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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.5 n.1 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

O autismo na teoria do amadurecimento de Winnicott

 

Autism in Winnicott’s maturation theory

 

 

Conceição A. Serralha de Araújo*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente texto toma por base a teoria do amadurecimento pessoal elaborada por Winnicott objetivando reunir o que ele pôde pensar e evidenciar em sua prática clínica a respeito de uma interrupção nesse amadurecimento, na fase de dependência absoluta, que corresponde à vivência de uma agonia impensável e à organização de defesas no sentido da invulnerabilidade contra a "revivência" dessa agonia que é o autismo. É destacada a hipótese que relaciona a etiologia do autismo com falhas ambientais, também associadas com outros tipos de psicose, mas que, nesse caso, estão acrescidas do ódio inconsciente da mãe pelo bebê. Busca-se o modo como o autor entende esse sentimento materno, atentando-se para a questão do desamparo na maternidade e a conseqüente necessidade de amparo emocional para a mãe, este último sendo considerado um papel inicial do pai. Algumas idéias de Winnicott, relacionadas ao tratamento das crianças autistas, também são consideradas.

Palavras-chave: Autismo, Agonia impensável, Invulnerabilidade, Ódio inconsciente, Desamparo materno.


ABSTRACT

The present text take as its base the individual maturation theory developed by Winnicott, uniting his thoughts and clinical practice with regard to the consequences of an interruption in maturation during the stage of absolute dependence: the experience of an unthinkable agony and the organization of defenses in the sense of invulnerability to the experience of said agony - autism. The hypothesis relates the etiology of autism to enviromental failures, also related to other types of psychosis, but that, in this case, are added to the uncounscious hatred of the mother to her baby. This enquiry pursues Winnicott's understanding of this maternal feeling, attention being drawn to the question of abandonment during maternity and the consequent need for emotional support, the latter being considered as an initial paternal role. In addition, the study seeks to present Winnicot's ideas related to the treatment of autistic children.

Keywords: Autism, Unthinkable agony, Invulnerability, Uncounscious hatred, Abandonment during maternity.


 

 

A clínica voltada para o atendimento de crianças psicóticas, entre elas algumas autistas, e seus familiares depara-se com inúmeras dificuldades a ela inerentes, que instigam o clínico a buscar sempre, entre os teóricos com prática nessa área, aqueles cujas teorias sejam consonantes com o que é vivenciado nesses atendimentos.

Winnicott, na atualidade, tem sido um desses autores, já que o encontro com o seu pensamento acaba por fornecer um holding para o analista envolto em uma série de sentimentos, dúvidas e desencontros entre o que experiencia no contato com essas crianças e as teorias que parecem distantes da verdadeira experiência.

O estudo da teoria winnicottiana permite que se atente para uma forma particular de compreender a constituição do ser como uma identidade unitária, o "si mesmo", que coloca essa teoria numa posição revolucionária em relação à psicanálise tradicional e que, segundo Loparic (1997) e Dias (1995 e 1998), promove uma mudança de paradigma. Abandonando os termos metapsicológicos, o entendimento de Winnicott acerca dessa constituição do ser não toma o Édipo como central ou como ponto de partida, mas coloca em seu lugar a relação de identificação primária da mãe com o seu bebê. Além de descrever toda uma gama de acontecimentos anteriores ao Édipo, ele se diferencia dos demais teóricos da psicanálise pela consideração psicossomática do indivíduo, como também por considerar a relação ambiente-indivíduo em todos os processos, seja de constituição do si mesmo, seja de emergência de uma doença psíquica pela ausência de favorecimento, por parte do ambiente, da tendência integrativa, inata a todo ser humano e base para a constituição dessa identidade.

Assim, de acordo com a teoria do amadurecimento pessoal, o ser humano parte de um estado de não integração inicial, com tendências herdadas para o amadurecimento e vai precisar de outro ser humano para isso acontecer. Ele vai precisar de uma mãe-ambiente que se identifique com ele e o ajude a integrar-se, ou seja, perceber-se no tempo e no espaço, reconhecer-se em seu corpo e na realidade, permitindo que ele viva uma experiência de onipotência que é importante, no início, para afastar a ameaça de falta de controle sobre o que se apresenta. A mãe, nessa fase, será um objeto subjetivo e será parte do bebê, caracterizando um estado de "dois-em-um". A integração, que se inicia pela elaboração imaginativa das funções do corpo, vai se ampliando de acordo com os momentos do amadurecimento do bebê, abarcando também o seu relacionamento com o mundo externo. A mãe vai capacitando o bebê

[...] a encontrar realmente aquilo que ele cria, e a criar e vincular isso com o que é real. [...] se aquilo que está sendo criado precisa ser realizado concretamente, alguém tem que estar lá. Se ninguém estiver lá para fazer isso, então, num extremo, a criança é autista - criativa no espaço - e tediosamente submissa em seus relacionamentos [esquizofrenia infantil]. (Winnicott 1986h [1970], p. 39)

Por conseguinte, na teoria winnicottiana, evidencia-se a constituição gradual da identidade unitária como fundamento da saúde e entra-se em contato com as conseqüências que podem advir, para o indivíduo, caso essa constituição não aconteça. Entre as conseqüências, pode-se ver o autismo como expressão máxima dessa última possibilidade.

Nota-se que, mesmo tendo apenas dois textos específicos sobre o tema do autismo,1 Winnicott não deixou de abordar elementos importantíssimos, a ele relacionados, em vários pontos de sua teoria do amadurecimento pessoal. Enfatizou a relação do amadurecimento da criança com os estados emocionais da mãe, mostrando que os modos de ser e de cuidar desta afetam o desenvolvimento do bebê e que a doença psíquica consiste numa parada desse desenvolvimento, por defesa contra invasões ou contra algo que deveria ter acontecido, mas não foi possível. Segundo ele, se a mãe não se encontra emocionalmente bem, ela terá dificuldades de entrar no estado de preocupação materna primária2, que lhe permite identificar-se com o bebê e oferecer as condições que asseguram a continuidade de ser deste.

Contudo, Winnicott não considerava que a possibilidade de a mãe tornar-se o ambiente favorável para o bebê fosse dependente apenas de uma boa condição interna dela. Segundo o autor, ela precisa, também, de um ambiente que a assegure durante essa fase, o que Winnicott acreditava ser um papel paterno inicial. O pai precisa sustentar o estado materno de preocupação, precisa proporcionar à mãe um suporte, impedindo que ela se ocupe com coisas alheias à sua relação com o bebê.

Esse ambiente total - pai e mãe no exercício de seus papéis - é o que vai permitir ao bebê o desenvolvimento de seu eu. O bebê vai experienciando os seus momentos de tranqüilidade e a sua impulsividade. O seu senso de realidade vai sendo adquirido em razão da sobrevivência repetida do objeto aos seus impulsos, que resulta na discriminação entre fato e fantasia, e, no seu devido tempo, na distinção entre realidade externa e interna. O lactente chega, assim, ao estágio do concernimento, em que descobre a externalidade, percebe-se como um eu separado de um não-eu e começa a se preocupar com as conseqüências de sua impulsividade. Somente a partir desse ponto o bebê pode viver o complexo de Édipo, pois ele, enfim, terá como experienciar relações interpessoais.

Para Winnicott, perturbações do ambiente que não ultrapassem o tempo e a capacidade do bebê para lidar com elas não interrompem o amadurecimento e são até importantes para que ele desenvolva os seus próprios recursos. No entanto, se as perturbações ultrapassam a capacidade maturacional do lactente, podem produzir reações que, por acontecerem num estágio bem inicial, são acompanhadas de uma perda temporária da identidade em formação. Assim, percebe-se que a ameaça presente em todo o processo de desenvolvimento do indivíduo é a possibilidade de não se integrar. A enfermidade psicótica é, para Winnicott, "uma organização defensiva relacionada a uma agonia primitiva" (Winnicott 1974, p. 72); o bebê adoece e psicotiza porque não consegue mais crescer ou continuar existindo.

O autismo é estudado, por Winnicott, no âmbito da psicose, que reconhece nele as características da esquizofrenia infantil. Winnicott não concordava com a denominação "autismo", achando-a dispensável. Entretanto, em muitos momentos, continuou nomeando-o assim, talvez acomodando-se ao que estava instituído para ser compreendido em suas comunicações.

Na situação autística, o que se evidenciaria, então, seria uma organização patológica de defesa no sentido da invulnerabilidade, para que a criança não voltasse a "viver" a agonia impensável, "experimentada" durante uma invasão ou falha do ambiente para com ela, na fase de extrema dependência do início de sua vida. Nos casos em que a defesa contra a "revivência" da agonia torna-se uma constante, a criança permanece no autismo.

Em relação ao sofrimento do bebê numa situação de fracasso adaptativo, Tustin cita um parecer de Mahler, de 1961:

O que raras vezes vemos e o que é raramente descrito na literatura, é o período de aflição e dor que, na minha opinião, precede e anuncia inevitavelmente a ruptura psicótica completa com a realidade. (Apud Tustin, 1995 [1993], p. 71)

Parece claro que Mahler alude às intensas agonias das quais a criança autista se defende com a invulnerabilidade. Desde 1952, em "Psicose e cuidados maternos", Winnicott já falava sobre essas terríveis ansiedades, que, por acontecerem tão precocemente na vida do bebê, seriam sentidas mais física do que psiquicamente. Mais tarde, Winnicott chamou-as de "agonias impensáveis".

Loparic (2000) faz ver que a idéia de choque, susto e ameaça, intrínseca à "vivência" da agonia produzida pela falha ou invasão do ambiente, mostra que o bebê, no início, não está "ensimesmado". Segundo Winnicott (1953a [1952]), o bebê, uma pessoa ainda potencial, encontra-se num estado de isolamento imperturbado - "solidão essencial" -, podendo movimentar-se espontaneamente em direção ao ambiente e descobri-lo. Entretanto, se o ambiente age inadequadamente e o invade, o bebê retorna ao isolamento, só que, desta vez, de maneira defensiva, reagindo ao ambiente invasor. Pelo fato de ainda não se dar conta de si e nem do outro no momento da invasão, o bebê não sente medo, sentimento que requer objeto, mas, sim, desamparo e aniquilamento, uma agonia impensável.

Percebe-se que, de acordo com a teoria winnicottiana, uma agonia que aconteça num momento anterior ao estabelecimento da identificação primária da mãe (ou cuidador) com o bebê, que favoreceria a este a consecução das tarefas iniciais do amadurecimento (integração, persona-lização e contato com os objetos da realidade externa), faz com que ele só tenha à disposição, para se defender e alcançar a invulnerabilidade, o seu recurso mais primitivo: o isolamento. Para empregar a desintegração e a despersonalização, entre outras, como defesa, seria necessário um mínimo de integração, personalização, etc. A invulnerabilidade, alcançada com o isolamento, acaba não possibilitando outras defesas.

É claro que essa análise trata de um quadro mais grave, cujo bloqueio no desenvolvimento aconteceu bem no início, mesmo porque a defesa da criança não consegue ou não precisa ser sempre eficiente. À medida, por exemplo, que o tempo vai passando, a criança estabelece alguns poucos contatos com as pessoas que vão se tornando mais fami-liares e isso permite alguns ganhos, mesmo que precários, em razão de ela sempre recorrer ao isolamento diante da ameaça da angústia.

Já os casos de autismo que se iniciam um pouco mais tarde, por volta dos 18 meses de idade, talvez possam ser explicados pelo fato de a criança ter experimentado, no início, de forma eficiente, mas apenas por um breve período, a invulnerabilidade como defesa por meio do isolamento. Ao sair deste, devido a mudanças no ambiente, a criança retoma o seu desenvolvimento e, mais tarde, num momento de ameaça de retorno da agonia, pode voltar a empregar essa defesa, já que o seu emprego anterior teve sucesso.

Cabe ressaltar mais uma vez que, se a criança se encontra defendida dessa forma, a sua relação com o outro e com o mundo não se estabelece adequadamente, inviabilizando a constituição de um "si mesmo" capaz de "vivenciar" experiências de um modo pessoal.

Alguns autores tomam os comportamentos autísticos como evidências de subjetividade. Contudo, percebe-se que esses comportamentos são respostas reativas e não interativas e, na teoria winnicottiana, esse tipo de resposta autista não é indício de ser si mesmo, mas defesa de seu potencial de ser si mesmo. É o si mesmo verdadeiro, ou seja, a espontaneidade básica que se defende, preservando-se. Winnicott enfatiza:

A alternativa a ser é reagir, e reagir interrompe o ser e o aniquila. Ser e aniquilamento são as duas alternativas. O ambiente tem por isso como principal função a redução ao mínimo de irritações a que o lactente deva reagir com o conseqüente aniquilamento do ser pessoal. Sob condições favoráveis, [com] [...] o cuidado que ele recebe de sua mãe, cada lactente é capaz de ter uma existência pessoal e assim começa a construir o que pode ser chamado de "continuidade de ser". [...] Se o cuidado materno não é suficientemente bom então o lactente realmente não vem a existir, uma vez que não há continuidade do ser; ao invés a personalidade começa a se construir baseada em reações a irritações do meio. (1965b, pp. 47 e 53)

Para ser si mesmo a criança vai precisar de uma continuidade de ser na relação com o outro; vai precisar de um trabalho de elaboração imaginativa da experiência psicossomática que é possibilitada pelo ambiente. Assim, em relação a essa elaboração, pode-se supor que, no autismo, mesmo que ela tenha se iniciado, a defesa não permite sua evolução, ou seja, muito dificilmente evolui para além da elaboração imaginativa das funções corpóreas.3

Na sua busca contínua do que poderia estar envolvido no adoecimento autístico, Winnicott reconheceu que, em alguns casos de autismo, danos cerebrais consideráveis apresentavam-se, mas, em outros, não eram identificados quaisquer fatores orgânicos. Ele sabia que, por mais que determinados momento e contexto pudessem levar o bebê para um estado autístico, existiriam cuidados específicos do ambiente que poderiam minimizar fatores adversos.

Em relação a esse ambiente, Winnicott sabia que a pessoa que cuida de um bebê, muitas vezes, é tomada por um sentimento de desamparo comparável ao desamparo inicial do bebê. Ele afirmava que algumas mulheres têm dificuldade de atingir a condição especial de preocupação por temerem não recuperar sua individualidade e, em relação ao estado de preocupação materna primária, ele dizia que "a mãe é tanto o bebê quanto ela própria" e ela "pode ficar aterrorizada com isto" (Winnicott 1987d, p. 96)

Em meio a uma situação como essa, com características de terror e desamparo, a mãe pode não conseguir a identificação com o bebê, que é para este tão necessária. Alguns fatores foram apontados por Winnicott como responsáveis por situações assim, dentre os quais a própria vivência da mãe quando ela era um bebê, que não foi satisfatória em termos de cuidados maternos, ou uma identificação masculina acentuada, ou, somada a esses e outros fatores, a falta de segurança na situação atual.

Para Winnicott, "há geralmente algum tipo de suporte afetivo em volta da mãe..." e "quando há um colapso das forças protetoras naturais é que se nota quão vulnerável é a mãe" (1965vf [1960], pp. 28-9).

Pontuar a necessidade materna de proteção era-lhe essencial. Comentava: "isso é terrivelmente óbvio, mas, apesar disso, precisa ser dito" (1965r [1963], p. 81).

Tornar-se, em vários momentos, regredida - imatura, dependente, desamparada -, faz-se necessário à mãe para que ela possa colocar-se na pele de seu bebê. Contudo, ela precisa ser sustentada ao encontrar-se nessa condição imatura, ser reassegurada nesse período em que os sentimentos provenientes dessas circunstâncias interferem no seu continuar-a-ser pessoal. Sem esse reasseguramento e essa sustentação, ela vai precisar de se defender e, defendendo-se, não conseguirá ser a mãe suficiente para essa criança. Ela poderá ver-se tomada por sentimentos tais como o ódio e, em conseqüência, poderá utilizar-se de formações reativas, quando esse ódio for inconsciente.

Winnicott (1949f [1947]) listou uma série de razões que propi-ciam o aparecimento do ódio materno pelo bebê. Entre elas, ele colocou o fato de o bebê não ser a própria concepção mental da mãe, de ele ser um perigo para o seu corpo durante a gestação e durante o parto, de o bebê ser uma interferência na vida particular dela, desafiar sua preocupação, e até o fato de ele não perceber o que ela faz por ele, nem sequer reconhecê-la.

Contudo, em 1969, ele destacou a diferença muito grande que existe entre ser o ódio da mãe ou ser o ódio reprimido e inconsciente da mãe, o que se acha em consideração na análise dos efeitos desse sentimento sobre o bebê (Winnicott 1989e [1969], p. 194). Assim, a questão ressaltada por ele no entendimento da etiologia do autismo refere-se ao ódio incons-ciente da mãe em relação à criança, oculto por formações reativas (o sentimentalismo, por exemplo), tornando-se, por essa particularidade, mais difícil de ser enfrentado pela criança.

No texto "A tendência anti-social" (1958c [1956]), que se encontra em Privação e delinqüência, Winnicott também comenta os efeitos dos mimos de uma mãe para com o seu bebê, evidências de uma formação reativa aos seus complexos, apontando, como resultado, a tendência anti-social. Nesse caso, a formação reativa da mãe, da mesma forma, traria dificuldades para a criança enfrentar os sentimentos maternos, mas o prejuízo não seria tão grande nesse momento, visto que ela (a criança) já obteve conquistas importantes em termos de desenvolvimento, devido ao fato de que na base da tendência anti-social está sempre "uma boa experiência inicial que se perdeu", o que não se encontra nos casos de autismo.

Pode parecer uma teorização muito determinista, de causa e efeito. No entanto, o que faz o isolamento de um bebê, por exemplo, ser compreendido como efeito de uma incapacidade da mãe de identificar-se com ele e, com isso, não conseguir atender às suas necessidades urgentes, é a análise retrospectiva, na qual percebe-se um padrão de falhas, uma não conscientização dessas falhas e, conseqüentemente, uma não possibilidade de reparação, fazendo a criança reagir aos sentimentos de aniquilação provenientes da inadequada satisfação de suas necessidades. É importante compreender que, sendo possível a conscientização das falhas e sua pronta reparação, as relações podem se alterar e condições desfavoráveis podem se reverter.

A formação reativa parece ser, pois, o aspecto mais danoso, visto que impede ou dificulta sobremaneira que as pessoas próximas - parentes, médicos, entre outros - percebam o que está acontecendo. Se essa percepção fosse possível, o ambiente poderia sair em auxílio da mãe e/ou da criança, da mesma forma que a conscientização do ódio permitiria à mãe uma elaboração dele. Se não é possível, quando o ódio é percebido muitas vezes o prejuízo já aconteceu.

A não percepção do que está acontecendo na relação mãe-bebê, por pessoas próximas, é mais difícil de ocorrer, por exemplo, no caso da psicose dos pais. Nesses casos, o ambiente próximo, mesmo que não consiga ajudar por causa da gravidade do quadro,4 consegue entender que algo não caminha bem. Percebe-se que a doença psicótica da mãe não permite uma repressão de seus sentimentos; estes são atuados (ação inconsciente), muitas vezes, sem transformação, para deles se livrar, já que o quantum de integração que seu ego pôde atingir não consegue abarcá-los. Isso permite que a situação possa ser percebida pelo pai, pela própria mãe e/ou pelo ambiente próximo a ela. Winnicott exemplifica bem tal contexto em a "História de Esther" (1965L [1960], p. 89).

Por outro lado, no caso em que a mãe sente um ódio inconsciente pelo bebê, Winnicott a percebe "desejando seu bebê morto, mas, mais particularmente, representando este desejo através de comportamentos opostos" (1996a, p. 26), como o exemplo já citado, o sentimentalismo.

A capacidade de lidar com um sentimento intolerável por meio de formações reativas, muitas vezes pelo fato de ele ser sentido como inadequado ao papel materno, só pode ser conseguida se essa mãe, em seu próprio amadurecimento pessoal, atingiu uma condição do eu suficiente para guardar sentimentos intoleráveis e, assim, constituir um inconsciente reprimido. Para Winnicott, esse inconsciente ameaça ou aparece como fonte das formações reativas (1963c, p. 197), e, portanto, sem a constituição deste, a mãe não teria como reagir de forma contrária aos seus sentimentos. Segundo ele, a mãe que se utiliza de formações reativas se encontra inibida em seus instintos, dentre os quais o próprio instinto maternal, que a ajudaria a entrar no estado de preocupação materna primária. Ela não consegue ser satisfatória para seu bebê em suas necessidades, já que essa satisfação requer espontaneidade, com sua carga de impulsividade e agressividade, que se encontra também reprimida.

Assim, a uma mãe psicótica, que não conseguiu empreender consistentemente suas tarefas pessoais de integração, personalização e contato com a realidade, que não conseguiu discriminar satisfatoriamente o seu mundo interno do mundo exterior e, em razão de tudo isso, não pôde constituir um inconsciente reprimido, não é possível a utilização de formações reativas no seu relacionamento com o seu bebê. Winnicott destacava: "não é possível conceber um inconsciente reprimido com uma mente cindida, ao invés, o que se encontra é a dissociação" (1964h, p. 370). Somente uma pessoa com relativa integração psíquica poderia constituí-lo.

Ao reconhecer a importância da adequação do ambiente para que o amadurecimento da criança se dê de forma satisfatória, Winnicott aponta os cuidados que o próprio ambiente, em particular a mãe, demanda. Para ele, mãe e bebê, inicialmente, precisam que seu ambiente próximo promova recursos que levem a mãe a desenvolver confiança em si própria.

Em muitos momentos, a mãe sente que perde a comunicação com o seu bebê, sente que algo de estranho está acontecendo, mas como não consegue identificar o que seja, também não consegue pedir ajuda de uma forma direta. O que se percebe com muita freqüência é que o ambiente próximo, além disso, não consegue decifrar o seu pedido de socorro.

Muitos dos sentimentos que a envolvem nesse período, decorrentes da interferência na continuidade-de-ser pessoal, como os sentimentos de perda ou de impossibilidade de ser sustentada pelo ambiente nos momentos em que se torna regredida, geram outros sentimentos, como os de ódio, raiva, insegurança e desesperança. Estes, se excessivos e sentidos como inadequados à condição materna, acabam tornando-se inconscientes e se mantêm dessa maneira, pois a mãe não consegue sentir que haja um ambiente confiável o suficiente, capaz de sustentar essa conscientização.5 Assim, a manutenção da inconsciência do ódio da mãe pelo bebê pode muito bem se relacionar com a incerteza de compreensão dos sentimentos envolvidos, incerteza de reasseguramento da mãe pelo ambiente. Se o ambiente falha, desde o início, em promover confiabilidade, a incerteza poderá sempre se apresentar, mesmo nos momentos em que o ambiente pareça sustentá-la adequadamente.

Para Winnicott, o reasseguramento da mãe é, no início, papel do pai. Contudo, numa série de casos em que o pai biológico se faz presente, isso não é suficiente para garantir que o papel paterno inicial, de proteger a mãe e prover o lar, seja efetivo. Inúmeras razões podem ser encontradas para justificar essa situação, dentre elas, o pai pode sentir-se em segundo plano, sentir ciúme do filho e se afastar ou rivalizar com a mãe na maternagem, por não conseguir esperar o momento em que passa a ser importante para o filho como pessoa.

Uma questão apresenta-se: a impossibilidade de a mãe constituir-se como ambiente favorável para o bebê seria decorrente da inconsistência do papel paterno? Se respondida afirmativamente, enceta-se a necessidade de apoio e sustentação, também ao pai, no exercício de seu próprio papel. Na ausência deste, a família, a sociedade e as instituições devem assumir esse papel de promover condições à mãe de ser mãe naturalmente, sem pretensão de substituí-la, mas não se furtando a isso, caso seja vital para o bebê.

Nas constelações familiares da atualidade, embora os papéis parentais sejam exercidos por pessoas que não necessariamente são o pai e a mãe biológicos, eles continuam sendo imprescindíveis, já que, para Winnicott (1963d), " a natureza humana não muda" e o que há de mais primitivo no ser humano é a necessidade de ser cuidado.

Loparic, ao analisar o conceito de natureza humana, explicou:

Winnicott observava que "há muito pouca evidência de que a natureza humana se alterou no curto espaço registrado pela história". A ontogênese dos humanos não mudou durante o período da vida humana sobre a Terra do qual temos conhecimento histórico. O conceito winnicottiano de natureza humana pode, portanto, ser entendido como designando a estrutura fixa da nossa ontogênese ou, na linguagem menos biologizante e mais característica de Winnicott, do nosso amadurecimento emocional ou pessoal, governado pela tendência inata à integração. [...] Quanto ao ambiente, a posição de Winnicott é clara: para que um bebê humano possa crescer como um ser humano, é necessário existir um ambiente facilitador não meramente biológico, mas também especificamente humano; sendo assim, as máquinas ou animais não podem criar uma pessoa. (Loparic 2000, pp. 355-6)

Em relação à clínica do autismo, Winnicott apontou que o principal no trabalho com essas crianças é o "apoio ao ego", o holding e o manejo (handling), que possibilitam o fornecimento da provisão adequada que faltou ao paciente em algum momento de seu desenvolvimento.

Por acreditar que nesse momento da falha ambiental pode haver uma interrupção do desenvolvimento, uma situação de caos que se congela, ele acreditava também que a regressão à dependência absoluta, ou seja, a regressão organizada à situação de caos, revivida mais tarde em um ambiente favorável, pode ser muito útil para o descongelamento dessa situação de caos que ficou congelada. A essa regressão Winnicott relacionava a possibilidade de uma "recuperação espontânea da psicose", ou seja, sem necessidade de um trabalho clínico, desde que o ambiente pudesse alterar as condições que interromperam o desenvolvimento da criança.

Ele via nas reações autísticas da criança e em outros tipos de reação um "sinal de socorro"; acreditava na importância de "uma investigação completa do desenvolvimento emocional da criança, relativo ao seu ambiente e à sua cultura. A finalidade do tratamento é aliviar a criança da necessidade de enviar o sinal de socorro" (Winnicott 1953b, p. 212). Para ele, o tratamento psicanalítico, bem mais do que interpretar, precisa fornecer a base para a confiança, sem a qual nada terá validade. Em se tratando de casos de psicose ou autismo, ele acreditava que demandavam "um tipo complexo de `sustentação', incluindo assistência física, se necessário" (1984i [1961], p. 271).

Segundo Winnicott, quando a criança permanece muito tempo utilizando a invulnerabilidade como defesa, torna-se muito mais difícil para ela conviver com a vulnerabilidade. Alertou também que, se o tratamento vai obtendo sucesso, a criança vai tornando-se uma sofredora.

Quando se investiga o trabalho de vários clínicos em todo o mundo, evidencia-se que, mesmo que eles não tenham se dedicado ao estudo da teoria winnicottiana de forma sistemática, ou mesmo não tendo compreendido seus conceitos na sua totalidade, como, por exemplo, o conceito de transicionalidade, foram beneficiados por ela em vários momentos, não só na prática com as crianças, como também numa espécie de holding para si próprios, nos momentos de grande dificuldade. Rela-cionar o surgimento do autismo com fatores psicorrelacionais sempre trouxe muita angústia não só aos familiares, como também aos próprios clínicos; isso pode explicar o investimento maior na busca de causas genéticas, orgânicas ou ambiental-físicas.

Contudo, a negação de fatores psicorrelacionais na constituição do autismo só tende a adiar uma tomada de posição de toda a sociedade, no sentido de providenciar cuidados necessários para prevenir tais casos, que vão muito além de cuidados apenas físicos.

Winnicott, em meados da década de 1960, salientava que mãe alguma tem a capacidade de dimensionar realmente seu papel e, muito menos, como muitos preconizam, tem 100% de capacidade de fantasiar uma criança viva e total, quando espera o seu bebê. Para Winnicott, "algumas mães, em verdade, mal chegam à capacidade de 50% e imagine-se a sua confusão...", quando se encontram diante do bebê (1989a, p.127).

Assim, de acordo com Winnicott, não há como pensar que tais sentimentos maternos de confusão, insegurança, entre outros, não sejam fatores suficientemente capazes de interferir no amadurecimento pessoal de um bebê, quando tomam conta da relação inicial entre mãe e bebê. Apesar de contar com tendências hereditárias para o seu desenvolvimento, o bebê precisa de uma mãe-ambiente adaptada às suas necessidades para se desenvolver. Esta, por sua vez, vai precisar de que seu ambiente próximo lhe dê apoio e segurança, para que ela se tranqüilize e exerça bem seu papel.

Evidencia-se, entretanto, que cada vez menos as mães estão com possibilidades de se dedicarem inteiramente ao seu bebê nessa fase ini-cial. Além de seus próprios medos e fantasias, necessidades físicas e financeiras, existe uma pressão ambiental para que ela se volte logo para outras tarefas, o que evidencia uma falência do papel paterno inicial, não só do pai biológico, quando este se faz presente, mas da sociedade. Isso já era bastante perceptível nas mães das classes menos favorecidas e, atualmente, entre executivas e/ou intelectuais.

Em resumo, Winnicott formula que a vida do ser humano é uma continuidade de ser, que se encontra sempre ameaçada, e o grande desafio torna-se o ter de continuar sendo. Nota-se que isso é muito destacado quando se fala do desenvolvimento inicial ou infantil, mas parece que vai sendo perdido de vista à medida que a pessoa vai amadurecendo. Mais ainda, se a pessoa já possuir um razoável conjunto de defesas do eu e habilidade na sua utilização.

A mãe que acaba de ter o seu bebê, por mais que tenha tido todas as condições favoráveis antes e durante a gravidez, sofre uma interferência na sua continuidade de ser pessoal quando do nascimento do filho; esta pode ser percebida em graus variáveis de pessoa para pessoa. Nesse momento, ela vai necessitar de sustentação do ambiente para que possa entrar em estado de preocupação materna primária e empreender a sua continuidade-de-ser mãe, concomitantemente à retomada de sua continuidade-de-ser pessoal. Ela vai precisar que seu ambiente a ajude a perceber e vivenciar com segurança e confiança a interferência em seu ser pessoal; confiança de que essa vivência é uma fase natural e passageira. Caso contrário, o bebê, em sua imaturidade, a menos que outra pessoa assuma o papel materno, não conseguirá elaborar a sua relação com o mundo externo, defendendo-se dele.

Fica claro, também, que a temática da interferência na continuidade de ser pessoal da mãe, quando da chegada de um filho, traz vários questionamentos e merece uma discussão mais apurada. Em razão da contemporaneidade dessa interferência com o estado de preocupação materna primária, dúvidas surgem quando se tenta compreender as influências entre ambas. Da mesma forma, aparecem interrogações quando se empreende uma discussão em torno das conseqüências da variação na intensidade com a qual a mãe sente essa interferência e da sua duração. Pode ser que ela a vivencie de uma tal maneira que se possa falar até de uma interrupção do seu continuar a ser pessoal, o qual, se não retomado, desencadeia a denominada psicose puerperal como defesa.

Ressalta-se, ainda, a necessidade de empreender serviços que não só ofereçam acompanhamento e sustentação emocional adequados às mães, no período final da gravidez e logo após o parto, mas que promovam uma conscientização do pai, da família e da sociedade em relação às necessidades maternas e do bebê e dêem sustentação emocional também ao pai, no exercício de seu papel inicial. O fato é que existem "pais de risco", ou seja, pais cuja condição emocional favorece o desenvolvimento de situações autísticas no filho. Esse risco torna-se muito difícil de ser identificado devido às formações reativas utilizadas pela mãe, que acabam encobrindo, inclusive, a dificuldade de o pai exercer o seu papel de sustentador do estado de preocupação materna primária. Talvez, a melhor forma de identificar esses pais seja colocando sob suspeita uma aparente adequação e atentando para alguns cuidados excessivos que possam dizer o quanto esses casais sentem-se perdidos em seus papéis parentais.

 

Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência
E-mail: serralhac@hotmail.com

Recebido em 8 de fevereiro de 2003
Aprovado em 8 de abril de 2003

 

 

* Psicóloga clínica, mestra em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Doutoranda em Psicologia Clínica na PUC-SP
1 "Autismo" (Winnicott 1996c [1966]) e "A etiologia da esquizofrenia infantil em termos do fracasso adaptativo" (Winnicott 1968a [1967]).
2 Sobre essa capacidade materna, Winnicott comentou: "Este estado organizado (que, não fosse pela gravidez, seria uma doença) poderia ser comparado a um estado retraído, ou a um estado dissociado ou uma fuga, ou mesmo a uma perturbação a um nível mais profundo tal como um episódio esquizóide, no qual algum aspecto da personalidade assume temporariamente o controle. Gostaria de encontrar um bom termo para designar esta condição e sugeri-lo como algo a ser levado em consideração, sempre que houver uma referência à fase inicial da vida de um bebê. Não acredito que seja possível compreender o funcionamento da mãe na fase mais inicial da vida de um bebê, sem entender que ela deve ser capaz de atingir este estado de sensibilidade aumentada, quase uma doença, e recuperar-se dele" (1958n [1956], p. 494).
3 Segundo Winnicott, "a parte psíquica da pessoa ocupa-se com os relacionamentos, tanto dentro do corpo quanto com ele, e com os relacionamentos mantidos com o mundo externo. Emergindo do que se poderia chamar de elaboração imaginativa de funções corporais de todos os tipos e do acúmulo de memórias, a psique (especificamente depende do funcionamento cerebral) liga o passado já vivenciado, o presente e a expectativa de futuro uns aos outros, dá sentido ao sentimento do eu, e justifica nossa percepção de que dentro daquele corpo existe um indivíduo. A psique, desenvolvendo-se desta maneira, torna-se possuidora de uma posição da qual é possível relacionar-se com a realidade externa, torna-se um ser qualitativamente enriquecido, em condições de ir além daquilo que se pode explicar pelas influências ambientais, e capaz não apenas de se adaptar, nas também de se recusar a se adaptar, e de se transformar numa criatura com algo que parece ser capaz de fazer escolhas" (1988, pp. 46-7, itálicos meus).
4 De acordo com Winnicott, pode-se fazer uma graduação da doença psicótica nos pais: "a) Pais muito doentes. Neste caso, outras pessoas assumem a responsabilidade pelo cuidado dos filhos. b) Pais menos doentes. Há períodos durante os quais outras pessoas assumem a responsabilidade. c) Pais que têm saúde suficiente para proteger os filhos contra sua doença e para pedir ajuda. d) Pais cuja doença inclui a criança, e desta forma nada pode ser feito por ela sem violar os direitos que os pais têm sobre seu próprio filho" (1961a [1959], p. 97).
5 Winnicott dizia conhecer muitas mães que viviam sempre temerosas de descobrir que fizeram algum mal aos seus bebês e que nunca podiam falar das dificuldades que encontravam na relação com o bebê e até consigo próprias, por não acreditarem que alguém pudesse compreender (Winnicott 1993a).