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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

Print version ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.22 no.2 São Paulo July/Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v22i2p131-142 

ARTIGOS ORIGINAIS

DOI: 10.11606/issn.1981-0490.v22i2p131-142

 

A loucura interroga a gestão: o que aprender com ingovernáveis na era do trabalho imaterial

 

Madness questions management: what to learn with the ungovernable in the age of immaterial labor

 

 

Cássio Streb Nogueira1; Simone Mainieri Paulon2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS, Brasil)

 

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo debate a relação entre loucura e gestão, questionando o que os ditos "ingovernáveis" teriam a legar às "razoáveis" formas de gestão que se apresentam no campo das políticas públicas de saúde mental. A partir de uma experiência de avaliação da rede de saúde de um município do interior do Rio Grande do Sul, realizada com usuários de um Centro de Atenção Psicossocial, problematizam-se as relações saúde e loucura (compreendida como potência esquizo), as transformações do trabalho tornado imaterial, assim como a ampliação do conceito de gestão do trabalho em saúde mental. Conclui-se que a loucura pode ser um intercessor potente para a invenção das clínicas da Reforma Psiquiátrica.

Palavras-chave: políticas públicas, reforma psiquiátrica, gestão, trabalho imaterial, pesquisa-intervenção


ABSTRACT

This article discusses the relation between madness and management, questioning what the so-called "ungovernable" would have to bestow upon the "reasonable" forms of management that are present in the field of public mental health policies. Based on an experience of assessing the health care system in a municipality in the interior of the state of Rio Grande do Sul conducted with users of a Psychosocial Care Center, the article problematizes the relation between good health and madness (understood as schizo power), the transformations of labor made immaterial, as well as the expansion of the concept of work management in mental health care. The conclusion is that madness can be a powerful intercessor for the invention of the Psychiatric Reform clinics.

Keywords: public policy, psychiatric reform, management, immaterial labor, research-intervention.


 

 

Introdução

Tu achas que tu manda em ti? Tu achas que tu te governas? Quem te governa são os teus pais e, se eles não conseguirem fazê-lo, quem vai te governar é o Estado (Juiz de Direito a um adolescente em audiência de acolhimento institucional – município do interior do Rio Grande do Sul, junho de 2013).

 

A fala acima, proferida por um juiz, aos berros, a um adolescente de quatorze anos, para intermediar uma relação de pais e filhos que não se entendiam, sintetiza de maneira cruel e lapidar a problemática questão da gestão de si e das populações, especialmente quando se adentra o campo da saúde mental. Tema-foco de uma pesquisa específica que discutiu, mais amplamente, subjetividade e saúde mental na era do trabalho imaterial, este artigo aborda os processos de trabalho em saúde mental na forma como se organizam na atual rede de atenção psicossocial, a fim de refletir acerca da potência intercessora da loucura e o que podemos aprender com os ingovernáveis, ou seja, aqueles que não se ajustam à lógica dominante, para produzirmos transformações na gestão.

O ponto de partida é o conjunto de mudanças operadas no campo da saúde mental em nosso país, por meio da promulgação da Lei 10.216 de 6 de abril de 2001 e do movimento da Reforma Psiquiátrica, que redirecionam o modelo de atendimento em saúde mental no Brasil, preconizando o progressivo fechamento dos manicômios e investindo em serviços comunitários. Essas mudanças nascem no bojo do processo de democratização e da Reforma Sanitária3, apresentando novas possibilidades de vida e relações. Isto é válido não apenas para os usuários, que se encontram com novas modalidades terapêuticas na cidade, mas também para os trabalhadores, gestores e toda a sociedade, que se veem compelidos a lidar com uma nova ordem de demandas subjetivas, das quais os muros concretos e fluxos enrijecidos dos hospitais os mantinham distanciados. Os modos instituídos de cuidar, governar, clinicar, tutelar, transitar nas cidades e exercer toda forma de poder ficariam, a partir de então, abalados e aquilo que se tinha por verdade, correto e saudável entraria, de alguma forma, em colapso, exigindo novas respostas, forjando novos modos de subjetivação. O que teria a loucura, esta desarrazoada expressão do radical diferente em nós, a dizer sobre isso? De que modo podemos fazê-la intercessora dos modos dados de vida para interpelar o quão restritos eles são? E, mais especificamente, como utilizar uma potência crítica da loucura para questionar justamente a linearidade das razões contidas nos modos cristalizados de gestão diante das novas demandas que o trabalho em saúde mental apresenta?

Essas são algumas das indagações que nos conduziram a um processo investigativo tomando como fio condutor as possibilidades criadoras que todos aqueles que não se dobram à Razão dominante (Foucault, 2010), os "ingovernáveis", teriam a legar às "razoáveis" formas de gestão que se apresentam no campo das políticas públicas de saúde mental. Logo, importa aos propósitos deste artigo ressaltar os dois sentidos que a "gestão" pode ter segundo Onocko- Campos (2003): gerir e gerar. O primeiro diz respeito às formas de gestão clássica que buscam dominar, controlar e disciplinar para o aumento da produção; o segundo, como veremos mais adiante, busca gerar novas possibilidades de gestão incrementando a autonomia, o protagonismo e a criação.

 

Quando se "projeta" um acontecimento

Quem eram os usuários para falar ou escolher alguma coisa, já que nem nós que éramos técnicos podíamos fazê-lo!? (Trabalhador de um serviço de saúde mental, acerca de um evento em que usuários foram convidados a opinar sobre a programação cultural de seus interesses).

 

As indagações acima propostas ao debate emergiram com especial ênfase a partir de uma vivência nada incomum ao cotidiano de quem se constitui como trabalhador da Rede de Saúde Mental tecida para dar conta dos desafios desencadeados com o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira. Um dos pesquisadores era trabalhador de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)4 e realizou uma atividade com usuários do serviço e familiares, chamandoos a debaterem sobre um filme e proporem os próximos momentos culturais, a fim de discutirem juntos a rede de saúde do município em que o referido dispositivo de saúde mental se assentava. Esse evento disparou uma série de análises, desestabilizando as relações de poder em jogo naquele local. O simples fato de cogitar a possibilidade de que usuários tivessem não só o direito a expressarem suas opiniões no evento junto aos técnicos da rede de saúde do município, mas, ainda por cima, terem suas posições consideradas para planejamento dos trabalhos no serviço foi tomado como uma aberração político-administrativa para aquela realidade, gerando expressões como a do trabalhador que destacamos acima.

A narrativa de uma situação singela criada com esse acontecimento, mas que tomou proporções surpreendentemente subversivas, ao colocar em xeque as assimetrias de saberes e poderes até então, aparentemente, estagnadas naquele serviço, permite-nos hoje avaliar o quanto não houve de "loucura" naquele momento entre alguns membros da própria equipe para lançarem mão de uma estratégia tão ousada àquele contexto endurecido e verticalizado de poder em que estavam imersos. Dar vazão ao mal-estar de alguns trabalhadores e de muitos dos usuários aparecia, naquele momento, como uma tentativa meio desesperada do coletivo de respirar, de abrir uma brecha para inventar possibilidades de intervenções minimamente terapêuticas e alinhadas ao modelo de atenção em saúde vigente, passados mais de vinte anos das Reformas Sanitária e Psiquiátrica em nosso país, que preveem o controle social e a autogestão como princípios basilares das práticas em saúde. Não só a loucura dos usuários se exercitava por meio daquele movimento, mas também a loucura de alguns trabalhadores, ambas questionando a gestão manicomial e os modos instituídos de trabalho que ali se cristalizaram. Tomamos esse episódio fortuito ocorrido nesse e em tantos outros cotidianos de trabalho em saúde mental como um evento analisador5, que foi se desdobrando em outros fatos, cenas e encontros com a prática em saúde mental, produzindo as reflexões em torno de nossa questão: pode a potência intercessora da loucura interrogar as formas de controle características do mundo do trabalho atual, no campo da saúde mental?

Entendê-lo por analisador abre a perspectiva para que se ponha em análise as relações que os Serviços Substitutivos em Saúde Mental têm estabelecido com a loucura, já que, apesar dos direitos assegurados em lei no Brasil, sabe-se que o necessário processo de desinstitucionalização só acontece quando as mudanças adentram o plano da micropolítica do trabalho cotidiano (Amarante, 1996; Paulon, Londero, Pereira, Mello, & Rosa, 2011). É nas relações, nos encontros produzidos no campo em questão, que a Reforma opera sua mudança. Nesse sentido, pode-se pensar que aquele singelo gesto de alguns trabalhadores, de instigarem a participação do usuário na gestão dos serviços, trazendo, assim, concepções tão caras ao Sistema Único de Saúde (SUS), à Reforma Sanitária, à Reforma Psiquiátrica, à Política Nacional de Humanização, fez algo de fato subversivo. Fez vibrar o quantum de ingovernabilidade que habita todos nós e questionar o sentido das políticas públicas em nosso tempo.

Assim visto, o acontecimento-cine-debate permite "fazer falar" um feixe de instituições até ali aparentemente intocáveis, que se viram "projetadas" em um novo e iluminado ambiente, com variadas possibilidades de interpretação e decorrentes ações. Primeiro, colocou em foco o tipo de saúde que ali se defendia, o tipo de prática e concepção de trabalho em saúde, junto às políticas públicas em que se inserem. E porque causaria tanto rechaço uma proposta participativa em meio a uma unidade componente do SUS? O que ali se afirmou na voz quase isolada desses loucos usuários-trabalhadores, por um instante, foi uma saúde contestadora da concepção ortopédica há muito dominante neste campo. Com Foucault (1998), aprendemos que subjazem velhas lógicas de polícia médica por trás dos serviços de saúde e, por que não dizer, de todas as políticas públicas. Controlar os pobres e neutralizar seu poder multitudinário6, estes seriam os objetivos a serem mantidos por essas políticas ainda em tempos correntes (Hardt & Negri, 2005). Conforme Foucault bem demonstrou em tantas de suas obras (Foucault, 1998, 2001, 2003, 2010), a loucura também deveria ser capturada, pois essa ameaça que "embaralha" as regras do jogo a todo o momento não poderia ficar livre, sob pena do desmanche do status quo.

Não queremos tratar da loucura que falhou em seu projeto de vida, da ponta do processo que evolui à doença, embora esse risco esteja sempre presente. Queremos pensar a loucura em seu "potencial de desterritorialização", que se configura como um "poder secreto e admirável de embaralhar os códigos, subverter as regras do jogo e transpor ou deslocar os limites, sempre de outro modo" (Pelbart, 1993, p. 104), renormatizador, ou seja, atualizador de um modo diferente da racionalidade moderna de pensar.

A psiquiatria vai se encarregar dessa "ameaça" nomeando-a "doença mental" para capturá-la ao apartá-la de seu potencial de desterritorialização heterogenético, nas malhas do capitalismo tardio (Foucault, 2010). É assim que, herdeiro do paradigma científico positivista, configura-se um modelo psiquiátrico hospitalocêntrico e medicalizador, devedor direto do modo capitalista de produção (Yasui & Costa-Rosa, 2008). Com base nele, designa-se um segmento médico que ficará socialmente incumbido de partimentalizar, separar e burocratizar o cuidado em saúde mental, refletindo diretamente tanto na gestão quanto na atenção à problemática referida.

O esforço, portanto, de que aqui se trata, está em não querer separar a loucura daquilo que ela pode. Trata-se, em lugar disso, de extrair da experiência da loucura elementos para experimentar uma outra loucura enquanto trabalhador: aquela da criação, da interrogação do instituído, da ampliação da sua potência de agir no trabalho. Mas qual a loucura que pode ser experimentada enquanto interrogante das formas postas que nos permita a loucura de querer algo mais pulsante que o já instituído?

Ao problematizarmos uma espécie de loucura do trabalho em saúde mental, podemos, é claro, falar tanto da loucura psiquiatrizada, na qual muitos trabalhadores têm recaído em virtude do contexto de precarização social e do trabalho em que vivemos, quanto da loucura experimentada como criação, como desvio, como promotora de saúde e produtora de vida.

Defendemos que é possível aproximar trabalho e loucura de outro modo, fazendo desse encontro um meio para a criação, para certa experiência dionisíaca (Nietzsche, 2009), da ordem de uma loucura poética. Falamos, pois, aqui, de uma loucura enquanto constituinte da saúde, já que, como argumentado por Canguilhem (2009, 2012), precisamos exercer nossa capacidade de sermos sujeitos ativos na normatividade da vida experimentando, assim, a singularidade não como fracasso, mas como errância. Justamente quando restringimos as possibilidades de vida é que estaríamos adentrando o campo da doença, que seria, desse modo, uma norma de vida, mas uma norma que não tolera qualquer mudança, nenhum desvio das formas pelas quais é validada (Canguilhem, 2009).

Quando nos fechamos, portanto, em nosso saber definindo a priori sobre o que é normal e medicalizamos a vida, restringindo suas possibilidades, reduzimos as chances de produzir saúde e podemos estar, não raro, contribuindo para a produção de doença. Ao contrário, quando nos abrimos ao saber do outro, quando incluímos o saber do usuário sobre si mesmo, outros setores e outras possibilidades que constituem o campo da saúde, estamos alargando as possibilidades de produção de saúde, ampliando a clínica e oxigenando as formas enrijecidas de gestão.

Se não é possível – nem desejável! – estabelecer um parâmetro "normal" para as formas de viver, se não há possibilidades de ideais em se tratando da vida comum, é somente na contratualidade com o usuário dos serviços de saúde que poderemos estabelecer o que é saúde para aquela vida singular.

Alinhado a isso, temos no campo da saúde mental o que é definido por alguns autores (Yasui & Costa-Rosa, 2008) como paradigma psicossocial, segundo o qual, o lugar do sujeito no tratamento é retomado e seu saber sobre si mesmo é utilizado para compor o cuidado em saúde. A saúde é entendida como multicausal, porosa, flexível, processual, abrindo caminhos para que a loucura seja reintegrada como um saber complexo que demanda múltiplos olhares, saberes diversos e composições rigorosamente únicas para cada sujeito.

A potência esquizo da loucura (Pelbart, 1993), tomada aqui como tudo que questiona a razão triunfante, surge-nos, então, nessa perspectiva, como ferramenta para enfrentarmos as formas de dominação do novo século, em especial no que tange ao trabalho em saúde mental. Intentando compreender melhor essas novas formas de dominação, justamente essas que os serviços ditos substitutivos precisariam enfrentar, entramos na discussão das formas de trabalho na atualidade.

 

Da imaterialidade do trabalho em saúde mental

Muitas são as transformações no mundo do trabalho que acontecem nas primeiras décadas do século XXI. Negri (2001) coloca-nos num momento de transição histórica, ao final de uma guerra que durou todo o século XX, "do moderno ao pós-moderno, do fordismo ao pósfordismo" (p. 11), em que o que muda é o sujeito, assim como o que é posto a trabalhar atualmente: agora não é mais um corpo, mas uma alma, sendo o corpo e a máquina o seu suporte. "Para produzir precisa-se de cada vez menos razão e sempre de mais afeto" (Negri, 2001, p. 11).

Habitamos uma zona de transição quanto às formas de trabalhar. É exatamente nesse momento em que essas zonas de indiscernibilidade se fazem ver que podemos fazer resistências ao poder hegemônico. Passamos do modelo taylorista ao modelo imaterial, mas sem que essa passagem esteja totalmente operada, subsistindo, assim, esses dois sistemas, como paradoxos das formas de dominação. É dentro desse paradoxo que podemos criar nossas novas potências clínicas.

O taylorismo é uma máquina prescricional, que tenta impedir a visibilização de seu funcionamento, as lacunas em seus ordenamentos, funcionando como uma proteção ao contato do trabalhador com a ausência de normas racionais. Tal modo alienado de relação que é demandado ao trabalhador na lógica do capital consistiria em algo muito próximo ao conceito de desrazão, ou seja, da potência esquizo e da loucura que escapa da captura racionalizante médico-científica empreendida entre os séculos XVIII e XIX (Foucault, 2010). Nessa perspectiva, entende-se a estratégia disciplinar do taylorismo como uma espécie de proteção, uma salvaguarda do trabalhador para evitar que este possa singularizar seu trabalho, conectarse com a loucura da ausência de normas, bem como com a potência inventiva presente nesse encontro. A rigidez das normas do trabalho prescrito estaria a serviço de impedir o encontro com o vazio enquanto possibilidade. A loucura da ausência de normas apresenta, dessa forma, um risco ao capitalismo extensivo.

Barros e Passos (2004) vão falar da transição desse capitalismo extensivo ao capitalismo intensivo: no extensivo, tratava-se de desterritorializar para dominar, recompondo a todo momento, sobrecodificando os fluxos, expandindo sua forma de dominação a todo o globo terrestre, a partir de um centro de comando. No modo intensivo, não há mais "fora" e "dentro", o capitalismo cria somente um "dentro" e passa a dominar,de forma cada vez mais abstrata, mantendo-se em crise permanentemente, constituindo redes hiperconectivas, infinitas, mas frias, investindo cada vez mais na própria vida.

No que tange ao trabalho imaterial, esse se desgruda do campo estritamente econômico, tomando como tarefa a produção e reprodução das formas de vida em geral em nossa sociedade (Hard & Negri, 2005). O trabalho imaterial é, dessa forma, biopolítico: orientase para a criação e manutenção de formas de sociabilidade, de cultura, de relações, em suma, de produção de subjetividade que extrapola, mas também contém em si o lado econômicofinanceiro. Negri (2001, p. 12) oferece uma importante pista sobre as atuais formas de trabalho ao afirmar que "até para sermos explorados devemos ser sãos". Destaca com isso um importante paradoxo do trabalho imaterial exacerbado no trabalho em saúde mental: nunca fomos tão demandados em nossa "sanidade mental" quanto para atendermos às demandas necessárias à era do trabalho imaterial. É o sujeito todo que é requisitado no trabalho imaterial, sua criatividade, suas estratégias defensivas à invasão do biopoder, seu tempo e seus desejos de forma quase que integral.

Precisamos pensar, assim, que cada trabalhador em saúde mental é uma "máquina do real" (Negri, 2001, p. 23) capaz de produzir nos encontros os quais participa formas refinadas de controle ou exercícios de autonomia e libertação. O trabalho em saúde mental é biopolítico, as estratégias de produção de saúde que dele resultam reforçam as formas de controle, ou aquilo que Pelbart define, em contraposição, por biopotência:

Poderíamos resumir esse movimento do seguinte modo: ao poder sobre a vida responde a potência de vida, ao biopoder responde a biopotência, mas esse "responde" não significa uma reação, já que o que se vai constatando é que tal potência de vida já estava lá desde o início. A vitalidade social, quando iluminada pelos poderes que a pretendem vampirizar, aparece subitamente na sua primazia ontológica (Pelbart, 2006, n. p.).

O trabalho tornado imaterial, portanto, terá uma finalidade biopolítica: a produção de uma subjetividade serializada, assim como a captura de formas multitudinárias de comunicação e cooperação da vida (Hardt & Negri, 2005). Nesse tipo de trabalho, podemos ver claramente a função que os profissionais da saúde mental são chamados a exercer: docilizar as "almas" que são postas a trabalhar e manter tudo funcionando como está. Neutralizar a loucura, senão canalizá-la para formas sublimadas, "socialmente" aceitas.

Desse modo, erige-se certa proteção em relação à loucura do trabalho, promovida pela Administração Científica do Trabalho e uma incitação a tecer "redes frias" (Barros & Passos, 2004), produtoras do mesmo, que, de certo modo, também visa a uma certa proteção à loucura. Mas, então, caberia perguntar se o trabalhador em saúde mental, enquanto necessário no modo de produção do capitalismo contemporâneo, estaria meramente atualizando de outros modos a mesma segregação higienista dos tempos do trabalho "material". Estaria neutralizando certa potência da loucura à custa de que trabalho efetivado sobre si mesmo? E, ainda, que espécie de rede estaria alimentando nessa perspectiva?

 

Sobre a guerra e a produção de subjetividades errantes

Tendo em mãos a conceitualização do poder e a forma imaterial do trabalho, na nova forma volátil de tutelar a sociedade, vimos a necessidade de mantermos exercícios de liberdade dentro desta lógica imperial do Estado de exceção em tempos de guerra, que será explicada nos próximos parágrafos. Orellana (2008) chama a atenção para a diferença entre as "práticas da liberação" e as "práticas da liberdade", ou seja, não há como nos libertarmos totalmente da subjugação própria às estratégias de poder. Podemos, sim, produzir práticas de liberdade tecidas por dentro dessas estratégias.

A guerra permanente é parte constituinte e inevitável, conforme postulam Hardt e Negri (2005), para que a manutenção do novo poder imperial se mantenha. O poder do Império não é mais baseado na soberania dos Estados-Nação que se espraiava para outros territórios como outrora. O que temos agora é um poder em rede, onde há Estados-Nação dominantes, conjugando com uma forte influência de organizações e mecanismos supranacionais e grandes corporações capitalistas; nem todos os que constituem essa rede têm um poder igual, alguns mandam mais, outros nem tanto, mas todos precisam cooperar para que a atual ordem global seja mantida, conservando essa própria hierarquia e ordem interna (Hardt & Negri, 2005).

Assim, o modelo de gestão dominante é o estado de guerra constante, com a eleição de um inimigo único, em que se sustam todos os contratos e vigora uma força de lei sem lei. Tudo é permitido em nome do objetivo estabelecido. O estado de guerra serve como uma forma de dominação do poder imperial. Se nos sentimos ameaçados pelo terrorismo, ou pela loucura, não nos importamos em sermos dominados, mas dominados em formas de controle a céu aberto. Os manicômios, as instituições totais, disciplinares, aqueles locais de troca zero, não são mais necessários.

A multidão, contudo, acompanha, é o avesso imanente do Império. Essa forma de organização não soberana, não unificável, uma rede de cooperação e comunicação em escala global que tem a "inteligência do enxame"7 (Hardt & Negri, 2005) junta-se, articula-se, desestabiliza o instituído e depois desaparece. A velha lógica moderna não entende, não vê finalidade nisso, fala em bagunça, subversão, vandalismo, mas Pelbart (2013), acerca das manifestações ocorridas no Brasil em 2013 aponta:

Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos – como se tudo isso não fosse "concreto" e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes! (p. 2).

E com esse movimento multitudinário/esquizo/louco, buscamos tornar cada vez mais comum o que é comum, um "comunismo do desejo", que se opõe à captura da matéria de produção do comum pelos mecanismos dominantes, mecanismos esses que investem a própria vida (Pelbart, 2013). Essa potência nômade desterritorializa as formas de dominação típica dos aparelhos de Estado, abrindo uma via de comunicação, como nas formas de controle social propostas pelo SUS brasileiro8.

Se ampliarmos o conceito de gestão, entendendo-o como o entrecruzamento, como dobra de tudo o que viemos descrevendo: os sujeitos, os processos de trabalho, o poder e as políticas públicas, vemos que gestão, assim, passa a ter uma conotação não apenas de repetição de prescrições, mas também de criação de novas maneiras de trabalho e vida: uso de si, que inclui, às vezes, no capitalismo avançado, abuso de si.

Trabalhar é, dessa forma, gerir-se. É "esse vaivém sem escapatória entre as normas institucionais heterodeterminadas, a singularidade do encontro e o trabalho subjetivo de 'autogestão' da situação [que] põe em questão o agente até em suas disposições posturais" (Schwartz, 2004, pp. 43-44). Assim, não há como desconsiderar os espaços de escolhas, conscientes ou não, do trabalhador.

Há aqui um uso, assim, de si por si e de si pelos outros: as coisas que são programadas anteriormente e aquilo que podemos singularizar com nossa atividade no trabalho. Há o risco de o "uso de si no trabalho" transformar-se no "abuso de si no trabalho": trabalho alienado, capturado pela lógica dominante e fazendo o prescrito pelo biopoder. Precisamos pensar de que estratégias podemos lançar mão para fazermos resistência. Não seria a loucura, como potencial de desterritorialização, um importante intercessor ao mundo do trabalho para questionar o excessivamente prescrito e produzir práticas mais saudáveis? Em resumo, é possível fazermos uma gestão de si na direção da adesão ao biopoder, resignação às formas de controle biopolítico, mas também, é possível uma gestão de si na perspectiva da resistência diante dele.

É nesse momento que a loucura, que aparece quando falham as prescrições e a interrogação ativa do trabalhador, permite singularizados modos de trabalhar. Se a ausência de prescrição pode ser entendida como loucura, pois escapa à razão triunfante, não deveríamos temê-la, mas aprender com os riscos, estarmos saudáveis para cairmos doentes e levantarmos mais fortes. A gestão, portanto, não pode mais ser pensada somente como as prescrições inerentes ao trabalho, mas como o laborioso uso de si entre as dobras presentes na produção subjetiva do trabalhador e do trabalho embaralhadas com a potência intercessora da loucura; logo, trata-se de pensar a gestão como gestão de si no trabalho.

Estamos, pois, referindo algo no sentido de liberar a potência esquizo da figura do louco, como trabalhada por Deleuze e Guattari (1995-1997):

Assim, tudo muda conforme se chame de esquizofrênico àquele que está às voltas com o processo de descodificação e desterritorialização (e reservaríamos para isso o termo esquizo) ou, ao contrário, àquele que interrompeu o processo em virtude de sua infinitização, e que a figura do doente hospitalar encarna de modo caricato (Pelbart, 2000, p. 162).

O esquizofrênico, figura realçada pelos autores referidos, faz suas criações singulares, entrando e saindo de territórios feitos, desfeitos e complementares, explorando outras dimensões da sua experiência. Embaralha os códigos e desterritorializa o poder constituído, que pode entrar em contato com outras figuras, experiências-esquizo, criando uma malha de modificação da realidade (Pelbart, 2000). Assim como o trabalhador de saúde em uma experiência-esquizo, que, ao entrar em contato com usuários e situações diferentes, é capaz de usar a si no trabalho de maneira a criar formas diferentes de cuidado para cada situaçãousuário, livrando-se das prescrições capturantes dos modos de trabalhar e usar a si mesmo na gestão do trabalho. Talvez caiba pensar em uma gestão de si com os outros, os outros elementos presentes no campo em destaque, para, assim, tornar o trabalho em saúde radicalmente democrático, ampliando as possibilidades de todos participarem de sua gestão.

É de volta ao campo da saúde mental que vamos encontrar algumas pistas do trabalho com a loucura. Precisamos, como relatado por vários pesquisadores do campo, do recrutamento e do desenvolvimento afetivo-emocional dos trabalhadores nessa lida com a desrazão. Deixar de negligenciar essa dimensão na formação e no andamento do trabalho, trazendo-o para fazer parte do dia a dia dos serviços, é apontado como a grande demanda para a construção de um novo modelo de atenção em saúde mental. É disso que depende o paradigma psicossocial e o trabalho na Rede de Saúde (Yasui & Costa-Rosa, 2008) a fim de tornar-se capaz de utilizar o potencial da loucura como forma de resistência. Uma "gorda saúde dominante" (Pelbart, 2000), uma gestão taylorizada, um poder dominante, as redes frias, não terão a necessária plasticidade para construir essa nova clínica e acompanhar as novas exigências de cuidado em serviços abertos de saúde mental, apoiando formas menos tuteladas de estar no mundo. Não almejamos a constituição de uma grande teoria, mas de teorias singulares, vivenciais, afetivas de cuidado e modos de vida. Trabalho afetivo, arriscado, normativo, louco, nômade9 e multitudinário, que remeta às multidões.

Um trabalhador que abandona a soberania da forma única generalizada de trabalho e que investe em formas ampliadas e abertas ao encontro do outro é capaz de perder-se para encontrar novas formas de cuidado nas lacunas das prescrições (Schwartz, 2004). Assim, também, qualquer trabalhador pode entrar em contato com a ausência de prescrições e se utilizar dos diversos elementos, corpos, constantes de seu trabalho para embaralhar os códigos e interrogar a gestão de si que vêm fazendo até então. A isso estamos designando um uso de si esquizo no trabalho.

Da mesma forma, constatamos que a manutenção do funcionamento manicomial dentro de serviços substitutivos de saúde mental também pode estar servindo como proteção aos trabalhadores no contato com a experiência da loucura como potencial de desterritorialização. Analogia semelhante podemos estabelecer quando dizemos que o taylorismo e as formas tradicionais de gestão servem como proteção à ausência de prescrição, uma espécie de loucura no trabalho, protegendo o homem de suas possibilidades de criação e também, por que não, do sofrimento inerente ao não saber. Mas esse não saber momentâneo, provocado pela experiência de desterritorialização, pode ser seguido pela invenção de alguma prática mais saudável, menos restrita, singularizando o trabalho, se não formos capturados pelas redes produtoras do mesmo, armadilhas da imaterialidade do trabalho.

 

Considerações finais sobre as ingovernáveis lições

Assim, o trabalhador da saúde mental na era do trabalho imaterial também está situado entre o biopoder e a biopotência. Uso de si ou abuso de si, gestão capturada ou nômade ainda são "escolhas", ainda que não voluntárias, mas são bifurcações possíveis ao desejo que sempre pode escapar, desviar, fazer-se esquizo. A gestão que fazemos de nosso trabalho, do uso que fazemos de nós mesmos com os outros, dão a direção do trabalho e definem que tipo de profissionais nós somos e de que forma vamos viver e que mundo estamos construindo, que sujeitos estamos produzindo.

Trata-se, portanto, de buscar uma forma de realizarmos esse trabalho, de construirmos subjetividades nômades capazes de criar formas outras de cuidado. Colocar o nosso si em contato com outros conceitos capazes de criarem outras experiências, experiências estas que podem bifurcar a gestão ampliada do uso de si no trabalho. Eis o desafio.

Numa posição muito parecida com a de Campos, Onocko-Campos e Del Barrio (2013):

O profissional precisa encontrar uma posição de transversalidade, entre a frieza do saber acumulado e o calor da relação humana em curso. E, permanecendo inclinado, poderá construir em cada momento uma relação tensa, conflituosa, mas também empática e verdadeira, talvez até paradoxal, que busque a complementaridade entre o conhecimento acumulado, entre o passado, entre a norma e o paciente concreto que está em sua frente com sua cultura, seu sofrimento, suas possibilidades subjetivas, suas escolhas e a fase da doença que enfrenta (p. 2803).

Assim, visando desarmar a lógica imaterial do Império, dirigimo-nos numa espécie de vaivém, pensando os efeitos de tal lógica sobre nós mesmos como trabalhadores e, enquanto trabalhadores em saúde mental, sobre os loucos. É assim que propomos pensar que, talvez, a mudança de nome para Clínica Ampliada, ou Consultório de Rua, ainda mantenha velhas práticas sob novas roupagens e convidamos a um trabalho permanente de análise das práticas em saúde mental sem temer a potência da loucura para fazer gestão aos modos de vida no contemporâneo, impregnados de biopoder.

Podemos pensar que para mudar/transformar o trabalho é preciso crítica, entendida como uma atitude problematizadora dos jogos de verdade que possibilite a criação de novos modos de existência; e que esse processo, implica, por sua vez, uma ampliação do raio de afetação de uns pelos outros para que expandam seu poder de agir. Um impedimento que, às vezes, nós mesmos vamos perpetuando em nossas atitudes cotidianas, escudando em nossos saberes e fazeres, quando nos blindamos afetivamente, para não nos deixarmos afetar pelo outro.

Estamos, pois, carentes de um trabalho afetivo, que desarme a lógica imaterial do Império e faça ruir a dominação das formas de vida, valendo-se dela, com o auxílio da loucura e dos demais elementos do campo para constituir um novo trabalho, um trabalho de construção do comum. Precisamos avançar bem ali onde as redes ameacem capturar e esfriar as relações de troca e a produção da diferença, pois são esses os espaços em que a loucura se coloca como forma disruptiva desse tipo de dominação se dermos passagem àquilo que parece um desatino. Estamos, então, apostando no que é possível aprender com os ingovernáveis: um trabalho em saúde por uma nova e robusta saúde, que não tema a loucura, que possa com ela dialogar e constituir o comum necessário ao exercício democrático, à mudança efetiva de nossa relação com outras formas aparentemente desarrazoadas de existir e cuidar.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
cassio_nogueira@yahoo.com.br
,
simone.paulon@ufrgs.b

 

Recebido em: 30/03/2019
Revisado em: 22/10/2019
Aprovado em: 19/12/2019

 

1 ttps://orcid.org/0000-0002-1976-7012
2 https://orcid.org/0000-0002-0387-1595

3 A Reforma Sanitária nasceu no contexto de lutas contra a ditadura no início da década de 1970 e dá nome a uma série de movimentos e ideias que propunham mudanças no modelo da área da saúde, entre elas a defesa da saúde coletiva, a construção de um Brasil mais igualitário e justo, assim como um sistema público de saúde com garantia de direitos a todos os brasileiros (Paim, 2008).
4
Os CAPS são serviços abertos de base territorial criados em 2002, a partir da legislação da Reforma Psiquiátrica brasileira, para realizar prioritariamente o atendimento a usuários com transtornos mentais severos e persistentes. Constituem, portanto, junto aos Serviços Residenciais Terapêuticos e leitos psiquiátricos em hospitais gerais, um dos equipamentos fundamentais da rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos que a Lei Federal 10.216/2001 propõe extinguir.
5 Como definido por Rodrigues (2000): "Por acontecimento analisador (ou analisador histórico), os institucionalistas indicam um movimento social que vem a nosso encontro inesperadamente, condensando uma série de forças até então dispersas e realizando por si mesmo a análise, à maneira de um catalisador químico de substâncias" (p. 240).
6
Corresponde ao poder da multidão que, conforme definido por Hardt e Negri (2005), seria a resistência dentro do biopoder dominante, que não pode ser totalizada e remete à complexidade das singularidades produtoras de comum em contraponto às noções unificadoras de povo e massa, por exemplo
7 Noção retirada de Hard e Negri (2005) e que se refere às manifestações ocorridas nesse século nas quais não há uma pauta definida e, sim, singularidades que se juntam para uma manifestação multitudinária e depois desaparecem, similar a um exame de abelhas, por exemplo. No Brasil, pudemos ver esse efeito nas manifestações de 2013.
8 A Constituição brasileira de 1988, por meio da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.142/90), criou uma nova institucionalidade no poder público, marcada pela valorização da participação popular no processo decisório por meio dos Conselhos de Saúde. O controle social no SUS se dá por meio dos Conselhos de Saúde, em suas diversas modalidades, como o Conselho Nacional, Conselhos Estaduais, Municipais, Locais, e das Comunidades Indígenas, tendo como momento fundamental de operacionalização da diretriz de participação social do SUS a realização de Conferências de Saúde (Nacionais, Estaduais e Municipais) a cada quatro anos.
9 Remete ao entendimento de Deleuze e Guattari (1997) do nomadismo como uma capacidade de desterritorialização, ou seja, de destruição de territórios fixos.

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