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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.6 n.2 São Paulo dez. 2004

 

ESTUDO DE CASO

 

Aplicação das idéias de Winnicott na clínica de pacientes difíceis (esquizóides, fronteiriços e psicóticos)

 

The application of the ideas of Winnicott in clinical practice with difficult patients (schizoids, borderlines and psychotics)

 

 

Orestes Forlenza Neto

Membro efetivo e analista didata da SBPSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Após breve exposição das idéias de Winnicott sobre as psicoses e os casos de borderlines e de esquizóides, o autor focaliza as dificuldades que o analista enfrenta ao se propor analisar esses pacientes. São apresentados casos clínicos em que a função do supervisor é, além de discutir o que se passa na relação transferência-contratransferência e nos enactments de um modo geral, fornecer holding para as intensas emoções que esses pacientes despertam no analista, como: sentimentos de ineficiência, de incapacidade, de inexistência, irritação, raiva, etc.

Palavras-chave: Psicose, Borderline, Sentimentos intoleráveis, Reações do analista, Silêncio, Retraimento, Regressão à dependência absoluta, Manejo do setting, Sobrevivência do analista à destruição.


ABSTRACT

After a short explanation about the Winnicott thinking upon psicosis, borderlines and schizoid personalities, the author focalizes the difficulties that the psychoanalyst faces in analysing such patients. Clinical cases are reported in wich, beyond discussing transference, counter-transference and enactments, the supervisor must have in mind that some kind of holding ought to be provided to the analyst, in order to afford him (her) to deal with the overwhelming emotions raised in the analyst, like inneficiency feelings, incapacity, inexistence, irritation, hunger, hate, and so on.

Keywords: Psicosis, Borderline, Schizoid, Analyst reaction, Silence, Withdraw, Regression to absolute dependence, Hundling, Holding, Destruction and survival.


 

 

Winnicott analisou um número razoável de pacientes psicóticos e, sem dúvida, um número maior de fronteiriços e esquizóides; essas análises levaram-no a formular suas teorias sobre esses estados e, principalmente, sobre o desenvolvimento das primeiras fases da vida emocional do bebê, embora nisso ele inevitavelmente se valeu também da observação que fazia da dupla mãe-bebê como pediatra. Observando os casos de supervisão clínica de pacientes difíceis, tentei entender o que se passa com a dupla paciente-analista, em que há uma interação subjetiva que nos remete ao holding fornecido pela função materna do analista (nestes casos) e à necessidade do terceiro elemento (supervisor na função paterna) para fornecer holding ao analista.

Penso ser muito útil a sugestão de Winnicott para o estudo de certos quadros graves:

[...] a melhor maneira de estudar o autismo é estudar os numerosos quadros nos quais podemos explicar, em certa extensão ou inteiramente, o início da sintomatologia e também a recuperação da criança. É muito semelhante à questão da tendência anti-social que se manifesta na criança bastante normal; não é muito proveitoso estudar esta doença social tomando a criança que já foi rotulada como desajustada ou criminosa. De qualquer maneira, em cada criminoso houve um início para a destruição do processo de socialização do indivíduo, e é isto que seria recompensador para o investigador. (Winnicott 1996c, pp. 180-1)

Seguindo essa metodologia, podemos estudar, em cada um dos casos apresentados neste trabalho, os elementos psicóticos, borderlines e esquizóides com o predomínio de um ou outro fator, que poderia aproximá-los mais de uma ou outra nosografia. Muitas vezes, num mesmo paciente, esses fatores se alternam e se misturam com componentes neuróticos. A pureza do diagnóstico é uma abstração que não se encontra na prática. Na maior parte dos casos analisáveis, a patologia não é cristalizada e podemos acompanhar as respostas ao trabalho analítico. Os casos em que encontramos uma razoável estrutura neurótica ao lado de uma estrutura psicótica são mais aptos à análise, embora não sejam psicoses cristalizadas e, talvez por isso, nós os tomamos em nosso trabalho. Existirão psicoses esquizofrênicas cujos elementos endógenos são preponderantes; contudo, o ambiente inicial teve de lidar bem ou mal com eles. Dessa forma, os quadros podem ser mais ou menos graves e, através da psicanálise, pode-se ter um grau menor ou maior de acessibilidade de compreensão e desenvolvimento.

Alguns pacientes, como o primeiro caso relatado, apresentam uma maior tendência à regressão à dependência absoluta, que pode ser vista como um sinal da esperança de encontrar novo ambiente (analista) capaz de proporcionar a retomada do desenvolvimento (Winnicott, 1960c, pp. 117-8). Para esse autor, a psicose se diferencia da neurose pelo tipo de angústia envolvida. Na primeira, predomina a angústia de aniquilação e, na neurose, a angústia de castração (ibid., p. 130). Num quadro clínico, a sintomatologia pode parecer a de neurose, mas no substrato predomina a angústia básica de psicose, como é o caso dos borderlines. O quadro psicótico é representado pelo colapso das defesas e o estabelecimento de novas defesas que procuram lidar com o caos primitivo.

A contribuição mais importante da psicanálise para a psiquiatria e a classificação é a destruição da velha idéia de entidades mórbidas. O psicanalista praticante concordará que há uma gradação da normalidade, não apenas na psiconeurose, mas também na psicose" (ibid., p. 119).
[...] Nós podemos ver mecanismos muito primitivos agindo nos psicóticos e também em nossos pacientes "normais", e, sem dúvida, em todo mundo. [...] Nós podemos diagnosticar a psicose pelo achado de mecanismos mentais primitivos. Na moléstia psicótica é com as defesas primitivas que nos deparamos, defesas que não teriam se conformado nos estados primordiais de quase-dependência absoluta se as provisões ambientais de fato existiram (ibid., pp. 123-4).
[...] "Estou sugerindo que no estudo das psicoses o esforço deve ser feito em classificar o ambiente e os tipos de anormalidades ambientais e os momentos em que essas anormalidades operaram e a tentativa de classificar os indivíduos doentes com base nos quadros clínicos que exibem não nos leva a resultados úteis. [...] O colapso temido já ocorreu. O que se vê como doença é um sistema organizado de defesas relativas ao colapso passado [...]. O paciente só pode rememorar o colapso nas circunstâncias especiais do setting terapêutico, e pelo crescimento egóico. [...] A memória só pode vir através do re-experienciar. (Ibid., p. 127, os itálicos são meus)

Dessa maneira, o borderline é o paciente que exterioriza um quadro neurótico ou psicossomático; contudo, o distúrbio psicótico subjacente pode irromper em certas situações. Para Winnicott, o desenvolvimento primitivo está relacionado diretamente aos fenômenos que aparecem na esquizofrenia do adulto, nos estados fronteiriços e esquizóides. Nesta ótica, as doenças mentais não são vistas como entidades nosológicas definitivas, mas como um diagnóstico dinâmico que tem gradações do normal, do neurótico e do psicótico. O fronteiriço, em condições anormais de estresse, álcool ou drogas, pode exibir fenomenologia psicótica. Podemos dizer que a prova da realidade é mais preservada no fronteiriço, embora possa ter sérios problemas neste setor. Numa abordagem mais profunda, o fronteiriço nos revela com grande freqüência uma transferência psicótica e idéias delirantes.

Para Winnicott (1949f, p. 343; 1958n, pp. 494-8; 1960c, pp. 44-51; 1965n, pp. 55-59; 1963a, p. 231), as psicoses, esquizoidias e estados fronteiriços são fundamentalmente doenças ambientais. Elas se apresentam a nós através de organizações defensivas que foram elaboradas para lidar com as angústias de aniquilação (Winnicott, 1974, p. 72). Ele nos indica também que, quando o paciente encontra um novo ambiente favorável e confiável (habitualmente o analista), pode reiniciar-se o processo de desenvolvimento, através de um novo suporte (holding) ambiental adequado, que permite a regressão do paciente à "dependência absoluta".

Para esses pacientes (Winnicott, 1955e, pp. 469-71 e 1968c, pp. 151-6), quando regredidos, o analista não é sentido como uma pessoa separada; ele simplesmente faz parte do "setting" que vai proporcionar o ambiente para a retomada do desenvolvimento e, numa regressão ainda maior, o paciente e o setting estão confundidos na constituição do narcisismo primário.

Quando Freud estabeleceu o "setting analítico", sua finalidade era constituir no espaço, no tempo e na maneira de proceder do analista as condições adequadas ao trabalho de tornar consciente o inconsciente. Esse trabalho se dava, primordialmente, pelas interpretações do analista, baseadas nas associações livres, sonhos e transferências desenvolvidas pelos pacientes. Para Winnicott (1955e, pp. 459-60 e 1989m, pp. 77-81), os pacientes já tinham caminhado bastante em seu desenvolvimento e atingido o estado de ser uma pessoa total e de relacionar-se com outra pessoa total. Entretanto, certos pacientes não se constituíram dessa forma, por uma séria falha ambiental nos primórdios da vida, sofrendo problemas estruturais e de constituição da subjetividade que não são acessíveis pela técnica clássica e necessitando regredir à fase de dependência absoluta para a retomada do desenvolvimento. Para isso, necessitam de um setting adequado e daquilo que Winnicott chamou de "manejo do setting", que comporta aumento na duração da sessão, suspensão temporária do trabalho interpretativo, liberdade para o paciente se sentar, andar na sala de análise, etc.

Podemos comparar vários aspectos do trabalho analítico com os cuidados maternos (Winnicott 1965vd, pp. 207-17). Para Winnicott (1954a, pp. 409-25 e 1968c, pp. 151-56), o ser humano nasce com uma dotação psicossomática e uma tendência para o desenvolvimento. Contudo, para que este se verifique, necessita de um ambiente facilitador que seja adequado aos diferentes momentos desse processo de desenvolvimento. Nas primeiras semanas de vida, ocorre a fase de dependência absoluta da criança em relação ao ambiente (Winnicott 1960c, pp. 38-54), que em condições favoráveis se encaminha para a dependência relativa. Nesse caminho ocorrem os processos de integração do self, personificação (habitar no próprio corpo) e separação eu-não-eu. Segundo Winnicott (1960c e 1965vd, pp. 70-6), é nesta primeira fase que está a raiz dos distúrbios psicóticos e fronteiriços, quando as invasões causadas por um ambiente insatisfatório (mãe que não é suficientemente boa) provocam reações que interrompem o continuar a ser do bebê, que só vai ser retomado quando cessarem as invasões com as conseqüentes reações que visam proteger o self nuclear das angústias de aniquilação. A persistência e a repetição constante das invasões levam a defesas de dissociação como as que constituem o falso-self defensivo, que pode substituir a função do holding materno falho e se apossar das funções de uma relação autêntica com a realidade, resultando numa submissão a ela e numa sensação de futilidade pela perda de contato com o self nuclear ou verdadeiro.

Winnicott (1963a e1965vd) usa sua teoria da regressão à dependência absoluta para o tratamento dos pacientes com graus avançados de falso-self e que necessitam regredir a um estado que antecedeu as situações traumáticas para a retomada do crescimento. Nesses casos, a regressão e o holding se tornam os aspectos mais importantes da análise e devem substituir temporariamente as interpretações. Essas situações podem ser curtas, episódicas ou durar longos períodos. Podem comportar muito silêncio ou serem ruidosas, com exteriorizações de tipo destrutivo, ou ambas se sucederem uma à outra. Não é o analista que provoca a regressão à dependência absoluta; ele, simplesmente, pode ou não permitir que ela ocorra. Esses fatos estão muito ligados à personalidade do analista e suas reações contratransferenciais, sua saúde narscísica, sua tolerância a sentimentos altamente desconfortáveis como de inutilidade e de incapacidade analítica (Winnicott 1949f, pp. 341-53), que invariavelmente surgem nos momentos regressivos.

Com alguns borderlines, a manutenção do holding é muito sofrida, devido aos períodos repetidos em que o paciente fica desafiando os parâmetros analíticos, fazendo demandas inapropriadas, ataques verbais violentos e dizimadores ou sarcasmos e ironias, todos despertando ódio e reações negativas no analista que fica, às vezes, desejoso de interromper o holding e a própria análise. Algumas vezes a própria contenção do analista pode ser sentida como descaso. Na realidade, o paciente necessita de duas coisas: ferir o analista e atingi-lo (deve perceber que pode causar sofrimento), e, ao mesmo tempo, que o analista não interrompa a análise ou, nos termos de Winnicott (1969i, pp. 121-31), que o analista sobreviva, não revidando e não se defendendo.

Habitualmente, as erupções destrutivas se iniciam após alguma falha do analista, muitas vezes pequena, que o paciente torna imensa, dando a impressão de como a falha traumática esperava expressão. Esse "descongelamento" da situação traumática e a sobrevivência do analista são fundamentais para que se restabeleça o processo de desenvolvimento (Winnicott 1969i, pp. 121-31). O analista também precisa perceber que o silêncio do paciente na passagem retração-regressão não significa oposição, resistência ou ataque ao trabalho analítico. A interpretação errônea desses fenômenos pode levar ao fracasso da análise ou impedir a regressão à dependência absoluta. Muitas vezes, entretanto, não basta apenas empatia e calor humano por parte do analista que mantém o holding. O paciente precisa sentir que o analista suporta os assaltos e pode prosseguir sem censura, revide ou aplacamento. Essa atitude vai permitir ao paciente testar os limites de sua destrutividade e usar o analista que sobreviveu como objeto da realidade (idem). A manutenção desse holding exige grande trabalho e elaboração do analista consigo mesmo. É muito difícil manter uma atitude não interpretativa sem que se tenha a impressão de não estar fazendo nada, do mesmo modo que é difícil ficar na posição de observador quando o paciente narcísico está se exibindo. O analista experimenta sentimentos de inutilidade e de ser obliterado pelo paciente. Tem sensação de estar perdendo tempo inutilmente e recebendo pagamento sem o merecer. Só mais tarde, quando o paciente evoluir, é que poderá avaliar a importância do holding.

Nesta exposição, meu principal interesse é o estudo das duplas analista-paciente, quando estão acionadas as angústias subjacentes de aniquilação pertencentes ao nível psicótico e, também, quando são vividas pelos pacientes falhas ambientais com grande exteriorização destrutiva, de modo mais evidente no primeiro e segundo casos e de modo mais indireto no terceiro e quarto casos. Evidentemente, não cabe neste trabalho uma discussão mais ampla da riqueza e dos possíveis significados do material clínico.

Este trabalho está dirigido às condições adversas que o analista enfrenta, quando na situação desse ambiente, que exigem não só conhecimento, mas, principalmente, condições emocionais específicas. Selecionei alguns casos de supervisão que ajudam a ilustrar esta sofrida tarefa.

 

1º caso

Se tivesse de classificar este caso, com base no que expusemos, diria que se trata de um paciente predominantemente esquizóide, que mobiliza angústias de aniquilação nas sessões. Em termos de dissociação verdadeiro/falso-self, os esquizóides não têm um isolamento completo em relação ao seu self nuclear. Assim, eles têm menos sensação de futilidade que os fronteiriços. Como procuram preservar, através de seu isolamento, aquilo que sentem de valioso de seu self (que não foi tão meticulosamente isolado), os contatos com o ambiente são temidos e sua ligação afetiva, mesmo na análise, é muito comprometida, como bem ilustra também o terceiro caso.

B (a paciente) me foi descrita, mais ou menos, nos seguintes termos por sua analista (A):

A - Tenho uma paciente que não fala há muito tempo. Não sei mais o que fazer. Já tentei estimulá-la com perguntas sobre o que estava se passando; ela reage com um abalo físico, como se tivesse se assustado ou, simplesmente, fica impassível, como se nada estivesse ocorrendo. Não sei mais como proceder; às vezes penso em enviá-la para outro analista; me sinto desesperada e inútil.

Começo por indagar quais outros sentimentos a analista sofria em relação a essa paciente, além do desespero e inutilidade já referidos.

A - Ela só pode aceitar uma sessão por semana. Vem de outra cidade, pontualmente. Entra, senta-se por algum tempo, sem me olhar, depois vai para o divã. Nunca faltou. Terminada a sessão, se despede. Eu me sinto perdida, não sei por que vem. Sugeri mais uma sessão pelo que me paga, que é uma taxa reduzida, mas ela nem responde.

Digo à analista que tudo indica que B precisa proceder dessa forma, é o que ela pode fazer. Provavelmente, a analista está se sentindo inútil e desesperada porque a compara com outros paciente que têm padrão diferente de conduta. A analista se sente preparada, com treino e conhecimentos para trabalhar com uma técnica e uma teoria que, para essa paciente, parece inútil. Talvez a analista esteja sendo levada a experimentar o sentimento de não-existir para a paciente e, também, pelos padrões habituais, inoperante e incapaz nessa análise.

Pergunto se sempre foi assim e a analista responde que no início falou normalmente por algumas sessões, depois caiu no mutismo. Nesse período inicial, colheu os seguintes dados: B tem aproximadamente 40 anos, há aproximadamente quatro anos voltou de um país estrangeiro, onde era professora de balé para crianças. Voltou por ter um problema ortopédico, após uma operação com complicações. Ao procurar análise, disse estar melhor. Em uma cidade européia, fez análise com um analista internacionalmente renomado, a quem demonstra muita gratidão e que a atendia graciosamente. Antes de ir para a Europa, fez um casamento por conveniência na América do Norte. Parece que seu marido era bissexual, mas não se deu conta; somente alguns anos depois de separada e na Europa, entendeu a alusão que um amigo do casal fez à possível contaminação com AIDS. A analista concluiu o quão pouco B se cuidava.

Pouco falou de sua vida familiar; quando indagada, sempre se evadia. Por mais três sessões falou sobre seus projetos de estudo e trabalho. Desenvolveu um método em que podia dar aulas sentada. Foi gradativamente surgindo um mal-estar nas sessões. Disse ter descoberto no porão de sua casa um gato arredio. Passou a colocar comida na entrada do porão; aos poucos foi trazendo o prato para dentro de casa, até a cozinha, porém, a qualquer gesto, o gato fugia assustado. A analista entendeu que, naquele momento, ela comunicava um aspecto arisco de sua pessoa e que deveria tomar todos os cuidados para se aproximar. Eu acrescentei que era a indicação de que ela precisava desenvolver confiança na analista de forma suave e meticulosa. A partir daí, a paciente foi reduzindo suas comunicações verbais até fazer absoluto silêncio por seis meses. Segundo a analista, os silêncios eram de duas categorias principais. Um era relaxado, às vezes acompanhado com o gesto de encaracolar os cabelos com os dedos da mão direita. Outras vezes era um silêncio tenso, acompanhado do gesto de levar ambas as mãos às têmporas, parecendo sofrer angústia intensa. Em ambas as situações, qualquer assinalamento da analista era seguido de um sobressalto, como se fosse retirada de seu isolamento. Quanto ao gesto de pressionar as têmporas, podemos pensar que seja equivalente ao fato de a analista poder conter a mente da paciente que parece que vai explodir, retomando um atroz sofrimento do passado sem o holding adequado.

O trabalho de supervisão se resumiu, nesta fase, em dar holding para a analista suportar as angústias despertadas nas sessões e reiterar que existem pacientes, como a sua, que necessitam do silêncio do analista, de tolerância em ser ignorado pelo paciente e em constituir-se apenas no ambiente ainda não separado do paciente (Winnicott, 1955d, pp. 466-75). Com esse procedimento, o analista permitirá a regressão da paciente à dependência absoluta. No estado retraído, se o analista fornece o holding para o self do paciente, a retração pode se transformar em regressão. Neste caso, inicia-se a oportunidade de corrigir a adaptação inadequada do passado. Tanto o silêncio como uma fala do analista, oportuna e adequada, vão significar compreensão profunda, holding e encaminhamento para o descongelamento do fracasso ambiental agora vivido com um holding adequado (Winnicott, 1955e, p. 435).

As sessões estavam nesse pé quando algo inesperado aconteceu. A paciente entrega à analista uma folha manuscrita e lhe diz que o conteúdo jamais deverá ser mencionado: não deveria falar sobre ele nem com a própria paciente. Vou extrair o que julgo importante do manuscrito para não me alongar demais. Começa assim:

Resolvi escrever porque não consigo falar o que gostaria. Está insustentável. Não entendo o que aconteceu, parece que entro nesta sala e me transformo, tudo o que eu quero falar se torna impossível [...] vontade de parar [...] nunca vou conseguir fazer terapia [...] parece que perco totalmente a razão nesta sala [...]. No começo acho que vai ser diferente [...] mas é sempre igual [...]. Às vezes acho que invento tudo isso, outras acho que sou doida mesmo. Estou escrevendo porque estou bêbada [...] acho que queria que ela soubesse [...] as coisas doidas que aconteciam lá, [...] eu era criança [...] aquela tortura de ficar lavando louça, e a mãe falando em meus ouvidos [...] falava [...] falava e eu não escutava nada [...] eu ficava brincando com a espuma, horas, dias, a vida toda [...] a única vontade era ir para a cama e sonhar com Elizabete [...]. Hoje encontrei com ela na sessão, falei com ela, sentia saudades. Às vezes queria que ela tivesse existido [...]. Aparece sempre quando não agüento mais [...]. Sempre do meu lado, não fala nada, mas me dá a maior força, tranqüilidade, porque sempre está lá, ninguém pode tirá-la de mim [...]. Queria que alguém me ajudasse a sair dessa loucura [...]. Será que nunca vai mudar? [...] Por que eu não gosto de A (analista)? Mas não é com ela! Sinto falta de E (outro analista), [...] mas também não era tão diferente, mas pelo menos ele estava lá [...]. Como sou infeliz... Que saudades de alguma coisa que eu nunca tive [...]. Saudade de minha casa em M, do mato [...] aquele cheiro de silêncio, tão calmo, não tinha ninguém para perturbar. Na cidade estou sufocada [...] gente demais cansa [...]. Quero ir mais na terapia, mas não adianta, nunca vou falar [...]. Não acredito no que escrevi [...] tenho que controlar as fantasias [...]. Na próxima sessão vou falar [...]. Preciso mudar [...] Elizabete! queria sonhar a noite toda contigo, você que é feliz [...]. Ninguém te faz mal [...] parece que nunca cresci [...] Elizabete! Ninguém te conhece, nem vai conhecer [...] acho que estou enlouquecendo [...]. Amanhã vou marcar mais uma sessão [...]. (Os itálicos são meus)

O que chama a atenção, inicialmente, é a promessa que a paciente exige - que a analista não se refira ao conteúdo do escrito, nem com a própria paciente. Penso que a paciente captou o desértico desespero da analista e escreveu. Entretanto, o conteúdo pertence a outro momento e a outro estado de organização de self, mais reflexivo e mais integrado, embora imerso em angústia. Descreve também algumas conclusões a que chegou por si mesma. Muitas, evidentemente, defensivas contra angústias inomináveis. Mas o que ela busca, de fato, é a regressão à dependência absoluta, em que a comunicação ou a não-comunicação se dá de modo onipotente. A carta escrita por ela não faria nenhum sentido neste estágio de seu desenvolvimento; ela não quer que seu conteúdo "adultomorfo" perturbe a pureza do estado regredido, tanto nos momentos tranqüilos e sonhadores como em outros, quando se retrai por temer repetir a falha ambiental. Veja a descrição da mãe obrigando-a a lavar louça quando criança e falando, falando, em seus ouvidos, enquanto ela brincava com a espuma por horas e horas. O que nos deixa particularmente encantados é ela ter podido escrever que sente saudades de alguma coisa que nunca teve.

Às vezes é muito difícil formular de modo compreensível, para quem não está habituado às idéias de Winnicott, a que visa a regressão à dependência absoluta. Na frase que sublinhei, a paciente nos diz de modo simples e didático o que ela busca, o que lhe faltou; ela quer retornar a um momento que antecedeu a falha ambiental e reiniciar o desenvolvimento num ambiente mais adequado. Como compensação, criou Elizabete, uma companheira imaginária que me parece um objeto subjetivo, quase que alucinado, outras vezes, um objeto tranqüilizador: Elizabete está "sempre a seu lado", "não fala nada", "traz tranqüilidade porque está sempre lá" e "ninguém pode tirá-la de lá" (Winnicott 1955e). Ela nos indica que o silêncio e o manejo do setting são mais importantes para esses pacientes que qualquer fala ou interpretação do analista (Winnicott 1955e, 1989m e 1968c).

Sua relação com Elizabete representa a comunicação com o objeto subjetivo, silenciar para nosso mundo, viver e relacionar-se com o objeto criado por ela. Veja: "O calmo cheiro de silêncio, sem ninguém para perturbar" nos indica o anseio da dependência absoluta, "saudades de alguma coisa que eu nunca tive". Ela nos mostra, através de seu paradoxo, aquilo que Winnicott nos formulou sobre o que pretende o paciente ao regredir: retomar o desenvolvimento interrompido, ou seja, viver pela primeira vez na dependência absoluta e, portanto, na onipotência que ignora o objeto, a relação que de alguma maneira faltou, num registro que não é representacional, mas que está em algum lugar do psique-soma.

A própria paciente acha tudo maluquice: "Não entendo o que acontece, entro nesta sala e me transformo, tudo o que quero falar se torna impossível [...] no começo acho que vai ser diferente [...] mas é sempre igual". Penso que ela mesma se debate com seu mutismo, embora o sinta como imprescindível. Qual a utilidade da carta se não quer que se comente? Talvez indique à analista como lhe fornecer um holding e não conversas "adultas" sobre o que escreveu. Acho que encontrou um meio original de fazer a tarefa caminhar; indicou o caminho para que se sustente o setting de que necessita, o espaço que não existiu e que pode ser criado. Ao entrar na sessão não olha para a analista, permanece cabisbaixa por certo tempo e, depois, nas palavras da analista, "mergulha no divã". Mesmo no início das entrevistas, falava com a analista olhando para a janela. Após o episódio da carta, a analista deixou uma folha de papel e caneta ao lado do divã e lhe disse que, se preferisse, poderia escrever. A paciente pareceu não tomar conhecimento do que lhe foi dito.

Após algumas sessões, a paciente traz outra carta: "Vou tentar escrever... espero que não utilize esta carta contra mim como fez um terapeuta. Odeio terapeutas; por mim estirparia todos da face da terra, menos E. Ruim com eles, pior sem eles; por isso venho aqui... Sabe que odeio todos vocês? Porque não são confiáveis, na primeira oportunidade... enfiam a faca nas costas".

Passa, então, a relatar três experiências terapêuticas desastrosas. Na primeira até falava, mas a terapeuta traiu sua confiança, comentando aspectos íntimos com um conhecido, causando grande confusão em sua vida. O segundo terapeuta chamou sua família sem seu conhecimento e propôs interná-la. Isto lhe provocou muito ódio e ela rompeu a terapia. A terceira experiência foi no estrangeiro. Como não falava, passou a escrever. Numa das cartas dizia ter ímpetos de destruir o analista. Ele ligou para sua casa e exigiu que ela se retratasse, caso contrário ele entregaria a carta à polícia, pois a interpretava como ameaça de morte e, como estrangeira, seria expulsa do país. Retratou-se e não voltou mais. Jurou nunca mais fazer terapia. Muda-se para outro país onde a acolhe outro analista.

Eu não falava e escrevia cartas. Ele me entendia muito bem. Não precisava falar nada. Acho que ele entendia que quando alguém está sofrendo muito, não existem palavras. [...] Acho que foram dois anos... dois anos chorando... não falava nada... às vezes perguntava alguma coisa e eu respondia [...]. Ele me entendia muito. Na saída ele tocava levemente em meu ombro, eu saía muito bem. Acredito que na vida existam pessoas especiais como E. Ele me salvou quando eu estava o tempo todo só pensando em morte... Queria que ele soubesse quão importante foi para mim... Só estava lá... não falava nada e eu sentia que existia um ser humano que me compreendia... Foi a única pessoa que nunca me fez mal em toda minha vida.

Mais adiante, na carta:

[...] Nessas horas eu penso na Elizabete, quero sonhar com ela, é como os amigos invisíveis das crianças [...]. Como surgiu... tinha 6 ou 7 anos, não tinha nome, dei-o a pouco tempo [...]. No início foi um sonho... depois eu repetia o sonho acordada... o sonho era sempre o mesmo. Ela havia sido abandonada na Emergência de um hospital... era órfã... estava morrendo... fizeram ressuscitação... Nunca falou nada, às vezes era muda, outras era cega, mas ouvia tudo. Sempre chorava... queria fugir do hospital, mas na porta de saída era pega e amarrada na cama, nunca conseguiu fugir. É um segredo que trago comigo [...]. Não toque no nome dela, ela não pode saber que te contei. [...]

Como foi visto, os dois primeiros terapeutas não respeitaram aspectos sigilosos pessoais. Com o terceiro, talvez ela estivesse tentando confiar mais, entretanto, ele interpretou de modo concreto a fantasia de destruí-lo e atuou retaliando e realmente não sobrevivendo à destruição que a paciente exerceria, provavelmente, no objeto subjetivo (Winnicott, 1969i). Por fim surge E, analista muito experiente e de renome internacional que conseguiu perceber a importância do manejo do setting. Foi para a paciente um ambiente propício, que permitiu a vivência fusional: "Entendia muito, não falava nada. [...] Quando alguém está sofrendo muito, não existem palavras". Esta última frase nos lembra as angústias inomináveis.

A experiência com E foi interrompida pela necessidade de a paciente procurar um centro especializado para seu tratamento ortopédico. Elizabete, sua amiga imaginária, que se originou de um sonho e que se tornou seu devaneio predileto, a quem recorre nos momentos de desenganos e desencontros, parece-me ser uma configuração híbrida. Seu papel é o de um objeto subjetivo; está onde deve estar quando necessita dele e se porta de modo adaptado à necessidade de B. Por outro lado, é uma alusão a seu lado órfão e sem palavras, é muda e cega, mas ouve tudo - ressuscitada mas aprisionada, parte incomunicável de seu self. Ela sabe da existência de Elizabete e a analista deve saber, mas não pode ser comentada, nem aparecer no mundo exterior, rompendo-se o sigilo e o encantamento mágico, e ameaçando de destruição o núcleo de seu self.

Recentemente, a analista percebeu que nos momentos em que ela fica na poltrona, no início das sessões, pode falar com a paciente, que responde a perguntas suavemente enunciadas, tais como: Seu gato voltou?

B - Não, mas veio outro... é muito feio... cuido dele.

A - Você viajou?

B - Sim.

A tudo responde timidamente e cabisbaixa. Após alguns minutos, mergulha no divã e no silêncio.

 

2º caso

A analista foi procurada pela mãe de P, de 23 anos de idade. Ela o descreveu como quieto e estudioso durante a adolescência, sensível e com acentuados dotes musicais. Sonhava fazer medicina, mas não passou no vestibular e ficou muito abatido. Também não passou numa segunda tentativa. Vivia em outra cidade, onde se preparava para os vestibulares. Dessa forma, foi se isolando cada vez mais de sua família. Preocupados, os pais foram visitá-lo e notaram que sua fisionomia estava alterada, mas não era por bebida. Fumava muito e dizia estar mal. Não ia ao cursinho, mentia para os pais que ia e "não falava coisa com coisa". Dizia ter tido um "desvio homossexual", o que parece ter deixado os pais perplexos. Segundo sua mãe, desde criança era pretensioso e desprezava a irmã mais nova. Veio de uma terapia anterior que o deixou pior, vomitava o que comia e culpou o novo médico pela sua doença.

O caso que estamos descrevendo tem fenomenologia francamente psicótica: mudança gradativa do comportamento, tendência ao isolamento, humor delirante, distúrbios senso-perceptivos e desagregação intrínseca do pensamento ("não falava coisa com coisa").

Na entrevista, mostrou-se desintegrado e alucinando. Dizia que tinha uma pele que caía da testa até o púbis, fato que o fazia sentir o cheiro de seu sexo o tempo todo. Dizia que seu analista anterior roubara a sua mente, que respira pela barriga e tem visão turva. O que mais quer é ter sua homossexualidade de volta, pois desde pequeno tinha interesse pelas roupas da mãe. Não consegue ter ereções. Suas relações homossexuais estavam restritas a masturbações. Durante a infância gostava muito de seu avô, agora não consegue mais ser amigo do avô; isto o deixou mais pálido.

Sessão de 5a feira

P - Ao sair da sessão anterior estava bem, diminuíram os sintomas à medida que resgatei lembranças de episódios vividos com meu avô, que era afetuoso. Dormi à tarde e acordei mal, via minha mãe de forma muito ruim... tive medo de perder o controle e gritar... À noite melhorei, voltei a sentir cheiro agradável, o ouvido destampou e enxergava mais nítido. Quando cheguei em minha cidade telefonei para a mãe vir me buscar; ela se negou e disse que eu deveria ser independente. Quando criança ela gritava muito comigo... Sempre quis impor sua vontade... meu pai também é submisso a ela, sinto-me parecido com ele, sou também fraco... Ela disse que eu precisava de um patrão bravo que mandasse em mim.

É hábito do paciente ter falas queixosas e, boa parte das vezes, diz que não saía bem das sessões ou que ao voltar se sentia mal. Sua vida demonstra muito retraimento. Não sai mais com amigos, não lê, não consegue passear. Freqüentemente se lembra, com muito ódio, do analista anterior: "Ele colocou tudo isso de ruim dentro de mim [...]. Ele usou a análise para me fazer mal [...]. Não consigo resgatar as coisas boas que sentia com meu avô [...]. Minhas coisas boas devem estar em algum cantinho".

Nas sessões seguintes se queixa de ter piorado. Diz que perdeu sua personalidade, que deveria melhorar mais rápido. Quis se vingar do analista anterior. Não consegue se concentrar em mais nada.

A analista interpreta o medo do paciente de estar com uma analista não confiável, que lhe faça mal. O paciente parece não ouvir e diz: "Por que alguém faz isso com outra pessoa?" e acrescenta: "Mas algo de bom começou após vir aqui, não sinto a dor e o cheiro dos genitais [...]. Não tenho apetite, me sinto fechado, quando criança sonhava que minha mãe fazia polenta, que derramava da panela e me afogava".

Ao retornar das férias, período que passou bem, não quer continuar a análise porque fica pior com ela. A analista interpreta na linha de separação, frustração e de que se transformou em analista má porque o deixou. O paciente responde que vai apenas tomar remédios. A analista percebe que sua intenção de interpretar dinamicamente não teve eco no paciente e, mais tranqüila, lhe diz que faz parte da análise ele desconfiar dela e que é muito bom ele poder expressar o que sente. O paciente se lembra de um amigo que tem síndrome de pânico e não tolera aglomerados de pessoas. Lembra-se com saudades de quando estudava em outra cidade: "Na república era bom, ninguém era convencional". A analista procura mostrar que ele busca uma relação não-convencional com ela, em que exista liberdade para se expressar. O paciente responde que ainda lhe é difícil falar muitas coisas.

Noutra sessão, o paciente afirma que não saiu bem depois da última sessão, mas que com o prosseguir do dia foi melhorando. A analista tenta relacionar a melhora à análise, entretanto, o paciente refuta e diz que melhorou por esforço próprio e que o que é feito na análise não lhe faz bem: "Eu melhoro porque tenho que sair de casa para vir aqui e não porque você fez algo por mim. Eu não gosto de me ver, me observar, isso não é bom... Você é como um monstro para mim, tudo fica monstruoso e fico mal, desanimado..."

Neste momento, a analista passa a funcionar apenas como um continente para as projeções do paciente e diz: "Eu fico um monstro-diabo que só pode colocar coisas ruins em você... etc.

P - É isso mesmo que acontece, não consigo ver você como boa. Na minha vida eu me travo, me prendo...

A - Lógico! Para defender suas coisas boas, preciosas... faz isso para sobreviver.

P - Quero fazer um pouco de análise e tomar remédio e pronto.

Subitamente, mudando o tom da fala, afirma: "Eu gosto de você, M".

É notório como a mudança de orientação da analista em relação ao que falar ao paciente foi decisiva para que ele mudasse a maneira de senti-la. O acolhimento das projeções e, de certo modo, a sobrevivência da analista aos ataques do paciente que, ao invés de interpretar, lhe fornece um holding apropriado à situação, evitando defender-se e impor-se, não devolvendo as projeções ao paciente, cria uma situação empática que permite a aproximação. Ela continua nessa linha; após certo tempo, o paciente lhe diz: "Às vezes me sinto inferior quando estou junto a você, M".

A - Talvez o precisar seja humilhante...

P - Estou gostando de ir à Faculdade, tem um cara muito legal, tem muito a ver comigo, mas acho que é hetero, contudo me interessa muito.

Algumas sessões após esta, P entra com aspecto abatido.

P - Não estou bem, embora tivesse saído melhor da última sessão. Talvez porque falar daquela época é como resgatar amigos, a turma. Eu não sabia que era feliz.

A analista continua com uma atitude de assinalamento.

P - Mas, quando vinha não estava bem. Não gosto de me expor, falar de mim, gosto mais de papo natural... Como é bom ter amigos. Lá em casa falam coisas que me atingem, não consigo me defender, antes eles não conseguiam penetrar dessa forma. Não tenho com quem conversar em casa. Estou iniciando uma amizade com o irmão de J. De vez em quando vou à casa dele... Quero ir para longe e ter minha vida...

Parece claro que o paciente teme ser penetrado, invadido e não compreendido. De certo modo, teme que na análise possa ser invadido e devassado sem sua autorização.

P - Às vezes sinto a senhora muito superficial!

A - Como é isso?

P - Acho que a senhora quer traduzir o que eu sinto.

Outro ponto importante: a idéia de traduzir sugere algo como um dicionário, uma atividade mecânica, verbal. Para a técnica winnicottiana, o que conta é a interação empática, que identifica a necessidade; sendo assim, o analista pode oferecer suas palavras, seu silêncio, enfim, o manejo do setting.

A - Como posso traduzir se não sei quem você é, nem talvez você saiba?

De meu ponto de vista, ela refutou o que o paciente disse.

P - Quando estava no outro analista, ele vivia falando de mim, como eu era, dizia que ia recuperar minha potência, que o consultório dele estava cheio, tinha muita procura, que eu era um privilegiado em estar lá. Que recuperação é esta? Falou para meus pais que eu estava bem, poderia estudar fora. E veja o que aconteceu. Quando melhorar vou lá dar umas bofetadas nele.

Parece que o outro analista se defendia e atacava o paciente. Procurava salvar seu próprio narcisismo, de certo modo, humilhando o paciente.

A - Tudo isso não correspondia ao que você vivia. É disso que tem medo que eu faça.

A possibilidade de a analista reconhecer suas falhas e se reformular foi criando uma situação de confiabilidade.

Na sessão seguinte, para espanto da analista, diz que está passando bem e se sente melhor quando tem sessão à tarde. Queixa-se que sua mãe o acusa de só pensar em se divertir, e diz que sempre foi enganada pelo filho... "Não quero saber das imposições dela ... Quero saber de minhas coisas"...

Mais adiante:

P - Às vezes me acho mau pelo modo que reajo à minha mãe, mas é pior o modo que ela me trata. Outras vezes me sinto perigoso. Quase agredi o outro analista... Ele interrompeu o tratamento.

A - Você se sentia ameaçado, por isso ficou bravo.

P - Eu não confiava nele, era muito moralista. Dizia para eu não falar para ninguém que era homossexual, porque as pessoas não estavam preparadas para ouvir. Ele queria me transformar em outra pessoa... mudar meus pensamentos. Eu quero fazer as coisas por mim.

Nesta sessão, a analista foi "espelhando" o que o paciente falava, não insistiu em interpretar.

P - Preciso me lembrar de J. Ele é realmente amigo. Quando me conheceu, eu era totalmente diferente do que sou hoje, mas ele continua amigo do mesmo modo.

Essa homossexualidade referida pelo paciente parece ter se configurado após um fracasso em manter relações com uma namorada; entretanto, nunca houve atuação homossexual. A idéia de ser homossexual parecia ser algo como uma espécie de identidade pessoal, algo que o definiria como pessoa, como individualidade, que sentiu ser roubada pelo analista anterior. Poderíamos também pensar numa formação defensiva contra a figura materna temida e possessiva. Durante as entrevistas, a mãe demonstrou falta de empatia e contato com o paciente. Freqüentemente entra em conluio com o filho no sentido de interromper a análise.

O maior trabalho, também nessa supervisão, foi mostrar outra maneira de trabalhar com pacientes graves, sem necessidade de interpretações argutas e brilhantes. Com isso, a analista foi ganhando confiabilidade. Entretanto, sempre era perturbada pela impressão de que não estava fazendo análise, pois não interpretava como seria necessário. Mas dada sua personalidade e sua capacidade de dar holding, foi permitindo o desenvolvimento do processo, no ritmo possível do paciente.

 

3° caso

R tem por volta de 40 anos. É solteiro e completou o curso superior. Não exerce sua profissão. Vive na casa da mãe. De poucas amizades, tem dificuldades de se relacionar afetivamente com mulheres. Costuma entretê-las, sem explicitar que não quer nenhum vínculo de proximidade e de convívio. Nos empregos pelos quais passou, mostrou-se pouco disposto a seguir normas e determinações de seus superiores. Desafiador, acaba saindo ou sendo despedido. Atualmente, tem relacionamento com uma moça que parece acreditar ter futuro com ele; entretanto, não a desengana nem a ilude. Tolera o relacionamento só para ter sexo; procura intercalar um período de distanciamento entre dois encontros. Pouquíssimo generoso, mesmo no aniversário de sua namorada dá presentes a contragosto, baratos e comprados na última hora. Com a analista, procura sempre afirmar que se trata de uma relação profissional e que não está ligado afetivamente, embora seja assíduo. Podemos dizer que tem significativos elementos esquizóides em sua personalidade.

Fiquei particularmente tocado pelo período em que reformava, muito lentamente, uma propriedade. Não sabia o que fazer com ela. Se alugasse permitiria que desconhecidos a usassem. Não queria se mudar para lá. Nessa ocasião, deu a impressão de que essa casa poderia ser algo equivalente a seu self: deveria ser protegido de invasões, de tal forma que nem ele próprio podia ter acesso.

Ele provoca um misto de interesse e irritação em sua analista, que em várias oportunidades se surpreendeu tentando lhe mostrar o absurdo de suas atitudes. O paciente se mostrou algo irônico e desafiador em relação ao trabalho analítico.

R - Ontem fui ao cinema, o filme se chamava "Intervenção divina". É interessante. São situações repetitivas. Os personagens se apegam a coisas pequenas. Impressiona a apatia da vida deles. Provocam para chamar a atenção. Brigam para dizer que estão vivos. Inexpressivos... É a vida deles. Achei rica a simbologia.

A - Você também se perde em coisas pequenas e sua vida é uma repetição, igual ao filme.

R - Faz sentido. A guerra destruiu a vida deles e a possibilidade de contato.

O tema das sessões continua girando em torno de vinculações e medo de perder a individualidade. Sente a vida sem objetivo. Vive retraído.

R - [...] queria me desligar de tudo e começar tudo de novo, não com a impressão que preciso fazer algo, mas sentir a necessidade de fazer [...] estou abandonando todas as coisas para descobrir algo importante.

A mim pareceu que pretende encontrar seu gesto espontâneo e sente esperança de encontrar o sentido de si mesmo.

A - Parece que você quer morrer e renascer.

R - (assustado) As coisas que tenho não são úteis... Tudo o que tenho de bom seria usado pelo dono da franquia, seria útil para ele. [...] Não me vejo capaz de ter um negócio meu. [...] Por mais que me esforce, vou lembrar que o franqueador ganha mais que eu... Eu me faço de surdo às solicitações de minha mãe... ela me massacrou.

Suas queixas do pai eram pueris, segundo a analista. Ganhou um carro usado quando entrou na faculdade. Seus pais nunca o estimularam ao progresso, etc...

Na vida profissional, gostava de ser apreciado, mas, quando queriam emprestada uma cópia de seu trabalho, sentia-se invadido; dizia: "O que é meu é meu, qualquer coisa privada que se torne pública perde o valor... Não acredito que uma mulher olhe para mim e se interesse... Quando E foi carinhosa comigo, pareceu falso... Eu sou desconfiado por natureza... minha mãe tentou chantagear comigo... Eu só não seria lesado se fosse esquecido..."

Para ele, um pedido se torna uma imposição. As coisas só vão bem quando mantém um vínculo mínimo. Não gosta de deixar escapar nada de pessoal.

Após as férias, fez uma cirurgia e acha que o cirurgião não usou boa técnica; parece-lhe que está tudo como antes.

A analista interpreta: "A sessão de hoje é como todas as outras - queixas, nada muda; quando se transforma, você sente que piora".

Nessa interpretação, a analista contra-ataca, de certo modo identificada com o cirurgião. De meu ponto de vista, a analista não identificou seu próprio ódio na contratransferência e revidou.

O paciente retruca: "Eu não quero mudar, do jeito que sou não tenho benefícios, mas também não dá trabalho".

Acho que o paciente está falando que não quer perder seu self defensivo e se expor a invasões. Esses pacientes sempre promovem muito incômodo aos analistas que têm de tolerar sensações de inoperância e inutilidade, dificultando a manutenção do holding adequado.

Em outra sessão, mostra-se em dúvida se deveria ou não tomar remédios para depressão. Tem medo de ficar dependente da medicação.

R - Quero quebrar todos os vínculos. Qualquer possibilidade de vinculação me incomoda... Me irrita vir aqui... O último vínculo que vou quebrar é aqui.

A - Você gostaria de me destruir como analista.

R - Você não está errada... Falei com aquela moça, tive uma impressão boa... Mas é frágil... É socialmente inferior... Voz fraca, sem firmeza... Isto me excita...

Penso que seu medo é de que a analista não sobreviva à destruição; entretanto, a analista não seguiu esta linha.

Esse paciente tem outra característica interessante. Ele costuma agir de modo que fique possível ele não ser atendido em suas solicitações, como é exemplo o fato de deixar para o último dia de garantia de um produto a reclamação sobre algum defeito. Dessa maneira ele espera não ser atendido, então pode ficar bravo e questionar. Muitas vezes espera por uma perseguição. Dentro dessa expectativa, deixou passar o último dia de garantia de um aparelho eletrônico defeituoso. Ficou muito decepcionado porque foi bem atendido. Nessa oportunidade mostrou-se que, quando beligerante e bravo, se sente mais inteiro (Winnicott, 1988, pp. 104-5, 140-2 e 145-6).

Outra sessão; o paciente a inicia com queixas:

R - Até quando vou ficar aqui? Vou ficar 10 anos e não vai mudar nada!

A - Você está insatisfeito com a análise, deve ter seus motivos... Eu também percebo que as coisas não estão caminhando.

R - (um pouco assustado) Não queria te ofender. Mas não vou fazer a minha parte, tenho certeza disto. Não vejo vantagens em mudar. Talvez só permaneça na análise para me castigar... Escolhi este modo de vida... devo pagar por ele... gastar dinheiro e perder tempo... Não ligo para minha namorada... Ela vai arrumar outro...

A analista interpretou alguma coisa em relação à namorada, contudo, não permaneceu na experiência emocional com o paciente, que teme que a analista se ofenda (ou não sobreviva) e o abandone. O comentário da analista, de que "as coisas não estão caminhando", foi tomado pelo paciente como o desejo de que ele mude e também que não tolera o modo desafiador e queixoso do paciente em relação à analista.

Após silêncio:

R - Não tenho vontade de viver!

A - Às vezes tenho impressão de que você está com fome, mas fecha a boca.

Parece que a analista deu uma interpretação da inveja do paciente, não se dando conta do temor que o paciente tem de ser abandonado.

R - Quero ter certeza de que estou com fome. Espero até o último momento antes de morrer para me alimentar. Fico na merda, mesmo assim, porque não preciso buscar coisa melhor.

A - Você parece não acreditar que exista algo melhor e fica se lambuzando, deliciosamente, com a merda. Seu sentimento de desespero e pessimismo é profundo.

A analista continua reagindo e não se dá conta de sua irritação.

R - Sabe por que eu não vou me limpar? Porque iria ter que me manter limpo, isto dá trabalho. Para outras pessoas é mais fácil.

Acredito que, após um período apreciável de trabalho analítico, o paciente arriscou confiar mais na analista e viver pela primeira vez a falha ambiental. A fala da analista poderia ser mais acolhedora, por exemplo: "Percebo que as coisas não estão caminhando, mas de qualquer modo permaneço a seu lado". Tal formulação poderia ter direcionado a sessão de outro modo. A partir daí, vemos o paciente irônico e desafiador, e a analista revidando com interpretações baseadas na teoria da inveja.

Outra sessão; o paciente entra atrasado e diz que fez confusão de horário:

R - Ontem tive um sonho. Sempre sonho com o último trabalho, como se eu não aceitasse a rejeição, a demissão. Tinha sido contrata do novamente. A disposição das mesas era muito estranha. Tinha um pátio como se fosse uma quadra sem cobertura. O telhado era só em volta das beiradas. As mesas ficaram de frente a um espaço vazio. Só a minha ficava próxima ao corredor, perto da saída e da área de serviço. Comecei a limpar a área. Varria tudo... Comecei a juntar papéis, revistas e não sabia onde colocar. Ao mesmo tempo que o fazia, sentia que estava fazendo uma coisa errada. Não era minha atribuição, era para a faxineira. Apareceu uma mulher, acho que era a chefe, ficou muito irritada comigo porque não era esse meu serviço. Foi semelhante ao que aconteceu no meu trabalho. Eu me apegara ao que não era da minha alçada e não fazia o que tinha que fazer, fazia tarefa menos qualificada.

A analista diz que lhe chamou a atenção seu posicionamento perto da saída, na "rota de fuga", e que parecia sentir que não daria conta de um trabalho que exigisse mais recursos. O paciente responde que não quer tomar uma atitude só para dar satisfação aos outros, tem prazer em ficar assim. A analista tenta mostrar o sofrimento do paciente. Estabelece-se, então, uma fala entre os dois em que a analista parece querer impor bom senso ao paciente que, por sua vez, procura mostrar a superioridade de sua conduta: não quer ter negócio comercial porque não quer ser simpático com os clientes, mas ao mesmo tempo se sente servil e submisso; não fará nada até se enxergar de outra maneira. A sessão caminha e, no fim, a analista diz ao paciente que ele gostaria de fazer oposição e desafiar sem que fosse revidado pela analista, que lhe lembra o início da sessão, quando o paciente falou da confusão que fez com o tempo, tendo como conseqüência seu atraso. Isso seria uma maneira de se opor.

Poderíamos, sem dúvida, pensar que o pátio vazio e as mesas de trabalho ao redor possam ser traduzidas como o lugar vazio do self nuclear com as estruturas defensivas que o cercam. Como um claustro (e a analista pensou em claustro) de convento antigo. Na sua maneira de se defender, o paciente faz um serviço subalterno (varria o chão), talvez um disfarce para não pôr em risco suas peculiaridades pessoais mais valiosas. A analista está representada pela chefe que o repreende. A faceta que exibe seu empobrecimento talvez vise mais à preservação de aspectos íntimos; contudo, há o risco de a analista interpretá-la apenas como oposição e sabotagem ao trabalho analítico.

 

4º caso

O caso seguinte tem menos elementos psicóticos aparentes: ele conseguiu maior integração, apesar de falhas ambientais. O holding para ele, embora devesse ser sensivelmente adaptado, já é de outra categoria. Já há elaboração onírica, a simbologia do sonho é esclarecedora, inclusive fornecendo indicativos para o holding sensivelmente adaptado que o paciente requer.

O paciente vive com sua mulher uma situação de dependência e ódio de tipo sadomasoquista, chegando a tolerar graves afrontas contra sua pessoa. Mantinha também uma relação afetivamente satisfatória com uma namorada com a qual tinha uma filha, porém, a desvalorizava por sua origem mais humilde; não conseguia se separar de sua mulher; esta chegou a ter um caso com um estrangeiro, tendo viajado para se encontrar com ele. Sua mulher o abandona e, na sua ausência, esvazia sua casa, deixando-o quase sem nada. Mesmo assim, sentia-se impelido a reatar com ela. Em sua história refere uma mãe hipocondríaca. Aos 5 anos foi seduzido por uma irmã 8 anos mais velha a praticar atos libidinais. Referia-se a essas relações como "terrivelmente deliciosas", que passaram a mobilizar forte culpa, embora a diferença de idade dificilmente comporte uma iniciativa por parte dele. Às vezes pensava que sua mãe deveria ser mais atenta e impedir tais relações. Na sua vida atual é submisso à mulher, aos filhos e ao emprego, sempre muito mobilizado por culpa.

A sessão que vou expor começa com um sonho:

Estava num helicóptero, abaixamos numa represa, eu era o primeiro a sair, ia pescar e nadar. Ao sair tropecei e, com meu peso, o helicóptero tombou, quando ia tentar sair nadando, me prendeu, fiquei com a metade do rosto para dentro e outra para fora da água. Pensei: que bom, ainda posso respirar, posso ficar mais tempo aqui. No helicóptero estava meu filho e meu irmão, eu fazia força para destombar o helicóptero, mas não conseguia. Pensei que se eles me ajudassem a aumentar o peso de um dos lados, o helicóptero tombaria e eu afundaria. Olhei para eles, estavam atônitos, mas perceberam que este tipo de coisa poderia acontecer. Pensei: já tenho saída, tenho quem me ajude, tinha tempo para pensar em uma solução, não me lembro de estar desesperado no sonho. Comparei com o sonho da piscina, no qual não tinha saída, nem como ser ajudado, quando emergia do mergulho havia um teto de concreto sobre a piscina. No sonho de hoje sinto que já caminhei. É uma situação difícil, mas não desesperadora; eu pensava: era só uma questão de sincronizar o que eu ia fazer com o que meu irmão e meu filho iam fazer, lembro que confiava que eles pudessem me ajudar; enquanto eu estivesse mergulhado, eles teriam que fazer o que era preciso para destombar o helicóptero. Precisava ser um espaço de tempo em que eu agüentasse estar mergulhado e, para isto, tinha que tomar bastante fôlego.

A analista, neste caso, pode trabalhar na transferência, mostrando a necessidade de estar sincronizada com o paciente. Na associação seguinte, o paciente conta que a águia, para sobreviver, precisa descamar em certo momento de sua vida. Precisa arrancar o bico velho, que não serve para caçar, as unhas que estão quebradiças e não conseguem segurar a presa, e suas penas que estão pesadas e não a permitem voar. É um sofrimento enorme para poder viver.

No sonho e nas associações do paciente, temos referência a alguns aspectos da maternagem adequada - a sincronização do sonhar materno com as necessidades de seu bebê, além do fato de o desencontro poder causar o afogamento da parte que precisa vir à tona e não pode estar encapsulada no concreto (como uma defesa extrema do falso-self em relação ao núcleo do self verdadeiro).

Na associação com a águia, temos referência à dor e à destruição necessárias quando se quer mudar. Isso poderia ser ligado à destrutividade usada para a constituição da realidade, na renovação para viver.

O paciente (P) continua associando:

P - Essa noite tive outro sonho em que estava revelando uma fotografia. No processo manual, coloca-se inicialmente no líquido que revela, depois se lava e a seguir coloca-se no líquido fixador e se lava outra vez. O processo de revelação instantânea acrescenta a secagem rápida.

A - Parece que você pode agora revelar e fixar uma imagem confiável de ajuda, que encontra aqui.

P - Eu sei que não quero mais ficar com T (esposa); tenho certeza que quero ficar com S (namorada). Cada vez mais percebo o amor que essa mulher tem por mim...

Assim, parece que o paciente vai começar a arriscar se libertar da ligação com o masoquismo. Entretanto, precisa estar seguro da confiabilidade do objeto. Este caso serve também para ilustrar (Winnicott, 1955e, p. 432) a regressão à dependência de forma simbólica, como exemplifica esse sonho, em que o meio ambiente (revelador) fornecido pela analista é interiorizado e permite a revelação do seu interior (provavelmente a de revelar o próprio self).

 

Referências

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Recebido em 13 de junho de 2003
Aprovado em 5 de dezembro de 2003