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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.20 no.1 São Paulo jan./jun. 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS/ORIGINAL ARTICLES

 

O enfrentamento do assédio moral pelos sindicatos: contribuições marxistas1

 

Trade unions coping with moral harassment: Marxist contributions

 

Terezinha Martins dos Santos SouzaI,2; Ivan DucattiII,3

IUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
IIUniversidade Federal Fluminense (UFF)

Correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio teórico discute o assédio moral no trabalho enquanto constituição e desenvolvimento de uma forma específica de violência no trabalho, enfatizando as consequências sobre a organização da classe trabalhadora, em especial os sindicatos, a partir do materialismo histórico-dialético (MHD). O assédio moral emerge na década de 1970 como uma forma de gestão necessária do capital para enfrentar sua contestação, tão mais eficiente quão pouco explícita. É a lógica do capital que organiza determinadas estratégias de atuação que visam impedir a classe trabalhadora de se unir, de se reconhecer como indivíduos com direitos comuns, como classe. O momento de descenso das representações de classe tem impactado negativamente as formas de resistência dos/as trabalhadores/as, mas saídas existem e devem ser construídas necessariamente no coletivo. A luta sindical esbarra em limites corporativos inerentes à sua própria natureza, mas pode ser travada até o limite, forçando conquistas e organizando a classe nesse processo. Faz-se necessário que a luta contra o assédio moral seja travada como luta de classe e não como luta cidadã, posto que esta é uma das estratégias do capital para sua perpetuação.

Palavras-chave: Assédio moral no trabalho, Organização sindical, Materialismo histórico-dialético, Marxismo.


ABSTRACT

This theoretical essay is a debate on moral harassment at workplaces from the historical-dialectical materialism standpoint, which discusses the constitution and development of a specific form of violence at work by emphasizing on the consequences on the organization of the working class, particularly the trade unions. Emerging in the 1970s, moral harassment is a capital's required sort of management addressed against those who then used to contest it, becoming thus a much more efficient, but less explicit tool. It is the logic of capital that arranges certain strategies of action, which necessarily aims to prevent the working class from coming together to organize and to recognize themselves as individuals with common rights, as a class. Unfortunately, the fall time of working class representations has negatively impacted worker's means of resistance. There are ways for workers to go out of this situation, but they must necessarily be built collectively. Struggles through trade unions run into corporate boundaries, inherent in their own nature, but they can be held to their limits, by achieving and organizing the class in this process. This confrontation needs to be performed as class struggles and not as a search for citizenship since it is inscribed in capital's board of strategies of keeping its own perpetuation.

Keywords: Moral harassment at workplace, Union organization, Historical-dialectical materialism, Marxism.


 

 

Introdução

Para o materialismo histórico-dialético – arsenal heurístico utilizado neste trabalho – é o objeto que dita a metodologia a ser empregada em seu estudo. Dessa forma, ao pesquisar o assédio moral enquanto nova forma de violência no trabalho, faz-se mister utilizar o ensaio como opção metodológica, posto que ainda não há uma literatura suficiente a respeito. Pesquisadores/as que se debruçam sobre o tema correm o risco de apreender menos do que deveriam. Assim, da mesma maneira, estamos construindo agora esse lugar, na pesquisa, correndo riscos, o que exige atentar-se para aspectos que ainda não ganharam sua forma definitiva, que estão se constituindo: os elementos constitutivos são iguais, mas a cada movimento uma nova figura emerge.4

A organização da vida sob o modo de produção capitalista é violenta em si por se fundar na expropriação do trabalho, engendrando diversas formas particulares de violência que guardam em comum o impacto que causam sobre a saúde da população trabalhadora, com custos políticos, econômicos, sociais e éticos acerca do conjunto da vida societal. Como forma específica de violência no trabalho, o assédio moral, fenômeno próprio do período de reestruturação produtiva do capital, rebate sobre as organizações da classe trabalhadora, especialmente sindicatos, afetando negativamente a formação dessa classe.

Para demonstrar esses rebatimentos, faz-se necessário historiar algumas questões relativas ao comportamento do capital, em especial a partir da sua crise socioeconômico e política engendrada nos anos 1960, o que evidencia concreta e praticamente aquilo que, no nível da teoria econômico-crítica, reapresenta para o capital dois (eternos) problemas. O primeiro é a queda tendencial da taxa de lucros – o que significa que, para ocorrer aumento da mais-valia para compensar essa queda, exige-se o grande desafio para o capital, que é o de como aumentar a produtividade dentro dessa perspectiva contraditória. Em segundo lugar, o aumento da mais-valia para contrabalançar a queda do lucro leva a uma diminuição global da massa salarial; no plano político, historicamente, há uma tendência, por parte de trabalhadores/as em se unir contra esse tipo de medida – e o segundo desafio para o capital é como impedir a possível união e sublevação da classe trabalhadora.

Sobre esse segundo momento contraditório do capital, importa-nos destacar o caráter de tentativa de estancamento da ocorrência de união da classe trabalhadora no nível ideológico da gestão. Interessa-nos analisar como o capital organiza o comportamento social da classe trabalhadora, implicando em transformações no trabalho, que se dão tanto na objetividade quanto na subjetividade dos/as trabalhadores/as e ocorrem no modo de gerir a produção.

No início dos anos 1970, o capital utilizou-se da lógica lampedusiana: trata-se de mudar as coisas de lugar para que tudo continue como está, estratégia que assim se conformava: a lógica de exploração continua/aumenta, mas muda-se a gramática, edulcora-se o discurso da gestão; alia-se a intensificação da extração da mais-valia absoluta como for possível, com a intensificação da extração da mais-valia relativa.

As medidas objetivas para tal objetivo são variegadas, como desterritorialização da produção – mudança no chão da fábrica, isto é, a linha de produção pela ilha de produção; o trabalho parcelado e recortado pela atividade multifuncional; trabalho em equipe por participação "democrática" nas decisões (não substanciais da empresa, obviamente); a relação "um/a trabalhador/a – uma máquina" por "um/a trabalhador/a – quatro máquinas". As medidas subjetivas destinadas a produzir o/a trabalhador/a necessário/a para a execução de tais medidas também são variadas. Trata-se de não apenas vender a força de trabalho, mas também a parte imaterial dele, suas emoções, sob o velho mote de "vestir a camisa". Para tanto, a competente mass media, elemento fundamental do capital e a seu serviço, cria e faz circular um conjunto de enunciados que apresentam a firma como principal locus afetivo, digna depositária dos sentimentos de seus/suas trabalhadores/as. Uma das táticas utilizadas é mudar a denominação: de "empregado, funcionário, trabalhador" passam a ser "parceiro, colaborador, associado". Tal mudança visa esconder o caráter exploratório das relações entre patrões e empregados, apresentando-as como se fora relações de colaboração, parceria.

A parcela conservadora das ciências sociais comprometidas com a manutenção do establishment, com ênfase para aquelas ancoradas na Psicologia e na Administração,5 tratou de envidar esforços para tornar desejável nos/as trabalhadores/as as seguintes qualidades: "espírito de grupo" (o individualismo serial), "polivalência", "empregabilidade" e "competitividade", entre outras. Valeram-se da instrumentalização das emoções, da ênfase na pessoalidade, superestimando emoções narcísicas, isolacionistas, que pregam o abandono da vida pública, dos referenciais de classe, organizativos. Tal movimento propõe uma idílica (e reacionária) volta ao íntimo, ao internalismo, à família, ao privado. Construído esse isolamento, os antigos ideais coletivos são substituídos pela lógica do "eu primeiro", individualista ao extremo: estão prontas as condições objetivas/subjetivas para que, nessa pessoalidade, nesse isolamento individualista, o/a trabalhador/a seja atacado/a.

É justamente nesse contexto de ênfase na pessoalidade que surge o assédio moral, enquanto nova forma de gestão e controle, que, apesar de utilizar-se de características pessoais do/a assediado/a, visa atingir todo o coletivo, tomando esse/a trabalhador/a ou grupo como "bode expiatório", como exemplo de punição para que os/as demais silenciem. Dessa forma, é o coletivo de trabalhadores/as que se constitui como verdadeiro alvo do assédio, mesmo quando aparentemente o foco seja apenas uma trabalhador ou uma trabalhadora.

As razões objetivas que produzem o assédio moral, ou seja, as exigências do neoliberalismo são escamoteadas, e esse assédio aparece então como conflitos psicológicos entre trabalhadores/as. O assédio moral não é uma consequência indesejável da gestão do trabalho, mas um modo de geri-lo.

Mas se essa violência constitui-se enquanto nova forma de submeter o trabalho, essa tentativa de submissão e controlar o trabalho não o é. Vejamos a seguir quais as estratégias que o capital já construiu para atingir esse objetivo, ao longo de sua história.

 

O capital busca submeter o trabalho: reações/lutas sindicais

Desde o momento inicial em que o/a trabalhador/a se submete ao capitalista industrial,6 na manufatura, o processo de controle sobre o trabalho pelo capital já se encontra desenvolvido. A destreza manual, na qual se fundamenta o trabalho, comandava a ferramenta, a subsunção era formal e não real, e o/a trabalhador/a ainda tinha o saber sobre o como fazer o ofício. No entanto, no modo de produção especificamente capitalista, na fase industrial avançada, a maquinaria se converte em amo e senhor do trabalho vivo, controlando, subjugando e dominando-o. No âmbito da Revolução Industrial, a maquinaria foi introduzida no processo de trabalho como um instrumento eficaz na redução do preço da força de trabalho, sendo que o industrial também a usa como arma para, na arena da luta de classes, impedir as formas de resistência e organização dos/as trabalhadores/as. Ao substituir o trabalho vivo, a maquinaria se apresenta ao/à trabalhador/a como uma potência hostil que tomará seu lugar, de forma que o industrial maneja sua utilização com a possibilidade de substituir o/a trabalhador/a pela máquina.

Desde o final do século XIX, a produção capitalista ocorre nas indústrias modernas. Nelas as ocupações encontram-se separadas e a tarefa de cada trabalhador/a se reduz a operações muito simples. Lá o capital reúne e dirige os trabalhos, naquilo que ele chama de administração científica da produção. Há uma divisão social do trabalho que o capital gerencia. Como lembra Netto (1989),

a consolidação do mundo burguês é, ao mesmo tempo, a articulação da sua negação. As modificações assinaladas não são as únicas a informar o novo modo de vida; elas se acompanharam, sempre e inevitavelmente e em todos os lugares, do protesto operário – já no século XVIII espocam rebeliões cegas, centradas na destruição das máquinas. (Netto, 1989, p. 12, grifo no original)

Enquanto classe para si, a primeira luta que a classe trabalhadora travou foi o ludismo,7 movimento no qual quebravam as máquinas, a quem imputavam a razão de sua miséria. Foram necessários tempo e experiência para que o/a trabalhador/a aprendesse a distinguir a maquinaria de sua aplicação industrial, para não destruir os meios materiais de produção, e começasse a combater a forma social em que era explorado/a.

A regularidade das greves na Inglaterra deu lugar à invenção e à aplicação de algumas máquinas novas, como resposta capitalista nesse tipo de luta. Os industriais empregavam as máquinas como arma contra a revolta, isto é, buscava-se cada vez mais substituir o trabalho vivo pelo morto. Apesar de as colisões e as greves terem tido o objetivo de se voltar contra os esforços do gênio mecânico, esses movimentos acabaram, contraditoriamente, por exercer uma imensa influência sobre o desenvolvimento da indústria, no que tange às substituições de novas e mais modernas máquinas.

A partir dessa problemática, coloca-se uma intricada questão, que é compreender como se gestam, no plano geral das lutas operárias, as reações por parte dos/as trabalhadores. A grande indústria que, numa unidade de produção, aglomera uma multidão de pessoas desconhecidas entre si, tem a seu favor a concorrência entre elas, o que divide os seus interesses enquanto classe. Porém, a manutenção do salário, interesse comum que operários/as têm contra seu patrão, reúne-os/as num pensamento único de resistência, uma coalizão. Esta tem sempre um duplo objetivo para os/as trabalhadores/as: primeiro é fazer cessar a concorrência entre eles/elas, para que essa possa transformar-se em uma concorrência geral aos industriais, seus reais opositores. Mas ao aumentar a coalizão dos/as trabalhadores/as, os industriais, em contrapartida, se reúnem para reprimi-los/las. E tal coalizão, que no início era por salários e ocorria de forma isolada, faz com que trabalhadores/as se agrupem com o objetivo (segundo) de manter a própria associação, e torná-la mais importante que a manutenção dos salários. Essa foi a marca de lutas no século XIX, na Europa.

Ainda que os trabalhadores/as se organizem, a sua exploração se mantém, sempre com a imposição do aumento de produtividade: esse fenômeno permite a dispensa de massas de trabalhadores/as, engrossando as longas filas de desempregados/as. Ao pensamento econômico burguês, couberam, porém, teorias como a da compensação para trabalhadores/as desempregados/as pela máquina. Tais economistas afirmavam que, simultânea e necessariamente, a maquinaria liberaria capital adequado para empregar trabalhadores/as por ela dispensados/as. Marx (1989) negara tal teoria, afirmando que, no movimento real do capital, o que tem ocorrido é o aprisionamento de capital com sua transformação de variável em constante. Na realidade, a maquinaria, como instrumental, encurta e facilita a tarefa, sendo uma vitória do ser humano sobre a natureza; contudo, para o industrial – o que caracteriza assim o modo de produção capitalista –, a maquinaria não é mais do que um modo de incrementar a produção de mais-valia, e não um avanço para os/as trabalhadores.

Ainda sobre a maquinaria, o acréscimo de trabalhadores/as empregados/as em fábricas é apenas aparente, fenômeno que decorre da anexação progressiva de ramos correlatos que se vão mecanizando. Marx (1989) pôde afirmar que a maquinaria passou a destruir a manufatura e o artesanato, fazendo com que nações que dependiam dessas duas últimas formas se tornassem produtoras ou exportadoras de matéria-prima (colônias fornecedoras) para a mãe-pátria, criando-se uma nova divisão social do trabalho, agora em nível internacional. Portugal é um exemplo clássico de país que, já no século XVIII, perdera quase totalmente a capacidade de produção fabril, o que levou ao acirramento da colonização agrária no Brasil.

As primeiras grandes indústrias mecanizadas foram as têxteis. Consequentemente, para seu funcionamento e ordenamento, criou-se uma legislação fabril, que teve papel fundamental para a indústria moderna, mas incompleta para resguardar minimamente as condições de vida dos/as operários/as. Marx (1989) analisou a legislação fabril inglesa, destacando suas disposições relativas à higiene e à educação, que eram extremamente pobres, fáceis de serem burladas pelo industrial, pois o rigor no seu cumprimento punha em risco a autoexpansão do capital. Na educação, no que se refere ao emprego de crianças (que trabalhavam menos horas que os adultos), houve boa conjugação de educação e ginástica com o trabalho manual. Essa conjugação garantia boa produtividade no trabalho e bons rendimentos escolares que, por sua vez, ajudavam a capacitar tecnicamente ao trabalho – o que continua sendo um imperativo para a educação das classes trabalhadoras que conseguem se inserir no processo formal de ensino e aprendizagem.

Ainda sobre a ginástica, ela proporcionava boas resistências físicas, melhorando, em consequência, o trabalho manual – outro item positivo ao capital. No segundo decênio do século XXI, se observarmos o ambiente de trabalho, administrado pelas técnicas modernas de gestão, em tempos de reestruturação produtiva, percebe-se que vastos setores sociais têm destacado a (suposta) novidade da ginástica laboral, de seu papel na qualidade de vida etc., bem como a necessidade de "educar para o trabalho" (educar para o mercado). São práticas primevas da era do capital, que se reatualizam, seduzindo parcelas do pensamento social, compostas principalmente de acadêmicos e sindicalistas, pouco afeitas a analisar a história.

A base técnica da indústria moderna é revolucionária para a reprodução social da vida, enquanto os modos anteriores de produção eram essencialmente conservadores. A indústria moderna revoluciona constantemente a divisão social do trabalho dentro da sociedade. Com isso, são lançadas massas de capital e de trabalhadores/as de um ramo a outro, lógica impensável nas eras medievais, em que praticamente não havia migração de uma guilda8 para outra: seria praticamente impossível que um trabalhador medieval se deslocasse de um ramo de produção para outro diverso – deixar de ser marceneiro para se tornar ferreiro, por exemplo.

Com o trabalho se transformando em apêndice da máquina, com o trabalho vivo sendo substituído pelo morto da máquina, com a maquinaria se apresentando como uma potência hostil, o capital consegue incidir sobre a subjetividade dos/as trabalhadores/as, construindo subjetividades adaptadas aos seus ditames históricos e, consequentemente, buscando impedir o surgimento de contestações. Afinal, o capital sempre incidiu sobre a subjetividade da classe trabalhadora, aprisionando-a, mas, no capitalismo contemporâneo, surge um traço novo, que é a conformação dessa subjetividade por mediações distintas. Na reestruturação produtiva, novas e refinadas formas de dominação se despontam, com ênfase na potenciação das emoções do conjunto dos/as trabalhadores/as (Souza, 2006). Porém, faz-se mister demonstrar como o arsenal metodológico do materialismo histórico-dialético, que aborda as categorias do modo de produção capitalista e sua relação com o controle/gestão da força de trabalho, permite analisar aquilo que, desde a década de 1970, funciona como tática de controle da classe trabalhadora, o assédio moral no trabalho.

 

O futuro em direção ao passado: a reestruturação produtiva

O atual padrão de acumulação de capital, por intermédio do processo de reestruturação produtiva, implantado pelo capital na passagem dos anos 1970 e 1980, tem se caracterizado ora pela introdução de inovações tecnológicas – robótica ou informática –, ora pela implantação de novas formas de organização e gestão do trabalho, tendo como consequência o alargamento do horizonte das discussões teóricas. Essas discussões têm buscado apreender o fenômeno e têm abarcado desde as formas de inserção na estrutura produtiva até as formas de representação sindical e política, abrangendo a materialidade dessas transformações e subjetividade dos/as trabalhadores/as nesse processo.

A reestruturação produtiva se dá em escala global, posto que se torna necessário ao capital reformular a produção para além do financeiro, o que significa organizar a dominação num movimento ideopolítico. Daí o neoliberalismo – seu plano ideológico atual – vem como resposta de legitimação desse processo global. O que se percebe é o desenvolvimento de uma "financeirização" do capital, o que significa a expressão do capital bancário, produtivo e volátil. Tal movimento ocorre em escala planetária, e é nesse contexto que se assiste ao processo de reestruturação produtiva (Antunes, 1999), uma nova fase do capitalismo.

No que tange à vida dos/as trabalhadores/as, seu controle incorre-se ainda mais ao capital, como necessidade da reestruturação produtiva. O controle por parte do capital não é novo nem original, podendo ser historicamente observado no modelo fordista/taylorista como desdobramento do controle do processo de trabalho. As características dos novos processos produtivos são variadas: efetua-se a substituição do trabalho desqualificado pelo/a operário/a polivalente (Antunes, 1995), em que ele/a "aparece" como integrando uma equipe em vez da linha individualizada. Espera-se que produza um elemento para a "satisfação" da equipe que está na linha, ao invés de meras mercadorias para alguém que não se conhece – o consumidor final. Esse processo solicita todo um envolvimento emocional por parte dos/as trabalhadores/as, toda uma nova sociabilidade surge nesse contexto. Ocorre a flexibilização da produção, com novos padrões de produtividade e novos padrões de gestão de força de trabalho, baseados na "cooptação" dos/as trabalhadores/as. Exige-se envolvimento emocional com a empresa, numa suposta cooperação. Trata-se, na realidade, de um envolvimento manipulatório, que obedece à lógica das socialidades forjadas na lógica de produção de mercadorias.

Na acumulação flexível, o controle agora não é mais exercido, formalmente, por uma pessoa denominada para tal fim e como tal reconhecida, como o supervisor, mas é um controle internalizado, o controle é exercido de cada um sobre si mesmo e sobre o outro, parceiro de tarefas. Para tanto, recorre-se ao uso manipulatório das emoções,9 dos afetos, posto que é necessário ocultar o domínio que o capital exerce, naturalizar os processos de controle de tal modo que eles apareçam como internos, inerentes à "natureza humana" e, como tal, impossíveis de combater. Para que esse processo ocorra, são necessários métodos de gestão/controle com uma nova qualidade, com um forte apelo às emoções.

Para impedir as sublevações, se faz necessário que a consciência dos/as trabalhadores/as restem no patamar da alienação, no qual, alheios de si, alheios do outro, alheios da natureza, não se reconheçam como sujeitos portadores dos mesmos interesses e compitam entre si. Para tanto, gestam-se diversos mecanismos, complexos e variados. O controle exercido sobre a subjetividade dos/as trabalhadores/as se dá de forma implícita, subjacente, que implica o/a trabalhador/a com a empresa, com a qual ele/a estabelece laços afetivos. Dessa forma, a vigilância exercida de fora passa a ser aparentemente dispensável, trabalhador/a internaliza as regras, toma-as como suas, adota-as. O que dificulta (mas não impossibilita) as possibilidades de rompimento, pois não há como burlar aquilo que não se reconhece como controle, não há como burlar a autovigilância.

A nova forma de gestão do trabalho aumentou muito a exigência sobre trabalhadores/as, ainda que esse aumento apareça como uma forma mais democrática de gestão de pessoal. Isso tem levado à intensificação do trabalho, luta que o toyotismo eleva ao paroxismo contra os tempos mortos. Muda assim a relação "um/a trabalhador/a – uma máquina" para "uma equipe – um sistema", em que cada trabalhador/a opera em média cinco máquinas, isto é, constrói-se uma flexibilidade na produção. Esta exige mais trabalho, pois demanda-se usar o mínimo de operários/as com aumento de horas extras em vez de se contratar novo/as trabalhadores/as.

Como a produção pode aumentar e, logo em seguida, diminuir, o/a trabalhador/a tem que ser flexível, pois pode trabalhar mais horas hoje e menos amanhã. Essa variação redunda em que se disponibilize o mesmo tempo do não trabalho para uma eventual "utilização" pelo patrão, o que vai plantando as bases subjetivas para a subsunção real de toda vida social ao capital (Tumolo, 2003). Vale afirmar que o/a trabalhador/a, psiquicamente, está sempre à disposição do capital, sempre alerta para atender o seu chamado. Sua vida fora do emprego é perpassada pelo capital, por não ter como assumir, no tempo do não trabalho, outros compromissos que demandem horários fixos, pois esses horários podem coincidir com o horário em que o capital, porventura, o/a solicite.

Outra exigência necessária no perfil do/a trabalhador/a toyotista é a polivalência. Isso significa que a organização do trabalho em forma de equipe exige que o/a trabalhador/a deve não só desempenhar seu papel, como também auxiliar outro membro da equipe que venha a faltar, morrer ou... ser despedido/a. A polivalência é necessária não só para desempenhar o papel de um outro membro da equipe, caso necessário, mas principalmente para exercer sua própria função. O/a trabalhador/a que opera em média cinco máquinas pode deparar com máquinas muito diferentes e deve saber lidar com elas; em momentos de baixa produção de um grupo de máquinas, ele/ela pode ser chamado a executar outras funções, que podem ser bem diversas da de sua função original e deve estar pronto/a para isso. Na polivalência, reside uma das razões centrais pela qual o capital tem, no toyotismo, aumentado a utilização da força de trabalho das mulheres. A polivalência é uma das qualidades que a educação de gênero mais cultiva nas mulheres: na vida cotidiana, elas devem lavar, passar, cuidar de filhos, do marido, cozinhar, ser carinhosas etc., isto é, são treinadas para exercerem funções, às vezes, contraditórias entre si, no exercício do seu papel de gênero.

É importante frisar que as mudanças introduzidas pelo capital, que ganham uma configuração mais nítida inicialmente no Japão, pelo toyotismo, não ocorrem sem resistência da classe trabalhadora, que historicamente aprendeu a se rebelar no Ocidente, desde o início do século XIX, e a quem o capital interessava atrair para o seu conjunto de ideias, porém de uma forma nova, mais "democrática". Dessa maneira, gesta-se um conjunto de normas objetivas, que, para além de atuar sobre o fazer concreto do/a trabalhador/a, busca criar uma nova subjetividade na classe.

No Japão, a burguesia industrial preparou ataques aos combativos sindicatos e, após várias tentativas, conseguiu derrotá-los, cooptando trabalhadores/as e criando sindicatos atrelados à fábrica, com uma política de colaboração entre patrões e empregados/as. O processo ocorrido na fábrica Toyota se disseminou, com diferentes graus de adaptação e penetração, para todo o planeta (Andressen, 2002). Isso significa afirmar que a implantação do toyotismo, com seus métodos ideológicos que visam obter a cooperação dos/as trabalhadores/as, tem conseguido cooptar/seduzir parcelas consideráveis dos/as trabalhadores/as, bem como de suas direções. Tais métodos, como bem demonstra a história econômica, têm surtido efeito – não sem o enfrentamento de oposições – ao capital industrial, mas o alcance dessa cooptação tem penetrado também setores que se constituíram como hostis ao capital, como os sindicatos, partidos de esquerda etc.

 

Construindo a submissão

Em cada época histórica, o capital faz emergir emoções que interessam ao seu modo de gestão (chefias autoritárias) e tem criado situações concretíssimas (medo do desemprego). Em momentos de refluxo das representações de classe, ele tem aproveitado para implantar suas políticas de dominação mais intensivamente. Na acumulação flexível, observa-se o aumento do trabalho morto e a diminuição do vivo. O capital consegue, utilizando maciçamente os processos de automação, dispensar força de trabalho e substituí-la por máquinas, intensificando o desemprego estrutural, o que faz aumentar nos/as trabalhadores/as o "fantasma da demissão", se configurando como questão favorecedora do advento do assédio moral.

Essa conjuntura, tão prenhe de destruição, pode impactar de tal forma as forças progressistas, que muitos buscam a saída no niilismo, na desistência, no irracionalismo, obstando qualquer forma de resistência.

Na imaginação e na consciência dos seres humanos envolvidos no processo de produção capitalista – seja o capitalista, seu/sua ideólogo/a ou o/a operário/a –, veem-se as "coisas" sobre as quais se pretendia que aqueles agissem, pacífica e naturalmente, erigirem-se em fetiches dotados de alma e vontades próprias, assumirem o vulto de que se tinham despojado os agentes da produção, para se tornarem "funcionários" anônimos do capital e do trabalho (Maffi, 1969).

Dessas constatações, dois fatores são importantes para serem questionados. O primeiro é pensar o processo de "adestramento" do/a trabalhador/a; o segundo é pensar os processos ideológicos que tentam "capturar" a consciência das classes trabalhadoras – como se vê nas diversas práticas toyotistas (5S, just in time, kanban etc.), na internalização da vigilância, que dispensa "o supervisor e o chicote". Isso significa analisá-los não apenas como processos de dominação, mas como processo de exploração, pois a vigilância e a autovigilância são, sobre o ritmo de trabalho e desperdício na produção, processos econômicos, constituintes do processo de valorização do valor, que exigem.

Elevação da produtividade do trabalho em geral, uma modificação no processo de trabalho por meio da qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para produção de uma mercadoria, conseguindo-se produzir com a mesma quantidade de trabalho quantidade maior de valor de uso. (Marx, 1989, p. 362)

Parte-se do pressuposto de que à determinada estrutura corresponde uma dada superestrutura, mediada dialeticamente por relações sociais complexas, donde se afirma que as novas formas de organização da produção, a partir dos anos 1970, trazem mudanças substanciais que incidem sobre a objetividade/subjetividade da classe trabalhadora. Uma característica central dessas novas formas de gestão é o manejo da emoção dos/as trabalhadores/as, de modo a modelar a percepção política, ocorrendo um refinamento do processo simbólico, em que a repressão ocorre não de forma explícita, mas é internalizada pelos sujeitos. Nesse contexto de acumulação flexível do capital é que surge o assédio moral no trabalho como forma de gestão necessária do capital para enfrentar sua (mais forte) contestação advinda dos/as trabalhadores/as (Souza & Ducatti, 2013).

Novas formas de gerir o trabalho são implementadas. Na aparência elas apontam para uma maior democratização das relações no interior dos locais de trabalhos, mas que alteram apenas as relações mais superficiais, sem tocar em aspectos centrais do sistema. O apelo à cooperação e ao envolvimento emocional, como por construções ideológicas do tipo "somos todos uma família", produz um deslocamento da família como locus afetivo central para o local de trabalho. O/a trabalhador/a é instado/a a identificar-se completamente com o lugar em que trabalha, a encará-lo como "sua própria casa", internalizando uma relação de pertencimento, traduzido na linguagem por expressões como "colaboradores", "parceiros" etc.

Essa forma de gerenciar o trabalho, com o forte apelo às emoções, não tardou a apresentar profundas repercussões sobre a saúde da classe trabalhadora. Ora, se o mote central da relação de trabalho é expresso agora como uma relação afetiva, o melhor modo de lidar com aqueles/as que apresentam alguma discordância e que por algum motivo (como o adoecimento pelo trabalho) não são mais produtivos/as como antes é atuar sobre essa emoção: o envolvimento emocional, isto é, o sentimento de pertença é utilizado para atrair os/as trabalhadores/as para corpo ideológico da empresa. E o contrário também é válido para essa lógica: se houver a necessidade de a empresa expulsá-los/las, propaga-se o sentimento de que eles ou elas "atrapalham" a equipe, constituindo estorvos para o grupo. Surge, então, o assédio moral como uma síntese e ferramenta desse modo de gerir.

 

O assédio moral no trabalho

Assédio moral é a exposição dos trabalhadores/as a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho, no exercício de suas funções (Barreto, 2005) e/ou em situações ligadas ao trabalho. É uma degradação deliberada das condições de trabalho, não se constituindo como um fato isolado e fortuito, mas é dotado de intencionalidade (Barreto, 2003).

O assédio moral encontra suas raízes no modo como o trabalho está organizado na acumulação flexível, constituindo-se como forma de gestão do trabalho, que se caracteriza por um conjunto de condutas praticadas por um chefe hierárquico ou pessoa detentora de poder, que sistemática e repetitivamente atua sobre o fazer profissional do/a trabalhador/a e contra sua subjetividade. Tais pessoas praticam deliberadamente a humilhação contra o/a trabalhador/a ou grupo, com medidas que visa isolá-lo/a de seus pares, fragilizá-lo/a emocionalmente, atacando-o/a na sua integridade psíquica e minando as bases da sua competência.

No assédio moral não é qualquer trabalhador/a que pratica a humilhação. Envolve poder, isto é, alguém que tem o poder objetivo nas mãos – seja o de demitir, transferir de local de trabalho, perseguir –, utiliza gestos, não necessariamente obscenos, mas vexatórios e humilhantes, sobre um/a trabalhador/a ou grupo hierarquicamente subordinado a essa pessoa, constituindo-se uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o/a trabalhador/a.

Quem "pode" humilhar são os que estão em posição de poder (chefes, supervisores, gerentes). Afirmar que qualquer um pode humilhar outro se inscreve entre as práticas naturalizantes e conservadoras, que buscam situar no indivíduo, na sua organização psíquica/biológica, a causalidade dos fenômenos sociais. Há teóricos, como Hirigoyen (2005a), Heloani (2003, 2004), Freitas, Heloani e Barreto (2008), que, equivocadamente, afirmam existir o assédio moral vertical (trabalhador/a humilhando trabalhador/a, sem relação hierárquica), e vertical ascendente (subordinado/a humilhando superior hierárquico). Apontar a subjetividade dos/as trabalhadores/as como causalidade do assédio moral, além de culpabilizar a vítima, desresponsabiliza perigosamente o sistema social que produz essa forma de violência.

A humilhação não ocorre de forma espontânea, ela tem um sentido: é na maior parte das vezes praticada em frente a outros colegas, para intimidar, na realidade, a todos/as. Os relatos mostram que as maiores vítimas são os/as contestadores/as (Barreto, 2003). Nesse sentido, humilhá-los/las publicamente impede que os demais, aqueles/as "mais quietos/as", se manifestem. A humilhação não é uma consequência indesejada das relações hierárquicas. Ao contrário, ela é desejada e consciente. Seu objetivo é impedir que os laços de solidariedade que romperiam com a competitividade se formem entre colegas de trabalho.

No processo de humilhação, a vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações. Ela passa a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Mas quem são os/as trabalhadores/as escolhidos/as para ser alvo do assédio moral? A resposta exige, porém, que voltemos à questão da gestão. O assédio moral é uma forma de gestão/controle do capital, tão mais eficiente quão pouco explícita. Para o materialismo histórico-dialético, o assédio moral não ocorre porque o/a trabalhador/a sofre de uma doença individual, de uma falha de caráter ou determinadas características psicológicas. Trata-se da lógica do capital que organiza determinadas estratégias de atuação que visam necessariamente impedir a classe trabalhadora de se unir para se organizar, de se reconhecer como indivíduos com direitos comuns, como classe. São estratégias que rebatem de forma desigual em sujeitos diferentes, com histórias de vida diferenciadas. A resposta à pergunta surge quando se observa aquilo que diz respeito às características dos/as assediados/as. Geralmente os/as maiores atingidos/as são trabalhadores/as que contestam, questionam e dão sinais de resistência (não aceitam gestão autoritária e ideologias de submissão ao trabalho). Em segundo lugar, há os/as adoecidos/as (pois momentaneamente produzem menos); em seguida, os/as técnicos/as eficientes (tendem a tornar públicas certas operações indevidas cometidas por administradores/as e gerentes, fora dos protocolos jurídicos e contábeis).

Uma das táticas utilizadas por quem assedia é ignorar a presença do/a trabalhador/a, não o/a cumprimentar, por exemplo. Essa tática, como tantas outras, aponta para o fato de que a humilhação nem sempre é explícita, mas é concreta. As práticas utilizadas pelo/a assediador/a – como retirar os meios de trabalho, não fornecer as informações ou condições de exercício profissional – "constroem" a incompetência do/a trabalhador/a: se o/a chefe não fornece os meios necessários para o exercício da função, fazendo-o de forma sutil, sem que os demais membros da equipe percebam, o que "aparece" para a equipe é justamente o fato de que o trabalho não está sendo executado. O/a próprio/a trabalhador/a percebe que não está fazendo corretamente o ofício, mas, sem condições de refletir sobre o processo que o/a acomete, sem consciência do processo do qual é vítima, internaliza a sensação de incompetência. Os sentimentos acerca de si se avolumam, contraditórios, pois ao mesmo tempo o/a trabalhador/a se sente perseguido/a, injustiçado/a, mas também se sente "em falta" de algum modo.

Essa sensação de "falta" decorre do fato de que o/a assediador/a objetivamente utiliza as características próprias do/a assediado/a para humilhá-lo/la. Isso significa utilizar características que o sujeito realmente possui (majoritariamente características que a sociedade contemporânea considera de menor valor, como ser negro/a, mulher, nordestino/a, gordo/a, homossexual etc.) e transformá-las em defeitos. Aqui entra a questão do irracionalismo, como já mencionado anteriormente. O preconceito é uma atitude irracional, utilizada pela empresa como arma para humilhar. Dessa forma, a humilhação ganha concretude, pois, ao olhar para si mesmo, o sujeito reconhece a "qualidade" que lhe fora atribuída. Não é falso que esse sujeito seja gordo, ou negro, ou homossexual, o que está oculto para todos/as, inclusive para o próprio sujeito, é que essa é uma característica humana e não um defeito.

Todo esse processo compromete a identidade do/a trabalhador/a, provocando medo, angústia, depressão, sentimento de inferioridade, insegurança, fragilização. Cresce, inclusive, de forma significativa, o número de suicídios em consequências do assédio moral.

 

Os sindicatos e o enfrentamento do assédio moral

"Mas o prolongado cativeiro, a incerteza do mundo,
o hábito de obedecer tinham ressecado
no seu coração as sementes da revolta"
(Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão)

Chegamos agora à conjugação que é central para este trabalho. Para Marx,

A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera das massas. A teoria é capaz de se apoderar das massas tão logo demonstra ad hominem, e demonstra ad hominem tão logo se torna radical. (Marx, 2005, p. 151)

Coadunado com essa premissa do método, o objetivo deste ensaio é auxiliar os sindicatos no enfrentamento do assédio moral que recai sobre os/as trabalhadores/as que eles representam. Se o sindicato é a instituição historicamente criada por trabalhadores/as para defender seus interesses perante o capital, torna-se inevitável pensar em quais os desafios que o sindicalismo encontra na contemporaneidade, para torná-los radicais, visto que "ser radical é agarrar a coisa pela raiz, mas a raiz, para o homem , é o próprio homem" (Marx, 2005, p. 151), mormente nas questões referentes ao enfrentamento do assédio moral no trabalho. Pensar esses desafios não é uma tarefa que possa ser analisada excluindo a discussão da luta de classes com as tarefas que esta impõe àqueles/as que buscam superar a ordem do capital. Em outras palavras, baseando-se naquilo que temos demonstrado até o momento, sobre a ingerência capitalista hodierna, o assédio moral deve ser analisado dentro do contexto de luta de classes.

Ainda que os sindicatos sejam, em tese, instrumentos de luta e de proteção da classe trabalhadora, eles não estão ausentes da crítica. Para o materialismo histórico-dialético, a crítica é necessariamente destruir, buscar os fundamentos, decompô-los para reconstruí-los de forma nova. A luta sindical, apesar de esbarrar em limites corporativos, inerentes à sua própria natureza, pode ser travada até o limite, forçando conquistas e organizando a classe nesse processo. Porém, essa luta deve ser travada como uma luta de classe e não como uma luta cidadã, como desejam muitos/as sindicalistas que preferem a conciliação (benéfica apenas aos empregadores) ao enfrentamento (possibilidade mínima de superação de injustiças e da ordem funesta do capital). O assédio moral se inscreve nas estratégias do capital para sua perpetuação. Equivocado é crer que tal fenômeno seja um mero processo de exclusão de cidadania.

A questão, neste momento, é descrever como o assédio moral concretamente ganha corpo nos processos de humilhação. São três as principais formas pelas quais sua ocorrência impacta a luta de classes, fragilizando o polo dos/as trabalhadores/as.

1. O assédio moral é uma forma de gestão que objetiva livrar-se de trabalhadores/as que apresentam obstáculos ao interesse do capital, representado por pessoas que têm o poder na empresa. A parcela mais assediada é exatamente aquela que conscientemente enfrenta e questiona o poder, o que significa que o sucesso do processo assediador já desfalca a classe trabalhadora de seus combatentes, incidindo diretamente sobre as batalhas de classe travadas no trabalho. O desfalque se dá de várias maneiras: demissão do/a assediado/a, transferência e isolamento, fatores que podem levar à desistência da luta, adoecimento mental, suicídio etc.

2. Oassédio moral também incide fortemente sobre a luta de classes na medida em que o sucesso do processo do assédio significa colocar o/a trabalhador/a isolado/a de seus pares. Tal trabalhador/a, isolado/a, em profundo sofrimento psíquico, volta-se para si mesmo/a, sua dor é tão imensa que impede o estabelecimento de laços de solidariedade. "Ora", diz esse trabalhador, "se meus companheiros de trabalho nem notam minha existência, se não se solidarizam comigo, como vou eu me juntar a eles para reivindicar algo?". E, na medida que a literatura aponta para um crescimento do número de assediados/as, esse processo se torna massivo e se perdem gerações inteiras de trabalhadores/as para o conformismo, se perdem possíveis combatentes.
A humilhação perpetrada no bojo do assédio moral atinge a autoestima, deteriora emoções e faz com que o/a empregado/a se sinta indeciso/a, confuso/a e inseguro/a. A sua dor é tão profunda que o/a isola dos/as demais companheiros/as de trabalho, dificultando sobremaneira a atuação dos órgãos de classe: ora, como fazer com que alguém se engaje em projetos coletivos se, ao ser assediado/a moralmente, os laços com seus colegas já foram esgarçados e ele/ela se sente absolutamente só, sem confiar nos pares?
Trabalhar se torna um pesadelo: surgem e se agravam problemas de saúde, desde um aumento das doenças profissionais até o comprometimento da sua identidade, que nas sociedades capitalistas são fortemente ancoradas no trabalho.

3. O conjunto de trabalhadores/as que não vivenciam em si mesmos/as a experiência de assédio moral, mas assistem à sua ocorrência com o/a companheiro/a, busca evitar quaisquer atos que o coloque na "fila do assédio". Esse/a trabalhador/a desenvolve mecanismos de defesa que ilusoriamente garanta sua invisibilidade adiante do/a assediador/a, para que ele/ela não seja também assediado/a. Esse mecanismo de defesa inconsciente se revela principalmente na recusa de participar de atos reivindicatórios, especialmente quando ligados aos sindicatos. Quando o/a sindicalista chega para propor qualquer discussão, ele/ela é recebido/a como causador/a de problemas, como aquele/a que pode complicar a vida alheia, colocando-o/a sob suspeição diante da chefia.

O sindicalismo referido aqui é o sindicalismo combativo, de inspiração socialista, que trava a luta sindical, mas busca ir além dela, porque os/as que aderiram à ordem obviamente não enfrentam esse problema, mas a intencionalidade revolucionária por si só não garante o acerto nos combates a serem travados. Nesse sentido, urge elencar práticas hoje existentes no sindicalismo que analiso como equivocadas.

 

Equívocos no enfrentamento do assédio moral no trabalho

"procurou-a unicamente nos trajetos do seu itinerário cotidiano, sem saber que a procura das coisas perdidas é dificultada pelos hábitos rotineiros e é por isso que dá tanto trabalho encontrá-las"
(Gabriel Garcia Márquez, Cem Anos de Solidão)

Cada época histórica lida de maneira diversa com o surgimento do novo. A maioria o repudia, só reconhecendo seu valor quando esse já se tornou velho; outros períodos fetichizam-no, transformando o novo em sinônimo de excelência, sem nem sequer conhecê-lo e tendo como consequência o seu descarte imediato assim que se torna velho, pois há a tendência em produzir o novo, mas não conhecê-lo e analisá-lo. Conhecer algo em processo de constituição sempre é um risco, pois só podemos compreender cabalmente uma determinada etapa no processo de desenvolvimento – ou inclusive o próprio processo – se conhecermos o resultado ao qual se dirige esse desenvolvimento, a forma final que adota e a maneira como o faz. O caminho torna-se mais fácil de compreender quando se conhece seu final; é esse desfecho, além disso, que dá sentido a cada etapa particular.

Os equívocos já detectados na prática social com o tema podem ser elencados da seguinte maneira:

1. Os (ainda raros) sindicatos que tomaram o tema como importante o fizeram premidos pelas denúncias trazidas pelos/as seus/suas associados/as e são pioneiros por isso. No entanto, não por sua deficiência, mas porque os estudos sobre o tema ainda são incipientes ou, em vários casos, francamente apologéticos do capital, esses sindicalistas acabam, sem querer, contribuindo para a banalização do tema. O assédio moral no trabalho é ainda um processo em constituição, mas com características passíveis de apreensão por meio de pesquisas. É uma maneira de violência no trabalho que coexiste, incorpora e utiliza de outras formas de violência, como racismo, sexismo, homofobia, porém estas não são idênticas a ele. Do mesmo modo, o conjunto de práticas opressivas e exploradoras que o capital faz recair sobre os/as trabalhadores/as não são todas assédio moral, mesmo que todas sejam deletérias. O assédio moral é um meio, não um fim. O capital não assedia pelo prazer de assediar, mesmo que alguns tenham muito prazer em fazê-lo; o capital utiliza o assédio como meio para que trabalhadores/as não reajam quando as políticas de precarização do trabalho forem implementadas. Quando um grupo de trabalhadores/as é demitido, quando as condições pioram e o ritmo do trabalho aumenta, o assédio moral já antecedeu a tudo isso, para que, ao implementar qualquer um desses atos, o capital não sofra contestações. Dessa forma, nomear todos os atos da gestão do capital como assédio moral contribui para lançar incertezas sobre o verdadeiro processo do assédio, que é um meio poderoso para implementar a política da empresa.

2. Premidos pela aparência fenomênica do assédio moral, que ao se tornar conhecido o faz exatamente pelo desgaste das relações entre trabalhadores/as na empresa, vários acadêmicos e sindicalistas seriamente comprometidos politicamente com a causa dos/as trabalhadores/as cometem um equívoco teórico ao analisar o assédio como se fora uma questão de problemas no relacionamento pessoal. Propõem-se então saídas como "discussão sobre ética", "aumento de ética", "formação ética de gestores" ou "formas de distensionar as relações entre pares". Colocada dessa forma, a ética aparece como uma qualidade pessoal que falta a tal ou qual gestor/a ou trabalhador/a e que pode se adquirir por vias determinadas. É importante frisar e repetir que o assédio moral obedece à lógica do capital; objetiva exatamente provocar a desunião entre trabalhadores/as, independente da ética pessoal das pessoas, que, quando (raramente) recusam o papel de assediador/a, necessariamente passam a fazer parte dos possíveis assediados/as. Como lógica do capital, seu rompimento não se dará pelo desejo isolado dos/as trabalhadores/as, mas pela sua ação organizada enquanto classe, que obviamente tem na vontade um componente indispensável, mas jamais suficiente ou determinante.

3. Informados pela lógica exposta no item anterior, busca-se dentro da empresa, especialmente nos setores responsáveis pela gestão de pessoal, chefia ou em ouvidorias, a parceria para enfrentar o assédio moral. O assédio moral no trabalho é uma forma de gestão consciente, desejada, praticada e permitida pela direção da empresa e é altamente exitosa enquanto tática de aumentar a produtividade, não do/a assediado/a, mas do conjunto que o cerca. Buscar dentro da empresa, nos seus escalões de mando, a saída para o assédio moral é, para usar uma expressão popular, pedir para "a raposa tomar conta do galinheiro". É na organização dos/as trabalhadores/as em coletivos que se discute a questão, sendo que tais coletivos devem estar fortemente atrelados à questão dos interesses históricos dos/as trabalhadores/as, e não só os interesses imediatos, que as saídas podem ser construídas.

4. Desarmadas teoricamente para discutir o tema, premidas pela realidade brutal do aumento do assédio moral e dos suicídios dele decorrentes, as direções sindicais acabam recorrendo a meios judiciais como única e principal luta para combater o assédio. A crítica a esse posicionamento se dá afirmando que, em primeiro lugar, trata-se de evitar a judicialização da vida social, que significa um superdimensionamento do poder de atuação da esfera das instituições da justiça e dos agentes jurídicos, tornando essa esfera o principal caminho de enfrentamento das questões sociopolíticas. Em segundo lugar, defende-se que, no combate a qualquer forma de ataque aos/às trabalhadores/as, todas as armas legítimas devem ser utilizadas, o que significa dizer que o sistema judiciário poderá ser acionado, sempre que se fizer necessário, mas não como arma principal. Tanto que no Brasil o combate ao assédio moral no trabalho, iniciado pela Dra. Margarida Barreto e seu coletivo, representado pelo portal assediomoral.org.br, formado por inúmeras profissionais das mais diversas áreas (entre os quais um dos autores deste artigo), tem buscado atuar com a área jurídica e ao Poder Legislativo, visando construir uma legislação de combate ao fenômeno.

5. Muitas direções sindicais, no momento de descenso de lutas ou desorientadas pela eterna repetição e parcialidade das lutas pelos interesses históricos dos/as trabalhadores/as, que sempre recomeçam do mesmo patamar, quando não do patamar inferior, buscam ampliar a atuação para a luta pelos direitos de cidadania. Para o materialismo histórico-dialético, a luta pelos interesses imediatos, corporativos e sindicais dos/as trabalhadores/as deve ser travada até o último recurso, tendo sempre como objetivo superar essa parcialidade, em direção aos interesses históricos dos/as trabalhadores/as. Mas os interesses históricos dos/as trabalhadores/as não são idênticos aos interesses da sociedade capitalista, o que significa dizer que as lutas por cidadania, contra a miséria, por exemplo, são lutas que se inscrevem no marco do reformismo, que confunde e lança ilusões sobre a classe trabalhadora, dificultando sua organização autônoma enquanto classe para si.

Obstante todos os empecilhos relatados para o enfrentamento do assédio moral no trabalho, é possível travar esse combate que se inscreve nas estratégias da luta de classes. As saídas somente podem ser construídas necessariamente numa perspectiva de classe e de modo coletivo.

 

Construção de saídas: legais, políticas, organizativas

A luta pelas mudanças nas condições dentro dos locais de trabalho, com a organização autônoma dos/as trabalhadores/as e não somente sua mobilização, deve ocorrer de modo a fortalecer as representações de classe e criar mecanismos coletivos pelos quais trabalhadores/as se reconheçam como sujeitos com o mesmo interesse, que é o fim da exploração/opressão. A resposta não está em fortalecer trabalhadores/as um/a a um/a (apesar de não se descartar a psicoterapia como uma das saídas), mas fortalecê-los/as enquanto classe, colocando-se em contato os que estão vivenciando ou vivenciaram o fenômeno e alertando os que (ainda) não o viveram. O desemprego estrutural e a mudança na conformação da classe trabalhadora – com o setor de serviços se agigantando, com o trabalho cada vez mais organizado em torno dos processos de automação que tendem a dispensar força de trabalho e substituí-la por máquinas – intimidam profundamente. Nesse sentido, urge que trabalhadores/as discutam formas de autogestão, que pressionem para que as práticas de gestão mudem, que os processos de trabalho sejam conhecidos por todos/as e não só pela chefia (transparência na gestão), para que todo/a trabalhador/a conheça o organograma de poder da empresa e possa saber para onde se dirigir quando precisa solicitar ou denunciar algo.

O assédio moral, por ser um fenômeno novo enquanto prática de gestão, por ser uma prática que tem na invisibilidade um dos seus pilares fundamentais, oferece desafios a quem lute para combatê-lo. Sugere-se assim que o/a assediado/a construa saídas, tendo como pressuposto o fato de que o assédio moral é um fenômeno coletivo, e seu combate também deve sê-lo. Para que ocorram tais saídas, faz-se mister introduzir e fortalecer nos coletivos de trabalhadores/as as seguintes recomendações:

- Não internalizar o assédio moral, isso ajuda a não se fragilizar;

- O/a assediado/a sofre o processo de assédio moral pelas qualidades que possui, não pelas eventuais fragilidades, naturais em todos os seres humanos;

- Reunir provas para a sua comprovação, anotando detalhes de todas humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do/a agressor/a, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa e o que mais o/a trabalhador/a achar necessário). Isso auxilia tanto para dar veracidade ao processo, como para manter a saúde mental do/a assediado/a, para que ele/ela mesmo/a não venha a duvidar de que isso aconteceu, por esquecer detalhes do ocorrido;

- Dar visibilidade, procurando ajuda dos colegas, principalmente daqueles/as que presenciaram o fato ou que já sofreram humilhações do agressor;

- Evitar conversar sem testemunhas com o/a agressor/a;

- Relatar em voz alta para que a maioria dos presentes ouça tudo o que o/a assediador/a fizer, dando assim visibilidade àquilo que ele quer que fique escondido;

- Procurar seu/sua representante sindical e relatar os fatos;

- Procurar o Ministério Público, o Ministério do Trabalho, a Câmara de Vereadores da cidade, a Assembleia Legislativa etc.

 

Conclusão

Netto (1998), no prólogo da edição comemorativa dos 150 anos do Manifesto do Partido Comunista, afirma que o grande significado da Revolução de 1848 foi a constituição do proletariado como sujeito de um novo processo emancipador, que necessariamente significa a ruptura radical com a ordem do capital. A classe que surge na cena política a partir de então pôde ter acesso à consciência dos seus interesses e tornou possível a emersão de um projeto sociopolítico próprio, autônomo, assumindo assim o protagonismo. Assim, para Netto (1998, p. XXVIII),

Uma teoria social assentada numa ontologia do ser social que credita ao trabalho o fundamento da socialidade não tem no proletariado um elemento externo e contingente: identifica nele o sujeito concreto de sua razão de ser.

É mister distinguir a positividade do papel de herdeiro das tradições libertárias e humanistas da cultura ocidental que a tradição marxista atribui à figura do proletariado da negatividade do papel de vítima passiva ou objeto paciente e sofredor que autores dos anos 1840 atribuíam ao operário (Netto, 1998).

No modo de produção capitalista, gestam-se ao mesmo tempo as contradições e as condições para a sua superação. O modo capitalista de explorar o trabalho torna inevitáveis as crises econômicas, potencializa os antagonismos entre as classes fundamentais (burguesia e proletariado) – processo que traz consequências em todos os âmbitos societais, visto que o capital é um processo totalizante (e totalitário). Ademais, os interesses vitais da maioria dos seres humanos são incompatíveis com o modo de produção capitalista, de forma que se torna imperativo, para que a humanidade exista, o rompimento com essa ordem societal. Esse processo de rompimento não é automático, mas "função da vontade política organizada da classe dos que trabalham de romper com esta ordem" (Netto, 1998, p. 30).

Vale lembrar que, no plano histórico-concreto, o proletariado dispõe de uma posição material-objetiva que o qualifica para o protagonismo revolucionário, posição essa necessariamente condicionada, dialeticamente, pelo nível de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Neste segundo decênio do século XXI, torna-se necessário que os sindicatos travem as lutas pontuais de cada categoria pelos interesses imediatos, pois essa é sua função. No entanto, faz-se necessário não esquecer a ligação dessas com a luta mais ampla, pelos interesses históricos da classe trabalhadora, que é a construção do socialismo, pois, enquanto estivermos sob o jugo do sistema capitalista, que transforma o trabalho – que foi responsável pela nossa transformação de macacos em seres humanos e é a gênese da vida – em instrumento de morte, não haverá saídas definitivas para aqueles que vivem da venda da sua força de trabalho.

O período histórico de estudos sobre o assédio moral é curto: no Brasil inicia-se com os estudos da Dra. Margarida Barreto na década de 1990. Porém, essa curta duração não inviabiliza o assédio moral como objeto de pesquisa, mas acrescenta dificuldades aos/às pesquisadores/as, pois como estamos em pleno processo, poucos traços ainda estão totalmente fixados, já que tudo se move muito rapidamente no mundo do trabalho, o que dificulta a apreensão de regularidades, de tendências e, por conseguinte, também das contradições e das ambiguidades. Mas esse desafio tem que ser enfrentado, e o ônus do pioneirismo, assumido, pois os futuros trabalhos corrigir-nos-ão e acrescentarão análises e fatos que completarão nossas falhas, nesse gigantesco processo de construção social do conhecimento.

Caracteriza-se o assédio moral no trabalho como processo de envolvimento manipulatório das emoções para gerir o trabalho, o que não significa sugerir a volta ao positivismo que, dicotomicamente, separa razão e emoção e toma o/a operário/a como "macaco treinado", como se afirmava no período taylorista-fordista da primeira fase do capital monopolista. Trabalhador/a que, enquanto classe, nas suas representações de classe, como o sindicato, se vê imerso no cotidiano de reivindicações pontuais, tendo poucas chances de refletir sobre suas práticas, a não ser quando elas apresentam-se sob forma de derrotas políticas. Este ensaio, então, tem visado auxiliar na crítica da prática sindical, crítica que na acepção marxiana significa superar, soerguer e analisar os processos, como parte do conhecimento necessário para que, como afirmado anteriormente, a classe trabalhadora se aproprie dele, transformando-o em força material capaz de auxiliar a transformação revolucionária da sociedade do capital.

 

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Endereço para correspondência
terezinha.souza@unirio.br, ivanducatti@id.uff.br

Recebido em: 30/11/2016
Revisado em: 21/05/2018
Aprovado em: 21/05/2018

 

 

1 Parte deste artigo foi apresentado como resumo expandido no Seminário Nacional de Teoria Marxista, realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) de 12 a 15 de maio de 2014, com o título "Formas de enfrentamento do assédio moral pelo sindicalismo: uma proposta marxista" (disponível em: https://goo.gl/S7vDo1).
2 Professora adjunta do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
3 Professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense.
4 O ensaio tem como base empírica a experiência de 20 anos de um/a dos/as autoras, que possui uma produção na área, inclusive com um grupo de pesquisa em uma universidade federal que trata do tema.
5 Enfatiza-se que essa parcela sofre forte oposição interna, a partir dos anos 1970, com o surgimento de linhas críticas na Psicologia e na Administração, que buscam produzir conhecimento socialmente referenciado e comprometido com a vida dos/as trabalhadores/as.
6 Doravante, chamaremos o "capitalista industrial" de apenas "industrial" para diferenciá-lo dos demais capitalistas que atuam em áreas diversas, como agricultura, setor bancário e financeiro, distribuidores e intermediários em geral, uma vez que nosso foco é a organização do trabalho naquilo que denominamos "chão da fábrica".
7 O ludismo foi um movimento de trabalhadores que era contra a mecanização do trabalho proporcionado pelo advento da Revolução Industrial. O nome deriva de Ned Ludd, pessoa cujo nome foi utilizado pelo movimento. Os ludistas assim se denominavam e assinavam seus manifestos com o nome de "Ned Ludd".
8 Associação que agrupava, em certos países da Europa, durante a Idade Média, indivíduos com interesses comuns (negociantes, artesãos, artistas) e proporcionava assistência e proteção a seus membros.
9 Para aprofundamento sobre o tema do uso das emoções no processo de trabalho, vide Souza (2006, 2013), conforme referencial.

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