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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.4 n.1 São Paulo jun. 2002

 

ARTIGOS

 

A trajetória intelectual de Winnicott

 

Winnicott’s Intellectual Journey

 

 

Elsa Oliveira Dias

Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP Diretora do Centro Winnicott de São Paulo

Endereço para correspondência


RESUMO

O artigo aborda aspectos do percurso profissional e teórico de D. W. Winnicott que exerceram influência marcante no seu pensamento. São ainda destacadas algumas linhas do debate que ele, implícita ou explicitamente, travou com as diferentes áreas do conhecimento científico de sua época - a pediatria, a psiquiatria, em especial a infantil, a psicologia acadêmica e sua principal interlocutora, a psicanálise tradicional, representada por Freud e Melanie Klein - sobre temas centrais de sua obra, tais como a natureza do psíquico, a hereditariedade, o desenvolvimento humano e a saúde e a doença psíquicas.

Palavras-chave: Amadurecimento, Ambiente facilitador, Medicina organicista, Pediatria, Psiquiatria infantil, Psicologia acadêmica, Processos intrapsíquicos, Paradigma.


ABSTRACT

This article deals with the professional and theoretical journey of D. W. Winnicott that exert a marked influence on his thought. Various aspects of the debate that he implicitly and explicitly entered into with different areas of scientific knowledge of his era are underlined - pediatrics, psychiatry, especially infantile, academic psychology and his principal interlocutor, traditional psychoanalysis, represented by Freud and Melanie Klein - regarding central themes in his work, such as the nature of the psique, heredity, human development and psychic health and illness.

Keywords: Maturation, Facilitating environment, Organistic medicine, Pediatrics, Infantile psychiatry, Academic psychology, Interpsychic processes, Paradigm.


 

 

1. Aspectos históricos da formação intelectual de Winnicott

Em várias oportunidades, Winnicott afirma a importância que a formação médica teve sobre o seu pensamento. Isso diz respeito, de um lado, à óbvia vantagem de possuir um saber médico que lhe permitia discriminar estados clínicos em que havia a presença de um fator físico atuante do qual derivavam sintomas psicológicos secundários; ou quando a constatação da ausência de distúrbio físico, numa criança doente, apontava para um distúrbio psicológico nesta ou para uma depressão da mãe, manifesta na forma de uma preocupação excessiva com a criança. Mas, provavelmente, a sua dívida mais importante para com a formação e a atividade médicas foi a clareza sobre o que não se devia pensar e o que não se devia fazer no trato da saúde de uma pessoa. Tendo convivido num meio de pediatras e psiquiatras, Winnicott fez de perto a experiência da inadequação de se pensar a saúde e a doença em termos puramente organicistas. Ele parece ter sido, muito cedo, despertado para o fato de que a saúde, e mais do que a saúde, o sentir-se vivo, não pode resumir-se ao bom funcionamento dos órgãos e das funções, e que separar o físico do psíquico é um procedimento intelectualmente possível, mas altamente artificial.

À época de sua formação em medicina, em 1920, Winnicott já estava firmemente convencido da impossibilidade de se proceder a um diagnóstico dos distúrbios pertinentes à pediatria sem incluir na consideração os aspectos psicológicos. Ainda estudante, deparou-se com uma obra sobre Freud, escrita pelo pastor suíço Oskar Pfister, e ficou encantado com a possibilidade aberta pela psicanálise de abordar, não apenas a doença psíquica, mas os distúrbios somáticos, de um ponto de vista eminentemente psicológico. Numa carta a sua irmã Violet, de 1919, descreve entusiasmado as suas descobertas acerca da teoria freudiana do psiquismo (1987b, p. 1). Em 1923, é admitido como médico assistente do Paddington Green Children's Hospital, posto em que se manteve durante quarenta anos.1 Decidido a incluir a psicanálise em sua formação, ele inicia, no mesmo ano de 1923, uma análise com James Strachey, que iria durar 10 anos. Gradualmente, o atendimento clínico hospitalar foi evoluindo da pediatria para uma psiquiatria infantil de orientação analítica.

Na prática pediátrica, exercida nos termos da psiquiatria infantil, Winnicott pôde constatar que a maior parte dos problemas que levavam as mães com seus bebês e crianças ao consultório eram devidos a perturbações emocionais primitivas. Mais: deparou-se com o fato de que, não só crianças, mas bebês fisicamente saudáveis podiam estar emocionalmente doentes já nas primeiras semanas da vida. Impactou-o a precocidade dos distúrbios e a importância dos fatores psíquicos no surgimento deles; não tinha clareza, no entanto, acerca da natureza desse psíquico e, ao aproximar-se da psicanálise, buscou o campo por excelência para a sua investigação. De fato o encontrou, com a ressalva de que, muito em breve, veria que não concordava com o que a teoria tradicional estabelecida entendia por psíquico.

A descoberta da existência desses distúrbios emocionais precoces influenciou de maneira decisiva a evolução de seu pensamento analítico. Foi em função dessa descoberta que Winnicott jamais deixou-se convencer pela centralidade do complexo de Édipo, proposta pela psicanálise freudiana. Em 1967, numa palestra em que faz uma espécie de autobiografia intelectual para seus colegas analistas, ele relata:

Quando tentei aprender o que havia para ser aprendido sobre a psicanálise, descobri que, naquela época, tudo nos era ensinado em função do complexo de Édipo, aos 2, 3 e 4 anos, e da regressão com respeito ao Édipo. Foi muito aflitivo, para mim, que havia estado examinando bebês - e as mães com os bebês - por um longo tempo (já estava nisso há dez ou quinze anos), comprovar que isso era assim, pois eu sabia que havia visto uma porção de bebês já começarem doentes e, muitos deles, tornarem-se doentes muito cedo. (1989f, p. 437)

Marcado por essa evidência, o esforço teórico de Winnicott caminhou na direção de explicitar o que se passa com um bebê no início mesmo da vida e qual é a natureza específica da dificuldade com que os recém-nascidos lidam ou que os aflige.2 Em 1935, por sugestão de Strachey, procura Melanie Klein, que já era conhecida por seu interesse pelas angústias precoces e por suas teorias sobre as fases mais primitivas da infância. Considerando da maior importância o estudo empreendido por Klein, Winnicott persegue a trilha aberta por ela e torna-se seu supervisionando de 1935 até 1940 ou 41.3 Percebeu logo que Klein sabia muito, e muito mais do que ele, sobre o tema e, mesmo em fases posteriores, quando se distanciou decisivamente da linha teórica kleiniana, afirmou sempre ter aprendido muito com ela. Havia, no entanto, desde o início, diferenças teóricas que foram se aclarando e aprofundando à medida que os elementos conceituais básicos da sua própria teoria ganhavam precisão, acabando por revelar que as respectivas teorias eram incompatíveis já nos fundamentos.

Ora, exatamente nessa ocasião - estamos no final dos anos 30 - uma outra experiência profissional veio a influir de maneira determinante no encaminhamento teórico de seu pensamento. Durante a Segunda Guerra, Winnicott foi nomeado psiquiatra consultor do Plano de Evacuação Governamental de uma área de recepção da Inglaterra e, segundo Clare Winnicott, que fazia parte de sua equipe como assistente social, o exercício dessa função teve um profundo efeito sobre ele. Winnicott teve que ver-se frente a frente, em larga escala e de modo concentrado, com o desfazimento dos lares, com a desintegração maciça da vida familiar e pôde observar os efeitos, nas crianças e nos adolescentes, da separação e da perda. À situação global acrescia o fato de que as crianças pelas quais Winnicott tornava-se responsável eram exatamente aquelas que, tendo já apresentado dificuldades em seus próprios lares, antes da guerra, requeriam providências especiais e não podiam ser instaladas, como estava previsto nos planos de evacuação, em lares comuns que as "adotariam". Winnicott constatou ainda que, para essas crianças, a guerra era não apenas secundária como chegava a ser benéfica: elas viam-se removidas de uma situação intolerável em seus próprios lares, para a qual não encontravam saída, e eram postas em uma nova situação, na qual poderiam, talvez, obter ajuda. Essa foi a experiência que propiciou a Winnicott material para a formulação de sua teoria sobre a delinqüência e os distúrbios de caráter, manifestações clínicas englobadas no que ele designou tendência anti-social. Foi também a partir daí que alguns aspectos teóricos peculiares de uma ainda incipiente teoria do amadurecimento pessoal foram se delineando com maior clareza. Esses aspectos dizem respeito à importância do ambiente na etiologia dos transtornos psíquicos.

Até esse momento, os distúrbios de caráter - a delinqüência, a violência juvenil - eram vistos pela teoria psicanalítica como manifestações da angústia ou da culpa resultantes da inevitável ambivalência inconsciente entre o ódio e o amor, do conflito que surge quando o desejo de destruir se dirige exatamente à pessoa amada. Se a culpa não pode ser reparada ou sublimada, o indivíduo vê-se compelido a fazer algo (acting out) de modo a dar-lhe contorno concreto. A etiologia da delinqüência consistia, basicamente, num conflito intrapsíquico. Para Winnicott, de novo, o dado da experiência levava na direção de outra hipótese: a de que o fator ambiental era etiologicamente decisivo nessas questões. E essa já era, sem dúvida, uma tendência de seu pensamento. Isso fica claro, por exemplo, nos seus primeiros textos, dos anos 30, em que estão descritos alguns casos pediátricos atendidos ainda na década de 20, e em cuja elucidação Winnicott começara já a usar a teoria psicanalítica. Nesses artigos, embora aponte para os conflitos inconscientes que poderiam estar na origem de certos distúrbios físicos, ele não abdica de mostrar a importância do fator ambiental na etiologia do problema.4 Em 1967, ao apresentar aos seus colegas da Sociedade Britânica de Psicanálise uma retrospectiva de seu percurso intelectual, Winnicott refere-se à posição característica da psicanálise tradicional de enfatizar os fatores internos e negligenciar os aspectos ambientais; diz que, durante dez ou quinze anos, os psicanalistas eram os únicos que aceitavam a existência de qualquer coisa que não fosse o ambiente e que, enquanto todo mundo clamava que a delinqüência de um dado garoto devia-se ao fato de o pai ser alcoólatra etc., os psicanalistas continuavam a atribuir os problemas à constituição e a pesquisar os conflitos internos.5 Em várias ocasiões, Winnicott tentou conversar com M. Klein e com alguns kleinianos acerca do fator ambiental, o que era recebido com total desinteresse, quando não com suspeita. Ele dirá, um pouco mais tarde, que todos aqueles que se interessaram pelo cuidado com a criança correram o risco de serem considerados "traidores do processo interno" (1965va, p. 116).

Em 1945, quatro anos após ter deixado a supervisão com Klein, Winnicott escreve o artigo "Desenvolvimento emocional primitivo" e faz ali algumas afirmações que denotam ter ele resolvido seguir seu próprio caminho. Diz que, interessado desde sempre pelo paciente infantil, havia decidido estudar a psicose e que tem agora muita coisa a acrescentar às teorias correntes e "pode ser que o presente texto venha a ser um ponto de partida" (1945d, p. 219), ou seja, um início do desenvolvimento de sua própria teoria. Para expor sua contribuição, é preciso, no entanto, preparar o caminho e ele o faz começando por "descrever diferentes tipos de psicanálise" (idem, itálicos meus). Nesse momento, Winnicott parece já saber que a psicanálise tradicional, tanto a freudiana como a revisão kleiniana visando abranger as psicoses, não pode dar conta do tipo de problema que se apresenta nesses distúrbios graves, sobretudo os de tipo esquizofrênico, e que se faz necessário ajustar a teoria.

 

2. O debate com a pediatria

Na década de 30, ao mesmo tempo em que sua formação psicanalítica prossegue, Winnicott empenha-se em que os pediatras abandonem certos procedimentos resultantes de uma formação meramente organicista e se inteirem dos aspectos psicológicos na apreciação dos distúrbios infantis. Embora a psicanálise tradicional tenha sido o principal interlocutor de Winnicott, em todo o curso de sua vida intelectual, ele jamais deixou de dirigir-se aos pediatras - assim como aos obstetras, enfermeiras e berçaristas -, no sentido de alertá-los para certas descobertas que lhe pareciam essenciais no cuidado com a infância e na implantação da saúde. Nessa época ele escreve, como pediatra para pediatras, vários artigos em que expõe as perturbações emocionais que podem estar na base de certos quadros clínicos comuns à infância e exorta os especialistas a estarem preparados para investigar as motivações psicológicas.6

Winnicott conhecia os seus possíveis leitores e as concepções tradicionais de doença e de saúde que vinham regendo as teorias e práticas médicas desde o início da modernidade. Além de a pediatria e a psiquiatria infantil ocuparem-se, cada qual, sem maiores questionamentos, dos seus respectivos campos tradicionalmente separados, o corpo e a mente, havia também o fato de ambas as áreas serem especializações recentes da medicina e da psiquiatria geral, e estarem ainda em processo de consolidar a sua especificidade. Além disso, a medicina física havia sempre se orientado para o estudo da entidade nosológica, não importando a idade em que esta se dava. A pediatria tornou-se uma necessidade e constituiu-se como especialização em meados do século XIX, quando ficou claro que existem estados mórbidos específicos a cada faixa etária, e doenças tipicamente infantis. Mesmo quando as síndromes são comuns à infância e à adultez, a idade confere-lhes uma marca peculiar, tanto do ponto de vista das circunstâncias etiológicas como no aspecto clínico.

A pediatria ateve-se, no entanto, aos aspectos físico e fisiológico do crescimento. O pediatra é um somatista cuja especialização se dá sobretudo em termos da fisiologia. É muito difícil, diz Winnicott em 1958, achar um pediatra que não se restrinja ao aspecto físico. Sua formação o impele a estar atento, por exemplo, às deficiências mentais que advêm da rubéola contraída pela mãe no segundo mês de gravidez, às deformidades ortopédicas, à incompatibilidade sangüínea entre mãe e bebê, aos danos causados às meninges ou ao cérebro por um parto demorado etc. Na década de 50, muita coisa já havia se modificado na teoria e na prática pediátricas. Essas alterações, que incluem um incipiente interesse pelos aspectos psicológicos do desenvolvimento, devem-se, em parte, ao fato de o progresso da pesquisa, o saneamento público e a melhora geral das condições de vida terem liberado os médicos da dedicação, em tempo integral, à pesquisa e ao tratamento de doenças primárias. De fato, reconhece o autor, havia, até então, muito trabalho especializado a ser realizado. Em meados do século passado, relata ele, as coisas eram ainda piores e a tarefa urgente para toda a geração pioneira de pediatras, na Inglaterra, foi a de classificar adequadamente as diferentes doenças físicas peculiares à infância e tentar erradicá-las:

Naqueles dias não havia muito tempo ou espaço para considerações sobre a saúde como tal, nem para o estudo das dificuldades a que uma criança fisicamente saudável está sujeita pelo fato de crescer numa sociedade formada de seres humanos. (1988, p. 27; itálicos meus)

Nessa citação aparece um dos principais elementos da concepção winnicottiana de saúde e doença, tema de sua discussão com toda a área médica, do qual decorrem importantes posicionamentos teóricos: a idéia de que a saúde é um estado complexo, que tem suas próprias exigências e deve ser pensado em si mesmo. Tanto na pediatria como na psiquiatria, a saúde é concebida, em geral, como ausência de doença e essa definição, negativa, parece a Winnicott altamente insuficiente. A doença, por outro lado, é pensada como um mal a ser erradicado. No artigo "Notas sobre normalidade e ansiedade", Winnicott diz que, embora do ponto de vista puramente físico qualquer desvio da saúde possa ser considerado anormal, "não é necessariamente verdade que a diminuição física da saúde, devida à pressão e à tensão emocionais, indique uma anormalidade" (1931p, p. 57). Relatando o caso de um menino de dois anos e meio, que reagiu fortemente ao nascimento de um irmão, Winnicott afirma que, se o bebê não tivesse nascido, a criança teria sido poupada, mas teria perdido uma experiência real numa idade apropriada. Uma tal ocorrência, diz ele, "justifica a afirmação de que, às vezes, pode ser mais normal para uma criança estar doente do que estar bem" (ibid., p. 58).

A citação, destacada anteriormente, além de apontar para a necessidade de se considerar a saúde como um estado que tem seu próprio perfil, contém a afirmação que percorre todo o pensamento winnicottiano e tem implicações maiores do que pode parecer à primeira vista, a saber, que, desde o início, a vida é difícil em si mesma e a tarefa de viver, de continuar vivo e amadurecer é uma batalha que sempre permanece. Por isso, é preciso estudar "as dificuldades a que a criança fisicamente saudável está sujeita pelo fato de crescer numa sociedade formada de seres humanos".

Além disso, embora a pediatria e a psiquiatria infantil passem a levar em conta o aspecto psicológico desses fenômenos e a especificidade deles segundo as etapas do desenvolvimento, tudo isso refere-se à infância, a partir da criança que já fala, e não aos bebês. Em nenhuma das duas especialidades o bebê é visto como um ser humano capaz de ter estados emocionais e de ser afetado pelo ambiente. Ao nascer, ele é visto apenas como um organismo. Winnicott, ele mesmo, a despeito de ter observado os bebês adoecerem precocemente, admite ter levado muito tempo para ver neles um ser humano. Tornou-se capaz disso através de sua própria análise, chegando a dizer que esse foi, na verdade, o principal resultado de seus primeiros cinco anos de análise com Strachey. Em 1957, Winnicott afirma haver constatado uma evolução, por parte dos especialistas da saúde, na atitude para com o bebê e a criança pequena. Talvez os pais, diz ele, há mais tempo do que os especialistas, tenham começado a considerar o bebê como uma pessoa, vendo nele, às vezes, muito mais até do que ali estava - um homenzinho ou uma mulherzinha potenciais. Isso inicialmente foi negligenciado e mesmo rejeitado pela ciência e, por longo tempo, as crianças foram consideradas como seres muito pouco humanos, até que começassem a falar. Recentemente, entretanto, "descobriu-se que os bebês são, de fato, humanos, embora adequadamente infantis" (1957f, p. 131).

Para essa evolução, a contribuição da psicanálise foi decisiva. Por volta do final da Segunda Guerra, muitas pesquisas estavam sendo realizadas sobre o desenvolvimento emocional normal de bebês e de crianças de várias idades. Todo esse avanço, assinala Winnicott, deve-se a Freud, que demonstrou, através da teoria e do tratamento de distúrbios neuróticos, que o analista chega até a criança existente no adulto. Winnicott afirma não ter jamais abandonado a pediatria por entender que, dela, faz parte intrínseca a psiquiatria infantil, de orientação psicanalítica (1988, p. 21). A freqüente assimilação que ele faz da psiquiatria infantil com a psicanálise deve-se ao fato, segundo o autor, de a primeira ter encontrado seu maior impulso na segunda metade do século XX, em função das pesquisas de orientação psicanalítica.

Convencido de que a saúde psíquica se estabelece nos primórdios da infância e de que, assim que nasce, o bebê é já um ser humano, lançado como todos nós na tarefa de viver, Winnicott preocupa-se em favorecer o trabalho daqueles que entram em contato com o lactente e que, de algum modo, podem facilitar ou atrapalhar os processos de amadurecimento. Por ocuparem um lugar privilegiado na área médica, os pediatras são os únicos que, embora se especializem nesta ou naquela área, podem acompanhar os caminhos do amadurecimento desde o início, quando as possibilidades do bebê são ainda meramente potenciais. No exercício de sua função, o pediatra pode detectar, se souber ver e estiver atento, não apenas uma neurose infantil incipiente, já instalada, mas também uma tendência latente para a neurose, que poderá vir a tornar-se manifesta em algum momento da vida adulta. E, se isso é verdadeiro para a neurose, o é ainda mais para a psicose. A prevenção da doença que leva ao hospital psiquiátrico, diz Winnicott, "está nas mãos do pediatra. É seguro, porém, afirmar que, comumente, os pediatras não o sabem e que isto torna a vida deles um pouco mais fácil" (1958m, p. 418).

Em geral, o pediatra falha em usar esse privilégio, porque não tem formação em psicologia, e acaba por dar orientações aos pais sem ter o necessário conhecimento acerca das questões pertinentes ao desenvolvimento emocional.7 Contudo, é muito difícil que um pediatra já posicionado em sua carreira, e relativamente satisfeito com seu instrumental organicista, enverede pelos caminhos de uma formação analítica. Uma das principais dificuldades para isso é que, quando se estuda psicologia, mesmo a de um bebê, esse estudo leva o especialista de volta para si mesmo, como pessoa. Mas, diz Winnicott, não há atalhos e jamais haverá. Chegará o tempo em que não será mais necessária qualquer nova expansão da pediatria somática e os jovens pediatras serão empurrados para a psiquiatria infantil. "Eu espero por esse dia e o venho esperando ao longo de três décadas" (1988, p. 28). O perigo, contudo,

(...) é que o lado doloroso desse processo seja evitado, num esforço para encontrar atalhos; as teorias serão reformuladas, propondo que os distúrbios psiquiátricos não são produzidos por conflitos emocionais, mas pela hereditariedade, constituição, desequilíbrio hormonal e ambientes brutais e inadequados. O fato, porém, é que a vida é difícil em si mesma, e a psicologia refere-se aos problemas inerentes ao desenvolvimento individual e ao processo de socialização; mais ainda, na psicologia infantil temos que nos defrontar com a batalha em que nós próprios estivemos uma vez, ainda que, em geral, já a tenhamos esquecido, ou da qual jamais estivemos conscientes. (ibid., p. 28)

Winnicott não apenas discorda das teorias organicistas (desequilíbrio hormonal) e da psicologia acadêmica (ambientes brutais), mas repudia igualmente as teorias que concebem os distúrbios psíquicos em termos de constituição e hereditariedade. Nesse último caso, ele se dirige não só à psiquiatria mas, como veremos, também à psicanálise tradicional.

 

3. Os limites da psicologia acadêmica

Nos anos 50, a nova geração de estudantes de medicina, na Inglaterra, reivindica conhecimentos de psicologia para fazer frente à tarefa para a qual estão cada vez mais alertados, ou seja, a estreita conexão do fator emocional com os distúrbios infantis. O que lhes é oferecido, no entanto, são conhecimentos de psicologia acadêmica e esta não tem respostas para o que se faz necessário, além de haver um perigo real de que aspectos superficiais da psicologia infantil sejam supervalorizados. Um deles refere-se a elementos destinados à compreensão de manifestações mentais que, embora psicológicas, pertencem de fato ao crescimento físico. Quando o psicólogo acadêmico estuda, por exemplo, a idade em que a criança consegue caminhar, ele não leva em conta o fato de que uma criança pode ser levada a caminhar mais cedo do que a média ou a atrasar-se nessa conquista em função de fatores emocionais. O mesmo acontece com a pesquisa das aptidões, em que, usando os testes de inteligência e a medição da capacidade intelectual baseada na qualidade do cérebro como órgão funcional, o psicólogo acadêmico isola todo e qualquer fator emocional que possa interferir nos resultados "puros". Ou seja, no exercício de suas funções, o psicólogo isola a psique para estudar a mente e o cérebro; mas lidar e conhecer o campo intelectual não é conhecer a "psique" da existência psicossomática.8

Mas o maior problema foi que, ao tentar explicitar o papel do ambiente na estruturação da personalidade da criança, a psicologia acadêmica distorceu todo o fenômeno, atendo-se à descrição de situações brutais, de abandono efetivo e crueldade, configurando traumas que se-riam, então, por excelência, as causas dos distúrbios mentais, sem considerar a contraparte, ou seja, a participação efetiva e necessária do ambiente na implantação da saúde. Ora, foi exatamente contra esse tipo de concepção redutora e simplista, que toma o ser humano como produto do meio, que a psicanálise se insurgiu e, nesse sentido, pondera o autor, não é de se estranhar que os psicanalistas relutem em considerar o fator ambiental, visto que

(...) aqueles que tentaram ignorar ou negar o significado das tensões intrapsíquicas ressaltaram principalmente o fator externo desfavorável como causa da doença na psiquiatria infantil. Contudo, a psicanálise está agora bem estabelecida e podemos nos permitir examinar o fator externo tanto bom como mau. (1963a, p. 227)

Essa citação é de um texto de 1963 e fica claro que, ao referir-se à psicanálise em geral, Winnicott está, na verdade, falando de sua própria contribuição, sabendo que ela está longe de ser aceita. Numa carta a um editor da New Society, cujo nome não foi revelado, ele escreve:

Estremeço ante o perigo de que meu trabalho seja tomado como uma tentativa de fazer a balança da argumentação pender para o lado ambiental, embora eu realmente seja de opinião que a psicanálise tem agora condições de dar importância plena aos fatores externos, tanto bons quanto maus e, especialmente, à parte desempenhada pela mãe no estágio bem inicial, quando o bebê ainda não separou o "eu" do "não-eu". (1987b, p. 122)

Na obra winnicottiana, o conceito de ambiente, ou de fator externo, é extremamente complexo, e, assim como se constitui em uma das principais chaves para entender o seu pensamento, é também, se mal-entendido, uma das maiores fontes de equívocos. Quando, referindo-se aos estágios iniciais, e levando em conta o que seria o ponto de vista do bebê, o autor fala de ambiente externo, este só é externo da perspectiva do observador. No início da vida, o ambiente é subjetivo e, nesse sentido, não é externo nem interno. Enquanto subjetivo, o ambiente participa intrinsecamente da constituição do si-mesmo e não é, meramente, uma influência externa. É somente no decorrer do processo de amadurecimento que a criança poderá chegar ao sentido de externalidade. Só então o ambiente poderá ser visto como externo e, mesmo assim, não inteiramente e nem sempre.

 

4. O debate com a psiquiatria e com a psiquiatria infantil

A discussão de Winnicott com a psiquiatria gira em torno das concepções de saúde e doença, da dicotomia corpo/mente e suas conseqüências para a teoria e o trabalho clínico, e da concepção da etiologia do distúrbio da qual decorre a natureza dos procedimentos e dos cuidados dispensados ao doente. A esses pontos acrescenta-se um, relativo à psiquiatria infantil: a necessidade de esta zelar pelo seu campo específico de pesquisa e não se deixar nortear pelos parâmetros da psiquiatria de adultos.

A oposição mente/corpo talvez seja a mais antiga e polêmica das distinções a que o estudioso da saúde está entregue e tem sido, igualmente, um tema dos mais renitentes para a filosofia. Basta lembrar, aqui, a série infindável de discussões, tanto científicas como filosóficas, reacendidas no Ocidente pelo dualismo cartesiano e pela medicina fisicalista que tem, nele, o seu fundamento.

Para a psiquiatria clássica, sobretudo a pré-psicanalítica, os distúrbios psíquicos são interpretados como sintomas de processos patológicos do organismo, estando relacionados a uma disfunção orgânica adquirida ou à transmissão hereditária. A psiquiatria, que se entende como uma ciência da somatogênese do psíquico, vê o distúrbio psíquico como um "sintoma". Essa psiquiatria é uma disciplina especializada da patologia clínica científica, disciplina fundada no corpo tomado como campo etiológico.9 Mesmo quando a psiquiatria clássica adere a certas hipóteses psicogênicas, essa psicogênese continua a ser, na verdade, somatogênese, pois o que é chamado de psíquico refere-se ao cérebro e ao tecido cerebral. Na psiquiatria médica, o conceito de mente, oposto ao de corpo, foi assimilado ao de psique, sendo que, além disso, a entidade mente/psique foi localizada no cérebro. Quando um paciente, em função de problemas do amadurecimento, desenvolveu uma hipermentalização defensiva que o tortura e que aponta para um quadro esquizofrênico, o diagnóstico psiquiátrico supõe a existência de algo errado em seu cérebro, uma vez que, no pensamento médico científico, o cérebro foi igualado à mente. O tipo de paciente mencionado sente a mente como uma inimiga, uma coisa que o persegue dentro do crânio. Com isto,

(...) o cirurgião que realiza uma lobotomia pré-frontal pareceria, à primeira vista, estar atendendo à solicitação do seu paciente, ou seja, aliviando-o dos problemas causados pela atividade mental, tendo a mente se tornado inimiga do psique-soma. (1954a, p. 344)

Na concepção winnicottiana, a atividade mental compulsiva não decorre de um distúrbio na mente, mas na psique, e tem menos ainda a ver com o cérebro. Desse modo, não se pode alegar, diz Winnicott, que o paciente é auxiliado pela lobotomia, em razão do visível alívio de seus sofrimentos, uma vez que

(...) esse alívio não pode ocorrer in vacuo; uma pessoa que sofre pode experimentar alívio, mas não me parece possível (a alguém que adote o meu ponto de vista) assumir a responsabilidade por transformar a pessoa que sofre em alguma outra coisa, num ser humano parcial que não sofre, mas que tampouco é a pessoa que foi trazida para tratamento. (1988, p. 71)

Desde meados dos anos 40, Winnicott envolveu-se numa verdadeira campanha contra as terapias de choque e, sobretudo, contra a prática da lobotomia, enviando cartas às autoridades da saúde, escrevendo artigos em revistas especializadas. Em 1967, envolvido ainda nessa luta, escreve que simplesmente desconsiderará aqueles especialistas que pretendem fornecer tratamento físico para distúrbios psíquicos, uma vez que

(...) não importa o que se saiba ou se descubra sobre a bioquímica ou a neuropatologia ou a farmacologia da esquizofrenia, o certo é que igualmente teremos ali os pacientes, pessoas como nós, em cada caso com uma história sobre o começo do transtorno e uma boa carga de canseira e sofrimentos pessoais, e com um ambiente que é pura e simplesmente mau ou bom ou então gerador de confusão num grau que pode resultar inclusive desconcertante referir-se a ele. (1968c, p. 234)

Outra objeção de Winnicott à psiquiatria concerne ao fato de esta, assim como a área médica em geral, ver apenas a doença e não o indivíduo. Essa é uma longa tradição e mesmo quando, sob a influência de Kraepelin, no final do século XIX e início do XX, a psiquiatria clássica começa a admitir a heterogeneidade da loucura e passa a distinguir e a dividir em grupos as várias categorias de enfermidades mentais, ela o faz em torno das enfermidades e não dos indivíduos, em suas relações e sua história.10 Não é, portanto, de se estranhar que a saúde seja um estado desinteressante para estudo e tenha uma definição meramente negativa. Desse modo, tudo o que interessa é a sintomatologia e é em torno dela que se constroem as entidades nosográficas.

É provável que, a partir de Kraepelin, a nova tarefa de observar, descrever e registrar os atos e os sintomas dos doentes para poder equipará-los com o rótulo ou diagnóstico fornecido pela classificação kraepeliana, tenha despertado no especialista o desejo de saber o como e o porquê desses atos e sintomas, e que isso o tenha levado à exploração biográfica do paciente. O fato é que, num certo momento, esta acabou por tornar-se parte obrigatória da resenha psiquiátrica. Como uma biografia bem ordenada conduz ao início da vida do paciente, a psiquiatria do início do século XX começou, pela primeira vez, a interessar-se pela infância. Tratava-se, no entanto, de um interesse biográfico, retrospectivo, sem o estabelecimento de uma relação direta entre os acontecimentos da infância e o indivíduo enfermo que ali se apresentava. A história do indivíduo não chegou a ser examinada do ângulo da natureza e do significado de suas experiências primitivas. Quem revoluciona esse estado de coisas é Freud. Exatamente por volta de 1890, quando a obra de Kraepelin é publicada em sua maior parte, a incipiente psicanálise freudiana começa a introduzir uma concepção dinâmica em contraposição à psiquiatria estática ou nosográfica da época anterior. Resgatando o sentido dos sintomas, a psicanálise abriu o campo para o estudo dos distúrbios psíquicos de indiví-duos segundo sua história e, diferentemente do psiquiatra, catalogador de sintomas, o psicanalista tornou-se um especialista na obtenção da história de vida do paciente.11 Essa foi, para Winnicott, uma das grandes contribuições da psicanálise à psiquiatria: a supressão da velha idéia das entidades nosológicas. As doenças mentais não podem ser consideradas como doenças no mesmo sentido em que o são a febre reumática ou o escorbuto; é falso rotular distúrbios psíquicos do modo que é característico à classificação na medicina física.12

Um outro ponto diz respeito não só ao debate, mas à luta de Winnicott para preservar a especificidade da psiquiatria infantil. Esta só surgiu como um ramo de estudos especializados no início do século XX; até então, com algumas raras exceções, a psiquiatria via na criança - na que já falava - um adulto em miniatura e aplicava-lhe os mesmos crité-rios clínicos e psicopatológicos da psiquiatria geral. Não havia lugar, por exemplo, para a concepção de uma psicose infantil e muito menos para distúrbios dessa natureza em bebês. Nesse momento, a psicose de adultos é definida pela degenerescência dos processos mentais, e essa definição não podia aplicar-se às crianças.13

O fato é que toda a psiquiatria do século XIX - sob a influência do desmembramento da noção de idiotismo de Pinel, da distinção idiotia-demência estabelecida por Esquirol e, ainda, pelo advento da psicometria e sua prematura generalização para as insuficiências intelectuais graves - vê a patologia mental da criança e, sobretudo, aqueles distúrbios entendidos hoje como psicose infantil, sob a forma de deficiência mental ou de distúrbios de caráter. Mesmo na segunda metade do século XIX, assinala Misès, toda referência à psicose infantil permanece inconcebível - "la folie chez l'enfant est du domaine de l'inconcevable", teria dito o famoso Moreau de Tours, no seu tratado clássico La folie chez les enfants (1888); a loucura na criança "não pode existir a não ser excepcionalmente, como fenômeno agudo transitório ou expressão de algum mal neurológico como a epilepsia" (Misès 1969, p. 10).14

Ainda no início do século XX, quando Sancte de Sanctis (1908) descreve os casos mais precoces até então encontrados, ele cria uma entidade mórbida autônoma, a demência precocíssima, cujas características são próximas da demência precoce de adultos, configurada por Kraepelin em 1899. Misès assinala que, com relação a essa nova entidade nosográfica, freqüentemente se fez notar "como parecia artificial, na criança, um quadro clínico que, associando delírio, alucinações, catatonia, seria um simples decalque da patologia do adulto" (Misès 1969, p. 11).

Foi apenas muito lentamente que os distúrbios infantis passaram a ter um lugar específico. Por volta de 1912, pesquisando crianças entre oito e treze anos, Chaslin "pressentiu a significação particular de certas evoluções mórbidas nos retardados, nos epilépticos, nas crianças turbulentas, das quais ele se perguntava se não deveriam ser consideradas como hebefrênicas" (Aubin 1975, p. 14). Mas foi com Bleuler que surgiu uma noção de esquizofrenia sem a implicação, presente na demência precoce de Kraepelin, de perda da afetividade e de evolução fatal na direção da demência. "Isto abre as portas para uma psicose infantil, cujo futuro não é fatalmente desesperador (...)" (Aubin 1975, p. 14).

Contudo, mesmo tendo a psiquiatria infantil se instituído como um campo específico de estudos, permaneceu a tendência a observar e compreender os distúrbios infantis, ou anteriores à puberdade, em conformidade com os parâmetros construídos para a psicopatologia dos adultos. No artigo "Psicose e cuidados maternos" (1953a), Winnicott dá como exemplo desse fato o livro de M. Creak, Psychoses in Childhood, publicado em 1951. Nele, esse autor descreve um tipo de psicose em que ocorre uma introversão organizada, com conseqüentes padrões bizarros de comportamento e distúrbios físicos secundários, e aplica esse quadro a um tipo de criança que os especialistas da infância certamente conhecem. Ora, argumenta Winnicott, desse modo seria possível aplicar, a inúmeras situações da infância, qualquer tipo de entidade nosológica adulta: estados melancólicos, psicoses maníaco-depressivas, agitação hipomaníaca, estados confusionais etc.

Apesar de todo o avanço da pesquisa psicanalítica, e da influência desta na psiquiatria geral, Winnicott constatou, nesta, uma enorme resistência em considerar, primeiro, a existência de um distúrbio de tipo esquizofrênico inteiramente psicológico, vale dizer, passível de prevenção e de cura; segundo, em ver a esquizofrenia como um distúrbio que se estabelece na mais tenra infância, devendo seu estudo ser realizado no âmbito das categorias da psiquiatria infantil, psicanaliticamente orientada pela teoria do amadurecimento pessoal. Os psiquiatras continuavam, e continuam, avessos a um tipo de estudo da psicose que demonstrasse que a etiologia da enfermidade não é totalmente dependente da herança, ainda que a herança e os fatores constitucionais possam freqüentemente ser importantes. Ora, assinala Winnicott, mesmo no caso da paralisia geral progressiva, que é uma doença causada por uma perturbação orgânica do cérebro, é possível achar, na psicologia do paciente, "uma enfermidade que pertence especificamente a esse paciente, à sua personalidade e caráter, e cujos detalhes relacionam-se à sua história inicial" (1989vk, p. 97). É essa convicção que leva Winnicott a afirmar que as doenças psíquicas, às quais costuma ser atribuído um caráter hereditário ou constitucional, não são doenças no sentido usual do termo. Essa hipótese etiológica não é aceitável nem quando a constituição é pensada em termos psicológicos, como é o caso da psicanálise tradicional. A psicose não se define nem pela herança de algum processo degenerativo familiar nem é fruto de uma constituição desequilibrada das forças pulsionais. A etiologia não é tão simples:

Para aqueles que estão mais interessados em doenças do que em pessoas - doenças da mente, eles as chamariam - a vida é relativamente fácil. Mas, para aqueles entre nós que tendem a conceber os pacientes psiquiátricos não como doentes, mas como pessoas que são vítimas da batalha humana pelo desenvolvimento para a adaptação e para a vida, nossa tarefa torna-se infinitamente complexa. (1961a, p. 91)

É claro que Winnicott reconhece a existência de distúrbios psicológicos relacionados a anormalidades físicas. Pode haver lesão ou alteração química no cérebro, que é o aparelho eletrônico do qual a mente depende para funcionar. As falhas que atingem o aparelho podem ser hereditárias, congênitas, causadas por doença infecciosa, por tumor ou processos degenerativos, tais como a arteriosclerose. O problema consiste em não se distinguir entre os distúrbios psiquiátricos, isto é, aqueles que apresentam manifestações psicológicas derivadas de doenças ou lesões físicas - e que devem ser considerados como tal - daqueles que são fundamentalmente psíquicos, isto é, relativos a falhas do amadurecimento. Não se trata de negar a existência de fatores hereditários, mas, antes, de complementá-los com aspectos que talvez se revelem mais vitais para a vida do indivíduo do que o próprio distúrbio (cf. 1965n, p. 58). Quando o psiquiatra não está atento a essa distinção, e algum distúrbio orgânico é detectado, todas as dificuldades do indivíduo são aí debitadas, tudo se deve ao "quadro nosológico" e nenhuma consideração é feita acerca do fator ambiental. Decorre daí - e essa é a pior das conseqüências - que a abordagem psicológica é abandonada em favor de uma abordagem bioquímica e neurológica. Ora, até com relação à tuberculose Winnicott diz que muita coisa se perdeu quando o tratamento dessa doença tornou-se puramente químico e se julgou não ser mais necessário o longo período de cuidados especiais que eram humanamente dispensados ao paciente.

Segundo o autor, contudo, a psiquiatria vinha, na época, diferenciando as duas classes de distúrbios, os quais, podendo apresentar sintomatologias semelhantes e confluentes, são, no entanto, radicalmente diferentes na sua natureza.15 O que pode haver, sim, é uma conjugação desses dois fatores, visto que uma mãe, capaz de ser suficientemente boa para um bebê fisicamente saudável, pode não suportar a tensão de cuidar de um bebê com complicações cerebrais.

Generalizando para toda a psicanálise o que, na verdade, é a perspectiva teórica de sua própria contribuição, Winnicott afirma que, de modo geral, a tendência da psicanálise é entender a esquizofrenia como uma reversão do processo de amadurecimento da primeira infância. Isto é, se todo indivíduo é dotado de uma tendência inata ao amadurecimento, a doença consiste no reverso dessa tendência, na sua paralisação, já à época em que a dependência absoluta era um fato. Ao invés de amadurecer, o bebê encrua. Se essa perspectiva vier a ser amplamente aceita, isso poderia trazer

(...) a esquizofrenia para a esfera da luta humana universal e poderia afastá-la da dimensão do processo específico de uma doença. O mundo médico precisa desse fragmento de sanidade, pois as doenças que surgem da luta humana não deveriam ser agrupadas junto com os distúrbios que são secundários a processos degenerativos. (1965vb, p. 139)

Winnicott não deixa lugar a dúvidas: ele está interessado em pessoas e não em coisas dotadas de propriedades, e que carregam em si determinações intrínsecas; sua questão é o sofrimento ou aprisionamento das pessoas pela sua incapacidade de viver, e não as entidades, mecanismos ou forças que operam dentro das pessoas, a despeito delas mesmas, e que podem ser estudadas ao modo dos entes naturais e quantificáveis. É sempre possível esclarecer mecanismos de funcionamento da matéria viva, mas, ao fazê-lo, estaremos explicitando estruturas específicas dessa matéria, e isso não desvela de modo algum a essência da vida ela mesma.

 

5. A discussão de Winnicott com a teoria psicanalítica tradicional

Apesar de haver sempre declarado que só sabia pensar e escrever a partir de sua própria experiência, e com sua própria linguagem, Winnicott não se absteve da discussão com seus contemporâneos. Ao contrário, espalhados em toda a sua obra e em sua correspondência, encontram-se comentários e apreciações sobre quase tudo o que se escreveu em psicanálise, no seu tempo e antes dele. De Jung a Lacan, de Anna Freud aos kleinianos, entre os quais Meltzer, Esther Bick, Susan Isaacs e Joan Rivière, de Spitz a Erick Erickson, de Hartmann, e outros autores da psicologia do ego, a Balint e Bowlby, de Virgínia Axline a Harold Searles, Winnicott debateu com quase todos os autores que, a partir de diferentes vertentes, buscavam ampliar o campo teórico da psicanálise. Seus principais interlocutores foram, contudo, Freud e Melanie Klein. Foi sobretudo à obra desses autores que Winnicott se referiu quando, ao formular suas idéias, tratou de distinguir a sua própria e original contribuição. Por essa razão, é esse o debate que interessa aqui retomar. Mesmo porque, embora tenha havido desenvolvimentos na teoria psicanalítica, e até novas vertentes (como Lacan), pode-se dizer que nenhuma divergência ou alteração significativa foi traçada, com relação aos pressupostos teóricos básicos formulados por Freud, que justificasse o que agora se justifica, a saber, a afirmação de que a contribuição winnicottiana se constitui em um novo paradigma para a psicanálise. As modificações introduzidas por Klein (ou por Lacan) não chegam a ser revolucionárias, no sentido específico de Thomas Kuhn, por não alterarem o paradigma edípico da teoria tradicional.

Para Kuhn, qualquer campo científico é definido por "paradigmas", que são "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência" (Kuhn 1970, p. 13). Enquanto os novos problemas que surgem na prática podem ser formulados, e suas soluções encaminhadas, à luz do paradigma vigente, a ciência em questão está praticando a pesquisa normal; mas, se começa a surgir um grande número de problemas que resistem à resolução segundo o paradigma estabelecido, inicia-se uma crise; a pesquisa deixa de ser "normal" para tornar-se "revolucionária", no sentido de que seu esforço agora é achar um novo paradigma capaz de resolver tanto os antigos como os novos e anômalos problemas. Segundo Loparic, é essa situação de mudança de paradigma que caracteriza a obra winnicottiana no interior da psicanálise. Para a psicanálise tradicional, o problema exemplar é o complexo de Édipo e sua solução paradigmática consiste na identificação do menino com o pai, o que significa a resolução da angústia de castração e o abandono da pretensão a ocupar o seu lugar como marido da mãe. O filósofo diz: "No lugar do problema do Édipo que era o ponto de partida da psicanálise tradicional, Winnicott coloca como caso central o bebê no colo da mãe" (Loparic 1997c, p. 58). Esse é o novo problema, anômalo para a teoria psicanalítica tradicional e referido, não a questões de ordem pulsional, relativas ao desejo incestuoso, mas à constituição do sentido de realidade do si-mesmo e do mundo.

Como a mudança paradigmática implica, em geral, alteração dos critérios de cientificidade e das formas de teorização, há toda uma discussão de Winnicott com relação à psicanálise freudiana que se desenvolve em dois níveis interdependentes. O primeiro é relativo à supra-estrutura teórica, ou seja, à metapsicologia; o segundo diz respeito à psicologia dinâmica, isto é, à interpretação dos fenômenos clínicos indivi-duais, em especial os relativos ao processo de amadurecimento.

Para Winnicott, a psicanálise freudiana operou, sem dúvida, uma superação das hipóteses organicistas da psiquiatria e das posições ambientalistas dos psicólogos acadêmicos. Foram os psicanalistas que chamaram a atenção para o conflito interno que está na base da psiconeurose e foi, sobretudo, sob a influência da psicanálise que a psiquiatria passou a considerar, além da somatogênese, a psicogênese dos fenômenos psíquicos. Afirmando sempre a sua filiação à psicanálise e o valor inestimável da contribuição de Freud e de Melanie Klein para a compreensão dos distúrbios psíquicos, o que Winnicott certamente preza e mantém, da tradição psicanalítica, é a concepção de que as doenças psíquicas são fundamentalmente de origem psicológica, e o fato de a psicanálise, pela mão de Freud, ter se constituído como um método de pesquisa e tratamento, orientado pelo espírito científico, o que significa serem as teorias e as práticas permanentemente sujeitas a revisões. Por essa razão, e exatamente no sentido de fazer progredir o conhecimento psicanalítico, Winnicott não vê nenhum contra-senso em permanecer psicanalista ao mesmo tempo em que, apoiado na sua experiência paralela com bebês e com psicóticos, propõe um questionamento radical da supra-estrutura metapsicológica freudiana. Imposto pelos novos fenômenos clínicos, esse questionamento visa pôr em pauta diferenças teóricas na concepção de doença e saúde psíquicas, fundadas, por sua vez, nas diferenças conceituais sobre psiquismo e natureza humana.

Um primeiro ponto, mais geral, refere-se ao fato de a psicanálise freudiana ter sido construída nos moldes de uma ciência natural e Freud não ter jamais abandonado a idéia de assentar as suas descobertas na biologia, tendo mantido com essa ciência, em muitos aspectos da teoria, um vínculo estreito. Como bem observam Laplanche e Pontalis (1967, p. 126), são as funções biológicas que fornecem o modelo básico para o funcionamento do psiquismo primitivo e isso se mostra, por exemplo, no modo como foi formulada a progressão das zonas erógenas que marcam as fases da sexualidade.

Para dar conta da difícil e complexa articulação entre o corpo e o psiquismo, Freud recorreu ao conceito de pulsões, entendidas como representantes psíquicos de forças físicas, sendo o dualismo das forças pulsionais o que põe em marcha o psiquismo.16 Pela própria definição de pulsão, pode-se afirmar que a psicanálise freudiana permanece atada ao modelo físico do psiquismo, cujo conceito central é o de força. Embora os intérpretes de Freud divirjam quanto ao princípio que rege primordialmente a elaboração da metapsicologia freudiana, o fato é que toda a discussão permanece no âmbito das forças ou dos investimentos libidinais. Para Fulgencio, é o ponto de vista dinâmico que prevalece como princípio metodológico central na elaboração da metapsicologia;17 para Simanke, o ponto de vista econômico é o primordial, tendo o caráter de princípio necessário, embora não suficiente, para a explicação do psiquismo; sobretudo em momentos de impasse da teoria, diz Simanke, quando se faz necessário reformulá-la, Freud se vale do critério quantitativo.18 Também Laplanche e Pontalis afirmam que não seria possível, para o pai da psicanálise, a descrição completa de um processo psíquico sem a apreciação da economia dos investimentos.19

Winnicott mostra-se perfeitamente ciente dos fundamentos teóricos em que as idéias gerais da psicanálise freudiana se desenvolvem:

Freud aí lida com a natureza humana em termos de economia, simplificando deliberadamente o problema, com o propósito de estabelecer uma formulação teórica. Existe um determinismo implícito em todo esse trabalho, a premissa de que a natureza humana pode ser examinada objetivamente e que podem ser a ela aplicadas as leis conhecidas em física. (1958o, p. 20)20

Além disso, tributário da tradição filosófica alemã do século XIX e do desenvolvimento da neurofisiologia, Freud foi levado a construir um modelo de funcionamento mental nos moldes de uma máquina. Reconhecendo aí os limites dessa chave de compreensão da natureza humana, Masud Khan afirma que

(...) é preciso admitir o fato de que o clima da pesquisa neurológica no final do século XIX induzia Freud a conceituar a psique humana e seu funcionamento nos moldes da máquina; daí as suas teorias do aparelho psíquico, das catexias energéticas e das estruturas intrapsí-quicas através das quais ele figurou, diagramaticamente, o ego, o id e o superego; e mais, o esquema topográfico do consciente, do pré-consciente e do inconsciente. (Khan 2000 [1978], p. 41)

Loparic aponta para a pertença das noções basilares da psicanálise freudiana - mente e aparelho psíquico - ao "projeto de mecanização da imagem do mundo e do ser humano, que se iniciou com a Antiguidade grega e que foi explicitado em Nietzsche, como vontade de poder" (Loparic 1997b, p. 99). Assinala, ainda, que, "em Freud, a mente serve-se de um instrumento (Instrument) ou aparelho (Apparat) para executar suas atuações ou performances (Leistungen). A mente dispõe ainda da energia chamada libido, que faz andar o aparelho" (ibid., p. 98).

Em decorrência dessa posição teórica, as doenças, tal como descritas em termos da metapsicologia freudiana, são distúrbios do funcionamento das forças num "aparelho", que, por psíquico que seja, pertence ao mesmo âmbito que os objetos das ciências físicas: é movido a forças e mecanismos. Também a saúde só pode ser descrita em termos metapsicológicos. Em "Análise terminável e interminável", Freud diz que "a saúde, justamente, não se deixa descrever a não ser de maneira metapsicológica, em referência às relações de forças entre as instâncias do aparelho da alma que nós reconhecemos ou, se preferirem, supomos, deduzimos" (Freud 1937, p. 228, nota 11).

Partindo de uma outra concepção, em que estão ausentes categorias abstratas, e que inclui a recusa de objetificar a vida, Winnicott não aceita que o fundamento da natureza humana possa repousar sobre o princípio determinista causal de intensidades de forças pulsionais ou qualquer outra entidade quantificável. Não são as forças pulsionais em conflito que põem a vida em movimento; o bebê vive pelo fato de "estar vivo" e de haver alguém que responde satisfatoriamente a esse fato; ele amadurece por ser dotado de uma tendência inata ao amadurecimento e pelo fato de haver alguém facilitando a realização dessa tendência. Um psiquismo em que coabitem fantasias, mecanismos mentais, conteúdos reprimidos, etc., não é dado, mas adquirido; ele próprio é uma conquista do processo de amadurecimento. "O psicanalista, mais do que qualquer outro tipo de observador atento, encontra-se numa posição que lhe permite afirmar, a partir de sua experiência clínica, que a vida psicológica de um indivíduo não tem início exatamente no momento em que ele nasce" (1987c, p. 46). Além de essa posição, avessa ao conceito de forças pulsionais, ser plenamente deduzível de seu pensamento como um todo, ela é claramente explicitada numa carta a Roger Money-Kirle, em que Winnicott comenta ser uma pena que M. Klein tenha feito um esforço tão grande para conciliar sua opinião com as pulsões de vida e a de morte, "que são talvez o único erro de Freud" (1987b, p. 37). Igualmente, num outro artigo, "Enfoque pessoal da contribuição kleiniana", após enumerar as "contribuições positivas" de Klein, ele alude às "contribuições duvidosas", uma das quais é a "manutenção do uso da teoria do instinto de vida e instinto de morte" (1965va, p. 162).

No que se refere ao quadro metafísico em que Freud se move, pode-se distinguir dois pontos da crítica de Winnicott à psicanálise freudiana. De um lado, o modo de teorização. Loparic, que tem cuidado exaustivamente do tema, mostra que as considerações de tipo metapsicológico

(...) vedam o acesso ou mesmo desfiguram momentos essenciais do processo de amadurecimento da natureza humana. [...] Trata-se de opor o que se manifesta ao que meramente se pensa, observações a construções, fenômenos a ficções, em resumo, a descrição à especulação metapsicológica. (Loparic 1995, p. 44)

O fato é que a teoria do amadurecimento pessoal, formulada por Winnicott, não tem nada a ver com a biologia ou qualquer outro substrato físico; tem a ver com a natureza humana e a capacidade de existir.21 Isso não significa que o autor tenha desconsiderado o aspecto biológico. Ao contrário, ele o leva em conta como tal, sem tentar humanizá-lo, e é por isso que usa a palavra instintos (instinct) e não o termo pulsão. Mas levar em conta algo que é condição, isto é, sem o qual qualquer relação humana não pode ser realizada, não significa tomar a condição como causa ou fundamento. Para ele, do ponto de vista da instintualidade, o ser humano não é radicalmente diferente do animal; o que o diferencia é que todas as funções corpóreas, incluindo os instintos, passam pela via estritamente humana da elaboração imaginativa.22 Também o cérebro é a condição para o funcionamento da psique, mas disso não decorre que o psiquismo possa ser pensado a partir das categorias que regem o estudo do cérebro.

Um outro ponto de objeção de Winnicott a Freud foi este ter pensado que sua teoria sobre a natureza e a dinâmica das neuroses pudesse ser a chave de compreensão para todos os distúrbios psíquicos. Mais ainda: que o estudo da neurose pudesse levar a uma compreensão profunda sobre a natureza humana. Mesmo quando Freud, ao tentar responder aos impasses teóricos colocados pela sua teoria do narcisismo, passa a se interessar pelas psicoses, as questões que ele formula derivam do mesmo campo configurado para a inteligibilidade das neuroses. Ora, para Winnicott, a afirmação de que mesmo uma criança saudável poderia ser inteiramente compreendida com base no estudo das neuroses e de suas origens é absurda (1988, p. 55). O argumento de Winnicott está fundado na convicção de que as bases da saúde psíquica se estabelecem no início da vida, momento em que estão sendo constituídos os alicerces da personalidade. Por isso, para uma criança chegar a ter um distúrbio de tipo neurótico, há que se supor que ela atravessou bem os estágios mais primitivos e realizou conquistas básicas que são condição de possibilidade para que possa, tendo chegado a integrar-se numa unidade e a separar o eu do não-eu, tornar-se, então, capaz de ser afetada pelo tipo de conflito que é inerente às relações triangulares.23 Para o psicótico, a problemática interpessoal, contida no distúrbio neurótico, simplesmente não faz sentido e ele nem chega a ser emocionalmente atingido por ela.24 Na ótica winnicottiana, a neurose, nesse sentido bem específico, significa saúde, e é esse o sentido da afirmação de que, se o desenvolvimento primitivo é perturbado, a criança não tem "saúde suficiente" para chegar a uma neurose (1988, p. 56).

Todas essas questões relativas à constituição das bases da personalidade não podiam sequer ter sido formuladas no horizonte teórico da psicanálise clássica. Tendo fundado seu campo de reflexão na dinâmica interna do psiquismo e dando por suposto o sentimento de real e a capacidade para o estabelecimento de relações com a realidade externa, restava apenas analisar a qualidade pulsional das relações e não a sua existência e realidade, assim como a existência e a realidade do bebê e do mundo externo.25 Desse modo, quando o psicanalista se torna um especialista na obtenção da história, ainda resta perguntar de que história se trata e que alcance ela tem para a compreensão de fenômenos, por exemplo, do tipo das psicoses. A história, para a psicanálise tradicional, é a do desenvolvimento das funções sexuais, tendo como enredo básico o complexo de Édipo. Para Winnicott, contudo, há uma pré-história na qual o pequeno indivíduo, que já é um ser humano passível de ser afetado pelo ambiente, ainda não chegou a si; o bebê está apenas iniciando o processo de amadurecimento que leva à integração num eu unitário e, se o processo falhar, pode ocorrer de esse bebê jamais chegar a ter um eu com uma história para contar.26 Chegar a ter uma história depende de processos que não são do domínio da sexualidade e que a antecedem em muito, tais como, por exemplo, a constituição de uma memória pessoal, relacionada a um processo de temporalização do bebê. A integração paulatina do bebê num tempo e num espaço não tem como ser entendida em termos de pulsões. Tempo e espaço não são objetos; tampouco são metas ou forças. No entanto, sem tempo e espaço não há como encontrar objetos e, muito menos, como desejá-los.

Disso deriva um outro aspecto, ainda mais específico, da diferença entre o pensamento de Winnicott e a teoria tradicional: pelo fato de esta última pensar a saúde e a doença em termos das categorias construídas para compreender as neuroses, a doença só pode ser concebida na linha dos conflitos pulsionais, relacionados ao complexo edípico, e, em decorrência, a saúde consiste no estado das defesas do ego. É a rigidez das defesas, que se erige contra as angústias decorrentes do conflito pulsional, que constitui indício de doença. O indivíduo saudável é o que está relativamente livre de uma repressão maciça e da inibição dos impulsos instintuais.

Apesar de, para o autor, esses critérios permanecerem válidos para os casos de neurose em que não haja dúvida quanto à integração da personalidade - o que não é fácil de ser rapidamente diagnosticado -, eles não servem para a compreensão dos casos em que a personalidade não chegou a constituir-se de forma integrada. Mesmo porque, após a formulação de Winnicott sobre a formação defensiva do tipo falso si-mesmo - na qual, por trás da sintomatologia neurótica, existe uma psicose subjacente -, é preciso ficar atento aos aspectos básicos da personalidade, e estes não são de caráter instintual. Por todas essas razões, e dado o conhecimento de que já se dispõe, não é mais aceitável continuar a avaliar a saúde em termos do que tradicionalmente se chamam as posições do id, ou seja, da instintualidade. Os pesquisadores e analistas precisam estar preparados para examinar o processo de estruturação da personalidade desde o início. Embora, certamente, seja mais fácil descrever o amadurecimento segundo as linhas do funcionamento instintual do que em termos do ego e de sua complexa evolução, não há mais como evitar a segunda alternativa (1971f, p. 21).

Um aspecto dessa questão, relativa à estruturação do ego, pode ilustrar o modo como Winnicott faz prevalecerem as conquistas egóicas sobre as funções sexuais, e de que modo essas conquistas são vistas como condição de possibilidade para a vida instintual. Segundo o autor, a hipótese inicial da teoria psicanalítica freudiana relacionava-se com o id, que está atuante desde o início, e com os mecanismos de defesa do ego, em especial, a repressão. Os mecanismos egóicos organizam-se para evitar a ansiedade derivada das tensões instintuais, sentidas já como pertencentes ao eu, ou da perda do objeto. Isso, necessariamente, pressupõe uma separação do si-mesmo e uma estruturação do ego, e, talvez, um esquema corporal pessoal, o que significa que a criança alcançou um grau sofisticado de amadurecimento, tendo já adquirido uma certa independência e uma organização defensiva pessoal. Ora, para Winnicott, isto não pode mais ser presumido, e um aspecto central da discussão, que advém da observação das psicoses, consiste exatamente nesse ponto: não é a tensão instintual e a conseqüente formação de defesas que força a estruturação do ego, mas, exatamente ao contrário, é essa estruturação, facilitada pelas boas condições ambientais, que gera a ansiedade da tensão instintiva ou da perda do objeto. É apenas na medida em que os fenômenos instintuais podem ser vivenciados, catalogados e interpretados pelo funcionamento do ego que a ansiedade instintual pode fazer algum sentido. Não há id antes do ego, diz Winnicott, e é somente a partir dessa premissa que um estudo exaustivo do ego se justifica. No momento em que está se dando a constituição do si-mesmo, a ansiedade não é ansiedade de castração ou de separação, mas, sim, angústia quanto à possibilidade de aniquilamento do si-mesmo incipiente. Com relação a esse ponto, Winnicott considera que M. Klein acrescentou muito à teoria freudiana.

Pondo em pauta a infância mais primitiva, ela esclareceu a inter-relação entre as angústias primitivas e os mecanismos de defesa. Contudo, a premissa kleiniana de que as relações com objetos externos já estão estabelecidas assim que o bebê nasce é inteiramente inaceitável para Winnicott, por abortar, na raiz, qualquer possibilidade de discussão sobre a origem das psicoses.27

Uma das decorrências dessa posição da teoria tradicional é que, também nela, a saúde é pensada pelo negativo. O ponto principal da objeção winnicottiana constitui um ponto cego na teoria psicanalítica, e foi claramente formulado pelo autor, na seguinte afirmação:

Partindo, como fazemos, das doenças psiconeuróticas, e com defesas de ego relacionadas à angústia que surge da vida instintual, tendemos a pensar na saúde em termos do estado de defesas do ego. Dizemos que há saúde quando essas defesas não são rígidas etc. Raramente, porém, chegamos ao ponto em que podemos começar a descrever o que se parece à vida. Isto eqüivale a dizer que ainda temos que enfrentar a questão de saber sobre o que versa a vida. (1967b, p. 137)

A concepção de saúde como ausência de doença, e, no caso, como ausência de sintoma neurótico, desconsidera que o estado saudável deve ter uma qualidade própria, que não pode ser descrita apenas negativamente, e que há uma "saúde" que é sintomática, construída defensivamente, estando carregada de medo das várias loucuras que atravessam a vida de qualquer pessoa. Por isso, é de suma importância reconhecer abertamente, diz Winnicott, "que a ausência de doença psiconeurótica pode ser saúde, mas não é vida" (1967b, p. 137; itálicos meus). O lugar desde o qual os psicanalistas pesquisam a experiência humana é, portanto, um lugar parcial, que elude questões primordiais da existência; esse é o sentido da afirmação do autor, de que

(...) os psicanalistas que enfatizaram corretamente a significação da experiência instintual e das reações à frustração falharam em enunciar com a mesma clareza, ou convicção, a intensidade dessas experiên-cias não culminantes que são chamadas de brincar. (1967b, p. 137)

A saúde inclui a capacidade de brincar, que é o protótipo do viver criativo; diz respeito à possibilidade de habitar o espaço potencial e entregar-se aí a uma experiência que está sustentada pela ilusão básica; refere-se igualmente à liberdade de transitar pelos vários mundos que são criados no decorrer do amadurecimento, o que abarca a capacidade de estabelecer relações com o mundo objetivamente percebido sem muito sacrifício da espontaneidade pessoal.

Ao pensar a saúde em termos de defesas de ego, a teoria tradi-cional desconsidera o fato de que há indivíduos que não chegam a estabelecer defesas egóicas porque não chegou a ser constituído um ego capaz de defender-se. O problema, nesses casos, reside, não numa organização rígida de defesas, mas numa falha na formação das defesas de tipo egóico. As psicoses dizem respeito "não tanto às defesas organizadas do indivíduo como à falha em alcançar a força do ego, ou integração da personalidade, que possibilita às defesas se formarem" (1963c, p. 198). Há defesas, sim, nas psicoses - e, na verdade, as psicoses são, elas mesmas, organizações defensivas -, mas elas não são do tipo das que ocorrem na repressão; nesta, o indivíduo, já constituído como identidade unitária e tendo uma realidade psíquica interna estabelecida, padece dos conflitos relativos à instintualidade - já dotada de sentido pessoal e relativa às relações interpessoais - e às restrições impostas pela censura. Nas psicoses, as defesas são de tal natureza que paralisam a tendência inata ao amadurecimento, impedindo a constituição do si-mesmo. Por todas essas razões e, em particular, porque a neurose deixou de ser, em Winnicott, o paradigma das doenças psíquicas, a teoria do desenvolvimento das funções sexuais, que fundamenta a teoria das neuroses, deixou de ser a teoria por excelência da constituição do indivíduo.28

O debate de Winnicott com M. Klein repete os mesmos pontos acima mencionados, já que, apesar de ela ter introduzido algumas modificações importantes na teoria freudiana, relacionadas aos períodos mais primitivos da vida, não me parece haver, no campo dos fundamentos teóricos, nenhuma diferença significativa com relação a Freud. Tendo se detido no exame das angústias primitivas, pré-edípicas, Klein não alterou - ao contrário, ressaltou - o suposto caráter edípico das mesmas, fazendo recuar o complexo de Édipo e resolvendo os impasses teóricos através de construções inteiramente abstratas como as equações simbólicas. Entre as objeções de Winnicott a M. Klein, destaco duas, de caráter geral. A primeira vai contra o recurso kleiniano ao fator constitucional, com as intensidades pulsionais determinando aspectos fundamentais da natureza humana e do amadurecimento. Por essa via, a dinâmica do desenvolvimento é pré-determinada e percorre caminhos filogeneticamente traçados. O endógeno é reduzido à tendência regressiva e a única diferença que separa neuroses de psicoses é o caráter radical e profundo das regressões.

A segunda objeção diz respeito ao fato de Klein haver formulado o desenvolvimento individual do bebê humano em termos exclusivamente intrapsíquicos, sem referência ao ambiente. Essas diferenças nos pressupostos determinaram caminhos teóricos e clínicos radicalmente diversos: enquanto Winnicott se preocupava com a descrição das necessidades pessoais do bebê e dos vários tipos de fracasso ambiental na resposta a essas necessidades, Melanie Klein continuava a descrever os mecanismos mentais primitivos do bebê e a configurar os conflitos internos e fantasmáticos do psiquismo, num total desprezo pela realidade externa.29

Com relação à teoria da posição depressiva, Winnicott a considerava como a mais valiosa contribuição de Klein para a psicanálise. Apre-ciava sobretudo o fato de essa conquista ter sido concebida como uma aquisição do desenvolvimento normal, sendo sinal de saúde. Por esse motivo, fez ressalvas à denominação "posição depressiva",queinduz a se pensar em distúrbio, quando se trata de um ganho da maturidade e da saúde. Ao incorporá-la à sua teoria do amadurecimento, denominando-a "estágio do concernimento", Winnicott assinala que sua descrição dessa conquista é resultado de seu próprio trabalho, formulada em sua própria linguagem, e que está ciente de que Klein, certamente, discordaria de vários detalhes. A redescrição era necessária, contudo, tendo em vista que a formulação kleiniana da posição depressiva se baseia numa concepção de agressividade incompatível com a de Winnicott. Quando, em 1945, Klein formula a posição esquizo-paranóide e, sobretudo, com a postulação da inveja inata, ficou claro, para o autor, que o quadro teórico no qual Klein se movia era-lhe inaceitável: o fator constitucional está presente com plena força, dando explicações fáceis a manifestações que exigiriam um estudo minucioso dos infinitos e sutis detalhes contidos nas relações sui generis do bebê com o ambiente nos estágios iniciais.

Com isso, a discussão de inúmeros problemas de alta complexidade fica descartada como, por exemplo, quando, a propósito das raízes da agressividade, Klein apela para um montante inato da pulsão de morte. Winnicott não pode aceitar nenhuma das teses. É a ela, sem dúvida, e aos kleinianos que ele se refere quando fala dos pesquisadores que não conseguem conceber um processo de amadurecimento em que o bebê, já no início, é um ser capaz de experiências e que a qualidade dessas experiências depende do encontro com o ambiente facilitador. Tendo em vista que existem, de fato, bebês, e até recém-nascidos, muito difíceis, não resta a esses pesquisadores outra alternativa que não a de postular uma constituição paranóide (cf. 1988, p. 172). Da perspectiva winnicottiana, a argumentação ao longo dessa linha de raciocínio desconsidera a pré-história, a imaturidade e o ambiente inicial do bebê. Como, desde o útero, já existe ali um ser humano capaz de experiências, pode ocorrer de ele ter sofrido inúmeras interrupções da continuidade de ser, ainda na vida intra-uterina ou durante o processo de nascimento, ou logo depois, e ter reagido a essas intrusões, o que o leva a um estado paranóide que, por precoce que seja, deve-se ao fator ambiental e não à herança constitucional.

Além disso, em sua prática científica, Winnicott era intolerante e chegava a ser impiedoso com qualquer um que tratasse "a teoria psicanalítica como uma religião, ou uma concepção política com tons religiosos" (Rodman 1987, p. XXIV). Havia algo de dogmático, proselitista e mesmo religioso no que se poderia chamar movimento kleiniano que o desgostava particularmente. Em 1956, após ter ouvido a leitura do artigo de M. Klein sobre a inveja, Winnicott escreve a Joan Rivière, dizendo que "a única coisa que pode acontecer é que os que gostam de apoiar Melanie apresentem, como todos nós poderíamos fazer, material clínico ou citações da Bíblia que apóiem seu tema" (1987b, p. 84). Um dos problemas dizia respeito à comunicação científica. Sua queixa, várias vezes reiterada, consistia no fato de que o grupo kleiniano utilizava termos que deveriam ser descritivos, mas que acabavam por tornar-se slogans partidários, de uso obrigatório. Numa carta a Bion, de 1955, ele escreve que

(...) a Sociedade fica terrivelmente entediada com a insistente propaganda de termos. Nos últimos seis meses, as palavras "identificação projetiva" foram usadas várias centenas de vezes. Naturalmente, estamos sob a ameaça de, por alguns meses, a palavra "inveja" ser introduzida em toda parte. [...] Há algo errado aqui, e creio e espero que você tome parte na tentativa que devemos empreender - se for o caso de a Sociedade sobreviver - de deixar para trás essas tendências desagregadoras que têm a natureza de uma propaganda de canções-tema. (1987b, p. 81)30

Não apenas na postura do grupo, também na conceituação kleiniana, Winnicott vislumbrava um viés religioso que tornava essa teoria, em alguns aspectos, uma reafirmação do princípio do pecado original.31 Esse estado de coisas acabou por impor uma certa política sectária dentro da Sociedade Britânica de Psicanálise, tendo se tornado um obstáculo à liberdade de pensamento e comunicação e ao progresso da ciência psicanalítica.32

O debate com a psicanálise tradicional não termina aí; ao contrário, poderia ser objeto de todo um livro. Embora esse tema não caiba nos propósitos deste estudo, quero mencionar, em linhas gerais, a aproximação teórica de Winnicott com a escola psicanalítica denominada psicologia do ego. O que freqüentemente induz à idéia de que o seu pensamento pertence a essa vertente teórica é que a ele, de fato, interessam algumas das proposições dessa escola, em especial aquelas que acentuam a importância do ambiente na constituição do indivíduo. Isso não significa que a orientação geral da psicologia do ego americana lhe possa ser aparentada.

De Hartmann, por exemplo, Winnicott aprecia o conceito de "ambiente expectável médio", que ele afirma tratar-se aproximadamente da mesma coisa que ele próprio chamou de "mãe devotada comum". Também outros analistas utilizaram termos similares para descrever um ambiente cujas qualidades tornam efetivo o processo maturacional da criança (1984e, p. 187), mas o conceito de Hartmann parece agradar em especial a Winnicott por incluir o termo "expectável", próximo, portanto, da característica central do ambiente suficientemente bom, que é a de ser confiável no sentido de previsível.

A despeito dos diferentes fundamentos teóricos em que se baseiam, algumas outras afinidades teóricas aproximam Winnicott da psicologia do ego. Uma delas consiste na idéia de que não se pode derivar o ego do id. Segundo Hartmann, o desenvolvimento mental não é simplesmente o resultado da luta com os impulsos, com os objetos, com o superego etc. É preciso supor que esse desenvolvimento "é servido por aparelhos psíquicos que funcionam desde o início da vida" (Hartmann 1958, p.15). Trata-se, aqui, de "aparelhos de autonomia primária" ou "aparelhos inatos de ego", que estariam se desenvolvendo em funções - tais como percepção, compreensão objetal, intencionalidade, pensamento, linguagem, memória, todos como potencialidades do organismo - numa "zona livre de conflito". A concepção de aparelhos inatos de ego é muito próxima do conceito de núcleos de ego, de Glover, conceito que sugeriu a Winnicott o estado de não-integração relativo aos estágios de dependência absoluta. Contudo, apesar da afinidade na idéia geral, a teoria de Hartmann não faz a distinção, essencial para o pensamento winnicottiano, entre mental e psíquico, além de estar baseada na idéia de aparelho, o que é inteiramente estranho a Winnicott.

A idéia de Hartmann, de que não se pode derivar o ego do id, está relacionada a uma outra, a de que, tal como em Winnicott, uma teoria dos instintos não é capaz de dar conta do acesso à realidade. A hipótese de Hartmann, contudo, inclui um conceito de adaptação que é definido como sendo, em primeiro lugar, uma relação recíproca entre organismo e meio. Ora, não requer muito esforço perceber que Winnicott não vê o bebê como um organismo e que, no início, não se pode pensar em relação recíproca, uma vez que o bebê ainda não é uma unidade capaz de relacionar-se, sendo apenas uma parte da unidade mãe-bebê; a adaptação provém exclusivamente da mãe.

Além disso, existe concordância entre os autores, no que se refere à autonomia do desenvolvimento das funções egóicas em relação às do id; Winnicott certamente aceita o sentido do conceito de Hartmann de que o ego se desenvolve numa "zona livre de conflitos", uma vez que, também para ele, a estruturação do ego não está sujeita às vicissitudes instintuais. Para Hartmann, no entanto, a zona livre de conflitos vincula-se com as tendências herdadas, enquanto que para Winnicott depende da qualidade dos cuidados ambientais.33 As diferenças são substanciais e, se algumas modificações da teoria tradicional, introduzidas pela psicologia do ego, afinam-se com as posições de Winnicott, não se pode, por isso, assimilar Winnicott à psicologia do ego.

 

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Endereço para coorespondência
E-mail: centrodw@that.com.br

Recebido em 15 de fevereiro de 2002.
Aprovado em 19 de abril de 2002.

 

 

1 Referindo-se ao seu trabalho no Paddington Green Hospital, Winnicott assinala a feliz influência de Guthrie, médico pediatra que, embora não tenha realizado contribuições significativas no plano teórico, possibilitou um clima especial para o exercício de uma pediatria que não fosse meramente organicista e levasse em conta os fatores psicológicos. Mais tarde, Winnicott soube que sua indicação para substituir Guthrie e dar seqüência ao trabalho de seu departamento deveu-se ao seu manifesto interesse pela psicologia.
2 Nessa mesma palestra, de 1967, Winnicott recorda que, por volta de 1935, não encontrava nenhum interlocutor para sua questão sobre dificuldades emocionais primitivas, a não ser que elas fossem interpretadas como regressões e disse ter pensado: "Vou demonstrar que os bebês adoecem muito cedo e se a teoria não aceita isso, ela vai ter que se adaptar" (1989f, p. 438).
3 Cf. Winnicott 1955c, p. 355.
4 Cf. no artigo "Notas sobre normalidade e ansiedade" (1931p), o caso de Verônica, que começou a apresentar enurese todas as noites, depois que sua mãe se ausentou por um mês por ter sido internada, e o caso de Francis, que apresentava episódios de violência associados a uma depressão da mãe.
5 Cf. Winnicott 1989a, p. 439. Winnicott não estava inteiramente sozinho nessa perspectiva. Alguns anos antes da guerra, um outro psicanalista, John Bowlby, trabalhando no Child Guidance Clinic, pesquisara os antecedentes de crianças perturbadas e, num estudo formal de 150 casos com problemas variados, ele havia estabelecido um vínculo direto entre roubo e privação, entendida esta, sobretudo, como separação da mãe nos primeiros anos de infância. Ambos dirigiram uma ampla campanha na Inglaterra no sentido de alertar as autoridades da área de saúde para a gravidade dos problemas surgidos com a evacuação de crianças de Londres, durante a Segunda Guerra, e para a necessidade de fornecer a elas condições de segurança emocional.
6 Cf. "Notas sobre normalidade e ansiedade" (1931p) e "Agitação" (1931g); cf. também Winnicott 1996a capítulos 13, 14, 19, 20, 21 e 22.
7 Winnicott alerta, inúmeras vezes, para o modo como os médicos e enfermeiras atrapalham a mãe saudável - e não ajudam a mãe doente - a entender-se com seu bebê. Um exemplo pode ser encontrado em Winnicott 1965c.
8 Uma das mais férteis contribuições teóricas de Winnicott à psicanálise é a distinção que faz entre psique e mente. Para maiores esclarecimentos sobre essa distinção, cf. Winnicott 1954a e 1988 (parte I).
9 Apesar de haver toda uma corrente que afirma a fecundidade heurística dessa concepção, e que permanece extremamente ativa e convicta de suas hipóteses, seus próprios autores admitem que a derivação genética dos fenômenos psíquicos a partir das fontes corporais resta cientificamente problemática. Kronfeld, por exemplo, afirma que se pode constatar "que certas modificações psíquicas dependem de certas modificações físicas, mas não é possível explicá-las" (Kronfeld 1927, in Tellenbach 1979, p. 39).
10 L. Kanner, criador do termo autismo, diz que "a curiosidade psiquiátrica dirigia-se às doenças mentais das pessoas mais do que às pessoas mentalmente enfermas" (Kanner 1962, p. 30).
11 Isso não se deve apenas a Freud. Também Jaspers, em sua Psicopatologia geral, dizia que o tema fundamental da psiquiatria é o homem como homem e que, "o que acontece no homem produzido pela doença mental, não se esgota com as categorias da investigação científica. O homem, como criador de obras do espírito, como crente religioso, como ser de ações morais, transcende o que se possa saber dele e conhecer dele em pesquisas empíricas. [...] O que há de mais próprio no conhecimento da psicopatologia advém do trato com as pessoas. O que se aprende depende do modo como [o investigador] se relaciona na respectiva situação, e da maneira com que colabora terapeuticamente no processo de encontro, esclarecendo, ao mesmo tempo, a si mesmo e ao outro" (Jaspers 1979, pp. 20 e 35).
12 Muita coisa mudou, desde então, na psiquiatria, e é provável que a psicanálise esteja colhendo os frutos de sua própria contribuição. A propósito da antiga questão de se sobrepor a doença ao doente, Henri Aubin, psiquiatra do Hospital Solliès-Pont, especialista da Organização Mundial da Saúde, afirma, em seu livro Les psychoses de l'enfant, que "nosso cuidado não será jamais o de revestir o paciente de um rótulo, de classificá-lo, de nos lançarmos num tipo de estudo botânico, mas o de dar um primeiro passo para a compreensão de um caso e para assumir a tarefa terapêutica. Creio que é bem assim que se posicionam a grande maioria dos médicos psiquiatras - a maioria silenciosa" (Aubin 1975, p. 10).
13 Segundo alguns historiadores da psiquiatria da infância, o ponto mais longínquo em que se pode discernir, retroativamente, a primeira incursão no campo da psicose infantil foi o do chamado "selvagem d'Aveyron", que parece ter sido "a primeira observação valiosa de uma criança psicótica" (Aubin 1975, p. 13). Segundo Misès, essa observação e o ensaio de reeducação do pequeno Victor pelo dr. Itard, médico de uma instituição de surdos-mudos, impôs "a noção de distúrbios evolutivos da personalidade e suscitou, retroativamente, a questão da psicose infantil como uma manifestação deficitária" (Misès 1969, p. 10).
14 Cf. Misès 1969, p. 11. Alguns historiadores da psiquiatria consideram um equívoco a freqüente atribuição dessa afirmação a Moreau de Tours. Aspectos dessa polêmica, que fogem aos limites deste trabalho, podem ser encontradas em Aubin 1975, p. 12.
15 Cf., por exemplo, a resenha de Winnicott (1963h) ao livro Childhood Schizophrenia, de William Goldfarb, no cap. 24 de Winnicott 1996a. Nesses casos, pode ser necessário medicar o paciente para neutralizar os desequilíbrios físico-químicos inerciais do organismo, mas ainda resta cuidar, pela psicoterapia, dos distúrbios que resultaram do fracasso ambiental em favorecer os processos de amadurecimento, fracasso no qual pode estar implicada a dificuldade materna em cuidar satisfatoriamente de uma criança com problemas físicos.
16 Para um exame detalhado do conceito de pulsão (Trieb) na filosofia e na psicanálise, cf. Loparic 1999.
17 A análise de Fulgencio mostra as referências textuais de Freud na defesa desse princípio, explicitando que essa perspectiva advém de sua formação como homem de ciência, referida tanto a uma linha de pesquisa, própria a alguns cientistas alemães tais como Helmholtz, Brucke e Mach, como à forte influência kantiana que acentua a importância dessa perspectiva dinâmica. Cf. Fulgencio 2001.
18 Simanke aponta a seção IV de "O inconsciente" (AE, vol. 14, p. 178) como uma das passagens da obra freudiana em que se explicita com mais clareza a prevalência do princípio econômico sobre o tópico e o dinâmico. Cf. Simanke 1994, p. 171.
19 Cf. Laplanche e Pontalis 1967, p. 125.
20 Essa apreciação está inteiramente de acordo com Heidegger, que, tendo lido Freud por insistência de Medard Boss, viu que a psicanálise freudiana era a "transferência da filosofia neokantiana para o ser humano". Segundo o filósofo, a teoria freudiana apóia-se, de um lado, nas ciências naturais e, de outro, na teoria kantiana da objetividade; baseia-se no postulado da "explicabilidade corrente do anímico", sendo que este "não é tirado das próprias manifestações anímicas, mas é um postulado da ciência natural moderna" (Heidegger 1987, p. 260).
21 Um exemplo dessa posição pode ser encontrada no artigo "Preocupação materna primária" (1958n), no qual, de início, Winnicott resgata algumas das menções feitas à natureza da relação entre mãe e bebê na obra de outros psicanalistas. Além de mencionar os estudos de Anna Freud, ele fala das expressões "equilíbrio homeostático" e "relacionamento simbiótico", usadas por Margaret Mahler em seus artigos de 1952 e 1954. Winnicott prossegue com o seguinte comentário: "Acredito que esses vários conceitos e noções deveriam ser reunidos num conjunto e que o estudo da mãe deveria ser trazido para fora do campo puramente biológico. O termo simbiose não nos leva além da comparação do relacionamento da mãe e do bebê com outros exemplos da vida animal e vegetal - a interdependência física. As palavras equilíbrio homeostático evitam certos aspectos mais sutis que surgem ao nosso olhar, quando observamos esse relacionamento com a atenção que lhe é devida" (1958n, p. 400; itálicos meus).
22 Um exame detalhado da concepção winnicottiana da instintualidade humana e da elaboração imaginativa das funções corpóreas encontra-se em Loparic 2000.
23 Para Winnicott, o termo profundo, referido à fantasia inconsciente ou conteúdos reprimidos, não é sinônimo de primitivo porque "um lactente necessita de um certo grau de amadurecimento para tornar-se gradativamente capaz de ser profundo" (1958i, p. 103).
24 Com relação, por exemplo, ao ciúme dos irmãos que é atualizado na situação analítica, com o ódio por outros pacientes, Winnicott diz que aquelas pessoas que padecem de uma problemática psicótica e regridem à dependência "ou não têm objeção à presença de outros pacientes, ou então não conseguem conceber a sua existência. O outro paciente não passa de uma nova versão do seu eu" (1955d, p. 386).
25 Certos autores sustentam que essa posição decorre do fato de que, para a psicanálise clássica, que se inscreve na tradição metafísica do cartesianismo, a realidade, seja externa seja interna, tem um único sentido: algo que já está dado, povoado de objetos e cujo acesso, também único, se dá por via da representação. Não há, nessa perspectiva, a idéia de uma constituição dos sentidos da realidade, inerentes aos modos de ser que vão se abrindo no decorrer do desenvolvimento e pela vida afora. Cf. Loparic 1997a.
26 Para maior detalhamento desse ponto, cf. Loparic 2001.
27 M. Klein inicia o seu famoso artigo "Notas sobre mecanismos esquizóides" com a seguinte frase: "Expus várias vezes o meu ponto de vista de que as relações de objeto existem desde o começo da vida" (Klein 1946, p. 254).
28 Cf. Loparic 1997a.
29 Cf. Winnicott 1989a, capítulo 53, parte 2.
30 Com respeito a essa tendência, midiática poderíamos dizer, Winnicott era extremamente cauteloso. Ao propor termos para nomear alguns fenômenos que puderam ser vistos à luz de sua teoria, Winnicott o fazia com muito cuidado, temeroso de que eles passassem a ser usados como clichês, como "coisas de Winnicott", esvaziados do sentido experiencial que deveriam conter. Por exemplo, ao distinguir a "mãe-objeto" da "mãe-ambiente", ele alerta para que essas expressões não se tornem slogans vazios "e acabem por tornar-se rígidos e obstrutores" (1963b, p. 107).
31 Cf. Winnicott 1971g, p. 100. Winnicott não está sozinho nessa apreciação. Também Pontalis afirma que a teoria kleiniana da inveja e da culpabilidade, atribuídas à mais primitiva infância, "nada mais faz do que dar uma transcrição psicanalítica ao mito do pecado original" (Pontalis 1977, p. 118).
32 Cf. carta de Winnicott a M. Klein, de novembro de 1952, in Winnicott 1987b.
33 Para Masud Khan, um possível elo entre a obra de Winnicott e as pesquisas de Hartmann sobre essa esfera do ego livre de conflitos (Khan 2000 [1978], p. 19) está no conceito de "período de hesitação", descrito por Winnicott no seu artigo "Observação de bebês numa situação padronizada" (1941b).