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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.5 n.1 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

Superação da metafísica, realidade técnica e espanto*

 

The overcoming of Metaphysics, technical reality and amazement

 

 

Edgar Lyra

Professor do Departamento de Filosofia da PUC - Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se da difícil questão do sentido em que, a partir de Heidegger, pode ser pensada uma superação da metafísica. O pano de fundo é a atualidade e a onipresença do seu acabamento técnico. A preocupação central é o problema do possível modo de ser - ou de sobreviver - de um pensamento que, imerso nessa onipresença, seja, ainda assim, capaz de interrogá-la. Questões como a do salto (Sprung) e da reviravolta (Kehre) revelam a espécie de contorcionismo envolvido nessa noção de superação, levando a refletir, entre outras coisas, sobre a relação desse pensamento com a sua história. O desfecho é a identificação de um campo de preocupações no qual um pensamento posto diante da própria possibilidade de aniquilação coloca a si mesmo o problema hermenêutico de uma lúcida práxis pensante.

Palavras-chave:Heidegger, Metafísica, Técnica, Hermenêutica, Amor, Superação, Espanto.


ABSTRACT

We deal with a difficult question: the sense in which, after Heidegger, one can think of an overcoming of metaphysics. The background is the currency and omnipresence of its technical ending. Mainly focused is the problem of the possible way of being - or surviving - of a thought that, immersed in this omnipresence, is still able to inquire it. Questions such as that of the leap (Sprung) and the reversal (Kehre) show the kind of contortionism attached to this notion of overcoming. Among other issues, they call for a reflection on the relation of this thought with its history. The outcome is the identification of a field of matters which makes appear, for a thought facing the possibility of its own annihilation, the hermeneutic problem of a lucid thinking praxis.

Keywords:Heidegger, Metaphysics, Technics, Hermeneutics, Overcoming, Love, Amazement.


 

 

Der Streit zwischen den Denkern ist der "liebende Streit" der Sache selbst.1

 

1. A questão da época

A singularidade filosófica da contemporaneidade tem, na pergunta por uma possível superação da metafísica, um ponto de partida razoável para a sua caracterização. "Razoável" porque logo se verifica que o sentido da pergunta assim formulada não é óbvio, a ponto de autores como Hannah Arendt, Reiner Schürmann, Jacques Derrida, Richard Rorty e Gianni Vattimo, que têm em comum a referência a Martin Heidegger, divergirem bastante nas suas interpretações, priorizações e encaminhamentos.

Questionamento similar pode ser encontrado em vários outros filósofos contemporâneos, sobretudo quando associado a alguma idéia de crise e procurado em formulações mais elásticas. A discussão sobre a pertinência de se falar numa "pós-modernidade", que envolve autores como Jürgen Habermas e Jean-François Lyotard, encaixa-se bem nessa ampliação de domínio. O presente histórico é pensado ora como dobramento crítico do projeto moderno sobre si mesmo, ora como fim ou ruptura desse projeto em direção a paradigmas ainda não estabelecidos, com ênfases variadas em aspectos políticos, sociais, culturais, artísticos e filosóficos.

Mas essa elasticidade, se concede à questão uma certa onipresença, torna-se também índice da sua complexidade. Mesmo que um leitor próximo de Heidegger e Nietzsche, como Gianni Vattimo, se esforce por falar de um "fim da modernidade" (cf. Vattimo 1985), diferenças quanto à cronologia e ao perfil do período que entra em crise aparecem se a pergunta é colocada a partir da metafísica. O limite de esgarçamento da questão é a hipótese de essa crise sempre (ou nunca) ter existido; mas o diagnóstico geral é o de um momento de transição sem contornos definidos, diante do qual se contam posicionamentos que va-riam da exortação a ações autônomas - como as pretensões iniciais do positivismo lógico de expurgar as questões metafísicas para fora do horizonte de sentido - até posturas mais recuadas, com matizes reflexivos e interesses diversificados. O fato é que em toda parte se fala de algum tipo de transformação, seja no sentido de um ocaso (ou aurora), seja no de um colapso ou turbulência, todas alusões a algo difícil de precisar.

Reflete bem essa dificuldade o autor Fredric Jameson, outro que se debruça sobre o problema, dizendo, do conceito de pós-modernismo, que simplesmente "não podemos não usá-lo" e que esse conceito, "se existe um, tem que surgir no fim e não no começo de nossas discussões sobre o tema" (Jameson 1991, p. 25)2. Também significativo é Heidegger afirmar, na compilação de notas majoritariamente escritas entre 1936 e 1946 - Überwindung der Metaphysik -, que o termo "superação da metafísica" é "necessário ao pensamento que se volta para a história do Ser apenas provisoriamente, para torná-lo objeto de uma inteligibilidade geral" (Heidegger 1936a, p. 71; tr. fr., p. 80)3.

Fato é que a falta de clareza existe não apenas como tema de investigação, mas como contexto, em que se mostra difícil apresentar justificativas mais pontuais para este ou aquele encaminhamento. Aqui, a própria forma como o questionamento foi colocado define um desdobramento voltado para as injunções filosóficas da transição. Interessa, diante da falta geral de fundamentos e do fenômeno de uma "realidade técnica" cada vez mais absorvente e difusa, o problema da sobrevivência de um pensamento capaz de dobrar-se radicalmente sobre suas pretensões, possibilidades e metas; e que, tendo de emergir do mesmo fluxo histórico que ora deságua na ameaça de sua completa redução ao cálculo e ao planejamento, vê-se mais do que nunca posto diante de uma história que pede para ser pensada.

 

2. Heidegger e o problema da metafísica

É conhecida a reconstrução, por Heidegger, da história do pensamento ocidental como história de uma busca de fundamentos ou correspondência a uma verdade fundamental que pudesse nortear o comportamento humano. O problema é que falar de uma busca, acabada ou inacabada, que sequer permite um acordo sobre o porquê de seu objetivo não ter sido atingido, acarreta grandes problemas para quem quer que se volte para essa tarefa.

Para além de apropriações superficiais, percebe-se o quanto é intrincada a relação de Heidegger com a história do fluxo pensante que desemboca nos presentes impasses. Pois se a idéia de uma destruição (Destruktion) da história da ontologia, enunciada em Ser e tempo (Heidegger 1927, § 6), pode ser entendida como projeto de superação de um legado que se revelou obstrutivo, mais ou menos nos moldes de uma limpeza de terreno para o cultivo, ao seu tempo, de sementes por algum motivo deixadas de lado, o tom interrogativo, muitas vezes trágico ou ambíguo, que marca textos tardios como O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (1964), é igualmente digno de atenção.

Fala-se de uma reviravolta na obra do autor, mas isso não diz respeito a nenhuma transformação muito nítida ou linear no seu pensar;4 no que toca ao problema específico da superação da metafísica, nota-se que os vários textos exibem oscilações de abordagem e tom, que são muito mais concernentes às reais dificuldades do problema do que a desenvolvimentos meramente estratégicos ou cronológicos.

Tome-se O fim da filosofia...: apesar do seu caráter aberto, eminentemente interrogativo, esse texto acena, num tom de "talvez", com coisas como "um pensamento mais sóbrio do que a corrida desenfreada da racionalização e o poder de arrasto da cibernética (das Fortreissende der Kybernetik)" (Heidegger 1964, p. 79; tr. br., p. 279)5. Coisa parecida acontece em A questão da técnica (1953), outro ensaio que exibe similar convivência entre interrogação aberta e indicação de direções. Após descrever, partindo de um verso de Hölderlin, a imbricação do perigo a que estamos expostos com o possível despontar de uma nova aurora (Heidegger 1953, p. 36; tr. fr., p. 38)6, Heidegger finaliza o texto convidando a repensar a essência da técnica para além da dimensão do controle, à moda dos antigos gregos, no seu parentesco com a arte (techné). Ainda em outro tom, fala - em Serenidade -da possibilidade de nossa relação com a técnica tornar-se "maravilhosamente simples e tranqüila" (auf eine wundersame Weise einfach und ruhig)(Heidegger 1955b, p. 23; tr. port., p. 24) e de um pensamento meditativo, não calculativo, que precisa encontrar no mundo da técnica contemporânea o solo onde deitar suas raízes.

Mas, se o "namoro" com situações outras, que não a indigente auto-suficiência7 que nos envolve, é capaz de fomentar esperanças e gerar leituras muitas vezes entusiasmadas, também há reflexões de invulgar gravidade sobre o possível nascimento de dias melhores. Superação da metafísica (1938-39), texto já referido, que em muitos sentidos inspira esta reflexão, reúne-se em torno de um tomgeral de derrubada de ilusões, numa tentativa de mostrar que a maioria dos anseios de superação é apenas repetição despercebida do mesmo desatino de poder do qual quer a todo custo se livrar.

Lê-se, logo na segunda nota, que "a metafísica não se deixa descartar como se fosse uma opinião" (Heidegger 1936a, p. 72; tr. fr., p. 81). Na terceira, um "desabamento do mundo" e uma "devastação da terra" são postos como correlatos do "declínio da verdade do ente que marca o acabamento da metafísica". Na famosa nota XXVI, cronologicamente a última,8 e na qual se podem ver alusões ao fenômeno nazista, é descrito o cenário aterrador em que uma enorme rede técnico-burocrática, capaz de tudo abarcar, autoriza a predição de um homem explicitamente tornado coisa, a ponto de ser produzido em fábricas bioquímicas segundo necessidades e moldes dessa rede. Com ainda mais estridência, Heidegger diz que "nenhum mero agir transformará o estado do mundo porque o Ser, como eficácia e efetivação, fecha todos os entes ao Ereignis" (Heidegger 1936a, p. 98; tr. fr.,p. 114)9. Está também escrito que "nem mesmo a imensa dor [Leid] que grassa sobre a terra pode provocar imediatamente uma mudança, pois que experimentada apenas como um sofrimento [als ein Leiden], passivamente, como ação contrariada e, por conseguinte, inscrita junto com essa ação no âmbito essencial da vontade de vontade [des Willen zum Willen]" (Heidegger 1936a, pp. 98-9; tr. fr., p. 114).

Bem se vê que, na indicação desse fechamento, Superação da metafísica é esteio para interpretações opostas a qualquer entusiasmo, mesmo aqueles baseados na possibilidade de um pensamento em diálogo próximo com a arte e a poesia, mudado por ato de vontade em relação ao projeto metafísico de busca de fundamentos e certezas. Percebe-se, simultaneamente, que é Nietzsche o filósofo que principalmente inspira essas notas heideggerianas, nelas pensado como momento de iluminação de um querer posto nas nuvens. O problema é que Nietzsche é um filósofo tão complexo quanto Heidegger. A ele se pode atribuir, sem maiores problemas, o entendimento da história da filosofia como metafísica, no sentido de um privilégio do inteligível sobre o sensível, com a transformação em verdade daquilo que é mera convenção e com a produção de uma moralidade refreadora da vitalidade e dos instintos. Mas não é tão fácil apontar a postura desse filósofo em relação aos caminhos - e mesmo quanto à real possibilidade - de superação da metafísica tal como ele a define. Figuras como a da "transvaloração dos valores", do "super-homem", do "eterno retorno do Mesmo" e da "vontade de potência" inter-relacionam-se de forma intrincada e dada a um sem-número de interpretações.

Mas feita essa detecção de Nietzsche como base sobre a qual se erguem essas reflexões de Heidegger, é preciso adiantar que o problema da justiça que o último possa ter ou não ter feito ao primeiro será por ora deixado de lado, até porque, num plano mais geral, o que está em suspenso é o ponto a partir do qual esse e qualquer outro tipo de "justiça" podem ser feitos. O que se procura é, antes, a singularidade que adquire em Heidegger a relação entre o pensamento e um mundo no qual há sulcos deixados pelos outros filósofos.

 

3. Metafísica e técnica

Percebe-se que o problema alçado ao primeiro plano dessa reflexão heideggeriana é o da vontade. As citações já transcritas ligam, de forma paradoxal, a dificuldade ou a impossibilidade de superação com a própria vontade de fazer essa superação, num quadro que faz lembrar a história do macaco que, por não largar as sementes do interior da cumbuca, permanece a ela preso.

As hipóteses postas por Heidegger no texto em destaque - de que a metafísica se manifesta a nós a partir do próprio Ser e que a sua superação depende da aceitação desse Ser (Heidegger 1936a, p. 72; tr. fr., p. 81) ou de que a superação só se torna digna de ser pensada se pensada como aceitação (Heidegger 1936a, p. 79; tr. fr., p. 90) - são por certo incisivas e descartam soluções voluntaristas. Mas é preciso ir igualmente devagar com essa idéia de "aceitação" (Verwindung),10 ou melhor, aceitar a recomendação de cuidadosamente pensá-la para não precipitar uma simples representação da superação como renúncia voluntária à vontade de realizá-la, numa espécie de "querer-não-querer" ou processo de neutralização que saltaria por cima daquilo que precisa ser pensado.11 Pois o que aí mais incisivamente se põe em questão é a própria centralidade que a noção de vontade adquire no horizonte moderno-contemporâneo, centralidade essa que, na filosofia, desponta em obras como as de Schopenhauer e do próprio Nietzsche.

O fato é que as palavras-chave no vocabulário da técnica contemporânea estão de alguma forma relacionadas à noção de vontade. Eficiência, garantia, segurança e controle, traços mais visíveis dessa técnica, podem ser pensados como modos de providenciar que a vontade não seja contrariada por acasos e vicissitudes, ou seja, modos de eliminar, no maior grau possível, os indesejados fatores de dependência. Todavia - e isso é particularmente importante -, é justo a diferença entre a metafísica como um todo e o seu acabamento técnico, diferença até aqui apenas latente, que permite reencaminhar a discussão para o mérito de uma superação.

O texto de Heidegger que melhor ponto de partida oferece a uma possível diferenciação é A doutrina de Platão sobre a verdade. Seu tema central é o advento da metafísica, pensado como modificação radical na noção de verdade. O livro VII da República traduziria a passagem de um contexto em que a verdade era pensada como desvelamento (alétheia) para um outro, em que ela passa a ser entendida como correção, exatidão, correspondência a um modelo (ortótes). Entendido como Sumo Bem e traduzido na metáfora do Sol, o Ser funcionaria como instância última e perene, a partir da qual deveriam ser medidas e dirigidas as ações humanas. Semelhante tomada do Ser por um ente, enfim, esse esquecimento do Ser, configuraria a "decisão" fundadora do modo metafísico de pensar (cf. Heidegger 1940).

Qualquer que seja a justeza dessa interpretação,12 é essa concepção inaugural da metafísica que leva Heidegger a pensar o seu acabamento como "declínio da verdade do ente", isto é, como momento em que a pretensão de tomar o Ser como regra e medida, à moda de um ente último e inteiramente desvelado, esvai-se. E se esvai com nitidez crescente na medida em que, desde o "teatro das infindáveis disputas" a que se refere Kant (1781-87, A VIII), cada vez mais, mostram-se em conflito as tentativas filosóficas de estabelecimento dessa verdade. Nietzsche, no caso, é entendido como pensador do acabamento da metafísica, porque nele o projeto histórico-filosófico de busca da verdade é pensado como erro. Em figuras como a "morte de Deus" e o "niilismo", trata-se do fechamento do círculo da metafísica, ou seja, do momento em que a filosofia se volta contra seu projeto inicial de busca de uma verdade supra-sensível para pensá-lo não mais como salvífico, mas agora como negação do que é vivo e mutável em prol do estabelecimento de garantias tão definitivas quanto impossíveis.

Mas o objetivo dessa breve e precária recuperação é somente abrir caminho para o pensamento da hegemonia contemporânea da técnica. A formulação é a seguinte: o fracasso das tentativas reiteradas de tomar o Ser como ente máximo, isto é, de "circunscrevê-lo" ou "fixá-lo" de alguma forma, transformando-o em padrão ou instrumento de regulação, abre a possibilidade - e mesmo lança o desafio - de pensá-lo de outro modo; a decorrente falta de modelos, em contrapartida, ao se tornar mais e mais explícita nos conflitos histórico-filosóficos, vira gradativamente a vontade, que até então aspirara por um metro transcendente, para a busca de resultados mais concretos, mais imediatos e menos utópicos.13 A busca se converte num projeto de domínio cada vez mais direto e ostensivo de tudo o que é dominável, configurando-se o império de uma relação com os entes na qual eles têm autorização para existir apenas na medida em que sejam objetos de catalogação, previsão, disponibilização ou controle.14 O que não cabe na armação técnico-racional do real, à qual Heidegger chama de Gestell15, pertence, no máximo, às categorias do duvidoso, do fantasioso, do casual, do místico. A própria existência de um ente máximo chamado Deus, confirmando os prognósticos de Nietzsche, reduz-se à confiança que os homens possam ter nele quanto à capacidade de solução eficaz e confiável de problemas que vão desde a salvação da alma até o pagamento de dívidas de jogo.

 

4. O sentido de se falar em superação

É no sentido de uma vontade tornada técnica, do seu fechamento numa vontade de controle, que se pode entender por que motivo se torna tão problemático falar em superação. No que a técnica é tratada como instrumento de dominação do ente em geral e, assim, vista ela mesma como algo a ser dominado ou manejado com maestria, o pensamento que a toma em consideração acaba por restringir-se à questão do uso melhor ou pior que dela se possa fazer. O projeto passa a ser um projeto de explícita auto-suficiência, com o fechamento da dimensão de tudo o que, para além da vontade, da influência ou da capacidade do sujeito controlador, tem o poder de livre e misteriosamente fazer durar, conceder, deixar-ser. O perigo maior é que nesse fechamento, em que todos os olhares se voltam para aquilo que o homem pode ou não pode fazer, de si mesmo e dos demais entes, passa despercebido um estranho refluxo. O que principalmente se deixa de perceber é quão técnico é o homem que lida com a técnica, ou seja, que é a técnica que domina o homem e não o contrário, e tanto mais quanto mais ele se concentra na tarefa de aperfeiçoá-la e de tecnicamente aperfeiçoar-se. Mal suspeita o homem de hoje que não pode deixar de ser técnico na sua luta pela sobrevivência, imerso que está num mundo onde impera a lei do mais técnico, reedição mudada daquela lei do mais forte que o projeto metafísico, na sua busca de justiça e garantia, tanto temeu e quis evitar.

É nesse sentido que pode ser entendido o tom geral do texto Superação da metafísica. Lá se fala de uma penúria que ainda não atingiu o seu momento seminal, da permanência na ilusão de que é possível comandar os destinos da técnica ou de que tudo depende de um acordo planetário assinado em torno de alguma grande e imaginária mesa, para a sua correta administração. Pode-se acrescentar que essa encoberta penúria sinaliza também a perda da profundidade filosófica, por exemplo, com que era tratado por Platão, lá no início da metafísica, o problema da instauração dos modelos de comportamento, a ponto de, diante das atuais urgências, falar-se simplesmente em fazer viger declarações universais de direitos do homem ou sobre a necessidade de quarentenas éticas e acordos ecológicos, ficando em plano cada vez mais secundário a questão do porquê de, até o presente momento, essas medidas não terem sido postas em prática; ou por que e como se imagina que agora o seriam.

A indigente auto-suficiência de que fala Heidegger é, em suma, a cegueira diante daquilo que, para além da nossa vontade e ilusão de controle, espantosamente tem garantido as estabilidades que permitem, inclusive, que se possa falar de coisas tais como controle, previsão e probabilidade; e mesmo que se possa apostar no cumprimento de acordos salvadores.

As raízes dessa cegueira, o autor as encontra no tipo de abordagem ou abandono de questões seminais - como "por que existe afinal ente e não antes nada?"16 -, que, filosoficamente, correspondem à incapacidade de dar acolhida a qualquer assombro mais radical. Pois o que é pretensa e inteiramente provocado, causado ou garantido não deixa lugar para a textura de nenhum espanto, para a fruição de nenhuma doação, para a experiência de nenhum Ereignis, para a vigência de nenhum apreço ou respeito por aquilo que plástica e renovadamente acontece, quando nada do que fizéssemos poderia garantir que acontecesse.

É, todavia, essa mesma falta de atenção a algo que já está sempre sendo concedido, como destino, como história, como linguagem ou mesmo como natureza, e justo no que pode ser percebido como "falta", que, às avessas e a despeito de todas as dificuldades, impede a decretação final da impossibilidade de qualquer superação. De fato, já se falou tangencialmente dos acenos que, em Heidegger, ladeiam a detecção da atual penúria, em geral ligados a alguma espécie de escuta, espera ou vigília, de chamada de atenção para o acontecer das coisas e para a possibilidade de uma "experiência do pensamento".17 O tom, certamente cauteloso, justifica-se quando se rememora o que já foi indicado, isto é, que para esse filósofo o que a cada momento é concedido ou enviado tem a ver com um mundo já sempre de alguma forma dado, no qual ainda se pode, bem ou mal, existir e propor qualquer coisa. O que se sedimenta é algo que já desde o começo se prenunciava: que, pensada como simples substituição ou recusa do mundo técnico no qual agora nos achamos lançados, a superação não tem nenhum sentido. Mais radicalmente ainda, a ilusão de que seja possível simplesmente substituir a técnica por um modo categorialmente outro de lidar com as coisas mostra-se como uma reedição, levada ao seu epítome, do próprio projeto técnico de controle irrestrito do destino. Apenas ainda não se define aqui nenhum modo alternativo de relação com esses impasses.

 

5. O salto para um "outro começo"

Tem-se que a alternativa não pode ser nem a do abandono, nem a do controle, e que falar de algo que não seja vontade de deixar para trás ou de dominar uma metafísica tornada técnica é algo que envolve essencial dificuldade. De pronto, é preciso cuidar para não alçar Heidegger, sub-repticiamente, a alguma instância "exterior" ou "posterior" à metafísica; ou para não assumir, mais sub-repticiamente ainda, nenhuma posição mágica ou olímpica, a partir da qual Heidegger e toda a metafísica possam ser olhados. Mantendo em pauta a envergadura adquirida pelo termo na presente reflexão, pretender, unilateralmente, por simples autodeterminação, não ser metafísico na relação com a "metafísica" - e isso diz respeito tanto a Heidegger quanto aos seus leitores -, é meter-se numa espécie de esquecimento redobrado de que há algo que nos é enviado ou destinado, e que, nesse momento, o envio é o acabamento técnico da metafísica. É a linguagem, são os hábitos, são os anseios herdados, são as noções-chave a partir das quais se pensa a realidade, enfim, é o próprio modo da discussão filosófica que são os de uma metafísica em fase de acabamento. O que se põe em questão, portanto, para um pensamento capaz de falar em superação, é a noção mesma de liberdade, quer dizer, a questão da possibilidade e do limite de escolha em relação àquilo que a cada vez se encontra no mundo.

Vejam-se as Contribuições à filosofia, texto publicado postumamente e tido como de singular importância na vasta obra de Heidegger. Ao falar do salto (der Sprung - cap. 4) necessário ao pensamento de um "outro começo" (andere Anfang), o autor caracteriza o "fim do primeiro começo" como cada vez "mais vivo", "mais rápido" e "mais confuso que nunca", e alude ao problema da passagem como "o mais digno de questionamento" e "o mais mal-entendido". Com especial ênfase ele diz: "O fim do primeiro começo propagar-se-á por um longo tempo através da passagem (Übergang) e até mesmo pelo outro começo" (Heidegger 1936b, p. 228; tr. ingl., p. 161).18

Essas imagens reforçam a pertinência de se continuar falando em superação, mas trazem matizes novos à discussão. A convivência, por exemplo, do longo tempo necessário a essa transição com a rapidez e a confusão que tomam conta desse tempo torna a coisa bastante difícil para quem está no meio dela. Quase trinta anos mais tarde, no citado O fim da filosofia e a tarefa do pensamento, lêem-se coisas como:

Aqui se tem em mira a possibilidade da civilização mundial, assim como agora apenas começou, superar algum dia seu carácter técnico-científico-industrial como única medida de habitação do homem no mundo. [Mas...] incerto permanece se a civilização mundial será em breve subitamente destruída, ou se se cristalizará numa longa duração que não resida em algo permanente, mas que se instale, muito ao contrário, na mudança contínua em que o novo é substituído pelo mais novo. O pensamento preparador em questão não quer nem pode predizer o futuro. Procura apenas ditar para o presente algo que há muito, exatamente no começo da Filosofia, já lhe foi dito, e que, entretanto, não foi propriamente pensado.(Heidegger 1964, p. 67; tr. br., p. 272)

 

6. O salto e a reviravolta

Uma possível recolocação da questão é: em que medida Heidegger, ele mesmo, consegue efetivar esse outro tipo de relação com a metafísica que permite dar ouvidos àquilo que nos foi dito no começo da filosofia e não foi ainda propriamente pensado?

O importante, sem sair da mistura de águas que caracteriza o momento presente, é descrever a espécie de salto, a partir do solo lingüístico, histórico e destinal, de uma metafísica em fase de acabamento, que tornou possível a Heidegger relacionar-se com seus textos ante-riores, falando de uma reviravolta(Kehre). Mais ainda, porque é a partir desse salto - que pode ser inclusive o redimensionamento da possibilidade de se falar de um salto - que as questões aqui resgatadas se desdobram em sua plenitude. Mas é necessário recuperar a linha principal de pensamento para redirecionar o questionamento e preparar a finalização do trabalho.

Pois bem, a liberdade de acolher o que nos é destinado, de uma forma diferente da que até agora tem prevalecido, Heidegger a sinaliza na idéia do Ereignis, sobretudo de modo negativo, na descrição de uma incapacidade geral de mínima permanência no espanto ante aquilo que acontece, quando poderia perfeitamente não acontecer. Essa incapacidade de expe-riência se estende, por certo, e de modo insigne, ao acontecimento da filosofia. A necessidade de pensar uma relação com a metafísica em moldes outros que não os do seu voluntarioso ultrapassamento suscita, por conseguinte, um esclarecimento da relação que esse outro pensamento, supostamente mais próximo do Ereignis, guarda ou pretende guardar com a sua história. A idéia - diante da difícil tarefa de repensar a relação geral com o que acontece e, mais particularmente, um modo de relação com a técnica que não seja nem abandono, nem controle, nem simples aceitação - é priorizar o problema do acontecimento da própria filosofia, vista como espaço de jogo no qual o mundo aparece atravessado por tais questões. É Heidegger mesmo quem diz: "Pois qualquer tentativa de preparar um acesso à presumível tarefa do pensamento depende do retorno sobre o todo da História da Filosofia" (Heidegger 1964, p. 66; tr. br., p. 272).

Argumento recuperado, sabe-se que a indicação textual de uma reviravolta se dá pela primeira vez em Sobre o "humanismo". A passagem fala de um ponto em que "o todo se inverte" (hier kehrt sich das Ganze um) e, também, que essa reviravolta não é uma modificação no ponto de vista de Ser e tempo, mas unicamente nela é que o pensamento perseguido atinge a região dimensional a partir da qual Ser e tempo é experimentado, e exatamente a partir da experiência fundamental do esquecimento do Ser (Heidegger 1946, p. 17; tr. br. 1967, p. 47; tr. br. 1973, p. 354).19

É, todavia, o acréscimo de uma outra passagem do mesmo texto que define aqui o ângulo de aproximação à essa multifária questão. Lê-se:

Toda refutação no campo do pensar essencial é insensata. A disputa entre os pensadores é a "disputa amorosa" da questão mesma. Ela lhes proporciona reciprocamente o simples pertencimento ao Mesmo, a partir do qual encontram aquilo que lhes é destinado no destino do Ser. (Heidegger 1946, p. 24; tr. br. 1967, p. 59; tr. br. 1973, p. 358) 20

A junção dessa passagem que, não por acaso, serve de epígrafe ao presente texto, mostra a direção na qual se desdobra, nesse momento, a preocupação de Heidegger com o acontecimento da filosofia, com a história de um pensamento da qual o outro dele mesmo começa a fazer parte. Percebe-se que pelo menos o tom é diferente daquele que metodicamente acompanhava o planejamento de uma "destruição da história da ontologia", há vinte anos; pois se, a essa altura, Ser e tempo já é metafísica, história de um esquecimento do Ser, nem por isso a reviravolta é tratada como "modificação do seu ponto de vista". Repetindo, Heidegger diz que não há sentido na refutação do dizer dos pensadores essenciais e que a luta entre esses pensadores, ao modo de uma disputa ou discussão amorosa, proporciona-lhes "o simples pertencimento ao Mesmo, no qual experimentam o que lhes é destinado no destino do Ser". Isso significa que a metafísica ou esquecimento do Ser, ao tornar-se linguagem no dizer dos pensadores essenciais, faz-se lugar de experiência de uma destinação e de um pertencimento; e que, entre os múltiplos aspectos da reviravolta, está a possibilidade de uma reconsideração da relação que o pensamento estabelece, ou pode estabelecer, com a sua história.

 

7. Sobre uma possível consumação da reviravolta

O que essas considerações fornecem, ao fim das contas, é a indicação arriscada de uma outra caracterização da metafísica, diferente daquela que o "segundo" Heidegger radicou na noção de verdade como correspondência e que, junto com os correlatos do Ser reiteradamente pensado como espécie de ente último, acabou por engendrar suas tensões.

O que acaba voltando à cena, na pergunta por uma superação da metafísica, é a própria noção heideggeriana de metafísica, noção que, trabalhada, por exemplo, na preleção de 1929 - O que é metafísica? -, seguiu sofrendo acréscimos até 1949.21 Se a caracterização identificada permitiu ao segundo Heidegger colocar Nietzsche para dentro da metafísica, sob a alegação de que a inversão sensível-inteligível permanece no âmbito da verdade como concordância - no caso, concordância impossível com uma realidade essencialmente incongelável -, cabe perguntar, a partir da própria sugestão heideggeriana de que, na reviravolta, Ser e tempo seria experimentado a partir da experiência fundamental de esquecimento do Ser, se é essa mesma caracterização que permite colocar também Ser e tempo para dentro do âmbito da metafísica e, no caso, como isso se dá, posto que não é óbvio que esse texto se mova na dimensão da verdade como correspondência a algo essencialmente impensado.

É certo, as alusões a uma "disputa amorosa" e à "insensatez das refutações" acenam com uma mudança na relação do pensamento com sua história. Curioso e importante é que Heidegger não se refere apenas a um novo modo de relacionar-se ele com a tradição, mas à discussão geral entre os pensadores essenciais, deixando aberta uma possibilidade de reinterpretação de todo o movimento da metafísica. Vale insistir, entretanto, em analisar o primeiro impulso interpretativo, o de ler essas alusões como exortações a um novo pathos -ou mesmo práxis - para o pensamento, a serem doravante observadas; e isso, tanto para evitar simplificações inadequadas, quanto para tornar mais visível o campo no qual se desdobram essas indicações. De fato, tomada como uma modificação na noção pré-socrática de verdade, necessária ao curso de um projeto de fundamentação, a metafísica melhor corresponde ao modo de pensar que se relaciona com os outros empreendimentos filosóficos, passados e presentes, com a intenção de destruí-los, superá-los, limitá-los, invertê-los ou corrigi-los, para fazer viger, enfim, a almejada verdade ou medida fundamental. Ser e tempo,ao ser entendido como projeto de uma ontologia capaz de regionalizar todas as outras, também se veria incluído nessa definição de metafísica. A anunciada reviravolta, enfim, nessa linha interpretativa, corresponderia ao advento de um outro modo de pensamento, simplesmente diferente daquele em que cada pensador se nutre da refutação total ou parcial dos anteriores, para justificar e empreender seu próprio projeto filosófico.

O problema é que, se positivamente alçado à condição de instaurador ou proponente de um novo modo ou tom de pensamento, Heidegger se veria obrigado a indagar em que medida o modo "amoroso" de pensar não seria ele mesmo uma correção ou superação dos ante-riores. O caso é que esse caminho ameaça conduzir o "segundo" Heidegger de volta à metafísica, como filósofo que reuniu seus pares em uma história pensada não em seu Ser, mas à moda de um ente definido pelo fio comum de certa práxispensante não-amorosa, a ser agora corrigida. Mais ainda - e o problema agora é que não se pode simplesmente parar com os dobramentos -, não é novamente isso o que aqui se faz, ao denunciar a "patologia" desse hipotético "segundo" Heidegger e prendê-lo dentro do âmbito da metafísica? Não é também essa interpretação tragada pelo mesmo campo gravitacional, sem apresentar traço distintivo que faça valer a pena o caminho percorrido, na "melhor das hipóteses" assemelhada a um eco do acabamento iniciado com Nietzsche?

Seja como for, cabe ainda analisar a alternativa de colocar "todo mundo" para dentro da metafísica, inclusive o segundo Heidegger e seus leitores, mas procurando um modo de repensar a relação histórico-metafísica entre os filósofos essenciais como relação amorosa, na direção oposta, portanto, à do entendimento da metafísica como aspiração unilateral por fundamentos (e mesmo pela possibilidade de negação peremptória do fundamento). Trata-se, em todo caso, de pensar uma direção outra que não a da refutação mútua e reiterada que acabou por desaguar no descrédito em torno da filosofia e no niilismo onde floresceu a planificação técnica. Deixando seus muitos problemas temporariamente em suspenso, vê-se que o atrativo maior dessa alternativa é o aceno com uma possível transformação interna na metafísica, numa espécie de plástica ou topologia do Ser22 (que alguns entendem como característica do "último" ou "terceiro" Heidegger), assim como se uma mudança no modo de a metafísica visar a si mesma fosse potencialmente capaz de mudar o seu próprio acontecimento, quiçá, pensar nos limites dessa mudança, mesmo o seu acabamento numa realidade técnica e homogeneizadora.

Também o fato de o pensamento acabar puxado para dentro do campo metafísico pode, nessa nova direção, ser entendido não mais como contradição ou fracasso, mas, na medida da inclusão de todos os pensadores essenciais, como experiência profunda da impossibilidade de escapar de um ente capaz, espantosamente, de dizer-se de múltiplas formas, categoriais, históricas, lingüísticas e naturais.

Acima de tudo importante, a efetiva experiência dessa impossibilidade de superação não corresponderia a um acontecimento qualquer. Pode-se mesmo ver repetido, no âmbito do enfrentamento radical da história da filosofia, aquilo que Heidegger pensou para o Dasein23em Ser e tempo. Assim como a "decisão antecipadora" (vorlaufende Entschlossenheit) envolve uma aceitação da finitude e da falta, assim como a compreensão do Dasein individual só se completa quando ele compreende que a incompletude é constitutiva ou que só existe compreensão enquanto há algo não inteiramente compreendido, a superação da metafísica só se completaria quando experimentada como impossível, ou melhor, quando experimentada a força que constitui o ente como colateralmente constitutiva da possibilidade de se falar de Ser, Mundo, Nada, Deus, Fundamento, Tempo, Transcendência, Verdade, Vontade, Superação, em suma, de coisas que convocam o pensar justo ao serem percebidas como nunca plenamente presentes ou suficientemente definidas.

 

8. A experiência contemporânea do pensamento

O problema dessa inclusão geral do pensamento no campo gravitacional da metafísica é, certamente, a vigência de uma tensa "realidade técnica", sinônimo de um mal-estar diante de muitos dos acontecimentos nela inseridos e dos perigos que se fazem pressentir. Junte-se a cotidiana devastação do meio ambiente com o perigo de desastres vários, radioativos, viróticos, políticos ou militares; junte-se a concentração de riqueza e poder hoje vigentes com a miséria que ao redor dela se acumula e considere-se, sobre esse fundo de desigualdades, as possibilidades cada vez mais palpáveis e incisivas de ingerência genética e controle informático; junte-se, ainda, a onipresença da mídia com a impossibilidade de se tocar seriamente em noções seminais como as de progresso e desenvolvimento: o resultado é um desconforto difuso, que cresce com o pressentimento de serem radicais e mesmo irreversíveis as atuais mudanças, lidando simultaneamente com o desnorteamento e com a aversão à passividade e à impotência.

O problema, por conseguinte, é o de conceber um horizonte de transformação desse obscuro quadro. Seguindo a hipótese aqui trabalhada, trata-se da dificuldade de dar forma a uma transformação interna na metafísica que não seja nem superação - no sentido de deixá-la para trás -, nem controle e, menos ainda, mera aceitação ou resignação. Mas parece que isso só poderia ser diferente se a complexidade do problema fosse sublimada, ficando esquecido, por exemplo, que o tensionamento de conceitos-chave, como identidade e diferença, mudança e duração, teoria e práxis, foi prática comum no Heidegger posterior a Ser e tempo. É nesse sentido mesmo que ele precisa que é o todo que se revira (Hier kehrt das Ganze um), e que diz - no conjunto de notas pessoais de 1938/39 - que não se trata simplesmente de levar a termo a superação como se essa fosse uma tarefa clara e irrevogável, apenas à espera de consumação; ou que é importante não resistir à transmutação da própria essência da superação e evitar o perigo de um modo de pensar circunscrito ao âmbito daquilo que precisa ser superado, numa metafísica da metafísica (Metaphysik von der Metaphysik) (Heidegger 1938/39, p. 12; tr. br., p. 23).

Vale, para compartilhar a dificuldade, evocar autores como o já citado Vattimo, em seu esforço de pensar o problema em termos hermenêuticos. Em O fim da modernidade, ele aponta a noção de superação como tipicamente moderna e pensa a possível relação com a técnica e com a tradição que nela desemboca a partir do termo Verwindung. Com esforço, Vattimo reúne em torno da palavra Pietas um amálgama de aceitação e aprofundamento, de resignação, convalescença e distorção, frisando que "ninguém se dá sem reservas ao Ge-Stell como sistema de imposição tecnológica" (Vattimo 1985, p. 169 e ss, cit., p. 180).24 Doze anos mais tarde, debruçado em Para além da interpretação sobre o problema da relação com a tradição, esse autor se põe justamente a tarefa de dar feição mais definida à noção de "hermenêutica" - que vê transformada num difuso lugar-comum filosófico (numa koiné) (Vattimo 1997, p. 13 e ss) - e insiste no princípio hermenêutico do "longo adeus às estruturas fortes do Ser". O recurso a semelhantes metáforas, percebe-se, tem como intenção oferecer ao fundamento que ora se esfarela um contraponto que permita escapar ao relativismo caótico ou ao prevalecimento de alguma simples e asfixiante lei do mais técnico.

Dificuldade semelhante enfrenta Reiner Schürmann em "O que fazer no fim da metafísica?", onde fala sobre o modo de pensar e agir no umbral metafísico em formulações propositadamente paradoxais como, por exemplo, a obediência a um "princípio de anarquia" ou ao "imperativo de deixar o campo livre às coisas". A idéia geral, compreende-se, é a de privilegiar a experiência da contingência, da multiplicidade e da gratuidade (cf. Schürmann 1983, pp. 449-76). Mas é curioso que Schürmann veja como característico do momento de transição que essas indicações possam ou devam ser ditas como "princípios" ou "imperativos".

A dificuldade que se compartilha é, claramente, a de definir o tipo de transformação que no fim da metafísica se põe em questão e, concomitantemente, "fundamentar" uma práxisque lhe corresponda, cabendo lidar com as vertigens inerentes a essas dificuldades. Da práxisdo segundo Heidegger sabe-se que, abandonada a idéia de instauração de referências teóricas para o agir, chega ele a falar de um pensamento que "age enquanto pensa" (Heidegger 1946, p. 5; tr. br. 1967, p. 25) e "que é já em si mesmo a ética original" (Heidegger 1946, p. 41; tr. br. 1973, p. 369).25 A tese - a ser explorada em outra ocasião - é a de que, aceitando o chamado de pensar aquilo que pede para ser pensado, o pensamento acaba por abrir novas trilhas no solo mundano sobre o qual necessaria mente se faz, trilhas sobre as quais andarão os próximos homens. Dito de outro modo, isso equivale a um tensionamento e a uma transformação da linguagem e do aparato conceitual vigentes, torcendo-os para acolher as interpelações que a cada tempo se renovam.

É relevante perceber que, nesse entendimento da linguagem como "aquilo que dá passagem a toda vontade de pensar" (Heidegger 1949, p. 84; tr. fr., p. 313), a filosofia adquire uma centralidade bastante diferente da que tem como superego da ciência, pois é nela que, seguindo Heidegger, privilegiadamente se cristalizam as direções maiores e a estrutura mais profunda das decisões lingüístico-epocais que pré-direcionam o pensar e o agir vindouros. O que se configura nesse processo de "remanejamento viário", de temporalidade difícil de precisar, é uma nova metáfora da difícil transformação em questão.

Precisa-se o problema hermenêutico, em suma, na pergunta pela medida do tensionamento aplicável à linguagem instrumentalizada sobre a qual o pensamento hoje tem que se fazer. A interpelação maior concerne ao fato de, dobrando-se sobre si mesmo e deparando-se com seu insucesso em estabelecer fundamentos e direções justificáveis para quaisquer ações, inclusive as interpretativas, o pensamento encontrar-se diante de uma indisponibilidade hermenêutica de métodos.26 Como acolher essa interpelação posta pela ausência de fundamento? Como virar o rosto da época na direção dessa experiência abismal, senão através da transformação profunda da sua linguagem e, concomitantemente, dos conceitos, hábitos e disposições essenciais nela presentes? De fato, ainda que se possa ver no embate de Heidegger com a tradição uma prática de desentranhamento, nas insuficiências das várias doutrinas, do Ser como aquilo que escapa e se mantém como questão - e que justo como questão pode orientar -, é preciso aceitar que essa mesma rememoração do abismo fundamental (Abgrund)27 possa servir, no solo técnico vigente, como "fundamento" para pragmatismos de espécies várias28 ou mesmo para "dogmatismos poéticos".

 

9. Amor e espanto - à guisa de conclusão

É, no fim, a retomada da noção de amor evocada na idéia de disputa amorosa e, até aqui, não devidamente problematizada, que acaba por fornecer passagem para um enfrentamento posterior dos problemas hermenêuticos surgidos e por preparar uma finalização mais positiva do ensaio. O caso é que, apesar de textualmente pouco presente na obra de Heidegger, essa noção é capaz de trazer a questão mais geral das disposições, que tão singularmente alarga as idéias heideggerianas de compreensão e pensamento, para o centro da discussão sobre a superação da metafísica e sobre o problema hermenêutico que lhe corresponde. A estranheza causada pela frase que serve de epígrafe a este ensaio, por exemplo, está atrelada ao que seria uma ausência de cuidado, boa vontade ou diligência de Heidegger para com a tradição filosófica, valendo dizer que essa estranheza se renova se a tese é estendida à conversa entre todos os pensadores essenciais. Mas explorar as várias conotações da palavra amor como tentativa de encontrar uma direção ética para a relação com o "outro pensador" é algo que forçaria o enfrentamento de perguntas do tipo: quem ou o que é esse pensador essencial que deve ser interpretativamente amado? O que o distingue como privilegiadamente amável? Apenas o que sem esse enfrentamento parece possível adiantar é que, no âmbito de tais discussões, não haveria de vigorar nenhuma relação como a descrita pelo Zaratustra de Nietzsche, referindo-se aos homens que encontra na descida da montanha: "Eles são redondos, honestos e benévolos uns para com os outros, como grãozinhos de areia são redondos, honestos e benévolos para com outros grãozinhos de areia" (Nietzsche 1883, p. 214; tr. port., p. 196).

Resulta como caminho melhor para a disputa amorosa ser explorada como disputa na qual os pensadores encontram "reciprocamente o seu pertencimento ao Mesmo". Isso se torna especialmente interessante se a rememoração do todo dessa disputa, quer dizer, de uma história levada ao abismo do não-fundamento, puder iluminar o problema da crucial mudança e das disposições a ela inerentes.

Aparece nesse pertencimento ao Ser como Mesmo, muito nitidamente, a espécie de retorcimento ligada ao fim da metafísica. O que Heidegger diz é, em suma, que os pensadores encontram esse pertencimento exatamente na medida em que o Mesmo é objeto de disputa, ou seja, em que pode haver discussão sobre o seu significado. Diz mesmo que "o Ser é o discutível" (das Strittige) (Heidegger 1946, p. 43; tr. br. 1973, p. 370).29 O Mesmo, por conseguinte, que acaba servindo de termo de orientação e atestação do caráter essencial dos pensamentos que para ele se voltam, nunca é algo de inequívoco ou definitivo, a ponto de o autor afirmar que a impossibilidade de a metafísica dar conta da questão do Ser não é um fracasso, mas um "tesouro" (Schatz) (Heidegger 1946, p. 20; tr. br. 1973, p. 356). É, também, em sentido semelhante que em outras ocasiões se fala em gostar (mögen) daquilo que nos interpela (Heidegger 1952, pp. 129-30; tr. fr., pp. 151-2); ou mesmo numa proximidade inexplorada entre pensar (denken) e amar (lieben), na qual se diz que "quem pensa o mais profundo ama o mais vivo" (Heidegger 1951, p. 9; tr. fr., p. 33).30 O que nos interpela, entenda-se, interpela-nos enquanto é questão, como coisa não resolvida, não imobilizada. É amável justamente enquanto pede para ser pensado.

Pode-se, perfeitamente, argumentar que tais alusões a gosto e amor estão, em última instância, ligadas ao Ser como aquilo que se destina a nós, e que isso implicaria manter separadas as instâncias da hermenêutica e da ontologia. Mas o que aqui se explora é, exatamente, o fato de ser no dizer dos pensadores essenciais, em suas divergências em torno da mesma questão, que principalmente o Ser nos interpela. Nessas divergências e disputas dá-se o Ser como algo que conclama o pensamento ao mostrar-se parcial e problematicamente, sempre como algo digno de questionamento, sempre como algo insuficientemente pensado. A inversão, reviravolta ou mudança é, portanto, uma alteração na noção mesma de orientação, definindo-se a busca de um questionamento perpétuo e profundo; nunca respostas finais capazes de fazê-lo cessar.

Isto é o que de forma particularmente concisa vem à luz no texto O que é isso - a filosofia? (1955a).O pensamento filosófico é explicitamente tratado como lugar privilegiado de preservação do espanto diante de um mundo jamais exitosamente reduzido a uma representação; em outras palavras, como lugar privilegiado onde esse mundo (o Ser pensado como totalidade dos entes) aparece - ou pode aparecer - como algo irredutível a simples objeto de uso, administração ou domínio. Heidegger pergunta e responde: "Quando filosofamos nós? Manifestamente apenas quando entramos em diálogo com os filósofos" (Heidegger 1955a, p. 20; tr. br., p. 217). Mais adiante, com o Platão do Teeteto, diz que "o espanto é, enquanto páthos, a arkhé da filosofia"; e, com Aristóteles, que "pelo espanto os homens chegam agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar". Acrescenta ainda que "o páthos do espanto não está simplesmente no começo da filosofia" e que "o espanto carrega a filosofia e impera em seu interior" (Heidegger 1955a, pp. 24-5; tr. br., p. 219).

Mas, se está igualmente implicado no dizer mais geral de Heidegger, e mesmo em outros trechos do texto ora em destaque, que a filosofia se inaugura com a opção pela busca do fundamento, pela sede de resposta e pela fuga sistemática do espanto, como entender a ambigüida de que assim se produz? Devemos entender cada pensador essencial como movido pelo espanto diante de um questionamento profundo e aberto, mas empenhado, ao mesmo tempo, na tarefa de silenciar esse espanto?

O que se verifica, à guisa de conclusão, é que essa precária tentativa de descrever uma outra relação como o acontecimento da filosofia acabou enveredando pelo caminho do espanto. Fica indicada a necessidade de um enfrentamento detido da questão do thaumázein grego, um enfrentamento que passe por perguntas e desdobramentos do tipo: por que o espanto desabrocha, ou desabrochou, privilegiadamente como projeto de produção de um saber capaz de tudo explicar, como busca de um acabamento sem lugar para mais nenhum espanto? Por que chegamos ao furor da técnica contemporânea e não ao reconhecimento do não-saber essencial como força que nos autoriza e convida a continuar pensando? Qual o sentido da nomeação grega originária, numa só palavra, da admiração extasiada e do pânico desintegrador? Dever-se-ia, por fim, investigar os meandros da possibilidade de "aceitar o espanto como morada" (Heidegger 1943, p. 259; tr. fr., p. 313)31 e considerá-la como hipótese para uma investigação mais profunda do sentido da palavra amor.

Todas essas indagações, decerto, têm de levar em consideração também críticas que, ao modo de Theodor Adorno e Jürgen Habermas, tendem a ver nessas relações "afetivas" com o Ser e sua história alguma "convivência com poderes pseudo-sacrais" (Habermas 1985, p. 139), perigosa por seus anelos totalitários.

Seja como for, não se trata certamente, aqui, de negar a Heidegger a indigência por ele reivindicada e de elegê-lo modelo corrigido de práxis pensante. Menos ainda trata-se de eleger sua história do pensamento ocidental como sendo a definitiva e verdadeira história. A idéia central é tomá-lo como manacial de indicações, procurando enxergar no seu prolongado embate com a tradição filosófica um afloramento privilegiado de questões relacionadas à dimensão maior da nossa responsabilidade como homens, não aquelas primeira e unicamente concernentes à nossa cega e autofágica autopreservação como fins em nós mesmos, mas aquelas outras, que dizem respeito a um mundo em meio ao qual nós já sempre somos e que, espantosamente, só em nós ganha esse vertiginoso nome.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: edlyra@terenet.com.br

Recebido em 18 de janeiro de 2002
Aprovado em 7 de outubro de 2002

 

 

* Ensaio apresentado em versão preliminar no VII Colóquio Heidegger, Unicamp, 2001.
1 Heidegger 1946, p. 24. A tradução brasileira de 1973 (Ernildo Stein), p. 358 diz: "A disputa entre os pensadores é a `disputa amorosa' da questão mesma". Já a tradução brasileira de 1967 (Carneiro Leão), p. 59, evita as conotações do adjetivo "amorosa" (nota), usando a forma "disputa diligente". Sigo, doravante, para as obras de Heidegger, o critério de fornecimento das paginações originais junto com as de uma tradução em outro idioma, sempre que possível o português. As minhas traduções são indicadas.
2 Boa recuperação da discussão mais específica sobre o termo "pós-modernidade" se encontra em Chevitarese 2000.
3 As traduções desse texto são minhas. Vale notar que é também esse o tom de abertura do texto homônimo, compilação de notas pessoais não publicadas em vida - cf. Heidegger 1938/39.
4 Cf. Lyra 1999, pp. 31-48, para uma recuperação da leitura de seis autores (Lévinas, Taminiaux, Arendt, Derrida, Schürmann e Richardson) sobre a reviravolta, com interpretações em alguns casos diametralmente opostas. Esboço ali minha própria idéia geral da reviravolta. Oportuna é também a consulta a Loparic 1996, para uma interpretação que prioriza a emergência progressiva do problema da técnica a partir da leitura, por Heidegger, do trabalho de Ernst Jünger, especialmente A mobilização total (1930).
5 A tradução da citação é minha.
6 Wo aber Gefahr ist, wächst / Das Rettende auch (Mas onde está o perigo / Cresce também o que salva). A tradução é minha.
7 Cf. Heidegger 1936a, p. 90, "die Notlosigkeit die höchste und verborgenste Not ist" (a auto-suficiência é a mais alta e oculta forma de indigência). Cf. também Heidegger 1940, p. 40 (nota) para a forma die Not der Notlosigkeit (a indigência da auto-suficiência) e Heidegger 1937/38, cap. 5.
8 Essa nota foi acrescentada em 1951.
9 Ereignis é um substantivo neutro, chave para a compreensão da obra do "segundo" Heidegger. É usado no alemão corrente para significar, preferencialmente, acontecimentos de importância, como o Natal ou o nascimento de um filho. Nos limites aqui impossíveis de contornar, diz-se que a palavra é utilizada por Heidegger para aludir ao acontecimento pensado em si mesmo, na "clareira do seu acontecer", ao fato de que algo acontece ao invés de não acontecer nada. Vale ver Heidegger 1957, p. 145, nota do tradutor E. Stein, que escolhe seguir a opção francesa e propor o termo acontecimento-apropriação.
10 Cf. Vattimo 1985, pp. 169-90, para uma interessante análise da idéia de Verwindung. É aguardada a publicação do v. 71 das Obras Completas - Das Ereignis - que, segundo o plano de edição, conterá uma seção intitulada "Die Verwindung".
11 Cf. Heidegger 1944: "Para uma discussão da serenidade". Cf. também Arendt 1970, cap. 4:15.
12 Mais uma vez, a idéia de justa correspondência, entrecruzada com o problema da relação do pensamento com a sua história, é o que principalmente está aqui em questão.
13 Para uma boa recuperação, a partir das obras de Hannah Arendt e Heidegger, desse momento em que convivem perigos extremos (como os da experiência totalitária) com chances de pensar para além das amarras da tradição metafísica, cf. Jardim de Moraes 2001.
14 Em diferentes ocasiões, Heidegger alude à tese de Max Planck: "O real é aquilo que é mensurável". Cf., por exemplo, Heidegger 1969a, p. 93 (tradução francesa, p. 444).
15 Cf. Heidegger 1953, p. 27 e ss. Cf. também a tradução francesa, p. 26 (nota), na qual, privilegiando o aspecto científico-racional conotado pelo termo, traduz-se "Gestell" por "arraisonnement". Cf., ainda, Heidegger 1957, p. 382, nota da tradução brasileira, para uma reflexão sobre as possibilidades de traduzir esse termo ou conceito para o português, que acaba optando, como a tradução francesa, pelo termo "arrazoamento".
16 Cf., por exemplo, Heidegger 1929, p. 38 (tradução brasileira, p. 242).
17 A expressão "Aus Erfahrung des Denkens"dá título a uma coletânea de ensaios produzidos durante toda a vida filosófica do autor (1910-1976) e, em particular, a um ensaio nela contido (1947).
18 As traduções desse texto (cujo título "não-público" é Vom Ereignis) são minhas.
19 A opção por reviravolta, ao invés de inversão (tradução brasileira de 1967) ou, simplesmente, viravolta (tradução brasileira de 1973), visa, apelando para o verbo revirar, a enfatizar a dificuldade de pensá-la que, em última instância, é o objeto deste ensaio.
20 O trecho original é: "Alles Wiederlegen im Felde des wesentlichen Denkens ist töricht. Der Streit zwischen den Denkern ist der `liebende Streit' der Sache selbst. Er verhilft ihnen wechselweise in die einfache Zugehörigkeit zum Selben, aus dem sie das Schickliche finden im Geschick des Sein". A tradução final é minha. Acompanho a escolha dos tradutores brasileiros, Carneiro Leão e Ernildo Stein, de traduzir Streit pela forma mais geral disputa, lembrando que o termo também acomoda o sentido de discussão. E, exatamente por discutir essas implicações, evitei a conotação de docilidade atribuída pelo professor Stein ao termo Schickliche.
21 Boa coisa seria comparar o conteúdo e o tom dos três textos, de 1929 (Preleção), de 1943 (Posfácio) e de 1949 (Introdução).
22 O autor fala de uma "topologia do Ser" em Heidegger 1947, p. 84 (tradução francesa, p. 37). Retoma a idéia em 1969a, p. 73, (tradução francesa, p. 424), onde alude a 1947 e a 1969b. Quanto à menção a um "último Heidegger", cf., por exemplo, Schürmann 1985.
23 O termo recebeu quatro traduções brasileiras diferentes até o momento: ser-aí (Ernildo Stein 1973, in col. Os Pensadores), estar-aí (Loparic 1990, p. 17, nota), pre-sença (Márcia Sá Cavalcanti 1988, in Heidegger 1927), e ser-situado (Marco Casa Nova 2000, in Heidegger 1938/39).
24 Distorção tem no texto o sentido de temperar a aceitação com a aplicação de tensionamentos ou torções à técnica e aos conceitos da metafísica.
25 Cf. Lyra 1999 e 2002.
26 Cf., por exemplo, Stein 1996, para uma problematização, num tom intencionadamente provocativo, da práxisinterpretativa de Heidegger.
27 O termo é freqüente na obra do segundo Heidegger. Cf., por exemplo, Heidegger 1957, p. 24 (tradução brasileira, p. 381- nota).
28 Cf., por exemplo, Rorty 1995.
29 A tradução é minha.
30 Cf. também a discussão sobre o elemento do pensamento, em Heidegger 1946, p. 7 (tradução brasileira de 1973, p. 348), onde o autor aproxima a idéia de abraçar ou encarregar-se (annehmen) de uma coisa, do gostar (mögen) e do amar (lieben).
31 Boa análise das considerações de Heidegger sobre o espanto (Erstaunen) se encontra em Haar 1994, p. 221 e ss. Cf. também a indicação de Nunes 1998a, pp. 61-2.
32 A datação concerne prioritariamente ao período de elaboração dos textos.