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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.20 no.1 São Paulo jan./jun. 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS/ORIGINAL ARTICLES

 

Presenteísmo: contribuições do Modelo Demanda-Controle para a compreensão do fenômeno

 

Presenteeism: contributions of the control-demand model for a phenomenon understanding

 

 

Rose Helen ShimabukuI,1; Helenides MendonçaII,2; Ariana FidelisII,3

IInstituto Federal de Goiás (Goiânia, GO)
IIPontifícia Universidade Católica de Goiás (Goiânia, GO)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo visa compreender o estado da arte dos estudos sobre presenteísmo (fenômeno de comparecer ao trabalho mesmo se sentindo doente) à luz do Modelo Demanda-Controle (MDC). Visa ainda contribuir para a discussão sobre demandas, controle, apoio social (postulados no modelo) e estabelecer relação entre eles. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, levantando os principais construtos teóricos sobre a temática em bases de dados científicas nacionais e internacionais, a fim de construir um modelo organizado e sistematizado. Ao traçar um panorama da atualidade sobre a relação entre os aspectos psicossociais do trabalho e o presenteísmo dos trabalhadores, percebe-se uma forte relação entre demandas, controle e apoio social no trabalho e o presenteísmo, de forma que as altas demandas de trabalho estão associadas positivamente ao presenteísmo. No entanto, há lacunas a respeito do entendimento científico sobre esse campo de estudo decorrentes da escassez de produções nacionais e internacionais sobre os antecedentes do presenteísmo. Portanto, há um amplo campo de estudo a ser revelado sobre esse assunto.

Palavras-chave: Presenteísmo, Modelo Demanda-Controle, Apoio social no trabalho.


ABSTRACT

This study aims to understand the latest studies on presenteeism (the act of attending work while sick) based on the Demand-Control Model. It also aims to contribute to the discussion on the presenteeism, demand, control and social support, and establish a relation between them. For its achievement, we carried out a bibliographical research, relating theoretical constructs on the subject in national and international scientific database, in order to create an organized and systematized model. Through a current study on the relationship between psychosocial aspects of work and workers presenteeism, we realized a strong relationship between demands, control and social support at work and presenteeism, so that the high job demands are associated positively to presenteeism. However, there are gaps regarding the scientific understanding of this field of study, which are due to the shortage of national and international productions on the antecedents of presenteeism. Therefore, there is a broad field of study to be unveiled on this subject.

Keywords: Presenteeism, Demand-Control Model, Social support at work.


 

 

Introdução

Durante algum tempo, o presenteísmo foi considerado como o absenteísmo de corpo presente, certamente pelo fato de que o absenteísmo e o presenteísmo tendem a possuir uma base comum no que se refere aos fatores psicossociais. Temporalmente, absenteísmo e presenteísmo devem ser observados como eventos distintos que ocorrem numa sequência, de tal forma que a ocorrência de um comportamento pode afetar a possibilidade do outro (Sasaki, 2013).

O absenteísmo pode ser entendido como o ato de faltar a um compromisso de trabalho, considerando que essa definição se refere a toda e qualquer forma de não comparecimento, ainda que seja direito do trabalhador, como licença médica ou luto. Em uma perspectiva psicossociológica, o absenteísmo é considerado um comportamento de ausência, individual e exterior à organização. Sabe-se, contudo, que a perda da produtividade não ocorre somente quando o trabalhador deixa de comparecer ao trabalho, mas também acontece quando o trabalhador permanece no trabalho com algum problema de saúde, deixando, assim, de ser absenteísta, para se fazer presenteísta (Araújo, 2012).

O fenômeno do presenteísmo pode estar condicionado e ser determinado por uma gama de fatores, como as condições de saúde, os fatores pessoais e individuais e o contexto organizacional (Johns, 2010). No que se refere a este último, diversos autores consideram que as demandas e o controle do trabalho, assim como o apoio social recebido pelo trabalhador no contexto do trabalho, possuem relação estreita com o presenteísmo (Hemp, 2004; Johns, 2010; Ribeiro, 2011).

Este estudo visa compreender o estado da arte do presenteísmo à luz do Modelo Demanda-Controle (MDC) postulado por Karasek (1979). Para tanto, recorreu-se à pesquisa bibliográfica a partir de bases de dados científicas nacionais e internacionais, disponíveis on-line, de modo a construir um modelo conceitual organizado e sistematizado do conhecimento, com teorias, abordagens e estudos de investigação.

 

Presenteísmo

A literatura sobre presenteísmo é relativamente nova e heterogênea (Cancelliere, Cassidy, Ammendolia & Côté, 2011). Os primeiros estudos sobre o presenteísmo datam da década de 1950, porém somente a partir dos anos de 1990 é que a temática ganhou relevância no meio acadêmico. As definições do presenteísmo possuem sempre referência à presença física no local de trabalho, contudo, apresentam diferenças em seu conteúdo. Algumas delas têm uma conotação positiva, por exemplo, "estar no trabalho, como oposto de estar ausente" (Smith, 1970). Outras, mais recentes, relacionam-se à redução da produtividade devido a problemas de saúde e à presença no trabalho quando se está doente, sendo esta última referenciada no estudo de Hansen e Andersen (2008), que conceituam presenteísmo como a situação em que um empregado se apresenta para o trabalho, apesar de perceber estar debilitado a ponto de ser legitimado como um doente.

Acredita-se que os antecedentes e consequentes do presenteísmo devem ser identificados e testados empiricamente, e não apenas conceitualmente, como ocorre em algumas das definições. Ao se utilizar a legitimidade como um critério para a definição de presenteísmo, o foco passa a ser os aspectos sociológicos do fenômeno, como a incapacidade de atuar em determinado contexto, em detrimento dos aspectos médicos, como as consequências do presenteísmo para a saúde a longo prazo, por exemplo (Franco, Druck & Seligmann-Silva, 2010).

O presenteísmo pode ser considerado como o comportamento do trabalhador no qual ele está presente fisicamente no trabalho, mas tem seu desempenho reduzido por se encontrar debilitado física e/ou psicologicamente (Grativol, 2008). Para Franco, Durck e Seligmann-Silva (2010), o presenteísmo é caracterizado por uma ausência mental ou emocional no trabalho, que pode ser derivada de problemas de saúde, financeiros, familiares e outros, que não exigem o afastamento do trabalhador de seu posto, mas reduzem seu desempenho. Raycik (2012), por sua vez, conceitua presenteísmo como o fato de o indivíduo estar presente no trabalho, mas sem realizar as atividades inerentes a sua função.

Neste estudo, será adotada a definição de Aronsson, Gustafsson e Daller (2000), corroborada por Bokerman e Laukkanen (2010), que consideram o presenteísmo como o ato de comparecer ao trabalho mesmo se sentindo doente física ou psicologicamente.

Não há um modelo único e abrangente que explicaria o presenteísmo. Contudo, um conjunto de hipóteses pode ser testado na tentativa de explicar o fenômeno. As hipóteses foram divididas por Hansen e Andersen (2008) em três grandes áreas, sendo elas: (1) fatores relacionados com o trabalho; (2) circunstâncias pessoais; e (3) atitudes.

No que se refere aos fatores relacionados ao trabalho, Hansen e Andersen (2008) e Umann, Guido e Silva (2014) consideram a pressão do tempo e a escassez de recursos para desempenhar tarefas como justificativas para o presenteísmo. Os autores identificaram que trabalhadores que desempenham suas atividades em ambientes assim caracterizados, quando se ausentam por qualquer motivo, encontram em seu retorno um quantitativo ainda maior de afazeres, associado à pressão do tempo reduzido para a entrega das atividades. Por isso, refugam em não comparecer e acabam por trabalhar mesmo se sentindo doentes, promovendo o presenteísmo. O mesmo ocorre com trabalhadores que possuem flexibilidade de horário, que trabalham por turnos ou que podem gerenciar suas atividades (Hansen & Andersen, 2008). Os autores consideram que quanto maior o controle do trabalhador sobre suas tarefas, maior a possibilidade de ele comparecer ao trabalho se sentindo doente.

Além disso, o presenteísmo pode ocorrer devido ao suporte social advindo do relacionamento estabelecido com os colegas. O trabalho em equipe, a pressão dos colegas e os altos níveis de cooperação no trabalho apresentam-se como indicadores de presenteísmo, comportamento muito comum em empresas com pequeno número de funcionários (Hansen & Andersen, 2008).

Trabalhadores presenteístas comparecem ao trabalho mesmo não gozando de suas plenas capacidades físicas e mentais para tal, principalmente pelo receio de não serem consideradas compromissadas com o trabalho, pelo sentimento de culpa de estarem sobrecarregando os colegas de trabalho caso se ausentem, ou ainda pela preocupação com os atrasos do próprio trabalho (Ribeiro & Fernandes, 2014).

A insegurança, o desemprego, a necessidades de progressão na carreira e pressões financeiras contribuem sobremaneira para o aparecimento do presenteísmo (Araújo, 2012). De acordo com este autor, enquanto nos Estados Unidos a principal causa do presenteísmo está relacionada ao fato de as pessoas terem excesso de trabalho, no Brasil, o medo de perder o emprego ainda é fator determinante. Diante disso, é comum que muitos empregados compareçam ao trabalho queixosos, por exemplo, de dores nas costas, alergias, artrite e outras doenças. Quando a organização perpassa por uma reestruturação que implica em diminuição do efetivo e aumento do trabalho, origina-se um sentimento de insegurança que aumenta consideravelmente o presenteísmo, mesmo quando do aumento das demandas de trabalho (Antonio García, 2011; Ribeiro, 2011).

O segundo grande conjunto de hipóteses citado por Hansen e Andersen (2008) se refere às circunstâncias pessoais vivenciadas pelo trabalhador, podendo elas ser consideradas como fatores fora do trabalho que podem influenciar na decisão do trabalhador de ir doente para o trabalho. A primeira circunstância pessoal pode ser a situação financeira do trabalhador, que comparece ao trabalho doente a fim de não perder complementos salariais possivelmente adquiridos quando do comparecimento. A família pode ser outra circunstância pessoal, uma vez que trabalhadores que estão insatisfeitos com sua vida, que tem conflitos, adoecimento com o cônjuge ou um grande número de filhos podem preferir ir doentes para o serviço a ficar em casa (Hansen & Andersen, 2008).

Fatores psicológicos também são considerados pelos autores como circunstâncias pessoais que estimulam o presenteísmo. Aronsson e Gustafsson (2005) citam o que chamam de "indivíduo com ausência de fronteiras". Trata-se do estado psicológico ou característica de personalidade daquele que tem dificuldades em dizer não aos desejos ou demandas de outras pessoas, o que faz com que ele esteja sempre ligado por forte compromisso com o outro e, consequentemente, compareça ao trabalho nas situações mais adversas, por exemplo, quando com um problema de saúde.

O terceiro e último grande conjunto de hipóteses que podem explicar o presenteísmo listadas por Hansen e Andersen (2008) se refere à atitude. Trata-se da interpretação dada pelo trabalhador a sua relação com o trabalho, de sua ética profissional e seu senso de dever com ele e as escolhas que faz a partir dessa interpretação. É o senso de justiça do trabalhador, algo que vai além das prescrições legalistas ou imposições morais, mas que permite que sacrifique sua saúde e opte por comparecer ao trabalho mesmo estando doente. Ocupações relacionadas ao cuidar (como médicos e enfermeiros) e a setores de ensino primário (professores e cuidadores) são mais propensas ao presenteísmo, sugerindo assim uma cultura baseada em parte na lealdade e na preocupação pelos clientes vulneráveis (nestes exemplos, doentes e crianças) (Johns, 2010).

A atitude do trabalhador ante as questões do trabalho também é tema central do estudo sobre presenteísmo (Dew, Keefe & Small, 2005; Flores-Sandí, 2006). Para Dew et al. (2005) as noções de saúde estão diretamente ligadas às escolhas que o trabalhador é capaz de fazer sobre o seu trabalho e descrevem três tipos de presenteísmo, explicados pelas metáforas de Santuário, Campo de Batalha e Gueto.

A primeira metáfora, Santuário, refere-se à organização de trabalho na qual as relações são próximas, a gestão é presente e atuante e há uma boa estrutura de trabalho. Os trabalhadores percebem que podem realizar escolhas no que se refere à prática profissional, têm maior autonomia e controle sobre seu processo de trabalho e acabam julgando-se capazes – ou na responsabilidade – de comparecer ao trabalho, mesmo se sentindo doente. Não há pressão da gestão, mas os fortes processos institucionalizados se transformam numa narrativa motivadora para o presenteísmo (Dew et al., 2005).

Johns (2009; 2010) reafirma a metáfora de Dew et al. (2005) ao constatar em suas pesquisas que fatores positivos como o tipo de relacionamento entre trabalhador e equipe, o sentimento de pertencimento ao grupo e a possibilidades de troca geram no indivíduo sentimentos de recompensa que "validam" a permanência no local de trabalho mesmo quando está se sentindo doente, favorecendo o presenteísmo. Martinez e Ferreira (2012) entendem que o presenteísmo se configura como um ato de cidadania institucional quando os trabalhadores acreditam que as organizações valorizam sua presença.

Na estrutura de trabalho denominada Campo de Batalha, a identidade profissional do trabalhador se faz quando ele se coloca em oposição ao público atendido, provavelmente devido à alta demanda existente. De acordo com Dew et al (2005), existem nessa organização várias estruturas de trabalho, umas dentro das outras, coexistindo e gerando, por conseguinte, incerteza diante do controle do trabalhador. Apesar da luta e do enfrentamento, o presenteísmo se apresenta como parte integrante da identidade profissional, visto que o trabalhador sente a necessidade de comparecer ao trabalho por lealdade, a fim de motivar e dar suporte ao seu colega que passa pelas mesmas pressões, independentemente de seu estado de saúde atual.

Nas organizações de trabalho denominadas Gueto, as condições de trabalho são precárias, assim como as relações interpessoais. O isolamento e a segregação imperam, potencializadas pela opressão por parte da gestão para com os trabalhadores, que se sentem obrigados a comparecer ao trabalho mesmo se sentindo doentes, para evitar aborrecimentos, constrangimentos e humilhações por parte da chefia e ameaças sobre a perda do emprego. Esses trabalhadores geralmente possuem pouca qualificação para o trabalho ou possuem poucas opções.

Barreto (2003) corrobora com a indicação de Dew et al. (2005), de que muitos trabalhadores se sentem obrigados a comparecer ao trabalho mesmo se sentindo doentes por medo de perder o emprego, e acrescenta que esse comportamento aumenta a dependência do trabalhador em relação à organização, fazendo com que ele trabalhe silenciando sua dor e, em alguns casos, ainda por insegurança, abdique de direitos trabalhistas, como, por exemplo, seu período de férias.

Percebe-se que, na visão de Dew et al. (2005), o poder de escolha que o trabalhador tem de comparecer ao trabalho ou buscar ajuda profissional para tratar um problema de saúde é apenas aparente, e não real. As relações estabelecidas com o trabalho ou as condições impostas pela organização e sua chefia atuam como opressores em relação ao trabalhador, que se torna a cada dia mais presenteísta. Mais uma vez a insegurança com o trabalho e o receio de ser demitido apresentam-se como causa do presenteísmo.

Há de se considerar, contudo, que os efeitos do presenteísmo podem ser severos tanto para a empresa quanto para o trabalhador (Borges, 2011). Enquanto uma falta programada acarreta a perda da produtividade de um dia de trabalho, o trabalhador que comparece ao trabalho quando não goza de plena saúde acaba por produzir aquém de suas capacidades, o que ocasiona perdas ainda maiores em longo prazo.

O presenteísmo limita a produtividade tanto em quantidade, pela diminuição do rendimento físico e mental, quanto na qualidade do trabalho, pela possibilidade de erros e diminuição da atenção no desenvolvimento das atividades laborais (Araújo, 2012). O desgaste provocado pela impossibilidade de se ausentar para tratamento de saúde provoca adoecimento físico e mental ainda maior com o passar do tempo (Franco, Druck & Seligmann-Silva, 2010). O presenteísmo é um dos fatores que podem anteceder o esgotamento físico e mental, a exaustão, a síndrome de burnout, o estresse e a depressão.

Os estudos mostram que quando o trabalhador está submetido a altas demandas de trabalho e não possui controle sobre seus processos de trabalho, os impactos negativos para a saúde são maiores. Zarpelão e Martino (2014) concluíram em suas pesquisas que toda a amostra observada estava submetida à alta demanda e baixo controle devido à pressão existente no ambiente laboral e à quantidade de trabalho executado. Johns (2010) relata que o trabalhador que comparece ao trabalho mesmo se sentindo doente e que é, portanto, presenteísta, via de regra está acometido de uma doença aguda, episódica ou crônica (como gripe, enxaqueca ou diabetes, respectivamente), visto que problemas de saúde mais graves exigem que o trabalhador se ausente do trabalho e, geralmente, por longos períodos, evitando assim o presenteísmo.

As pesquisas sobre presenteísmo se concentram em doenças crônicas ou episódicas, como alergias sazonais, enxaqueca, asma, dores diversas, artrite, distúrbios gastrointestinais e depressão. Doenças progressivas, como cardíacas ou câncer, que exigem tratamentos mais caros, geram mais custos diretos. Já as doenças que são levadas para o trabalho, por serem mais comuns, muitas vezes não são tratadas, podendo perdurar por anos de vida produtiva e gerar altos custos indiretos e invisíveis para os empregadores (Araújo, 2012; Silva & Sassi, 2010; Silva Júnior, 2014).

Um estudo desenvolvido por Flores-Sandí (2006) evidencia o sofrimento psíquico, especialmente na prática do presenteísmo. De acordo com a autora, muitos professores trabalham mesmo estando doentes, alguns conseguem manter sua produtividade apesar disso. O presenteísmo acaba sendo institucionalizado e validado diante da precariedade na atuação, principalmente na rede pública de ensino. Dessa forma, as escolas sofrem com o absenteísmo e também com o presenteísmo, que demonstra que o adoecimento e o sofrimento do professor estão vinculados a causas que extrapolam os registros de licença médica (Flores-Sandí, 2006). Professores identificados como presenteístas extrapolam a dimensão econômica do fato, mas mantêm suas atividades docentes com o intuito de se sentirem úteis, no sentido de cumprirem a sua missão de educar. Sujeitar-se a altas demandas no exercício da docência estaria, segundo os autores, vinculado ao sentimento de utilidade e responsabilidade social diante da profissão, também comum em profissionais da saúde (Carvalho & Barbalho, 2006).

Flores-Sandí (2006) identificou que o presenteísmo pode ocorrer devido às extensas jornadas de trabalho e ao grau de comprometimento do trabalhador para com a instituição. Para Johns (2010), a decisão de comparecer ou não ao trabalho no advento de um problema de saúde sofrerá influência de suas características pessoais tanto quanto do contexto do trabalho (demandas e obrigações inerentes ao trabalho, à estabilidade e ao tipo de contrato estabelecido). Vieira (2014) identificou que 52% do presenteísmo mensurado numa equipe de enfermagem de um hospital era atribuído à precarização da força de trabalho. Nesse sentido, salienta-se que até se tornar presenteísta, o trabalhador já foi submetido a uma série de circunstâncias que exigiram esforço de adaptação que impactaram em sua saúde física e psicológica, situações geralmente relacionadas às altas cargas de trabalho.

Face ao exposto, percebe-se que as condições de saúde, os fatores relacionados ao trabalho e os aspectos pessoais/individuais impactam sobremaneira no comportamento de estar presente no trabalho mesmo se sentindo doente. Torna-se relevante, assim, identificar um modelo teórico que possa contribuir para a compreensão do fenômeno do presenteísmo.

 

Contribuições do Modelo Demanda-Controle (MDC)

Um dos os modelos teóricos utilizados atualmente para avaliar o estresse e os aspectos psicossociais do trabalho, o MDC tem sido amplamente utilizado em diversos países (Alves, Braga, Faerstein, Lopes & Junger, 2015; Barcaui & Limongi-França, 2014; Garcia et al., 2015). Tendo em vista que o presenteísmo tem sua origem nos aspectos psicossociais do trabalho – sejam eles de ordem física ou psicológica – e que ele se apresenta como uma das reações adversas à saúde de maior relevância das últimas décadas (Araújo, 2012), optou-se pela utilização do modelo para compreensão do presenteísmo.

Karasek (1990) identificou que os diversos estudos sobre estresse no trabalho e as repercussões sobre a saúde mental das pessoas até aquele momento ora eram baseados apenas nas demandas das tarefas (modelos unidimensionais), ora se detinham sobre demandas versus capacidades do indivíduo. O controle do trabalhador sobre o trabalho era sistematicamente omitido das análises dos processos de produção de estresse (Karasek, 1990). A partir dessa constatação foi proposto, no final da década de 1970, um modelo teórico bidimensional que relacionava as características psicossociais do trabalho sob dois aspectos – demandas psicológicas e controle sobre o trabalho – ao risco de adoecimento, sendo então chamado Modelo Demanda-Controle (Demand-Control Model) ou "job strain" (Karasek, 1990).

O MDC se refere à concepção de que as reações adversas à saúde dos trabalhadores acontecem devido ao desgaste psicológico oriundo da exposição simultânea do trabalhador a elevadas demandas psicológicas e ao escasso controle sobre seu processo de trabalho (Karasek, 1979; Alves, Braga, Faerstein, Lopes & Junger, 2015). As duas dimensões do MDC envolvem aspectos específicos do processo de trabalho (Karasek & Teorell, 1992). As demandas são divididas em demandas psicológicas, que se referem à pressão do tempo (proporção do tempo de trabalho realizado sob tal pressão), nível de concentração requerida, interrupção das tarefas e necessidade de esperar pelas atividades realizadas por outros trabalhadores (Araújo, Graça & Araújo, 2003b); e demandas físicas, que são relativas ao nível de exigência física exigida (Karasek, 1979; Pereira, Kothe, Bleyer & Teixeira, 2014). A dimensão Controle, por sua vez, compreende dois componentes: a) aspectos referentes ao uso das habilidades, que se refere ao aprendizado de coisas novas, repetitividade, criatividade, variedade de tarefas e desenvolvimento de habilidades especiais individuais, e; b) autoridade decisória, que compreende habilidades individuais para a tomada de decisão sobre o próprio trabalho, a influência do grupo de trabalho e a influência na política gerencial.

Após alguns anos de estudo, a dimensão apoio social foi acrescentada ao modelo, referindo-se à mediação/influência exercida pelo apoio de colegas e superiores na relação demanda-controle (Barcaui & Limongi-França, 2014; Karasek & Teorell, 1992). Dessa forma, a ausência desse apoio social potencializaria os efeitos negativos da exposição dos trabalhadores à alta demanda e ao baixo poder de controle no ambiente de trabalho, sendo também negativo para a saúde do trabalhador, ao passo que a presença do apoio social por parte da chefia ou colegas de trabalho minimizaria os efeitos negativos das altas demandas e baixo controle no trabalho (Johnson, Hall & Theorell, 1989; Karasek & Teorell, 1992). Alguns estudos sugerem, ainda, que a influência do suporte social ameniza o impacto de fatores estressores, aumentando a sensação de bem-estar.

Segundo Karasek (1979), as demandas psicológicas e o controle dão origem a quatro tipos distintos de experiências no trabalho, quais sejam:

- Alta exigência: nesse nível, geralmente são despertadas reações psicológicas como fadiga, estresse e depressão. O desgaste psicológico se dá quando o indivíduo submetido a um estresse não consegue responder ao estímulo adequadamente devido a ter pouco controle sobre as circunstâncias ambientais. Caso o tempo da exposição seja curto, o organismo prontamente se recupera; se for longo, o desgaste se acumula (Alves, Hökerberg & Faerstein, 2013).

- Trabalho ativo: caracterizado quando o trabalhador é exposto à alta demanda e a alto controle no ambiente laboral. Demonstra trabalhadores que permanecem motivados para desenvolver novos tipos de comportamento mesmo que isso os leve à exaustão emocional. Trata-se do efeito positivo do estresse, no sentido de advir um comportamento de motivação, novas aprendizagens e um padrão de enfrentamento positivo sob essas condições de alta demanda e baixo controle (Pereira et al., 2014).

- Trabalho passivo: caracterizado por baixa demanda e baixo controle, que favorece a redução da capacidade produtiva, fazendo com que o trabalhador se sinta num estado de apatia em decorrência da ausência de desafios e rejeição às suas iniciativas de trabalho (Costa & Ferreira, 2014; Alves et al., 2013).

- Baixa exigência: está relacionado à baixa demanda de trabalho, porém ao alto controle. Pode ser considerada como uma situação confortável, porém, trabalhos assim tendem a ser desinteressantes e representam experiências que podem gerar grande carga de estresse psicológico, levando, inclusive, ao adoecimento físico e psicológico (Costa & Ferreira, 2014).

Essas experiências do trabalho caracterizam dimensões independentes que variam de alta a baixa, criando assim quatro possibilidades de combinações, facilmente representadas por um gráfico de quatro quadrantes, no qual a demanda psicológica se estabelece no eixo das abscissas, enquanto o controle é representado no eixo das ordenadas, como apresenta a figura 1:

 

 

A utilização do gráfico para representar o MDC permite uma melhor compreensão do que foi chamado por Karasek (1979) de trabalho ativo e passivo. No gráfico, a diagonal "A" representa o risco de o trabalhador desenvolver doenças de ordem psicológica ou física, como, por exemplo, fadiga, ansiedade, depressão. A doença física acontece quando a demanda psicológica do trabalho é maior e o grau de controle do trabalhador sobre o trabalho é menor (Quadrante 1). A diagonal "B" mostra a motivação que o indivíduo tem em desenvolver novas formas de comportamento. Observa-se que, embora o trabalhador esteja exposto a altas demandas psicológicas, o controle sobre como fazer o seu trabalho é tido como um desafio e estimula o trabalhador em suas atividades laborais (Costa & Ferreira, 2014).

O MDC privilegia duas dimensões psicossociais no trabalho, que são: o controle sobre o trabalho e demanda psicológica advinda do trabalho. A partir da combinação dessas duas dimensões, o modelo distingue situações de trabalho específicas que, por sua vez, estruturam diferentes riscos à saúde.

Para Karasek (1979), as insatisfações com o trabalho e a depressão apresentam-se como duas fortes reações ao estresse causado pelo contexto do trabalho. O autor explica que a insatisfação no trabalho caracteriza sentimentos negativos em relação a ele, que podem ser provocados por situações de estresse ou depressão como resultado da tensão ocupacional, podendo resultar ainda na redução da capacidade de lidar com problemas ou desafios no trabalho, perda da motivação, sentimento de tristeza ou desamparo, muito comumente associados à diminuição da produtividade, consequências estas também percebidas no presenteísmo. Essas situações podem provocar ainda sintomas como dores de cabeça e nas costas, náuseas, vômitos, dificuldades respiratórias, baixa imunidade, hipertensão, doenças cardiovasculares e outros (Pereira et al., 2014). O presenteísmo pode ser uma consequência tanto das interferências nos aspectos psicológicos do trabalhador quanto na saúde física dele.

De acordo com a revisão sistemática dos artigos que utilizaram o MDC da América Latina de 1979 a 2010, realizada por Geco, Magnago, Prochnow, Beck & Tavares (2011), o primeiro estudo a ter como base teórica o MDC no Brasil é um estudo com enfermeiros hospitalares da Bahia realizado por Araújo (1999). Mais tarde, estudos como esse seriam replicados ao investigar a adequação do MDC para uso em pesquisas sobre o estresse ocupacional, as condições de saúde e o trabalho de docentes e cirurgiões-dentistas.

Araújo, Aquino, Menezes, Santos e Aguiar (2003a) realizaram um estudo transversal que concluiu que há uma associação positiva entre o trabalho em alta exigência e sofrimento psíquico, sintomas depressivos e distúrbios psíquicos menores em enfermeiros hospitalares. Ao relacionar esses estudos com os achados de Franco, Durck e Seligmann-Silva (2010), percebe-se que os impactos na saúde como os provocados pelas altas demandas de trabalho são as principais causas de presenteísmo (Presseau et et al., 2014). O adoecimento físico e mental, assim como o próprio presenteísmo, são ainda maiores quando há a impossibilidade de se ausentar para o tratamento de saúde devido às altas demandas de trabalho. De acordo com esses autores, o presenteísmo é um dos fatores que antecedem o esgotamento físico e mental, a exaustão, a síndrome de burnout, o estresse e a depressão.

Prisco, Araújo, Almeida e Santos (2013) utilizaram o MDC para analisar os fatores psicossociais do trabalho, mais especificamente o estresse ocupacional, e sua relação com os transtornos alimentares. Observou-se, nesse estudo, maior prevalência de bulimia nervosa e transtorno da compulsão alimentar periódica no grupo de trabalho de alta exigência (situação em que a atividade laboral é realizada sob alta demanda psicológica e baixo controle). Essa situação é considerada responsável por efeitos negativos sobre a saúde, incluindo transtornos mentais comuns e doenças cardiovasculares. Aronsson e Gustafsson (2005) afirmam que ter um problema de saúde é uma forte causa de presenteísmo. Johns (2010) corrobora com a afirmação ao enfatizar que ter um problema de saúde é um fator preponderante no presenteísmo.

Pereira et al. (2014) consideraram o MDC para avaliar a relação entre as queixas musculoesqueléticas e o estresse relacionado ao trabalho de músicos de uma orquestra. Foi observado nesse estudo que a maior parte dos músicos apresentou percepção de trabalho ativo, ou seja, estão submetidos a altas demandas e alto controle em seu trabalho, o que, por um lado, gera autonomia criativa e percepção positiva de seu trabalho, mas por outro pode desencadear maiores cobranças pessoais, maiores índices de cansaço mental, nervosismo, diminuição da qualidade de vida e, consequentemente, dificuldade de se ausentar do trabalho, provocando o presenteísmo.

No Brasil, a utilização do MDC para estudos de questões relativas à organização do trabalho e de suas repercussões sobre a saúde do trabalhador vem crescendo acentuadamente (Araújo et al., 2003b; Fogaça, Carvalho, Nogueira & Martins, 2009; Feijó, Câmara & Luiz, 2014; Gego et al., 2011; Griep, Rotenberg, Landsbergis & Vasconcellos-Silva, 2011; Lima, Assunção & Barreto, 2015; Mascarenhas, Prado & Fernandes, 2013; Pereira et al., 2014; Prisco et al., 2013; Schmidt, 2013; Theme Filha, Costa & Guilan, 2013; Zapelão & Martino, 2014; entre outros). Esses estudos testam a eficácia do MDC e comprovam a relação entre as demandas de trabalho e o adoecimento do trabalhador. Uma vez submetidos a altas demandas, a possibilidade de o trabalhador se encontrar debilitado física ou psicologicamente aumenta consideravelmente. Estando o adoecimento do trabalhador diretamente relacionado ao fenômeno do presenteísmo, tem-se que o MDC é um modelo de grande importância para a compreensão desse fenômeno.

 

Discussão

Presseau et al. (2014) consideram que as demandas, o controle e o apoio social no trabalho possuem relação significativa com a saúde do trabalhador. Ter um problema de saúde é uma forte causa de presenteísmo (Aronsson & Gustafsson, 2005; Johns, 2010).

O MDC pressupõe que a saúde dos trabalhadores é impactada principalmente por ambientes de trabalho com altas demandas e baixo controle, que dão origem ao estresse organizacional. Assim, profissionais submetidos a baixo controle, alta demanda psicológica e baixo nível de suporte tendem a ter mais desgaste, mais sofrimento e insatisfação (Johnson, Hall & Theorell, 1989). Os estudos sobre o presenteísmo validam esses pressupostos, uma vez que indicam estar o fenômeno diretamente relacionado à saúde emocional e à qualidade de vida do trabalhador, ao passo que quanto mais desgaste e insatisfação ele encontra em sua rotina laboral, maior a probabilidade de desenvolver, ao longo do tempo, doenças crônicas ou emocionais. O trabalhador presenteísta, mesmo com queixas de saúde, tende a comparecer ao trabalho, negligenciando os primeiros sintomas de adoecimento.

De acordo com o MDC, à medida que o controle do trabalho aumenta, amortece-se o impacto das altas demandas do trabalho. Observa-se que esse controle pode ser exercido pelo trabalhador quando lhe é possibilitado realizar escolhas e ter autonomia em seu trabalho. Da mesma forma, a influência do suporte social ameniza o impacto de fatores estressores, aumentando a sensação de bem-estar. Quando o trabalhador percebe que poderá contar com o apoio da chefia ou de seus colegas para se afastar e cuidar de sua saúde, caso haja necessidade, ele se torna mais seguro e vê diminuída a preocupação que potencialmente levaria ao estresse ou esgotamento mental, variáveis que antecedem o presenteísmo.

As descobertas de diversos autores que testaram o MDC, assim como Karasek (1979), concluíram que o trabalho realizado em condições de baixo controle e alta demanda é nocivo à saúde dos trabalhadores. Esse fato pode ser observado principalmente quando o controle se relaciona à estabilidade no emprego. A ameaça iminente do desemprego faz com que o absenteísmo reduza e as taxas de presenteísmo sejam elevadas (Antonio Garcia, 2011; Ribeiro, 2011). Barreto (2003) acrescenta ainda que os sintomas de adoecimento e a própria dor são silenciados pelo medo de perder o emprego, fazendo com que o trabalhador compareça ao trabalho independente de queixas de saúde.

Por outro lado, alguns autores (Dew et al., 2005; Hansen & Andersen, 2008) defendem que o alto controle do trabalhador sobre seu trabalho seria potencializador de presenteísmo, uma vez que a autonomia e controle desenvolveria no trabalhador um senso maior de responsabilização. Independente da pressão da chefia ou dos colegas, o trabalhador se sente na obrigação de comparecer ao trabalho mesmo sentindo doente porque sabe que, quando do seu retorno, encontrará um quantitativo ainda maior de afazeres, provavelmente com tempo de execução diminuído. O trabalhador pode ainda se fazer presenteísta pela percepção de que sua ausência impactará no aumento de demanda para seus colegas ou na ausência da presentação de serviços para seus clientes ou comunidade (como no caso de enfermeiros e professores). O presenteísmo seria assim característica de lealdade, motivação e senso de responsabilidade.

Estudos de Pereira et al. (2014) já observavam maior exaustão emocional do trabalhador no trabalho ativo do que no passivo, considerando que altas demandas poderiam bloquear os esforços provenientes do alto controle, uma vez que demandas elevadas aumentavam o esforço de resposta. As demandas de trabalho também aparecem na literatura como um fator positivamente associado ao presenteísmo, sejam essas demandas físicas ou emocionais, como a pressão do tempo, cobrança por parte da chefia ou dos colegas e/ou a quantidade de trabalho a ser realizado. O trabalhador submetido a essas condições de trabalho – trabalho ativo – tende a comparecer mesmo se sentindo doente, a fim de evitar, quando do seu retorno, um ambiente de trabalho hostil, mal-estar perante os colegas ou chefia, ou ainda uma quantidade maior de afazeres com tempo reduzido para realização.

Quando o trabalhador está submetido a altas demandas de trabalho, está também potencialmente exposto a adoecimentos muscoesqueléticos, como dor lombar e no pescoço. A alta exigência promove no trabalhador uma predisposição ao adoecimento. Grativol (2008) lembra que a debilidade física ou psicológica pode tornar o trabalhador presenteísta e, consequentemente, reduzir seu desempenho no trabalho. Cabe salientar que as doenças crônicas são as mais identificadas em trabalhadores presenteístas, uma vez que são identificados pelos próprios trabalhadores como adoecimentos com os quais pode-se lidar, ao contrário do que acontece com adoecimentos de ordem aguda, que requerem afastamentos imediatos mesmo contra a vontade ou escolha do trabalhador. Por outro lado, as baixas demandas minimizaram os efeitos negativos do baixo controle no trabalho (Araújo et al., 2003a).

Dew et al. (2005) identificam que, quando as relações interpessoais no trabalho são precárias, segregadas ou onde há isolamento, o trabalhador tende a comparecer ao trabalho mesmo se sentindo doente, a fim de evitar aborrecimentos, constrangimentos, perturbações e humilhações por parte da chefia ou colegas de trabalho. Demandas de trabalho como a pressão do tempo e do ritmo de trabalho e cobranças por elevados níveis de atenção e concentração podem provocar tensões e, por conseguinte, sofrimentos e distúrbios mentais, evidenciados não apenas pelas doenças, mas também pelos conflitos interpessoais e extratrabalho (Mascarenhas et al., 2013). Dessa forma, percebe-se que as organizações que possuem ambiente de trabalho hostil promovem o presenteísmo, mesmo que não seja uma regra declarada ou imposição da chefia. Trata-se da escolha do trabalhador, que opta por ser presenteísta, a fim de garantir a tranquilidade – ou pelo menos a ausência de queixas – sobre si no trabalho.

Trabalhadores que têm seu trabalho caracterizado pelo grupo de alta exigência (situação em que a atividade laboral é realizada sob alta demanda psicológica e baixo controle) tendem a ter efeitos negativos sobre a saúde dos mais variados tipos, como transtornos mentais comuns, doenças cardiovasculares, muscoesqueléticas, cefaleias e outras. Na literatura científica, a prevalência das causas do presenteísmo normalmente está associada a cefaleias, enxaquecas, lombalgias, infecções respiratórias, estresse ou ansiedade (Silva & Sassi, 2010; Da Silva Junior, 2014; Pereira et al., 2014).

O presenteísmo pode estar associado a outros fatores e não somente aos problemas de saúde, como diversos fatores pessoais e organizacionais (Aronsson & Gustafsson, 2005). Quando testado numa amostra de enfermeiros hospitalares, o MDC demonstrou que fatores relacionados ao ambiente laboral são potencialmente produtores de estresse no trabalho, sendo as características individuais menos expressivas na explicação do fenômeno. Conclui-se que o baixo controle, aliado à baixa demanda, pode servir como fator desestimulador, contribuindo para a insatisfação profissional (Theme Filha et al., 2013).

 

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo analisar o atual estado da arte do conhecimento sobre o presenteísmo, enquanto fenômeno de estar presente no trabalho mesmo se sentindo doente física ou psicologicamente. O levantamento realizado demonstra que o MDC apresenta-se potencialmente eficaz para a compreensão de fenômenos psicossociais relacionados ao trabalho, uma vez que indica que demandas, controle e apoio social impactam na saúde do trabalhador.

Observa-se que o trabalho com alta exigência concentra maiores riscos à saúde dos trabalhadores, assim como que o trabalho realizado com altas demandas, ainda que em situação de controle, pode ser prejudicial à saúde psíquica dos trabalhadores. Quando envolve alta demanda psicológica e baixo controle, o ambiente psicossocial do trabalho pode impor desgaste danoso, com consequências negativas para a saúde física e mental do trabalhador. Por outro lado, todas essas consequências advindas das demandas de trabalho e do controle são aspectos do trabalho que impactam no fenômeno de comparecer ou não no ambiente de trabalho mesmo quando os trabalhadores estão acometidos por algum problema de saúde.

Vale ressaltar que a forma como os sintomas físicos ou psicossomáticos são percebidos pelos trabalhadores e a forma como esses sintomas interferem no bom funcionamento da organização são distintas e podem depender de outras causas oriundas tanto do contexto organizacional quanto das próprias características do trabalhador. O apoio social apresenta-se como um componente emocional que media/influencia a relação demanda-controle, de forma a amenizar o impacto de fatores estressores e aumentar a sensação de bem-estar no trabalho.

A revisão da literatura mostra que trabalhadores submetidos a altas demandas, baixo controle e ausência de apoio social no trabalho tendem a ser presenteístas, isto é, comparecem ao trabalho mesmo se sentindo doentes física ou psicologicamente, seja por receio de perder o emprego ou a fim de evitar constrangimentos e humilhações.

Pode-se perceber que trabalhadores que ocupam cargos de trabalho onde as exigências físicas, cognitivas ou sociais são altas tendem a ignorar sintomas de adoecimento físico ou psicológico e não se ausentar quando do advento de um problema de saúde, pelo senso de responsabilização profissional. Justamente por esse senso é que tendem a se submeter a altas demandas de trabalho, com ou sem controle ou apoio social, por períodos prolongados de tempo, tornando-se, assim, presenteístas.

O local de trabalho influencia de forma considerável na saúde do trabalhador. Dessa forma, é necessário que o ambiente laboral seja tomado como local de excelência para a implementação de estratégias promotoras de saúde, com o objetivo de prevenir e/ou minimizar o impacto do presenteísmo.

Percebe-se que a maioria dos estudos encontrados sobre o presenteísmo tem sua amostra voltada para o contexto de trabalho de profissionais da saúde (como enfermeiros e médicos) ou de docentes, havendo, portanto, raros achados sobre o tema com outras amostras.

Identifica-se, ainda, uma lacuna científica em razão da escassez de produções nacionais e internacionais que avaliem o presenteísmo e o MDC, tratando-se, portanto, de um amplo e carente campo de investigação.

 

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Endereço para correspondência
rosehelen.rh@gmail.com, helenides@gmail.com, arianafidelis.a@gmail.com

Enviado em: 12/09/2016
Aprovado em: 16/12/2016

 

 

1 Mestre em Psicologia. Instituto Federal de Goiás – IFG.
2 Doutora em Psicologia. Professora universitária. Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-Go.
3 Mestre em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-Go.

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