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Natureza humana

versión impresa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.5 n.2 São Paulo dic. 2003

 

ARTIGOS

 

Lacan e o feminino: algumas considerações críticas*

 

Lacan and the Feminine: some critical considerations

 

 

Márcia Arán

Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar a contribuição lacaniana ao debate em torno da questão do feminino na psicanálise. Para isso discutem-se as teses sobre a Coisa e o objeto a para compreendermos melhor como esses conceitos, articulados à noção de sujeito do inconsciente, constituem a fórmula da "não relação sexual", onde se esboça a idéia da mulher como "não toda na função fálica", assim como a elaboração sobre "o gozo a-mais". Partimos de uma questão: Lacan confere de fato ao feminino o estatuto real de alteridade ou permanece preso a uma tradição ocidental, na qual o Outro nunca se solta das amarras daquele que se pretende Um e, como conseqüência, ou expulsa a diferença, ou faz dela a sua refém?

Palavras-chave: Lacan, Feminino, Diferença sexual, Sexualidade, Psicanálise, Cultura, Alteridade.


ABSTRACT

This article proceeds to analyze the contribution of Lacanian thinking to the debate on the issue of the feminine in psychoanalysis. We discuss the thesis on the Thing and the Object so as to have a better understanding of how these concepts, together with the notion of the subject of the unconscious, constitute the formula of the "non sexual relation". We sketch the idea of the woman as "not entirely in the phallic function", and elaborate on the "surplus of enjoyment". The beginning point is: does Lacan actually confer to the feminine the true statute of alterity, or does he remain bound to a western tradition where the Other never frees himself from the one which intends himself to be One and, as a result, either expels the difference or makes it its hostage?

Keywords: Lacan, Feminine, Sexual difference, Sexuality, Psychoanalysis, Culture, Alterity.


 

 

No que se refere à contribuição lacaniana para o debate em torno da questão da feminilidade na psicanálise, costuma-se dizer que Lacan avança quando postula, para além do impasse da sexualidade feminina concebida a partir da idéia da inveja do pênis, a existência de um gozo a-mais. A principal elaboração dessa tese encontra-se no Seminário XX, Mais Ainda, no qual Lacan vai propor o desenvolvimento das fórmulas de sexuação para pensar como se constitui a "não relação sexual", ou seja, a relação entre o sujeito do inconsciente e o gozo do Outro, ou a relação entre o simbólico, o masculino, e o Outro que não se pode nomear, o feminino. Muito se tem debatido em torno dessa proposição, mas o que nos interessa destacar aqui é que, apesar da importância da tentativa de Lacan, de propor uma elaboração sobre o outro gozo - que tem como origem a necessidade de conceber o registro do real e, como conseqüência, o desenvolvimento da tese sobre o feminino -, no nosso ponto de vista o impasse permanece. Isso porque, mesmo considerando que, a partir do Seminário VII, A Ética da Psicanálise, Lacan começa a dar mais ênfase ao conceito de real, o que significa uma importante reviravolta nas suas formulações, o registro do real, para o autor, necessariamente, opõe-se à cultura. Isso aparece de forma mais evidente na sua recuperação do conceito de das Ding, de Freud, no "Projeto para uma Psicologia Científica" (1895). Para Lacan, das Ding é considerado somente na sua exterioridade absoluta em relação às formações do inconsciente. Mas, mesmo no Seminário X, A angústia, ou no Seminário XI, Os quatro conceitos da psicanálise, e no Seminário XV, A lógica da fantasia, quando Lacan trabalha o conceito de objeto a, o real que circula, na medida em que o objeto a só é pensado na sua indiferença, este permanece como uma estrutura interna à fórmula do inconsciente, ou seja, não é suficientemente real, se podemos nos expressar assim, para subverter a lógica do simbólico. Nesse sentido, o sujeito do inconsciente, necessariamente masculino, como observamos anteriormente, permanece enquanto tal, e cabem ao feminino as peripécias de limitar ou expandir a sua fórmula. Assim, a mulher, no seu estatuto de "não existente", ora como Coisa, ora como objeto a, aparece como uma prótese para sustentar os limites da elaboração sobre o simbólico.

Para sustentar essas formulações, discutiremos, num primeiro momento, as teses lacanianas sobre a Coisa e o objeto a para compreendermos melhor como esses conceitos, articulados ao sujeito do inconsciente, constituem a fórmula da "não relação sexual", na qual propriamente se esboça a idéia da mulher como "não toda na função fálica", assim como a elaboração sobre "o gozo a-mais", que é, afinal de contas, o lugar concedido ao feminino na obra de Lacan. Temos consciência do risco de não darmos conta da magnitude dessa empreitada, mas pretendemos fazer de Lacan um interlocutor e, nesse sentido, valorizar a sua obra na medida em que ela nos propicia um debate. Neste sentido, pretendemos dialogar mais com as brechas encontradas na sua formulação sobre o feminino do que com a teoria como um todo. Para isso partimos de uma questão: Lacan confere de fato à Coisa, ao objeto a, ao gozo do Outro, ao feminino, o estatuo real de alteridade ou permanece preso a uma tradição ocidental, na qual o Outro nunca se solta das amarras daquele que só se percebe como Um e, como conseqüência, ou expulsa a diferença, ou faz dela sua refém?1

 

Entre a Coisa materna e a Dama do amor cortês: o feminino como o real inacessível

No Seminário VII, A Ética da Psicanálise, Lacan vai trabalhar pela primeira vez de forma mais detalhada o registro do real na sua teoria. Para isso, o autor recupera o conceito freudiano de das Ding, proposto no "Projeto para uma Psicologia Científica", de 1895, para, na relação entre princípio do prazer e princípio da realidade, conceber um primeiro exterior, em torno do qual se orienta toda a constituição do sujeito. Freud afirma nesse texto que das Ding é um resto que escapa ao julgamento. Lacan entende que esse resto seria uma estrutura constante, e, neste sentido, real, que permanece para sempre fora do significado.2 Nas suas palavras:

O mundo freudiano, ou seja, o da nossa experiência, comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto Outro absoluto do sujeito, que se trata de reencontrar. Reencontramo-lo no máximo com saudade. Não é ele que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer, é nesse estado de ansiar por ele e de esperá-lo que será buscada, em nome do princípio do prazer, a tensão última abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço. (Lacan 1991 [1959-1960], p. 69).

Dessa forma, das Ding, como um objeto para sempre perdido, funciona como um pólo de atração em torno do qual gira o sujeito estabelecendo as suas relações com o mundo. Assim, esse primeiro Outro, "alguma coisa que é entfremdet, alheia a mim" (ibid., pp. 91-92), vem ocupar o lugar enigmático da origem, que, ao mesmo tempo que constitui o sujeito, permanece inacessível por definição.

É nesse lugar do primeiro Outro que será trabalhado, nesse Seminário, o registro do gozo ou, mais propriamente, do real, como aquilo que vem a ser interditado pela lei do desejo. O que, aliás, definirá o estatuto ético da psicanálise, segundo Lacan. Como afirma Juranville (1987), a importância da recuperação desse conceito de Coisa está na formulação do conceito de gozo, na medida em que "o gozo é o gozo do significante como tal, e, portanto, da verdade". Isso teria duas consequências fundamentais: o gozo é considerado como oposto ao prazer, indicando, como propõe Freud, um "além do princípio do prazer", como também a distinção entre gozo e felicidade, no que esta se relaciona tradicionalmente com a idéia de plenitude. O interessante dessa elaboração é trazer à tona a tragicidade da experiência humana, que tem no confronto com a finitude, aqui entendida como a impossibilidade de realização do gozo absoluto, a sua maior expressão. Contudo, por que a necessidade de descrever o real nesse registro de exterioridade, no qual se estabelece uma extrema disjunção entre significante e gozo? Poderíamos pensar que é justamente pelo eterno retorno da primazia do falo na teoria lacaniana, na qual, neste caso, o gozo só pode ser concebido a partir da lei que o interdita.3 A relação entre esses dois conceitos, quais sejam, de desejo enquanto lei e de gozo, fundamenta-se na leitura lacaniana sobre o recalque originário proposto por Freud - Urverdrängung -, que quer dizer, para Lacan, o recalque do desejo materno. O autor recupera, por sua própria conta, a tese levi-straussiana da lei da interdição do incesto como o que funda a cultura para descrever o recalque originário como o que funda o sujeito do inconsciente. O que fica do lado de lá, como uma exterioridade inacessível, é a Coisa materna, que só se faz presente como nostalgia de um objeto para sempre perdido. "O desejo vem do Outro, e o gozo está do lado da Coisa", escreve Lacan em "Du Trieb de Freud et du désir du psychanalyste" (Lacan 1964, p. 853).

Assim, nesse momento da sua obra, percebemos uma cisão absoluta entre o que seria o sujeito do inconsciente, estruturado como uma linguagem, e o registro do gozo4.

A lei do pai, força constitutiva do recalque originário, faz do desejo humano uma incondicionalidade que tende a afirmar-se a qualquer preço. Não se pode deixar de desejar para não sucumbir ao gozo. É como se o desejo descrito em forma de lei tivesse um lugar transcendente em relação ao próprio sujeito e, como uma entidade absoluta, comandasse a ação humana da mesma forma que a lei moral em Kant. É nesse sentido que Lacan afirma:

[...] pois bem, o passo dado por Freud, no nível do princípio do prazer, é o de mostrar-nos que não há Bem supremo - que o Bem Supremo é das Ding, que é a mãe, o objeto do incesto, é um bem proibido e que não há outro bem. Tal é o fundamento, derrubado, invertido, em Freud, da lei moral. (ibid., p. 90)

Sim, Lacan trabalha de forma invertida a idéia de lei moral, mas na medida em que a lei do desejo assume o mesmo lugar do imperativo categórico em Kant, poderíamos afirmar que a lei do desejo está acima dos interesses sensíveis, ou seja, deve existir um desejo puro acima dos desejos mundanos, ou do pathos - se assim podemos nos expressar. Desta forma, concordamos com Guyomard, que "a crítica lacaniana do fantasma do objeto, em seu aspecto realista, adaptativo e normalizador, assim como a rejeição de uma ética de bens, é acompanhada pela postulação de um novo bem: o desejo" (Guyomard 1996, p. 25). Essa relação entre desejo e dever para fundamentar a ética da psicanálise aproxima o determinismo do desejo ao imperativo do gozo, como o próprio Lacan vai trabalhar em "Kant avec Sade" (1963) três anos mais tarde, quando, parece-nos, a ética relacionada a um imperativo será problematizada.

Fica claro que o lugar que confere o estatuto de pureza ao desejo só pode ser pensado como produto de uma clivagem. Só se pode ter acesso a ele pelo recurso de uma transgressão que estabelece uma ruptura com os domínios do princípio do prazer, ou seja, com o que Lacan definiu como a esfera do recalque. Para além desse registro, só a pulsão de morte. Toda a bela interpretação lacaniana de Antígona, realizada no final desse seminário, foi dedicada à exaltação desse gesto trágico.

Essa leitura do texto "Além do princípio do prazer" (1920), destaca de forma bastante radical a relação entre gozo e morte na teoria freudiana, aspecto importante para conceber essa passagem para além de todo registro significante. Porém, no nosso ponto de vista, as experiências trabalhadas por Freud nesse texto - quais sejam, os sonhos traumáticos, as brincadeiras infantis e a compulsão à repetição - referem-se muito mais ao mundo da vida, ou seja, à morte como inerente à vida, se assim podemos dizer, do que ao aspecto extra-mundano enfatizado por Lacan. Assim, se Lacan, no seu retorno a Freud, agora na segunda tópica, recupera talvez o que a psicanálise tenha de mais caro, onde de fato podemos apreender sua especificidade (e aí está sua importância histórica), o autor permanece ancorado em uma rígida distinção entre simbólico e real que, no nosso ponto de vista, não encontramos em Freud.5

Contudo, resta um recurso para se aproximar do real na teoria lacaniana, pelo menos nesse momento, que não é somente a morte, como afirma o autor: "Eu diria, se me permitirem este jogo de palavras, que se trata para nós de saber o que podemos fazer desse dano para transformá-lo em dama, nossa dama" (Lacan 1963, p. 184). O que isso quer dizer? Para uma aproximação do real, resta o recurso da sublimação. Essa última, tendo sido considerada por Freud como um destino da pulsão distinto do recalque, para Lacan será recuperada no sentido da dessexualização da pulsão - já que, para o autor, o sexual só pode ser pensado na sua relação com o recalque. Propõe então uma fórmula: "a fórmula mais geral que lhes dou da sublimação é esta - ela eleva um objeto… à dignidade da Coisa" (ibid., pp. 140-141). Esse artifício permite a passagem de um inacessível mortífero, a Coisa materna, para um inacessível idealizado, a Dama do amor cortês, duas faces do feminino na teoria lacaniana. Assim, "elevar o objeto à dignidade da Coisa" passa a ser uma forma de lidar com o registro do real. Forma essa que só é possível a partir do distanciamento e da impossibilidade, tendo como paradigma o Amor Cortês.

Lacan recupera, então, o que seria a posição efetiva da mulher na sociedade feudal para pensar o homem contemporâneo. Como ele mesmo diz:

Quanto a isso todos os historiadores são unívocos - o amor cortês era, em suma, um exercício poético, uma maneira de jogar com um certo número de temas de convenção, idealizantes, que não podem ter nenhum correspondente concreto no real. Não obstante esses ideais, em cujo primeiro plano está a Dama, encontram-se em épocas ulteriores e até a nossa. Suas incidências são totalmente concretas na organização sentimental do homem contemporâneo, e aí perpetuam a sua marcha. (ibid, p. 185)

Tendo em vista que o que interessa a Lacan é o ponto de vista da estrutura, sem que nem porque, a Dama do amor cortês adentra pela teoria lacaniana e sustenta até o final da sua elaboração o lugar necessário da mulher como enigma, "esse modo particular da instauração idealizante do objeto feminino em nossa cultura" (ibid., p. 190).

Assim, para o que nos interessa particularmente neste trabalho, a teorização do real como Coisa, nesse Seminário - concebido apenas na sua exterioridade em relação à cultura, já que essa última se refere exclusivamente ao sujeito do inconsciente, estruturado como uma linguagem -, relaciona-se com o feminino de duas formas: de um lado, a mulher aparece como Coisa materna, da qual há que se estabelecer uma separação radical, uma cisão, em nome de uma subjetivação que só pode ser pensada pela depuração da experiência afetiva originária que a constitui; e, de outro, a mulher aparece como objeto idealizado, desejada na medida da sua inacessibilidade, tal como a dessexualização realizada pelo recurso da sublimação, como no caso do Amor cortês.6 Essas duas referências vão retornar nas fórmulas de sexuação para definir o gozo do Outro, aquele que pressupõe uma relação particular da mulher com Deus, como veremos na última parte deste ensaio.

 

Entre o semblante e o fetiche : a mulher objeto

Se no Seminário VII o registro do real é concebido como uma exterioridade só alcançável pelo esforço de uma transgressão, no Seminário X, A angústia, no Seminário XI, Os quatro conceitos da Psicanálise, e, mais precisamente, no Seminário XIV, A lógica da fantasia, Lacan tenta aproximar o sujeito do inconsciente do campo do real, sobrepondo assim a sexualidade à linguagem ou, mais exatamente, o gozo do corpo, no que este se relaciona com o Outro, ao significante. Para isso propõe o que veio a designar como a sua única invenção no campo da psicanálise, o conceito de objeto a.

Esse conceito já havia sido apresentado, em "Remarque sur le rapport de Daniel Lagache", como tendo uma importância fundamental na estrutura do desejo,7 porém, é a partir do Seminário X, A angústia, que passará a ter um papel central na teoria lacaniana. Inicialmente, o objeto a, definido como correspondente subjetivo da angústia, será considerado "o objeto causa do desejo". Em seguida, no Seminário XI, Os quatro conceitos..., o objeto a será relacionado às pulsões parciais, tais como definidas por Freud, e, no Seminário XIV, será trabalhado como o suporte imaginário da fantasia. O interessante dessas proposições é que nelas observamos a intenção de conceber, no próprio campo da simbolização, um limite, um resto que se apresenta como irredutível e que funciona como uma mediação com a alteridade do Outro. Nesse sentido, Lacan procura dar uma noção mais dinâmica para o inconsciente, já que entre os significantes aparece uma hiância, um lugar vazio consagrado ao real.

Apresentaremos inicialmente como se constitui o conceito de objeto a para, em seguida, retomar a nossa questão.

O objeto como causa e resto

No seminário A angústia, Lacan recupera a elaboração freudiana sobre a angústia presente no texto "Inibição, sintoma e angústia" (1926), detendo-se particularmente na noção de "angústia sinal". Esse aspecto de ser sinal vai fundamentar para Lacan a própria lógica da angústia, ou seja, menos do que definir um afeto-econômico oriundo da falta de objeto, o que poderia se dar nas experiências de separação, para Lacan "a angústia não é sem objeto" (Lacan 1962-1963, aula de 9 de janeiro de 1963). É o aspecto topológico da angústia que será levado em conta. Assim, pensada somente como angústia de castração, terá como seu correspondente subjetivo, o objeto a.

Logo no início do Seminário, Lacan localiza a angústia num ponto de mediação entre desejo e gozo, ponto esse que se expressa como uma abertura ou, mais exatamente, como uma interface com o desejo do Outro. Nesse ponto podemos apreender uma das suas principais elaborações, a qual poderia ser resumida na seguinte pergunta: qual é a relação entre o menos PHI, que simboliza a castração imaginária, e o objeto a? Mesmo que essa distinção não nos pareça de todo clara, o que podemos apreender é que o a, menos do que demarcar uma falta a ser, oferece a possibilidade de marcar a presença de um vazio, na medida em que oferece um contorno à falta. Para um maior esclarecimento, segundo Millot:

Se esse objeto vale como suplência ao significante faltoso, não é, contudo um significante. É estruturado, à imagem da falta que vem representar, como objeto de corte. O que torna o objeto, enquanto objeto parcial, apto para funcionar como equivalente ao gozo é a estrutura topológica, topologia de borda homóloga à estrutura topológica do grande Outro […]. (Millot 1989, p. 59)

Com efeito, o a seria o lugar do Outro (agora barrado pela sua relação com o real), pelo efeito da castração, na estrutura do sujeito. É nesse sentido que o objeto a é considerado por Lacan, não como objeto do desejo, pois não é um significante, mas como "objeto causa do desejo", "o objeto que está por trás do desejo" (Lacan 1962-1963, aula de 16 de janeiro de 1963).

Assumindo então o lugar de causa ou da verdade do desejo, observamos, nessa proposição, uma passagem interessante na obra de Lacan, qual seja, do paradigma da falta para o paradigma do objeto, mesmo que um não possa existir sem o outro, no nosso ponto de vista. Nas suas palavras:

O desejo, eu vos ensino a marcar a posição exata, ligando-o à função do corte, colocando-o numa certa relação com a função do resto. Este resto é o que o sustenta, o que o anima e é isso que ensinamos a demarcar na função analítica do objeto parcial. Outra coisa, entretanto, é a falta a que está ligada a satisfação. Essa distância do lugar da falta em sua relação com o desejo como estruturado pelo fantasma, pela vacilação do sujeito em sua relação com o objeto parcial, essa não-coincidência da falta, de que se trata, com a função do desejo, se podemos dizer, em ato, eis o que cria a angústia que visa apenas a verdade dessa falta. É por isso que a cada nível, a cada etapa da estruturação do desejo, se queremos compreender aquilo de que se trata nesta função que é a do desejo, devemos marcar o que eu chamaria de ponto de angústia.  (Ibid., aula de 15 de maio de 1963)

Assim, o objeto a, como causa ou resto, está sempre um pouco mais adiante... e define o percurso do desejo.

Sissa analisa de forma bastante interessante essa proposição, afirmando que a própria idéia da "causa do desejo age como suporte de sua insatisfação" (Sissa 1997, p.175). Dois aspectos são trabalhados pela autora: primeiro, como a dialética hegeliana introduz na psicanálise a noção abstrata do Desejo - "desejo de desejar" -, que tem na sua insatisfação o suporte da sua estrutura; e, segundo, como a noção de objeto é introduzida para garantir essa fórmula, na medida em que ocupa sempre o lugar de causa ou resto, já que por definição está para sempre perdido. A autora afirma que nesse apelo à noção de objeto, Lacan se distingue radicalmente de Freud, pois Freud jamais teria dado uma importância decisiva ao objeto, já que para este último a pulsão provém de uma fonte, o corpo, e visa uma descarga, sendo o objeto apenas um meio para obter uma satisfação específica (ibid.). Assim, diferentemente de Freud, Lacan supõe que é o próprio aspecto de ser causado por um objeto que define a noção de desejo.

O que nos chama a atenção nessa proposição de Lacan é que, embora o Outro, agora barrado pela sua relação com o real, comece a fazer cada vez mais questão na obra lacaniana, parece que o Outro tem um lugar fixo, predeterminado, para ocupar no lado do sujeito, ou seja, o objeto a se refere a uma estrutura interna do sujeito como efeito da sua castração. Assim, nessa teoria, o Outro há que se encaixar nesse vazio da estrutura, como - o conceito mesmo o diz - um objeto. Seguindo esse raciocínio, poderíamos tomar a própria elaboração freudiana sobre a angústia sinal, à qual Lacan se refere - quando Freud diz que a angústia sinal se constitui como uma defesa contra a angústia do real8 -, e pensar como o objeto sinal, ou seja, o objeto a, tem um papel de defesa em relação à angústia provocada pela castração. Daí a necessidade de transformar o Outro em objeto para dar conta da posição desamparada do sujeito. É nesse subterfúgio que vai se expressar a dialética sujeito-objeto, no que ela pode se relacionar com a dialética masculino-feminino, e dar suporte à angústia de castração (do homem, naturalmente). Nesse sentido, o autor afirma que:

Qualquer exigência de a na via dessa empreitada, pois adotei a perspectiva androcêntrica para encontrar a mulher, só pode desencadear a angústia do outro. Justamente nisso eu não o faço mais do que a, que meu desejo de "a-ise", se posso dizê-lo. E aqui, meu pequeno circuito de aforismo morde a própria cauda ; é por isso mesmo que o amor sublimação permite o gozo, me repetindo, por condescender ao desejo. (Lacan 1962-1963, aula de 13 de março de 1963)

Na medida em que Lacan propõe transformar a mulher em a, percebemos, pelo menos até aqui, que mesmo que o conceito de objeto a possibilite uma abertura para a alteridade do Outro, essa teoria se desenvolve do ponto de vista do sujeito do inconsciente, masculino por definição. Sendo que o a ou mesmo as mulheres - ora como causa, ora como resto do desejo - servem como suporte à angústia de castração do homem.

O objeto parcial

Como dissemos acima, no Seminário XI Lacan vai trabalhar o objeto a como objeto da pulsão. Uma das questões fundamentais desse Seminário é como a sexualidade, entendida agora a partir do conceito freudiano de pulsões parciais, ou seja, que tem como ancoragem as zonas erógenas do corpo, integra-se na elaboração sobre a estrutura inconsciente. Essa incorporação da idéia da sexualidade relacionada à pulsão procura dar uma noção dinâmica ao inconsciente. Como consequência, entre os significantes aparece uma hiância, um intervalo ou mesmo uma cavidade - o lugar vazio consagrado à pulsão.

Lacan realiza, nesse momento da sua obra, uma importante crítica à psicanálise pós-freudiana, que confunde a noção de pulsão com a de instinto, no que essa última dava suporte a uma moral naturalizada, tendo como referência a idéia de maturação da sexualidade a serviço da função de reprodução. O autor recupera de forma radical a tese freudiana de que a pulsão é parcial por definição, o que dá à sexualidade humana um caráter perverso e polimorfo. Sendo assim, com Freud, o autor afirma que a pulsão nunca se esgota, sempre se presentifica como exigência de trabalho. Porém, para Lacan, agora diferentemente de Freud: "A pulsão é precisamente essa montagem pela qual a sexualidade participa da vida psíquica, desta maneira que se deve conformar com a estrutura de hiância que é o inconsciente" (Lacan 1993a, p. 167). Ou seja, há ainda uma distinção entre o psíquico como estrutura e a sexualidade, no que essa se refere à pulsão. Sendo que essa última ocupa um lugar de hiância já existente, parece-nos, na estrutura do inconsciente. É desta forma que compreendemos a afirmação de Lacan:

O objeto da pulsão deve ser situado no nível do que chamei, metaforicamente, subjetivação acéfala, um osso, uma estrutura, um traçado, que representa uma face de topologia. A outra face é que faz com que o sujeito, por suas relações com o significante, seja um sujeito furado. (Lacan 1993a, p.169)

Sendo assim, como funciona essa montagem da pulsão nesse lugar vazio da estrutura inconsciente? Exatamente pelo seu caráter de ser montagem ou, mais exatamente, seu caráter circular, "é no vai e vem que ela se estrutura" (ibid.).

Trabalhando detalhadamente os quatro termos que Freud vai propor para construir o conceito de pulsão, quais sejam, Drang (impulso), Ziel (alvo), Objekt ( objeto) e Quelle (fonte), o autor vai afirmar que a "essência da pulsão é o traçado do ato" (ibid., p. 161). O famoso esquema da pulsão representado nesse seminário utiliza todos esses elementos para demonstrar que, na relação do sujeito com a demanda do Outro, a pulsão circunscreve um vazio, um vazio ocupável, como vimos anteriormente, ou seja, o objeto a. É como consequência do efeito de castração, de corte, ou seja, da perda primordial do objeto, que Lacan elege os principais objetos que aparecem como a, quais sejam, o seio, as fezes, o olhar e a voz. No texto "Position de l'inconscient" podemos perceber com mais clareza essa relação da pulsão com o objeto a: "É ao contornar os objetos para neles retomar, neles restaurar a sua perda originária, que se amplia essa atividade que nele nós denominamos (Trieb)" (Lacan 1966b, p. 849). Assim, a pulsão surge como uma montagem nas zonas erógenas do corpo fazendo apelo ao Outro.

Detendo-nos mais detalhadamente no que é para Lacan o objeto da pulsão, percebemos que, pelo fato de o autor manter como um dos eixos fundamentais do seu raciocínio a impossibilidade da realização do desejo, Lacan lê Freud da seguinte forma "É isto que nos diz Freud. Peguem o texto - Para o que é do objeto da pulsão, que bem se saiba que ele não tem, falando propriamente, nenhuma importância. Ele é totalmente indiferente" (Lacan 1993a, p. 159). Ora, seguindo a sua sugestão, não é exatamente isso que diz Freud no texto das "Pulsões...", como podemos perceber: "O objeto da pulsão é aquilo pelo qual a pulsão pode atingir sua meta. É o elemento mais variável da pulsão; não está enlaçado originalmente nela e sim só é ligado a ela pela sua capacidade própria de tornar possível a satisfação" (Freud 1915, p. 118).

David-Ménard dedica um longo comentário a essa leitura bem específica do texto freudiano realizada por Lacan. Diz que Lacan "substitui a idéia [freudiana] de que o objeto pode mudar tão freqüentemente quanto se queira, para essa outra idéia segundo a qual o objeto não tem nenhuma importância" (David-Ménard 1997, p. 10) A autora destaca que se pode ler Freud enfatizando que o circuito pulsional, pensado a partir da idéia da substituição de objetos, abre caminho para pensar trajetórias singulares que levem em conta a própria realidade particular do objeto e não a sua indiferença. Pois, na medida em que o objeto é pensado só como indiferente, tendo somente por referência a própria estrutura interna do desejo, estaríamos próximos, segundo David-Ménard, ao que o próprio Lacan propõe como uma leitura possível da perversão, como, por exemplo, no texto "Kant avec Sade".9 Não é isso que diz Freud, quando valoriza a capacidade - própria - do objeto.

Sissa parece se deter exatamente nesse ponto, mas analisando particularmente, o aspecto referente à questão da satisfação:

É verdade que um movimento pulsional singular acaba no apaziguamento e que uma paixão erótica se nutre de uma certa inibição da realização sexual, mas isto não torna o Desejo insaciável. Cada acontecimento pulsional, na sua singularidade, termina normalmente com uma descarga que, para Freud, é mesmo uma realização. (Sissa 1997, p. 176)

Assim, com David-Ménard e Sissa, poderíamos afirmar que o objeto para Freud faz diferença justamente na medida em que propicia uma experiência de satisfação, o que não quer dizer, necessariamente, uma experiência de completude. Lacan lê Freud afirmando que o objeto é indiferente (enquanto objeto, o que importa é ocupar o lugar predeterminado na estrutura) para manter sua fórmula da não realização do desejo ou da não satisfação da pulsão, o que vai fundamentar posteriormente a fórmula da "não relação sexual", como veremos a seguir.

Em que medida essa proposição abstrai a própria idéia de experiência ou, ainda, de uma experiência alteritária, por enquanto, é apenas uma pergunta...

O objeto da fantasia

Enfim, no Seminário, ainda inédito, de 1966-67, intitulado Lógica da fantasia, Lacan retoma o conceito de objeto a, agora para ser trabalhado como suporte da fantasia. Para isso o autor se propõe analisar a noção de fantasia na psicanálise a partir do que seria a sua lógica, representada pelo matema: S/à?a. Essa fórmula descreve a relação entre o sujeito dividido, pela sua entrada no simbólico, e o objeto a, na sua função real e imaginária. Ao mesmo tempo em que o objeto como fantasia sustenta o desejo, serve de anteparo contra o real. Como afirma Juranville:

A fantasia [para Lacan] é o modo segundo o qual se efetua o relacionamento entre o desejo e o objeto e, mais exatamente, o lugar da constituição do objeto. Com relação ao desejo, a fantasia desempenha um papel duplo. Sustenta o desejo e lhe oferece os seus objetos. Mas, ao mesmo tempo, não é o que o mantém. Pois faz um anteparo entre o sujeito e a ameaça do real, a pulsão de morte. (Juranville 1987, p. 168)

Essa fórmula tem uma importância crucial na teoria lacaniana, pois, enfatizando a noção de objeto, Lacan propõe pensar que o sujeito não se relaciona com outro sujeito - a idéia da intersubjetividade seria uma falácia para Lacan -, mas que o sujeito se relaciona com o que no outro pode fazer de objeto, ou seja, o que pode ser destacado enquanto objeto.

Concordamos que o que se destaca no outro seja sempre uma parte, o que caracterizaria a própria idéia de pulsão parcial, que faz fantasiar e gozar, mas a parte, no nosso ponto de vista, não é tão independente assim do outro, pois existe uma diferença entre o que seria uma alucinação sem o objeto e uma alucinação com o objeto, sendo que, nessa última, é fundamental a presença do outro. O que nos torna, de certa forma, dependentes do outro, já que é justamente pelo fato de o outro dar prazer que ele pode também não dar.10 Lacan valoriza de tal forma a idéia de objeto, que quase esquece que, se não houver a presença material do outro, não vai ter o objeto. Mas é no sentido de valorizar a importância de um objeto terceiro, como o que promove a relação entre o um e o outro, que Lacan vai caminhar.

Esse problema fica mais claro quando o autor, na seqüência desse Seminário, analisa justamente o papel do objeto na sociabilidade, ou seja, a importância do objeto enquanto valor compartilhado. Tomando mais uma vez emprestado a fórmula de Lévi-Strauss, em Estruturas elementares de parentesco, Lacan destaca a importância das relações de troca - no caso, a troca de mulheres - como um elemento estrutural das relações sociais. Da mesma forma, agora se referindo à teoria do valor em Marx, Lacan destaca a importância da circulação do dinheiro como objeto privilegiado da mercadoria na estruturação do sistema capitalista. O autor aproxima essas duas teorias para demonstrar a importância do papel do objeto ou, melhor, do valor do objeto na promoção do laço social. Tudo isso para depreender da função do objeto como suporte da fantasia a sua fórmula da relação, não mais social, mas sexual ou, melhor: da "não relação sexual". Pois já que o sujeito se relaciona sempre com um objeto e não com outro sujeito, a psicanálise, para Lacan, está aí para mostrar que não existe relação sexual:

Há, no ato sexual, alguma coisa segundo a qual da mesma forma o sujeito se inscreveria como sexuado, instaurando pelo mesmo ato sua conjunção com o sujeito do sexo que se chama de oposto. Está claro que tudo na experiência psicanalítica fala contra isso, que não há nada desse ato que testemunhe que não poderia aí se instituir senão um discurso no qual conta esse terceiro que eu, aliás, já enunciei suficientemente pela presença do phallus e dos objetos parciais, e a partir dos quais precisamos agora articular a função de tal modo que ela nos demonstre o papel representado por essa função nesse ato, função sempre deslizante, função de substituição que equivale quase a uma espécie de "jonglage" e que, em nenhum caso, nos permite colocar no ato, digo no ato sexual, o homem e a mulher opostos por alguma essência eterna. E, entretanto, eu apagaria o que disse sobre o grande segredo como sendo "que não há ato sexual", nisso, justamente, que isso não é um grande segredo, que é patente que o inconsciente não cessa de berrar e que é por isso mesmo que os analistas dizem: "calemos a boca dele, quando ele diz isso porque se o repetirmos com ele não nos encontraremos mais !" (Lacan 1966-1967, aula de 12 de abril de 1967)

Mas não passemos muito depressa por essa associação entre a teoria social de Lévi-Strauss e de Marx e a fundamentação da fórmula da "não relação". É fato que Lacan se interessa pela importância das relações de troca na instituição da sociabilidade. Porém, o objeto da mercadoria como valor de troca na teoria marxista não é o mesmo objeto de troca como fundador da sociabilidade em Lévi-Strauss. Marx tem como objetivo demonstrar - de um ponto de vista crítico, diga-se de passagem - como o objeto da mercadoria se destaca, a ponto de ser totalmente abstraído das relações sociais no sistema capitalista. Ou seja, o valor de troca, a moeda, substitui totalmente o que antes tivera um valor de uso e o trabalho abstrato se impõe, obscurecendo a materialidade da vida social.11 Além disso, cabe destacar que Marx faz essa análise fazendo da história um processo dinâmico, e não uma estrutura reificada e eterna. Que Lacan leia de forma discutível a teoria do valor em Marx, isso não é o problema. O problema é essa aproximação, nem tão sutil, entre o objeto sexual, as mulheres e o fetiche, para fundamentar essa idéia de valor de troca. Como podemos observar:

[...] não é mais o sexo do nosso touro, valor de uso que vai servir para essa espécie de circulação que se instaura na ordem sexual, é a mulher no que ela própria se tornou, nessa ocasião, o lugar de transferência deste valor subtraído no nível do valor de uso sob a forma do objeto de gozo [...]. (Lacan 1966-67, aula de 12 de abril de 1967)

Se compreendemos bem, esse valor subtraído do valor de uso, vai elevar o objeto - no caso as mulheres - ao estatuto de valor de troca, que circula entre os homens. Porém, da mesma forma que a moeda no sistema capitalista - e aí estaríamos longe do que era a troca de mulheres na teoria de Lévi-Strauss -, a mulher como objeto assume um lugar abstraído das próprias relações... sexuais? Ou melhor, um lugar de alienação?

É singular que da subtração em algum lugar de um gozo que só é gozo por seu caráter bem manejável, se ouso designar assim a potência peniana, vemos se introduzir aqui, com o que Marx e nós mesmos chamamos de fetiche, a saber este valor de uso extraído, coagulado, um furo em algum lugar. A única moeda de inserção necessária a toda ideologia sexual [...]. (ibid.)

Nesse sentido, parece claro que a mulher assume, pelo menos no que se refere ao gozo fálico, o lugar de fetiche. Porém, caberia perguntar ainda, por que é a mulher que deve ocupar esse lugar de falo ou de objeto? Segundo o autor:

[...] é no que o homem tem o órgão fálico que ele não o é, o que implica que do outro lado possamos, e até mesmo sejamos, o que temos, o que não temos, ou seja, que é precisamente no que ela não tem o phallus que a mulher adquire seu valor. (Lacan 1966-67, aula de 19 de abril de 1967)

Curioso deslizamento de uma argumentação lógica para uma ontologia, na medida em que a mulher é definida a partir da idéia do ser. Concordaríamos então com a afirmação de Neri, quando a autora diz que "[...] se Lacan desloca o feminino do pólo negativo castrado é para lhe oferecer o pólo fetichista de objeto fálico do desejo masculino" (Neri 1999, p. 225). Já que é pelo fato de a mulher não ter o falo que ela o é.

Talvez essa primazia do objeto - fetiche - nas relações sociais e sexuais, assim como essa interpretação da mulher-objeto, seja de fato uma característica das subjetividades modernas que, de certo modo, abandonam qualquer possibilidade de alteridade. Birman, lendo Freud, tece um interessante comentário a esse respeito:

O horror de perder os atributos e as insígnas fálicas condena os sujeitos à impossibilidade da diferença sexual. Com isso, o intercâmbio entre os sexos se transforma literalmente em algo homossexual, como nos diz Freud pelo menos uma vez no auge do seu pensamento. Num estado de transe, provavelmente, Freud pôde enunciar isso com clareza e evidência ao afirmar, em breve passagem de "Introdução ao Narcisismo", que no mundo da "moral sexual civilizada" a diferença sexual era quase impossível e se instituía a homossexualidade como forma de relação entre os sexos. Seria esse, diria Freud, o destino da sexualidade no dito "mundo civilizado". Contudo, eu diria que é o destino do erotismo na modernidade, com a reimplantação do monismo sexual fundado da figura do phallus. (Birman 1999b, p. 103)

A partir dessa afirmação, poderíamos pensar que o mundo da "moral sexual civilizada" tenha se complexificado, na última metade do século passado, a ponto de o poder patriarcal não se exercer mais no âmbito estritamente familiar, mas sim ser diluído nas estruturas burocratizadas e alienadas da vida social.12 Como conseqüência, o "monismo fálico" se re-apresenta na teoria de Lacan de forma um pouco mais desencarnada do que era em Freud.13

Assim, Lacan poderia ser considerado um autor atento a uma forma de subjetivação que se impõe no capitalismo tardio. A questão é como a psicanálise deve analisar este fenômeno, pois na medida em que elege uma forma específica de subjetivação como sendo universal e mais ainda estrutural, fica difícil não se embrenhar no que seria a própria perpetuação de uma sociedade decadente.

 

A mulher não-toda e o feminino inexistente

No Seminário XX, Mais Ainda, Lacan desdobra essa fórmula da "não relação sexual" no que seria o lado masculino e feminino, constituindo assim as fórmulas de sexuação propriamente ditas. Parte do que já havia desenvolvido no Seminário XVIII, ... Ou Pire, como a escritura de uma dissimetria entre os sexos, composta pela ordem do UM, o significante ou o sujeito do inconsciente e pela ordem do Outro, S A/ ( ), que se expressa como uma ausência. A partir daí desenvolve como cada um dos lados se relaciona com o quantificador universal, ou seja, o falo. Esse recurso à universalidade se constitui, como sabemos, a partir de uma equação lógica que conjuga a filosofia aristotélica sobre a relação entre o universal e o particular e a teoria aritmética de Frege. Toda essa construção obedece a um raciocínio bastante complexo, que pode levar a duas direções: uma, a necessidade constante de compreender como Lacan fundamenta essas idéias, o que nos exigiria um enorme investimento no campo da filosofia e da lógica para podermos dizer algo sobre essa formulação; outra, seria se deter apenas - o que já é muito - nas conseqüências desse empreendimento no campo estrito da psicanálise. Optamos pela segunda, mesmo correndo o risco de realizar sempre uma análise crítica bastante parcial, ou seja, mais ancorada na nossa questão do que na abrangência e na riqueza da teoria lacaniana das fórmulas de sexuação.14

Vamos às fórmulas:

 

 

O lado masculino, o qual corresponde ao lado esquerdo do quadro, é descrito pela sobreposição de duas fórmulas: "Para todo x fx" e "Existe um x tal que não fx". Essa é uma interpretação do mito freudiano sobre "Totem e Tabu", que afirma, a partir de uma função proposicional, que o que define um homem é estar submetido à lógica da castração. Isso se torna possível justamente porque no inconsciente há o registro de que "ao menos um", ou seja, o pai da horda primitiva, não era castrado, já que gozava de todas as mulheres. Esse recurso à afirmação de que "ao menos um não é castrado" é o que ancora a existência do masculino como um significante. "Existe um", o mito do pai da horda, para proporcionar aos homens um todo. Como afirma Lacan:

O que é que pode nos interessar mais no que concerne o que existe em matéria de significante ? Seria o fato de que existe aí "aomenosum" para que isso não funcione, esta questão de castração? E é mesmo por isso que nós o inventamos: ele se chama o pai. É porque o pai existe, pelo menos enquanto Deus, quer dizer, não o bastante. Então... existe os que descobriram que eu dizia que o pai talvez seja um mito, porque salta aos olhos que com efeito que fx não funciona no nível do mito do Édipo: o pai, ele não é castrado, sem isso como poderia ele tê-los todos! (Lacan 1971-1972, aula de 15 de dezembro de 1971)

Do lado feminino, o qual corresponde ao lado direito do quadro, as fórmulas são as seguintes: "Não existe x tal que não fx" conjugada com "não é para todo x que fx". Isso quer dizer que "Não existe nenhuma mulher que não tenha relação com a função fálica", ao mesmo tempo que "não toda mulher está ligada a essa função". Também aqui Lacan recorre as suas formulações do Seminário... Ou Pire, agora para afirmar que as mulheres não são totalmente marcadas pela castração. Essa afirmação tem como base a premissa de que as mulheres não fazem um todo, já que não existe um mito do lado feminino, uma exceção que a faça existir como significante.

O que é curioso nessa formulação é que, embora o universal seja definido a partir da referência ao falo, o que funda propriamente a dissimetria entre os sexos, ou seja, o que propicia uma abertura nessa fórmula fechada do universal ou do simbólico é exatamente o fato de o lado feminino ser "não-todo". Nesse sentido "[...] a mulher se situa a partir de que não são todos os que podem ser ditos como verdade em função de argumentação no que se enuncia sobre a função fálica" (Lacan 1971-1972, aula de 12 de janeiro de 1972) Mas, para sustentar essa abertura que garante, ao mesmo tempo, um limite ao simbólico e um acesso ao gozo, é necessário pressupor que "a mulher não existe" (ibid.)

Contudo, o que fica mais patente na composição das fórmulas de sexuação é que a lógica do "não-toda" conjugada com a afirmação de que "a mulher não existe" se mantém absolutamente atrelada ao lado masculino de ver as coisas. Pois trata-se, antes de tudo, de proporcionar ao sujeito do inconsciente, descrito como sendo necessariamente masculino, um acesso ao gozo. Assim, como diz David-Ménard:

Quando Lacan diz "A mulher não existe", ele não exprime somente que ela não se define como universal no que tem de feminino, mas também que sua posição sexuada não é um ato que se escreveria como o que faz exceção a uma regra... Será certamente preciso avessar as coisas, dizendo que é porque os homens têm necessidade de colocar o feminino no lugar do enigma que são levados a dizer, em espelho com relação a eles mesmos, que as mulheres se acham numa posição de excesso com relação ao simbólico, incapazes de dizer de que é feito seu gozo. (David-Ménard 1997, p. 106)

Sabemos que, em geral, quando se criticam as fórmulas de sexuação costuma-se dizer que toda essa construção do "não-todo" serve para se contrapor à ilusão da completude do encontro sexual, o que, de fato, não deixa de ser uma contribuição importante de Lacan. Além disso, argumenta-se que o lado masculino e o lado feminino não correspondem, necessariamente, ao que se define como homem ou mulher, já que qual quer sujeito falante pode se inscrever de um lado ou de outro da fórmula. E, ainda, que as mulheres manteriam, de qualquer forma, alguma relação com a função fálica, além de ganharem de presente um gozo a mais. Mas, mesmo que fosse possível realizar uma abstração do lugar dos homens e das mulheres nas fórmulas de sexuação para discutir essa tese - o que, do nosso ponto de vista, é quase impossível, já que os significantes (homem e mulher) são construídos independente (antes) da fórmula - , uma pergunta se impõe: porque cabe às mulheres o lugar do "não-todo", já que tudo do que se trata é simplesmente de um affaire lógico?... Aí, é sempre a mesma resposta que se impõe como um a priori:

[...] seria necessário que o sujeito admitisse que a essência da mulher não é a castração e, para dizer tudo, que é a partir do Real, a saber que, deixando de lado um pequeno nada insignificante - não digo isso ao acaso - elas não são castráveis porque o phallus, o qual eu sublinho que absolutamente ainda não disse o que é, elas não o têm. (Lacan 1971-1972, aula de 12 de janeiro de 1972)

Uma afirmação no mínimo polêmica, na qual, a princípio, parece-nos que Lacan procura definir o que são as mulheres a partir de um deslizamento para um argumento essencialista. Mas, aproximando-nos mais desse detalhe, poderíamos pensar que Lacan se refere justamente ao que Freud já anunciava em "Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos" (1925), ou seja, a valorização do visível na percepção da diferença, em que predomina o olhar masculino que só pode ver na mulher o que ela não tem.15 Em que medida isso não seria uma de negação da própria diferença de sexos é o que se pergunta Michel Tort (1990), quando questiona o fundamento de uma teoria que gira em torno de um significante, seja ele o pênis ou o falo.

 

A lógica da dominação

Essa leitura do "não-todo" vai recolocar a questão do gozo feminino situado muito mais em termos do que seria um desdobramento do que exatamente em termos da castração. Lacan retoma, no Seminário XX, as formulações sobre o gozo fálico e o gozo do ser realizadas em "Subversion du sujet et dialetique du désir dans l'inconscient freudien"(Lacan 1960c, pp. 793-828), para desenvolver como cada um dos lados da fórmula de sexuação se relaciona com o registro do gozo. Parte da afirmação de que já que é o simbólico que determina o real, é o gozo sexual - fálico - que determina o gozo do ser. Isso significa supor que é a partir da centralidade da castração, simbolizada pela relação que cada um dos lados mantém com o falo, que se estabelece uma abertura para o gozo. Assim, como afirma Serge André , "o significante do falo serve de causa final para o gozo do Outro e de causa original para o gozo sexual ou fálico"(André 1991, p. 310).

Com efeito, ficam claras as duas proposições de Lacan: "o gozo fálico é o obstáculo pelo qual o homem não chega, eu diria, a gozar do corpo da mulher, precisamente porque o de que ele goza é do gozo do órgão" (Lacan 1993b, p. 15) e o gozo do outro... "A gente o recalca, o tal gozo, porque não convém que ele seja dito, e isso justamente pela razão de que o dizer não pode ser senão isto - como gozo, ele não convém" (ibid., p. 83).

Assim, entendemos que o gozo fálico se relaciona ao falo, propriamente dito e o gozo do outro, recalcado do lado masculino, é suposto, justamente, no não saber das mulheres:

Não há mulher senão excluída da natureza das coisas, que é a natureza das palavras, e temos mesmo que dizer que se há algo de que elas mesmas se lamentam bastante, por hora, é mesmo disso - simplesmente, elas não sabem o que dizem, é toda a diferença que há entre elas e eu... Nem por isso deixa de acontecer que se ela está excluída pela natureza das coisas, é justamente pelo fato de que, por ser não-toda, ela tem, em relação ao que designa de gozo, a função fálica, um gozo suplementar. (Ibid., p. 99)

O gozo feminino, mesmo que concebido apenas a partir da função fálica, indica um para além do falo. Alguma coisa fora da linguagem que aparece como um suplemento.

Nessa dialética dos dois gozos é que Lacan vai conceber a "não relação sexual". Já que do que se trata não é a relação entre Um e Outro, mas sim, como vimos anteriormente, a relação de cada um com um elemento terceiro: o falo ou o objeto a. Porém, nessa lógica do "não-todo", mesmo que não haja Dois, há "uma maneira de ratear [fracassar] a relação sexual, a do macho, e depois uma outra […]" (ibid., pp. 78-79). Entre o Um e a outra pressupõe-se que do lado masculino o "ato de amor" se constitui na relação do sujeito com a causa do seu desejo, ou seja, com objeto a. É na medida em que o homem aborda o corpo da mulher como um objeto parcial, ou seja, como um objeto fetiche, que ele goza:

O que se viu, mas apenas do lado homem, foi que aquilo com o que ele tem a ver é com o objeto a, e que toda a sua realização enquanto à relação sexual termina em fantasia [...]. É verdadeiramente uma confirmação de que quando se é homem, vê-se na parceira aquilo em que nos baseamos nós mesmos, aquilo em que a gente se baseia narcisicamente. (Ibid., p. 112)

A mulher, por sua vez, também faz "ratear" (fracassar) a relação sexual, mas diferentemente do homem, não é com o objeto da fantasia que ela goza e sim com aquilo que seria para Lacan o radicalmente Outro, que só pode ser concebido na sua inexistência ou ainda na sua "ex-sistência":

[...] é como para Santa Tereza - basta que vocês vão olhar em Roma a estátua de Bernini para compreenderem logo que ele está gozando, não há dúvida. E do que é que ele goza? É claro que o testemunho essencial dos místicos é justamente o de dizer que eles o experimentam, mas não sabem nada dele... Esse gozo que se experimenta e do qual não se sabe nada, não é ele o que nos coloca na via da ex-sistência? E por que não interpretar uma face do Outro, a face de Deus, como suportada pelo gozo feminino? (Ibid., p. 106)

Assim, apesar do paradoxo da afirmação de que "não há Outro do Outro", já que o Outro suposto a partir do simbólico só pode ser definido como real-inexistente, Lacan situa, de certa forma, esse Outro no suposto não saber das mulheres, naquilo que elas teriam de enigmático - tal como no Amor cortês - que, nesse caso, faz delas seres místicos que se situam fora da cultura, numa estreita relação com Deus. Estranha teoria, que depois dessa sofisticada elaboração conclui:

Não há relação sexual porque o gozo do Outro, tomado como corpo, é sempre inadequado - perverso de um lado, no que o Outro se reduz ao objeto a - e de outro, eu direi louco enigmático. Não é do defrontamento com esse impasse, com essa impossibilidade de onde se define um real, que é posto à prova o amor? (Ibid., p. 197)

Contudo, se a mulher não se relaciona completamente com a castração, qual a consequência desse desdobramento do gozo no lado da mulher, já que não se trata de uma divisão, como no caso do homem? Como explica Serge André:

[...] deve-se deduzir daí que o destino de uma mulher é ser não-toda sujeito. Não-toda sujeito significa que uma mulher é não-toda determinada por seu inconsciente. Vamos medir o alcance dessa conclusão. A exemplo do Mestre Eckhart, que sustentava que a mulher não tem alma, seria o analista conduzido por Lacan a dizer que a mulher não tem inconsciente? Digamos, não que elas não o tenham, mas que ele lhes falte - com a consequência imediata de que elas o re-demandem […]. (André 1991, p. 247)

E, ainda, no que se refere a essa parte inconsciente da mulher, Lacan afirma:

[…] se a libido é apenas masculina, a querida mulher, não é senão de lá onde ela é toda, quer dizer, de lá de onde o homem a vê, não é senão de lá que a querida mulher pode ter um inconsciente? E de que lhe serve isso? Isso lhe serve, como todo mundo sabe, para fazer falar o ser falante, aqui reduzido ao homem, quer dizer - não sei se vocês chegaram a notar na teoria analítica - a só existir como mãe. (Lacan 1993b, p. 133)

Assim, finalmente, parece que a mulher se desdobra entre o olhar do homem que lhe proporciona uma parte de inconsciente e Deus. Nesse sentido, concordamos com Neri, quando a autora conclui:

[…] curiosamente o anunciado ganho da sexualidade feminina na teoria de Lacan é que ela deixa de ser uma sexualidade fálica falha invejosa [como é em Freud] para se tornar uma sexualidade dividida [ou desdobrada] entre ser fálica falha fetiche e/ou inexistente. (Neri 1999, p. 235)

Para concluir provisoriamente esta análise, duas questões se impõem: em primeiro lugar, em que medida Lacan não descreve uma forma específica de subjetivação, que tem como paradigma o desejo masculino em uma sociedade que se estrutura a partir de uma relação de dominação? O que Tort definiria como "a versão formal do assujeitamento das mulheres ao fantasma de castração dos homens"(Tort 1990, p. 165).

Se isso faz sentido, poderíamos afirmar que, embora toda a elaboração sobre a mulher como "não toda" siga uma sofisticada trajetória que exige um enorme esforço para o entendimento, as teses lacanianas sobre a mulher se baseiam também no senso comum, ou seja, em uma aparência socialmente necessária. Como vimos, duas imagens se destacam nessa teoria: a mulher como mãe ou como Dama, que aparece como a Coisa, inacessível por definição, que sustenta o lugar de enigma, tal como na parábola do Amor cortês. E a mulher como objeto fetiche, aquilo que circula entre os homens. Como sabemos, dois mitos encarnados na cultura ocidental que constituíram a idéia do eterno feminino.

Assim, essa forma de subjetivação não é uma invenção de Lacan, ela existe de fato, mas a que custo? No mínimo, o custo da exclusão da diferença, que, no caso, querendo ou não, há que se admitir que se refere à exclusão das mulheres da cultura.

Nesse sentido, a única saída é contextualizar historicamente esse debate e, como sugerem Geneviève Fraisse, Michel Tort e Monique David-Ménard, afirmar que a teoria da diferença sexual na psicanálise, tanto em Freud quanto em Lacan, é a forma masculina de se inscrever no diferendo entre os sexos, ou seja, na história conflitiva que marcou a cultura ocidental. Há que se supor a existência do lado feminino, que não pode ser definido apenas como negativo. A positivação do feminino exigiria pressupor não apenas um além do falo, mas, antes de tudo, uma outra forma de erotismo, que não tenha no falo a sua referência. Como afirma Tort: "É necessário então definir as relações de dominação inconscientes fundadas sobre as representações, nos dois sexos, da diferença sexual: o diferendo sexual" (Tort 1990, p. 9).

Além disso, cabe perguntarmos em que medida a positivação do lado feminino, ou seja, a afirmação de que existiria uma forma de sexuação que não necessariamente obedece à lógica pênis-falo não teria, como conseqüência, a subversão da lógica fálica, ela mesma? Ou seja, no momento em que alguma coisa se inscreve do lado feminino, a própria lógica do significante, do visível, para definir o que é ou o que quer, o homem ou a mulher, esvai-se. Assim, o deslocamento do feminino nas fórmulas de sexuação exige a tessitura de uma nova cartografia, na qual o feminino, o masculino ou seja lá o que for, possam se constituir no próprio encontro sexual, não como uma completude, é claro, mas também não como o evitamento do reconhecimento do que no outro pode ser diferente.

Assim, podemos considerar que Lacan, nesse momento da sua obra, descreve o ato sexual em uma sociedade que exclui a alteridade. O deslocamento do feminino, na cultura e na psicanálise, exige uma nova forma de pensar a diferença16.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: marciaaran@ig.com.br

Recebido em 28 de janeiro de 2003
Aprovado em 23 de junho de 2003

 

 

* Psicanalista, membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos, Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Professora visitante do Instituto de Medicina Social da Uerj
1 Para um maior aprofundamento do conceito de gozo em Lacan ver o Seminário XXII, RSI...(1974-1975) e o Seminário XXIII, Le Sinthome (1975-1976).
2 Lacan se refere à passagem do Projeto sobre "O rememorar e o julgar ". Aí, Freud descreve o complexo do Nebenmensch, o complexo do próximo - o primeiro objeto de satisfação, assim como o primeiro objeto hostil - da seguinte forma : "[...] complexo do próximo se separa em dois elementos, no qual um se impõe como uma estrutura constante, permanece unido como coisa, enquanto que o outro pode ser compreendido por um trabalho mnêmico, ou seja, pode ser reconduzido a uma informação vinda do próprio corpo"(Freud 1994 [1895], p.183).
3 Uma importante elaboração sobre esse tema pode ser encontrada em "Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freudien" (Lacan 1960c, pp. 793-728).
4 Como afirma Miller,"não existe acesso ao gozo senão por um forçamento" (2000, p. 92), pois este é concebido fora do sistema significante.
5 A complexidade da relação entre pulsão de vida e pulsão de morte, na segunda tópica freudiana, pode ser analisada no texto "El problema económico del masoquismo" (Freud, 1924, p. 161).
6 Podemos perceber claramente a influência do imaginário do século XIX na constituição da figura feminina. Sobre este assunto ver Nunes 2000.
7 Para Lacan: "[...] o a, objeto do desejo, no ponto de partida em que o situa nosso modelo, é, tão logo que funciona nele [...], o objeto do desejo. Isso quer dizer que, como objeto parcial, ele não é apenas parte ou peça desvinculada do dispositivo que aqui imagina o corpo, mas elemento da estrutura desde a origem, e por assim dizer, da distribuição das cartas da partida que se joga. Na medida em que é selecionado nos apêndices do corpo como indício do desejo, ele já é o expoente de uma função, que o sublima antes mesmo que ele a exerça - a do indicador enquanto para uma ausência da qual o `será' nada tem a dizer, a não ser que ela é de lá de onde isso fala" (Lacan 1960a , p. 682).
8 Para um maior aprofundamento dessa questão, ver "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926, p. 130).
9 A autora comenta que a variabilidade do objeto interpretada como uma indiferenciação pode ser encontrada tanto na teoria kantiana como na leitura sadiana. Nas suas palavras, o objeto pode ser considerado "indiferente em relação à lei moral que regula todos os interesses sensíveis em uma não pertinência, do ponto de vista do imperativo categórico em Kant, e indiferente do ponto de vista do reino exclusivo dos interesses do gozo, para Sade" (David-Ménard 1997, p. 10).
10 Segundo David-Ménard, esse seria um dos aspectos centrais da questão da alteridade na psicanálise (2000, p. 109).
11 Segundo Menegat : "O trabalho concreto pelo qual a humanidade realiza o seu domínio da natureza, e que produz a materialidade das mercadorias, subsume diante do valor de troca, que expressa o outro trabalho: o trabalho humano abstrato. Como já foi afirmado, o domínio de valor sobre as relações sociais passa a exigir um ocultamento do caráter útil e material do produto do trabalho. O trabalho abstrato, como expressão universal do trabalho, deve manifestar apenas a alma gêmea das mercadorias, a sua qualidade de permuta em qualidades equivalentes. Com isso a associação dos indivíduos fica submetida à luz da lua, acreditando ardentemente que esta lhe seja própria e não roubada do sol" (Menegat 1995 ).
12 Sobre este assunto, ver Peixoto Jr. 1999.
13 Nesse sentido, algumas expressões nos chamam a atenção, como, por exemplo: "[…] para fazer o fantasma é preciso o `prêt-à-porter'" (Lacan 1966-67, aula de 16 de novembro de 1966).
14 Uma análise detalhada sobre o recurso à lógica e à filosofia, realizados por Lacan na montagem das fórmulas de sexuação, pode ser encontrada no trabalho de David-Ménard (1997) sobre "As construções do universal".
15 "Não há propriamente falando simbolização do sexo feminino como tal. Isso porque o imaginário só fornece uma ausência, lá onde alhures há um símbolo muito prevalente... O sexo feminino tem uma característica de ausência, de vazio, de buraco, que faz com que ele seja menos desejável que o sexo masculino, nisto que ele tem de provocante" (Lacan 1985 [1955-1956], pp. 201-202).
16 Para um melhor desenvolvimento do tema ver Arán 2001 e 2002a, Birman 1999a, Neri 1999, David-Ménard 1997, Schneider 2000.