundo, e, por outro lado, de uma precarização subjetiva, dada por fragmentação dos laços sociais, crescimento das relações de trabalho permeadas por assédio moral, medo da exclusão, extrema vigilância e falta de autonomia, individualismo competitivo e impotência. A subjetividade precarizada constitui-se, dessa maneira, não somente como um epifenômeno das condições materiais e sociais, mas igualmente como uma forma específica de subjetivação em um mundo do trabalho precarizado. Uma subjetivação impotente, com falta de poder de agir, que apreende a si mesma no medo e na necessidade imperiosa de corresponder ao instituído e que opera, dia a dia, um verdadeiro trabalho sobre si no qual substitui um sentido humano e desejável por uma necessidade de sobrevivência e adaptação competitiva. A subjetividade precarizada revela-se, dessa forma, para si e para os outros, como a construção de uma subjetividade sem valor e sem autonomia, incapaz de impor-se como sujeito.

O fenômeno da terceirização é significativo, portanto, nos marcos de nosso tempo histórico, de uma incapacidade civilizatória das pessoas de se reproduzirem em sociedade, ou seja, de construírem, por meio dessa atividade ontológica fundamental que é o trabalho (Lukács, 2011), uma possibilidade de mundo e de ser no mundo humanamente viável. O que parece estar em questão quando observamos e analisamos o fenômeno da terceirização, mesmo dentro dos limites que ora nos situamos, são as atuais formas de organizar o trabalho e a sociedade, que se tornam cada vez mais inviáveis para os sujeitos, empobrecendo as formas de construção do humano como ser individual e ser genérico. Faz-se, ao nosso ver, extremamente necessário aprofundar essa hipótese com outros estudos e sobre outras categorias profissionais no Brasil e no mundo, a fim de poder corroborar a hipótese aqui sustentada, renovando nossas possibilidades críticas sobre o mundo do trabalho na atualidade de forma a criar novas alternativas civilizatórias.

 

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Endereço para correspondência
fernandogastal@gmail.com

Enviado em: 01/07/2016
Revisado em: 14/12/2016
Aprovado em: 16/12/2016

 

 

1 Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2 Aluna de graduação do Instituto de Psicologia da UFRJ e bolsista de iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
3 Aluno de graduação do Instituto de Psicologia da UFRJ e bolsista de iniciação científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
4 Não pretendemos com isso defender que o fenômeno da terceirização em nível mundial seja muito diferente do caso brasileiro, no qual aqui nos deteremos. Embora varie segundo as especificidades de países e regiões, pode-se afirmar que a própria essência do fenômeno da terceirização, como elemento central dentro da nova modalidade produtiva, carrega em si uma forma de precarização que lhe é inerente. Nesse sentido é que Danièle Linhart (2014) irá falar não somente sobre precarização objetiva, mas também sobre precarização subjetiva como própria ao atual modelo. Voltaremos a isso na sequência deste artigo.
5 Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp) e auditor fiscal no Ministério Público do Emprego (Central Única dos Trabalhadores & Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014).
6 A dimensão de "Indignidade", segundo o Inventário de Sofrimento Patogênico de Mendes e Araújo (2012), é definida por aqueles trabalhadores que se sentem injustiçados, desanimados, insatisfeitos e desgastados, enquanto a dimensão "Reconhecimento" relaciona-se a quanto o trabalhador sente-se qualificado, admirado pelos colegas e chefias e capaz de expressar o que pensa e sente.
7 Tais documentos constituem-se de CAT do ano de 2014, bem como de relatórios sobre casos de adoecimentos e acidentes de trabalho, arquivados da Sinttel Rio.

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