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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.10 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Winnicott e o Middle Group: a diferença que faz diferença1

 

Winnicott and the Middle Group: the difference that makes a diferrence

 

 

Ariadne Alvarenga de Rezende Engelberg de Moraes

Centro Winnicott de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando que a fundação do Middle Group é uma dissidência teórica do pensamento psicanalítico clássico, destaco as idéias centrais dos teóricos britânicos das relações de objeto, mostrando os pontos de divergência entre eles e Klein, autora que, apesar de pioneira no desenvolvimento do conceito de relações objetais, apresentava-se como principal representante do pensamento tradicional. Em seguida, analiso a noção winnicottiana de constituição de um si-mesmo e de conquista do concernimento como os fundamentos teóricos que marcam a originalidade de Winnicott no que diz respeito ao desenvolvimento da teoria psicanalítica e ao Middle Group. Isso é feito com base na idéia de que, para Winnicott, a constituição de um si-mesmo pessoal é a condição primordial para a conquista da capacidade de relacionar-se com e a conquista do concernimento, a condição para que capacidades como ter confiança em, ter liberdade pessoal e interpessoal, ser responsável por sejam alcançadas.

Palavras-chaves: Winnicott, Middle Group, Relações objetais, Constituição do si-mesmo, Psicanálise.


ABSTRACT

Based on the concept that the foundation of the Middle Group of British is a theoretical dissidence of the classic psychoanalytic propositions, I emphasizes the central ideas of the British theorists of the object relations theory, showing their disagreements with Klein, author who, although was a pioneer in the development of the object relations concept, was the main defender of the traditional thinking. After that, I analyze the winnicottian notions of self constitution and achievement of concern as well as the theoretical pillars which distinguish Winnicott originality with regard to the development of the psychoanalytic theory and in respect to the Middle Group. I do that based on the idea that, for Winnicott, the constitution of a sense of self is the main condition to the achievement of the ability to enter in relationship with and the achievement of concern, a condition necessary for the acquisition of abilities such as to trust in, to have personal and interpersonal freedom, to be responsible for.

Keywords: Winnicott, Middle Group, Object relations, Sense of self, Psychoanalysis.


 

 

Psicanálise britânica

Quando foi convidado pelo editor da “Karnac Review” para escrever um artigo sobre o tema “A quem pertence Winnicott”2, Brett Kahr prontamente respondeu: a ninguém. Kahr argumenta que Winnicott, uma pessoa essencialmente independente e antiautoritária, sempre afastou o pensamento de fundar sua própria escola de psicanálise. Segundo ele, Winnicott agiu dessa maneira porque sabia que, se tivesse assumido a figura de pai de uma escola, poderia interferir na trajetória de desenvolvimento de colegas iniciantes e, dessa forma, frustrar seu desejo pessoal de lhes facilitar a jornada rumo à independência.

Credita-se a essa posição de Winnicott o fato de não surgir na Inglaterra o desenvolvimento de uma escola winnicottiana ou um movimento winnicottiano, mas, sim, a criação de ramos de pensamento independente, frouxamente interconectados, para os quais Winnicott permanece sendo fonte de inspiração e sustentação. Todavia, acrescenta Kahr, apesar do espírito independente de Winnicott, seu legado tem sido preservado, formal e institucionalmente, por meio de três pequenas organizações, as quais levam, de alguma maneira, o nome de Winnicott. São elas: The Winnicott Clinic of Psychotherapy, Winnicott Trust e Squiggle Foundation.

Essa análise realizada por Kahr, fidedigna no que diz respeito à personalidade de Winnicott, pode suscitar dúvidas sobre o modo de compreender a atitude do psicanalista na época da grande controvérsia na psicanálise britânica e parece contraditória com a sua opção de se filiar ao que ficou denominado Middle Group. Essa decisão, tomada pelo autor da teoria da transicionalidade, teve implicações em sua vida pessoal, mas foi no campo teórico-clínico que a repercussão dessa posição pôde ser mais sentida. A ausência de clareza a respeito desses acontecimentos históricos, que culminaram em definitivas mudanças teóricas na psicanálise, sem dúvida acrescenta dificuldades para o reconhecimento do lugar de
Winnicott como pensador, teórico e clínico da psicanálise.

Para compreender essas passagens, faz-se necessário destacar que - apesar de a cisão entre M. Klein e A. Freud ter assumido ares políticos e, por sua vez, o agrupamento dissidente do meio poder também ser assim interpretado - subjacente a essa cisma britânica, existiam dois níveis de problemas. O primeiro, referente ao movimento psicanalítico, ao modo de organização e sucessão de idéias e poder na psicanálise, que, desde S. Freud, foi muito bem estruturado, a ponto de ser denominado por Balint de sucessão apostólica. Baseado nessa rígida organização, proposta pelo criador da psicanálise, reconheciam-se os autores que seriam considerados discípulos e definiam-se aqueles que se portavam como dissidentes. O segundo problema, diretamente associado ao primeiro, diz respeito ao cerceamento de idéias e teorias, já que a base para a aceitação de novas proposições teóricas estava ligada à concordância e fidelidade às teses fundamentais da teoria freudiana clássica. Portanto, desde sempre, mas de um modo não explícito, a forma e a estrutura das filiações exerceram influência no rumo de desenvolvimento da teoria e prática psicanalítica3, e definiram o prestígio dos psicanalistas recém-ingressos, bem como a qualidade da relação estabelecida entre todos.

Diferenciar esses dois níveis de problemas nunca foi tarefa fácil na psicanálise, pois, como vimos, existe um entrelaçamento entre eles, que tem se revelado pernicioso na história do pensamento psicanalítico. Apesar de o desenvolvimento de novas idéias e, por sua vez, o surgimento de novas correntes de pensamento serem esperados no interior de uma ciência toda vez que surgirem problemas não solucionados ou não evidentes nas teorias anteriores, isso nem sempre aconteceu na psicanálise devido ao fato de uma nova idéia poder ser interpretada como heresia.

No artigo “Can There Be a Monopoly on Psychoanalysis”, Darian Leader traduz bem essa questão quando afirma:

As embaraçadas histórias dos grupos de psicanálise dificilmente são edificantes. São histórias de lutas, separações e às vezes de guerra aberta entre lados antes aliados, de rompimento de promessas e de amizades. Diferenças teóricas têm levado a diferenças políticas, e, na mesma proporção, diferenças políticas têm sido disfarçadas como teóricas. Todos que já estudaram a política institucional do mundo da psicanálise concordam no seguinte: as principais diferenças giram em torno do treinamento psicanalítico. (Casement, 2004, pp. 246-7)

Fazendo uma análise sobre esse ponto, Bergman (apud Green, 2003, p. 148) divide os teóricos que influenciaram a história da psicanálise em três grupos: os continuadores, como Herman Numberg e Otto Fenichel, que estenderam a psicanálise para outros domínios “sem criar muita controvérsia” com a tradição freudiana; os hereges, como Jung e Adler, que estiveram perto de Freud e foram influenciados por ele por um período, mas, após alguma oposição teórica, fundaram suas próprias escolas; e um terceiro grupo, formado pelos reformadores, que são aqueles que “aceitam as descobertas fundamentais de Freud, mas acrescentam outro andar ao edifício por ele construído” (apud Green, 2003, p. 148), estando entre eles Melanie Klein, Hartmann, Kohut e Winnicott. Segundo Bergman, os reformadores não existiam enquanto Freud era vivo, pois nessa época era o próprio psicanalista quem decidia o que era ou não psicanálise. Por isso, contemporaneamente a Freud, só podiam existir continuadores ou hereges.

A classificação proposta por Bergman faz nossa atenção voltar-se para a experiência psicanalítica britânica, na medida em que ele inclui Winnicott na lista de reformadores. Exige também que retornemos à “sucessão apostólica” para compreender alguns desdobramentos teóricos e políticos que nos darão substratos para entender por que Winnicott é considerado o principal representante da tradição independente britânica, o autor cujo trabalho causou impacto na Inglaterra não apenas entre seus colegas de profissão, mas também sobre a cultura, da mesma maneira que seu pensamento teórico-clínico exerce, mais do que nunca, influência no universo psicanalítico recente.

Winnicott é considerado um estudioso privilegiado da psicanálise por haver sido formado e analisado pelas mais importantes figuras de sua época - E. Jones, J. Rivière, J. Strachey e M. Klein -, que, por sua vez, estiveram associadas a outros importantes nomes da psicanálise. Melanie Klein, destacada por Falzeder (Haynal, 1993) como a analista de maior influência teórica na psicanálise4, logo após os grandes nomes (Freud, Ferenczi, Abraham, Sachs, Rank, Jones e A. Freud), foi, sem dúvida, a psicanalista que causou maior impacto em Winnicott depois de Freud.

Melanie Klein foi a pioneira de toda uma corrente psicanalítica contemporânea que enfatiza a existência de relações de objeto precoces como fundadoras do desenvolvimento psíquico e da personalidade. Era adepta da idéia de que o ego se desenvolvia por meio da internalização de objetos; acreditava que as pulsões libidinais e agressivas desenvolvem os relacionamentos objetais, os quais, desde a mais tenra infância, formam a base do ego. De acordo com ela, “a estrutura da mente é concebida como um sistema de objetos internos produzidos por transações de relações objetais e da fantasia inconsciente”, propondo, para dar suporte a essa visão, “um sistema de relações emocionais reunidas nos conceitos de posição esquizo-paranóide e depressiva, que organiza as atitudes, os vínculos e, de maneira geral, todo o funcionamento psíquico” (Bleichmar, 1992, p. 32).

Apesar de ter como ponto de partida teórico as idéias de Freud e Abraham, as observações clínicas e hipóteses levantadas por Klein culminaram em mudança na teoria do desenvolvimento da mente e na de conflito mental. Com base nessas descobertas, ela passou a sustentar que o conflito mental estava baseado na luta de emoções e fantasias inconscientes entre os objetos internos e externos. Essa visão de conflito mostrou-se oposta à noção clássica de conflito, até então concebido como a luta entre a pulsão sexual e a defesa.

A inovação teórica de Klein tornou-se evidente no meio psicanalítico da mesma forma que a dificuldade para enquadrar essas idéias ao corpo teórico freudiano. De sua parte, Klein, interessada em se manter fiel aos postulados freudianos, buscou aproximações, por vezes forçadas, entre suas idéias e as teses centrais da psicanálise tradicional, chegando a formulações como complexo de Édipo precoce e superego precoce.

No entanto, mesmo tendo realizado descobertas importantes - como a de que as crianças são capazes de desenvolver a transferência e a formação de mecanismos de defesas primitivos -, quando escolheu fundamentar suas inovações teóricas sobre a agressividade, a inveja e a angústia na idéia de pulsão de morte, Klein terminou por se expor demais. Interessada em estudar os períodos pré-edípicos do desenvolvimento mental, ela afasta-se da idéia de fase libidinal como unidade de desenvolvimento, em sentido cronológico, substituindo-a pela idéia de posição, afirmando que se pode observar nas crianças pequenas “uma mescla de pulsões orais, anais e genitais que se sobrepõem a partir das primeiras relações de objeto” (Bleichmar, 1992, p. 87).

Devido ao caráter de suas proposições, Klein teve três grandes enfrentamentos em sua carreira científica. O primeiro, em 1927, com A. Freud, com o tema da análise infantil e o desenvolvimento da transferência; o segundo, entre 1943-1944, quando Glover propôs expulsá-la sob a acusação de ela estar se afastando dos princípios básicos da psicanálise e, por fim, no momento em que elaborou a teoria da inveja primária, que apóia a base constitucional da agressão humana, provocando o afastamento de membros de seu grupo, como Paula Heimann. As conseqüências desses embates foram de ordem pessoal e teórica, mas, sem dúvida alguma, houve repercussão no movimento psicanalítico. Há consenso entre comentadores que o conflito com A. Freud foi o responsável para que o pai desta, S. Freud, não aceitasse nem apoiasse a obra de Klein, que se autodenominava discípula freudiana. Os conflitos com Glover provocaram a ruptura entre ela e sua filha Melita, que o havia apoiado (cf. Bleichmar, 1992, p. 82).

Foi o confronto com A. Freud - que adotou a posição teórica mais tradicional, isto é, a de que o ego era formado pelas frustrações dos instintos - que provocou a desagregação da Sociedade Britânica de Psicanálise entre os seguidores de Klein e os de A. Freud. Como medida paliativa para evitar um rompimento definitivo entre elas e, conseqüentemente, a fundação de outra sociedade de psicanálise, optou-se pelo oferecimento de dois programas de treinamento, que ficaram conhecidos como a Escola Inglesa5 e a Escola de Viena.

Analistas que questionavam a teoria clássica e aceitavam em parte os postulados de Klein formaram um grupo à parte e se tornaram conhecidos como Midlle Group ou grupo independente. Michel Balint, Ronald Fairbairn, Guntrip e Donald W. Winnicott são os principais representantes desse grupo, que contava também com Sylvia Payne, Ella Sharpe e Marjorie Brierley. Todos eles passaram a ser indistintamente conhecidos como teóricos das relações de objeto.

 

Winnicott: dissidência política ou teórica?

Antes de proceder à analise que estabelecerá as diferenças entre Winnicott e os outros teóricos do Middle Group, é importante marcar a posição deste psicanalista em relação aos acontecimentos na Sociedade Britânica de Psicanálise e também em relação ao distanciamento de M. Klein, fatos importantes para a compreensão da posição tomada por Winnicott.

Para Winnicott, a adoção dos dois grupos de formação no auge da discussão entre M. Klein e A. Freud foi a melhor saída para proteger a Sociedade Britânica de Psicanálise de uma cisão permanente. Ele considerou essa fase como um período de reparação que permitiria à Sociedade se reconciliar, “como qualquer outra sociedade, com o fato de existirem diferenças científicas que acabam por se resolver automaticamente com o decorrer do tempo, concomitantemente ao fato de surgirem diferenças novas” (Winnicott, (1987b/1990, p. 63). Pelo entendimento de ser a psicanálise uma ciência, a possibilidade de desacordos teóricos era, para ele, uma realidade que deveria ser enfrentada com maturidade. Isso significava tratar das diferenças teóricas sem nenhuma forma de partidarismo político, e muito menos com um fervor religioso. Era evidente para Winnicott que “a principal identificação de cada um de nós é com a Sociedade” e não com qualquer grupo que pudesse ser criado, pois entendia que, “fora da sociedade, os grupos não teriam nenhum significado e nenhum poder” (1987b/1990, p. 74).

A opção de não se alinhar com nenhum dos dois grupos institucionais foi firmada pelo reconhecimento de diferenças teóricas insustentáveis entre suas idéias e as das novas líderes, mas também foi influenciada pelo forte hermetismo desses grupos, ambos adeptos da sucessão apostólica. Com essa posição, Winnicott pretendia manter certa independência no desenvolvimento de suas idéias - muitas delas ainda em fase de elaboração -, tendo como objetivo final o desenvolvimento da teoria psicanalítica como ciência, em sua opinião algo maior que ser freudiano ou kleiniano. O intuito de valorizar a discussão das idéias e a promoção do desenvolvimento da teoria e da técnica era o que norteava sua participação na Sociedade, tanto como simples membro como também na posição de presidente. Em uma carta para Hanna Segal, de fevereiro de 1952, explicita isso quando afirma com veemência: “minha intenção é não me conter nos encontros da Sociedade, sempre que a tendência se desviar do relato científico para a expressão de uma posição política” (1987b/1990, p. 24).

Desse modo, sua atitude de independência não pode ser interpretada como rejeição da tradição psicanalítica e muito menos como receio em se posicionar. Deve ser compreendida como crítica àqueles que temem o que é novo e criativo. Para ele, não há possibilidade de se criar no vazio6 e, portanto, é impossível ser livre e criativo sem a tradição. Assumia que o sentido geral da contribuição de Freud havia sido preparar o mundo para
o pensamento psicológico e reconhecia a importância de todos os desdobramentos teóricos posteriores, estando certo de que pessoalmente contribuía para o desenvolvimento da teoria e clínica psicanalítica. Acreditava que o exercício da reflexão, a introdução de novas formas de pensar, o uso de outra linguagem e até mesmo a discordância de aspectos teóricos centrais são importantes passos tanto para a confirmação do que se sabe como para o surgimento de um pensamento original. Era certo para ele que “qualquer avanço no trabalho científico conquista um ponto de chegada numa nova plataforma, a partir da qual se pode sentir uma porção ainda maior do desconhecido” (1987b/1990, p. 31).

Esse modo winnicottiano de ser e fazer foi vivido com os amigos, exercido com os desafetos e expresso por ele em sua obra e nas cartas postumamente publicadas. Parece-me um bom exemplo do sentimento de Winnicott em relação à sua posição diante da Sociedade Britânica de Psicanálise a citação a seguir, de uma carta para M. Klein, escrita em novembro de 1952, após uma reunião na Sociedade, na qual ele diz:

A primeira coisa que tenho a dizer é que percebo como é irritante quando quero colocar em minhas próprias palavras algo que se desenvolve a partir da minha própria evolução e da minha experiência analítica. Isso é irritante porque suponho que todo mundo quer fazer a mesma coisa, e numa Sociedade científica um de nossos objetivos é encontrar uma linguagem comum. Essa linguagem, porém, deve ser mantida viva, já que não há nada pior que uma linguagem morta; [...] o que estou fazendo é irritante, mas acho que também tem seu lado bom. Em primeiro lugar, não há muitas pessoas criativas na Sociedade, tendo idéias pessoais e originais. Acho que qualquer um que tenha idéias é realmente bem-vindo, e sempre sinto que sou tolerado na Sociedade porque tenho idéias... (1987b/1990, p. 30).

Nessa carta, Winnicott, ao mesmo tempo em que admite a necessidade da organização de novas idéias, mostra como era refratário a qualquer forma de imposição de um pensamento, mesmo quando justificada pela exigência do uso de uma linguagem estandardizada, pois sabia que isso levaria a um empobrecimento da experiência pessoal de quem cria e de quem compartilha aquilo que foi ou está sendo criado. Um outro momento em que a posição reticente de Winnicott quanto à oficialização de seu pensamento é confirmada aparece também em uma carta, de 1968, na qual afirma sentir-se relutante em formalizar a técnica de rabiscos como “rival de outras técnicas projetivas”, pois isso representaria “uma derrota do principal objetivo do exercício, caso devesse surgir algo estereotipado como o teste de Rorschach”, porque, para ele, “a liberdade absoluta é essencial para que cada modificação, se adequada, possa ser aceita” (1987b/1990, p. 154).

Se, na década de 1940, quando deu início à sua produção intelectual, uma atitude similar a essa poderia ser interpretada como reverência à tradição ou receio de bancar um posicionamento, certamente essa interpretação não se aplicaria ao Winnicott de 1968. Faz mais sentido pensar que o que pretendia ao tomar essa posição era reafirmar a preocupação de que o enquadramento de suas idéias viesse a limitar futuros desenvolvimentos da ciência psicanalítica, pois, de sua parte, nessa época, ele já assumia e reconhecia as profundas mudanças conceituais introduzidas por ele no cenário psicanalítico. Em 1965, ao apresentar o trabalho “A psicologia da loucura: uma contribuição da psicanálise” (Winnicott, 1989vk/1994) para a Sociedade Britânica de Psicanálise, diz sem rodeios: “possuímos a única formulação realmente útil, que existe, da maneira pela qual o ser humano psicologicamente se desenvolve de um ser completamente dependente e imaturo para um estado maduro relativamente independente” (1989vk/1994, p. 94).

Ao escolher congregar o grupo do meio, Winnicott pretendeu garantir o livre exercício de seu pensamento, mais do que confirmar uma identificação com as diretrizes teóricas desse grupo. Como veremos, as diferenças entre ele e os denominados teóricos das relações objetais são tão fundamentais que não permitem sequer incluí-lo nessa classificação. No entanto, ao encontrar esse espaço de reflexão, Winnicott pôde marcar as diferenças teóricas que fizeram com que se distanciasse de Klein e também pontuar que os questionamentos mais relevantes feitos à teoria psicanalítica referiam-se à teoria freudiana tradicional.7 Ao se alojar no grupo independente, também encontrou o espaço necessário para lidar tanto com o fato de que “nenhum progresso na teoria psicanalítica é feito sem pesadelos” (1989xh/1994, p. 348), como com a realidade de que “uma idéia original precisa de audiência, e a boa audiência consiste naqueles que já tiveram a idéia” (1989a/1994, p. 362) ou estão diretamente envolvidos com essas mesmas questões.

 

Rompimento com Klein

É esclarecedor relembrar que, quando valorizou a importância das etapas primitivas do desenvolvimento emocional, Winnicott ainda não conhecia o trabalho de Melanie Klein. O encontro com a psicanalista aconteceu por sugestão de James Strachey e foi - como Winnicott mesmo reconhece em vários momentos de sua obra - fundamental para o desenvolvimento de suas idéias. Após um período de estudo e supervisões com Klein, ocorreu o encerramento da parceria. O distanciamento entre ambos foi motivado pelo surgimento de importantes divergências teóricas relativas ao papel que o meio ambiente desempenha no desenvolvimento emocional da criança. Enquanto para Klein o ambiente devia ser visto simplesmente como um ponto importante de apoio e cuidado para o bebê recém-nascido, Winnicott compreendia a relação de dependência do bebê com o ambiente-mãe como a condição fundamental para o acontecer de uma pessoa. A discordância em relação a esse ponto se tornou uma questão central entre esses teóricos, pois o fato de Klein não considerar relevante o papel do ambiente para a estruturação da personalidade de uma pessoa levou essa psicanalista, na visão de Winnicott, a tratar de mecanismos profundos em momentos iniciais do amadurecimento pessoal.

Em uma carta à Dra. Barbara Lantos, de novembro de 1956, Winnicott aborda, sem receio de ser indelicado, suas diferenças com os kleinianos. Ele diz:

Existem algumas coisas que os kleinianos fazem na apresentação do seu ponto de vista que eu desaprovo vigorosamente [...]. Por exemplo, os kleinianos parecem não levar em conta, em seus pronunciamentos, a imaturidade do ego, de modo que parecem atribuir ao recém-nascido coisas tais como “o bebê querendo comer a mãe”. Até certo ponto, trata-se de uma questão de linguagem, mas deve-se respeitar o fato de que o desenvolvimento do ego não admite tal descrição do objetivo do bebê pequeno. Outro erro kleiniano parece-me estar na tentativa de falar sobre o bebê à parte do cuidado que a mãe dispensa ao bebê, coisa que considero impossível [...]. (1987b/1990, p. 95)

Apesar do respeito pela qualidade das idéias kleinianas, em especial a teoria da posição depressiva, a diferença teórica entre esses autores tomou tal proporção que Winnicott assumiu não “ser capaz de expor o ponto de vista de Klein de um modo que ela mesma aprovasse” (1965va/1990, p. 161). Ele reconhecia com tranqüilidade esse distanciamento e deu como certo o fato de Klein não tê-lo “incluído como um kleiniano” (1965va/1990, p. 161). Isso, porém, nunca o impediu de assumir sua dívida teórica com ela. Winnicott reconhecia o valor da contribuição de Klein para a psicanálise e para a psiquiatria, pois acreditava que os trabalhos dessa autora representavam “a tentativa mais vigorosa de estudar os processos precoces do desenvolvimento da criança, afora o estudo do cuidado da criança” (1965h/1990, p. 116).

A partir do momento em que percebeu que “inicial não é profundo”, Winnicott revela que pôde “fazer uso pleno de Klein sem ficar atolado” (1989f/1994, p. 442). Ou seja, quando constatou que a teoria da posição depressiva kleiniana - segundo ele, a grande contribuição de Klein - estava relacionada ao profundo e não ao inicial, sentiu-se livre para tratar das diferenças observadas entre ambos no que se refere aos importantes aspectos relacionados à experiência da dependência inicial - sua contribuição pessoal à psicanálise.8 Compreendeu que o bebê
precisa de tempo e amadurecimento físico e psicológico antes que “a profundidade apareça” (1989f/ 1994, p. 442), ou seja, antes que um bebê seja capaz de apreciar uma experiência emocional por inteiro, muita coisa precisa acontecer.

Para Winnicott, aquilo que é profundo deve ser visto como pertencente à criança - já constituída como uma pessoa (eu) e separada da mãe - e referido à “profundidade na fantasia inconsciente”, ou seja, à realidade psíquica, na qual estão envolvidas a mente e a imaginação da criança (cf. 1958i/1990, p. 103). Por outro lado, quando se trata do que é inicial, faz-se necessário levar em conta o ambiente. Com essa compreensão, fortaleceu a idéia de que as condições necessárias para um bebê alcançar a continuidade de ser, estruturar sua personalidade e tornar-se capaz de existir como uma pessoa integrada e separada são constituídas inicialmente na unidade mãe-bebê.

Pessoal e interno são palavras-chave, escolhidas por Winnicott, tanto para mostrar que existe uma versão mais primitiva daquilo a que Klein se referiu como “interno” como para apontar o campo teórico construído por ele a partir do momento em que entendeu que inicial não é profundo. Para ele, é inapropriado usar a palavra interno para designar os fenômenos que compõem a realidade psíquica do lactente antes da conquista da unidade psicossomática, pois, no estágio primitivo, o lactente ainda “não estabeleceu propriamente” (1965j/1990, p. 169) os limites do eu e muito menos conquistou a capacidade de usar os mecanismos mentais de projeção e introjeção. Sendo assim, no estágio primitivo, aquilo que será denominado interno após a personalização “significa pessoal, e pessoal na medida em que o indivíduo é uma pessoa com um self [si-mesmo] no processo de ser envolvido” (1965j/1990, p. 169). Dessa forma, “o ambiente facilitador, o apoio do ego da mãe ao ego imaturo do lactente” são as partes essenciais da criança como “criatura viável” (1965j/1990, p. 169) que precisam ser consideradas.

Com essas descobertas, Winnicott expandiu seu trabalho do profundo ao inicial, ampliando sua compreensão dos estados psicóticos, o que lhe possibilitou propor que a psicose, e não a neurose, é o paradigma do adoecer. Mudanças importantes na técnica terapêutica decorreram do entendimento de que não há um sujeito psíquico munido de mecanismos mentais e de forças pulsionais interagindo com objetos ao nascer, mas, sim, um ser humano dotado de uma tendência inata para a integração e que depende de um ambiente adaptado às suas necessidades para poder constituir um si-mesmo pessoal e para, quem sabe, vir a se tornar capaz de se relacionar com objetos. Winnicott, apoiado em sua teoria do amadurecimento pessoal, viu que, sem as condições de ambiência iniciais adequadas às necessidades do bebê, as pessoas podem crescer fisicamente, mas permanecem relacional e emocionalmente imaturas.

Ao assumir que a realidade psíquica da criança está sendo formada “pelas experiências que constituem o viver na infância, experiências instintivas ou não, excitadas ou tranqüilas” (1955c/2000, p. 370), e que são realizadas com a mãe desde épocas primitivas, e aceitar que “a história de um ser humano não começa aos cinco anos, nem aos dois, nem aos seis meses, mas ao nascer - e antes de nascer, se assim se preferir” (1947b/1982, p. 96), Winnicott distanciou-se por completo de Klein e desenvolveu mais intensamente suas idéias em relação ao desenvolvimento inicial, convencendo-se de que a estruturação da personalidade de uma pessoa, bem como a condição de ser ou não ser psiquicamente saudável, não podiam estar atreladas unicamente à resolução dos conflitos pulsionais e edipianos.

Sendo assim, procedeu à redescrição do conceito kleiniano de “posição depressiva”, acrescentando mudanças significativas, a começar pela sugestão da mudança de nome para estágio do concernimento. Na perspectiva winnicottiana, o estágio do concernimento - que deve ser considerado uma seqüência natural para o bebê que teve um bom início - é um momento fundamental dentro da linha do amadurecimento, por ser o estágio em que o bebê poderá consolidar as conquistas anteriores e formar uma base segura para prosseguir o amadurecimento mediante a aquisição da capacidade para ser concernido. É ainda um estágio anterior ao da dominância genital e trata do desenvolvimento emocional característico da fase da lactação na época em que se inicia o desmame, momento em que o bebê é capaz de se relacionar com apenas um outro - a mãe. Por isso, tem por característica essencial o fato de todas as experiências relacionadas à conquista do concernimento acontecerem no interior da relação diádica inicial. Para ele, a relação diádica inicial “é aquela entre a criança e a mãe ou mãe substituta, antes que qualquer característica da mãe tenha se diferenciado e moldado na imagem do pai” (1958g/1990, p. 32). Por essa razão, a conquista do concernimento deve ser entendida como um fenômeno pré-edípico, no sentido de que acontece antes da fase de relacionamentos triangulares, da mesma forma que toda a estrutura e o dinamismo do estágio do concernimento são não-edípicos.

A particularidade de ser uma experiência relacional pré-edípica, somada ao destaque dado ao ambiente como condição fundamental para o amadurecimento, constitui a marca da redescrição winnicottiana da posição depressiva kleiniana e sela a ruptura entre os psicanalistas. Ao sublinhar a importância da ultrapassagem de algumas etapas do amadurecimento para que um bebê possa caminhar em direção à conquista do concernimento e, a partir daí, estar em condição de estabelecer relações com pessoas inteiras, inicialmente duais e posteriormente triangulares, Winnicott tornou-se um discípulo dissidente. Como sabemos, Klein permaneceu leal à problemática edipiana como estruturante da personalidade e seguiu defendendo os fenômenos que envolvem o bebê na “posição depressiva” como problemas precoces do complexo de Édipo.

Como participante ativo desses acontecimentos, Winnicott percebia o desconforto provocado por suas idéias, mas nem de longe pôde imaginar a amplitude das mudanças que elas provocariam tanto em termos do movimento psicanalítico como para a teoria e clínica. Estudos recentes mostram que, quando retirou a supremacia do complexo de Édipo e, em contrapartida, introduziu na teoria psicanalítica a perspectiva de a saúde e a doença se constituírem como decorrência do processo de amadurecimento humano, Winnicott desvelou a necessidade de revisão do paradigma psicanalítico clássico. Ao dar especial significado ao ambiente no desenvolvimento da pessoa e, simultaneamente, caracterizar como dual a principal relação do bebê com o mundo, ele destronou a relação triangular da posição de paradigma psicanalítico, podendo, portanto, ser considerado o autor de uma mudança de paradigma na psicanálise.9

 

Winnicott e os teóricos das relações objetais: a diferença

Tendo já mostrado os pontos centrais de divergência entre Winnicott e M. Klein, e destacado a importância de Winnicott para a história da psicanálise, falta agora abordar as diferenças entre este autor e os demais teóricos objetais, como último passo para mostrar a originalidade do pensamento de Winnicott e justificar a sua não inclusão nesse grupo.

De maneira ampla, pode-se dizer que as teorias das relações objetais - e, conseqüentemente, o grupo britânico independente - surgiram como uma reação à teoria psicanalítica clássica, em razão de os autores terem encontrado algum tipo de limitação no modelo ego-pulsional da teoria freudiana. Esse reconhecimento os levou a pensar novos conceitos e caminhos para a teoria e clínica psicanalítica. Apesar de o ponto de união dos chamados teóricos das relações objetais ter sido inicialmente as idéias kleinianas, a posição adotada por alguns desses autores no desenvolvimento de suas idéias terminou por ser antagônica às da psicanalista, já que Klein, como vimos, manteve a teoria pulsional freudiana como norteadora de seu trabalho.

Mesmo admitindo que uma nova orientação teórica surgiu no pensamento psicanalítico com base nos questionamentos introduzidos por esses autores, sabe-se que as teorias das relações objetais diferem amplamente entre si no que diz respeito a conceitos-chave, suposições e princípios. Por essa razão, para distinguir a contribuição de Winnicott, faz-se necessário conhecer os pontos de aproximação e distanciamento entre seus postulados e os dos demais autores. O caminho escolhido para esse empreendimento será apresentar algumas posições sobre semelhanças e diferenças existentes entre os teóricos objetais, destacando-se a posição inovadora de Winnicott.

Um ponto que merece atenção se refere ao fato de vários comentadores, centrados nessa tarefa de cotejamento, assumirem que, dos quatro principais representantes do grupo do meio - Michel Balint, Ronald Fairbairn, Guntrip e Donald W. Winnicott -, este último é, sem dúvida, o mais original, o que “apresentou o mais compreensivo sistema de pensamento vindo do grupo britânico do meio” (Summers, 1994, p. 16) e o que “adotou em seu trabalho um consistente conceito de desenvolvimento, sendo sua visão sobre psicopatologia e tratamento derivada desse esquema de desenvolvimento” (Summers, 1994, p. 137). Indo mais além, Summers afirma que, apenas no trabalho de Winnicott, “existe um sistema de pensar” claro e estabelecido que “organiza todas as suas idéias sobre desenvolvimento e psicopatologia em um todo coerente” (Summers, 1994, p. 137). Já Bleichmar (1992) expressa respeito ao psicanalista britânico, reservando um capítulo de seu livro para apresentar a teoria winnicottiana e unificando a apresentação do pensamento de Fairbairn, Guntrip e Balint em um único capítulo. Justifica isso devido “à grande difusão de sua [Winnicott] obra” (Bleichmar, 1992, p. 210). E mesmo Greenberg e Mitchell (1983), que têm uma visão ambígua a respeito da contribuição winnicottiana para a psicanálise, ora a acusando de ser apenas uma emenda ora realçando o seu distanciamento da tradição e os conseqüentes embates provocados por isso, reconhecem que a formulação de Winnicott sobre a emergência de um si-mesmo (self) “estabelece um fundamento para a teoria do desenvolvimento radicalmente diferente do proposto por Freud e Klein, seus predecessores” (Greenberg e Mitchell, 1983, p. 188).

Sobre as diferenças e semelhanças entre os teóricos objetais, Summers (1994) entende que, apesar de divergirem em muitos aspectos, como o papel dos instintos na constituição do ego e a importância do ambiente, “o paradigma que une essas teorias é a compreensão do desenvolvimento e da patologia como produto da internalização dos relacionamentos interpessoais” e a visão da “personalidade como um complexo produto dos relacionamentos objetais iniciais” (Summers, 1994, p. 23).

De sua parte, Rudnytsky (1991) considera que há três pontos de convergência entre os teóricos das relações objetais: 1) o reconhecimento de um estado de dependência da mãe na infância; 2) a assunção de que, para os seres humanos, as necessidades primordiais e o estado de dependência da mãe ou de cuidados no início da vida não são relativos à satisfação da sexualidade, mas de relacionamento; 3) que os conceitos de princípio do prazer e instinto de morte estão imersos em contradições.

Já Eagle (1984) divide os teóricos das relações objetais em quatro grupos distintos, tendo como base a posição de cada um em relação à teoria dos instintos freudiana. No primeiro grupo, alojam-se os teóricos como Mahler, Kernberg, Jacobson, que procuram preservar a tradicional teoria dos instintos e buscam associá-la às teorias das relações de objeto e do self devido ao reconhecimento de sua importância. Esses autores percebem a relevância das relações objetais e do self, mas a assunção continua a ser que o desenvolvimento dessas áreas está de alguma forma relacionado e sujeito às vicissitudes da gratificação ou insatisfação dos instintos. O segundo grupo, representado por Kohut e Modell, aceita tanto a teoria dos instintos como a psicologia das relações objetais e do self, sendo que cada teórico se apropria de um grupo diferente de fenômenos para desenvolver seu pensamento. Situa Fairbain e Guntrip no terceiro grupo - no qual Winnicott certamente poderia ter sido incluído - definindo os autores deste grupo como os que rejeitam abertamente a teoria dos instintos como organizadora do desenvolvimento emocional e a substituem por uma psicologia das relações objetais e do self. E, por último, o quarto grupo, representado pela teoria da hierarquia epigenética de Gedo (Eagle, 1984, pp. 18-19).

Dois pontos precisam ser considerados com base nessas análises: em primeiro lugar, a noção de ambiente, a compreensão do conceito de dependência da mãe e o modo de relacionamento mãe-bebê nos momentos primitivos do existir; em segundo, o papel dos instintos no desenvolvimento da personalidade.

Não há como contestar que tanto Winnicott como os demais teóricos do grupo britânico do meio realizavam pesquisas tendo a relação dual como base. Entretanto, embora questionassem, como Winnicott, a teoria da libido freudiana como base para o desenvolvimento emocional, todos, menos Winnicott, assumiam a idéia kleiniana de que, desde o início, o bebê é dotado de um psiquismo e capaz de se relacionar com um objeto, ou seja, é capaz de identificar a mãe como um objeto externo e se relacionar com ela por meio de mecanismos mentais.

Esse ponto é central para marcar a diferença entre esses autores. Abrindo uma brecha na teoria psicanalítica tradicional, Winnicott propõe que o bebê, ao nascer, não é uma pessoa inteira, “um ser humano total, um ser que experiencia a relação com o seio como um objeto separado, um objeto que experienciou a relação e a respeito do qual tem idéias complicadas” (Winnicott 1989a/1994, p. 318). Nessa mesma linha, propõe que a mãe, nos momentos iniciais, é um objeto subjetivo e seu comportamento faz parte do bebê (unidade mãe-bebê). Portanto, a conquista pelo bebê da capacidade para se relacionar com objetos externos a ele, inclusive o fato de a mãe ser vista dessa forma, depende da conquista da integração em um eu unitário.

Do ponto de vista do bebê, pode-se dizer que no início nada existe além dele próprio; portanto, a mãe é inicialmente parte dele. Assim, várias passagens de amadurecimento, experienciadas com a mãe-ambiente, são necessárias para que a integração em uma unidade se confirme e a mãe possa ser vista como objeto separado: o bebê precisa contar com um atendimento suficientemente bom da mãe no que diz respeito à adaptação e à desadaptação; a seguir, a mãe precisará sobreviver à destrutividade envolvida no caminho de criar a externalidade e colocar o objeto subjetivo fora da área de onipotência (repudiar o objeto e passar a usá-lo objetivamente). É essa experiência de “destruição da mãe” que permitirá torná-la um objeto não-eu, que não faz parte daquilo que é o eu, configurando-a como parte da externalidade.

Com base nessas experiências, a mãe, que até aqui foi experienciada na área de controle onipotente como um objeto subjetivo e com o qual o bebê se relacionava de modo subjetivo, começa a ser vista como fenômeno externo. Quando o objeto subjetivo é repudiado e tornado externo, o bebê (que gradativamente desenvolveu a capacidade de usar objetos no período da transicionalidade) pode usar o objeto (mãe) e conquistar a capacidade de se relacionar com ela de modo objetivo. Portanto, a capacidade de um bebê para se relacionar com a mãe depende da conquista da capacidade de ser si mesmo, o que configura a impossibilidade de o bebê, ao nascer, ser considerado alguém capaz de relacionamentos. É essa visão tão peculiar do acontecer da natureza humana que põe em questão o enquadramento do psicanalista como um teórico das relações objetais.

Winnicott entende que a visão do bebê como entidade total e separada da mãe, desde os momentos iniciais, levou Fairbairn a “teorizar categoricamente que a libido busca objetos” (Winnicott, 1989a/1994, p. 318). De maneira oposta, Winnicott não coloca a satisfação instintual como objetivo primordial da pessoa, tampouco a destaca como parte da tarefa de constituição de um si-mesmo pessoal, da tarefa de criação da externalidade (objeto e mundo externo) e do relacionamento que será construído a partir de então entre as realidades interna e externa. Pelo contrário, ele afirma que “a gratificação instintiva proporciona ao lactente uma experiência pessoal, mas pouco afeta a posição do objeto”, pois “a mudança de objeto de ‘subjetivo’ para ‘percebido objetivamente’ é realizada menos efetivamente por satisfações do que por frustrações” (Winnicott, 1965j/1990, p. 165; os itálicos são meus).

Outra diferença fundamental entre Winnicott e os colegas do grupo independente diz respeito à importância efetiva do ambiente. Considerando o bebê uma entidade completa e capaz de perceber, sentir e reagir por meio de operações mentais, Fairbairn, Guntrip e Balint deduziram que, se deslocassem a importância do aspecto inato (em oposição à ênfase de Klein), o meio ambiente (que para Klein tinha uma importância relativa) assumiria maior responsabilidade na formação da estrutura da personalidade, o que auxiliaria a explicação de alguns fenômenos clínicos, como a agressividade. Assim, esses autores definiram que as mães teriam um papel estruturante, estabelecendo, então, que aquilo que uma pessoa se torna deve ser compreendido como o resultado das gratificações que lhe são proporcionadas e das frustrações a que foi submetida na mais tenra infância. Sendo assim, confirma-se a idéia de que, para eles, a personalidade de uma pessoa é um produto complexo dos relacionamentos objetais iniciais ou, dizendo de outra forma, o resultado da internalização dos relacionamentos interpessoais, em especial do relacionamento
com a mãe.

Winnicott, que sem dúvida foi um dos primeiros teóricos a hierarquizar o papel da mãe (como ambiente) no funcionamento psíquico da criança, discordou dessa posição. Baseado em sua teoria do amadurecimento pessoal, descreve o papel da mãe-ambiente não como uma tela para as projeções do bebê, posteriormente introjetadas, mas compreende a mãe como uma ativa construtora (por meio da ambiência adaptada) de seu espaço psíquico. Sua compreensão do papel da mãe-ambiente aponta, como já descrevemos, para a constituição do si-mesmo em termos de dupla dependência, pois, como afirma, “o meio ambiente a que me refiro no conceito de dependência dupla é um ambiente que, essencialmente, não é constituído de projeções” (Winnicott, 1989a/1994, p. 363). Com o termo dupla-dependência, designa que “o relacionamento do bebê com fenômenos ambientais” acontece de modo “que o bebê não tem possibilidade de estar ciente” do que se passa entre ele e o ambiente (mãe), pois ainda não é um si-mesmo e a mãe é ainda um objeto subjetivo. Isso é tão certo que, para Winnicott, “o bebê agora chegado à infância ou ao estado adulto não é capaz de reproduzi-lo [o ambiente] como um padrão a revelar-se em uma transferência analítica” (Winnicott, 1989a/1994, p. 363). Dessa forma, falar em internalização (no sentido de introjeção), projeção e gratificação-frustração, em momentos primitivos, como aspectos constituidores do si-mesmo não faz sentido, pois isso expressa um sentido de causalidade ausente em sua teoria.

Outro ponto merece ser examinado. Em uma análise crítica das teorias psicanalíticas, Eagle diz que a rejeição da teoria dos instintos como uma forma de se afastar do biológico e da herança instintual do homem é um engano comum aos teóricos objetais. Aqui está mais um aspecto distintivo da teoria winnicottiana. Winnicott de fato rejeita a teoria dos instintos como orientadora da compreensão do acontecer humano, mas nem de longe desconsidera o fator biológico-instintual. Pelo contrário, sua teoria realça a importância do corpo e de suas funções para a convergência do bebê, de um não-ser, a ser uma pessoa. O conceito winnicottiano de elaboração imaginativa é o exemplo concreto de que existe um corpo biológico ativo que também precisa ser considerado pelo ambiente. Dessa certeza Winnicott propõe o holding e o manejo como parte das tarefas maternas iniciais.

E uma última diferença entre esses autores está relacionada à percepção da importância da contribuição das idéias desenvolvidas para a teoria psicanalítica. Enquanto Winnicott assume que sua teoria representa um desenvolvimento da teoria freudiana e, portanto, é uma contribuição para a teoria psicanalítica, os outros autores não têm uma visão formada sobre como relacionar suas idéias com a teoria clássica, o que leva alguns a considerar suas idéias como uma adição àquela ou tratá-las como uma revisão daquela, sem fazer maiores aprofundamentos. A conseqüência nefasta dessa ausência de entendimento sobre como cada novo pensamento afetou a teoria-base é, segundo Summers (1994), que “as implicações clínicas decorrentes dessas alterações teóricas não ficam aparentes” (Summers, 1994, p. 2).

Mais uma vez essa crítica não se aplica a Winnicott. Com base em seus estudos, a psicose e a depressão tiveram suas etiologias definidas relacionalmente e foram associadas a uma falha ambiental no atendimento das necessidades do bebê e da criança. Além disso, ele identificou a necessidade de alteração na técnica psicanalítica para o atendimento de pacientes psicóticos e borderlines, realizando também mudanças fundamentais na relação terapeuta-paciente em razão das inovações que introduziu na teoria psicanalítica. Com isso, a primazia do conflito edipiano como estruturante do adoecer psíquico foi rechaçada e, em seu lugar, surgiram questões ligadas a um período mais primitivo da natureza humana, relativas à conquista da capacidade de ser e existir e da consolidação de um si-mesmo pessoal capaz de relacionar-se com e de responsabilizar-se por tudo o que sente, pensa e faz.

Winnicott expressava abertamente a maneira como sentia a aproximação ou o distanciamento entre seu modo de pensar e o dos colegas do Middle Group. Criticava Fairbairn por declarar o propósito de suplantar as teorias de Freud e se apresentar como derrubando M. Klein. Da mesma forma, mostrava-se feliz por perceber que, apesar de trabalharem com base em ângulos diversos, ele e Balint concordavam sobre a importância da provisão ambiental nos momentos iniciais do existir humano. Winnicott sempre respeitou as diferenças, acreditava nas mudanças, mas se sentia convicto quanto à originalidade de sua contribuição. Como reconhece Rudnytsky (1993), apesar de Winnicott respeitar os colegas psicanalistas que o antecederam, ele “raramente credita suas dívidas intelectuais, preferindo seguir sua idiossincrática linha de desenvolvimento e inspiração vindos do trabalho clínico” (Rudnytsky, 1993, p. xiii).

 

A diferença compreendida como contribuição teórica

Quando se distanciou de S. Freud e de M. Klein, Winnicott tinha claro o objetivo de construir uma teoria que propiciasse a compreensão do desenvolvimento de um viver saudável que pudesse, ao mesmo tempo, ser um recurso orientador para o entendimento dos distúrbios psíquicos. Perseguindo esse objetivo, também se distanciou dos colegas britânicos que mantinham a noção do adoecimento e da causalidade como base para a compreensão do homem.

Com o desenvolvimento da teoria do amadurecimento pessoal10, estruturou sua maneira de compreender a natureza humana. Essa teoria articula os desdobramentos da natureza humana - entendida como a “estrutura fixa”11 do amadurecimento emocional, governado pela tendência inata à integração - e pode ser analisada por dois horizontes. Pelo horizonte ontológico,12 por tratar dos aspectos relacionados à constituição do ser da pessoa e das situações experienciais que possibilitam ou dificultam a continuidade de ser e o existir em um modo de viver pessoal e com sentido. E pelo horizonte ôntico, porque descreve e conceitua as tarefas, conquistas e dificuldades que são próprias do desenvolvimento e amadurecimento humano em seu acontecer factual, particular e relacional.

Embora sustentada em uma premissa ontológica - a da presença do outro para que a pessoa se constitua como um ser13 -, a teoria do amadurecimento trata dos aspectos ônticos do acontecer humano. A categoria de análise comum a esses dois horizontes de compreensão é a acontecência humana14, o amadurecimento, como propõe Winnicott, que se caracteriza por um desenrolar histórico da natureza humana, orientado por essa tendência inata à integração, envolvendo fatos, situações e experiências vividas pela pessoa em sua concretude e totalidade. A asserção da qual parte - e que se torna a base da teoria winnicottiana do amadurecimento - é: um indivíduo precisa, primeiramente, constituir-se como uma pessoa para que possa relacionar-se com o outro e com a realidade externa.

A teoria do amadurecimento pessoal descreve os estágios de desenvolvimento pelos quais um indivíduo passa para constituir um si-mesmo pessoal, desde o momento da concepção até se tornar capaz de se relacionar com uma outra pessoa e, a partir daí, poder ter uma existência compartilhada; destaca também, em cada estágio, o papel do ambiente para que o acontecer da pessoa se concretize. O estágio inicial, que corresponde mais ou menos aos quatro ou cinco primeiros meses de vida de um bebê, é fundamental para o amadurecimento pessoal e para a estruturação da personalidade. É nesse período de vida, no qual a necessidade vital de ser, existir e se sentir real como pessoa precisa ser conquistada, que a dependência do cuidado ambiental é absoluta. A cada necessidade atendida, o bebê pessoaliza as sensações ativadas no cuidado, passando a reconhecê-las como próprias. É o apoio da mãe que facilita a organização do si-mesmo, permite sua continuidade de ser e capacita o bebê, que, com o tempo, se torna capaz de afirmar sua própria individualidade e de experienciar um sentimento de identidade pessoal.15

Portanto, fundamentado nessa teoria, Winnicott demonstrou que um recém-nascido é um esboço humano que se configurará como pessoa apenas em certas circunstâncias, e, por isso, somente quando alcança o estatuto de ser uma unidade, um si-mesmo separado da mãe, um bebê pode relacionar-se com um outro objeto. Dizendo de outra forma, o bebê humano precisa amadurecer até certo ponto para começar a ter uma psicologia, isto é, para ter um funcionamento mental e ser capaz de usar mecanismos mentais como a projeção e a introjeção. Por essa razão, falar de uma “incorporação comum, associada à experiência oral” (Winnicott, 1987b/1990, p. 68), é o modo apropriado para expressar o que acontece entre o bebê e a mãe nos estágios mais primitivos do existir - uma forma de relação em que o mental está abstraído.

Em um amadurecimento saudável, a incorporação do objeto deve preceder a introjeção mágica. Existe uma diferença entre o seio bom (ambiente, mãe) incorporado e o seio que foi magicamente introjetado. O seio bom, que deve ser entendido como a mãe que sobrevive e sustenta a situação no tempo, quando é incorporado, usado, comido e devorado torna-se um fenômeno interno e “provoca um aumento inespecífico, generalizado, de bondade interna” (Winnicott, 1988/1990, p. 95). O ambiente bom passa a ser parte do si-mesmo pessoal.

De modo diferente, quando há introjeção mágica do seio, ou internalização do ambiente, como propõe os outros teóricos britânicos, ao invés da incorporação do ambiente bom, Winnicott considera pensar na existência de falhas ambientais (nunca reconhecidas pelo bebê como tais) em momentos primitivos que não favoreceram o amadurecimento pessoal, originando uma integração fragilizada e/ou em dificuldades do bebê em relação à conquista do concernimento. Quando isso ocorre, o recurso do bebê (agora uma unidade pessoal) para lidar com uma integração estabelecida de modo precário é a adoção de defesas rígidas para intermediar a relação com o outro, estando o falso si-mesmo, uma organização defensiva e altamente patológica, entre elas.

Para Winnicott, a presença de um ambiente inicial adaptado favorece a continuidade de um senso de ser e existir, proporcionando segurança pessoal básica para um existir criativo e responsável que, se incorporado ao si-mesmo pessoal, permitirá um pleno uso da instintualidade no relacionamento com o outro, agora plenamente identificado como separado dele, pois a pessoa tem clara dimensão de quem é, confia e tem esperança de poder ser si mesmo, uma vez que se reconhece capaz de responsabilizar-se por seu sentir, pensar e agir. Por essa razão, pode-se entender que, de acordo com a teoria do amadurecimento pessoal, as conquistas relativas ao ser e ao fazer são integradas nos estágios iniciais de dependência absoluta e confirmadas, ou não, no estágio do concernimento, apenas em situação de ambiência favorável.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: ariadne.moraes@uol.com.br

Enviado em 13/9/2007
Aprovado em 18/3/2008

 

 

1Este artigo teve como base a comunicação apresentada no “XII Colóquio Winnicott”, cujo tema foi “Winnicott na história da psicanálise”, ocorrido na PUC-SP, em maio de 2007.
2“Who Owns Winnicott?”, artigo exclusivo escrito por esse autor para “Karnac Review”, no qual avalia as linhas de trabalho, pesquisa e contribuições das três instituições winnicottianas britânicas que serão citadas a seguir no texto. Brett Kahr também é autor de “The Legacy of Winnicott”, “D. W. Winnicott - a Biographical Portrait” e “Forensic Psychotherapy and Psychopathology - Winnicottian Perspectives”.
3Esse tema é extensamente apresentado por vários autores no livro de Haynal (1993) e especialmente abordado por Ernst Falzeder no artigo “The Threads of Psychoanalytic Filiations or Psychoanalysis Taking Effect” (Haynal, 1993).
4Melanie Klein, que foi analisada por Karl Abraham e S. Ferenczi, teve como supervisionados J. Bowlby, M. Khan, M. Milner e D. W. Winnicott. Entre seus analisandos, estiveram W. Bion, D. Meltzer, J. Rickman, C. Scott e H. Segal.
5Devido ao fato de certos comentadores considerarem que a teoria das relações objetais derivou-se da psicologia do ego, é necessário destacar que as divergências sobre a formação do ego também se confirmaram como a base das discrepâncias surgidas, durante as décadas de 1930 a 1950, entre a escola kleiniana e a escola da psicologia do ego. Hartman, fundador da psicologia do ego, introduziu na psicanálise a possibilidade de se considerar aspectos de comportamento, desenvolvimento e funções psíquicas como autônomos das pulsões instintuais. Por essa via, passaram a ser objeto de consideração na psicanálise fenômenos e fatos relativos ao amadurecimento biológico aplicáveis às funções psíquicas. No entanto, o conceito de ego autônomo proposto por Hartman, isto é, a rejeição da influência das relações objetais para a formação do ego, desafiou a posição de alguns teóricos objetais que consideravam que a frustração nos relacionamentos objetais motivava, por si só, o desenvolvimento do ego. Além disso, como considera Eagle (1984), apesar das modificações introduzidas na teoria psicanalítica tradicional, a pretensão dos teóricos do ego era manter a consistência com o modelo estrutural id-ego da teoria freudiana, posição oposta, por exemplo, a de Winnicott e outros, que deixaram de considerar o desenvolvimento psicossexual como base para o desenvolvimento psíquico.
6De acordo com a teoria do amadurecimento pessoal, cada bebê cria um mundo que já existia, mas que nunca deixará de ser pessoal.
7Para interessados nesse tema, indico os trabalhos de Zeljko Loparic e Leopoldo Fulgencio, e os dos demais autores do Grupo de Filosofia e Práticas Psicoterápicas da PUC-SP.
8É sempre importante lembrar que Winnicott discordava da proposição kleiniana de que seria possível um bebê alcançar a posição depressiva muito antes do segundo semestre de vida.
9Loparic propõe e defende a idéia de que a contribuição winnicottiana para a psicanálise pode ser entendida, kuhnianamente falando, como um progresso na teoria psicanalítica, um resultado revolucionário após um período de crise dessa ciência. Outros trabalhos do autor sobre o tema podem ser consultados no site do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP (www.cle.unicamp.br/grupofpp/) e no site do Centro Winnicott (www.centrowinnicott.com.br).
10Para uma discussão sobre o desenvolvimento dessa teoria, ver Dias, 2003.
11Loparic diz que o conceito de natureza humana pode ser entendido como “a estrutura fixa da nossa ontogênese ou, na linguagem menos biologizante e mais característica de Winnicott, do nosso amadurecimento emocional governado pela tendência inata à integração” (2000,
p. 355).
12Diferentemente de outras tentativas de aproximação entre psicanálise e filosofia por uma análise epistemológica e/ou metodológica, Loparic propõe que a “afinidade conceitual” existente entre Winnicott e Heidegger vai além, situando-se, sobretudo, na área da ontologia. Ele apóia essa aproximação em dois pilares: primeiro, no reconhecido esforço do filósofo alemão em ultrapassar o pensamento metafísico predominante em nosso século; e, segundo, nas proposições originadas no estudo da psicanálise winnicottiana, que mostram o distanciamento desse autor das formulações metapsicológicas clássicas. Essas proposições podem ser assim resumidas: 1) faz parte dos problemas internos ao existir humano, desde o seu início, a tarefa de elaborar um sentido do ser; 2) continuar a acomodação dessa questão no interior da metafísica da representação, aceita pela metapsicologia, não privilegia a humanidade do homem; 3) o reconhecimento de que, em Winnicott, há diferentes sentidos do ser das coisas intramundanas, que são distintos do ser do ente humano. Com isso, Loparic entende que Winnicott criou uma teoria original não representacional da constituição de todos esses sentidos e que, portanto, a aproximação das teses winnicottianas com a hermenêutica heideggeriana pode resultar proveitosa para o desenvolvimento da psicanálise (cf. Loparic, 1995).
13O existir humano não é algo dado, como esclarece Loparic, e sim algo que precisa ser integrado com e no espaço-tempo; para tanto, é “necessária uma ambiência favorável, sem a qual o lactante nunca poderá sair do não-ser” (Loparic, 1995, p. 56).
14De acordo com Loparic, a interpretação do conceito winnicotiano de amadurecimento, em termos da acontecencialidade de Heidegger, permite a constituição de um horizonte ontológico unitário para a compreensão da ciência winnicottiana da natureza humana (Loparic, 2000, p. 358).
15Segundo Loparic, ao propor que nos estágios iniciais da relação mãe-bebê está envolvida a necessidade de afirmar a individualidade e a conquista de um senso de identidade, não de um modo ingênuo, mas de um ponto de vista do próprio bebê, Winnicott está, na verdade, tratando da questão do ser e propondo que o sentido originário do ser só pode ser alcançado com o retorno “à simplicidade originária do ser humano inicialmente experienciada na intimidade da relação entre mãe e bebê” (Loparic, 1995, p. 47). Desse modo, num contexto que parecia dizer respeito à maternagem exclusivamente, aparece “a questão da identidade, que consta entre as mais difíceis da filosofia” (Loparic, 1995, p. 47). Sem dúvida, um problema que envolve a ontologia.