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Natureza humana

Print version ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.10 no.2 São Paulo Dec. 2008

 

ARTIGOS

 

Clínica do trauma em Ferenczi e Winnicott1

 

The trauma clinic in Ferenczi and Winnicott

 

 

Ana Lila Lejarraga

Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: analejarraga@gmail.com

 

 


RESUMO

A proposta deste artigo é abordar a clínica do trauma ou da cisão em Ferenczi e Winnicott, mostrando suas aproximações e marcando suas diferenças. Na primeira parte do trabalho, estudamos a teoria do trauma patogênico em Ferenczi, sua noção da clivagem narcísica como defesa diante do traumático e suas propostas clínicas baseadas na elasticidade e sinceridade analíticas, na confiança e na regressão ao infantil. Na segunda parte, abordamos a teoria do trauma em Winnicott, sua noção de agonias impensáveis, a cisão patológica entre verdadeiro e falso si-mesmo, e suas propostas clínicas baseadas na confiabilidade analítica e na regressão à dependência. Finalmente, realizamos um estudo comparativo entre as duas perspectivas, apontando as convergências mais significativas, sem, no entanto, deixar de indicar suas divergências.

Palavras-chave: Ferenczi, Winnicott, Trauma, Regressão, Confiabilidade.


ABSTRACT

This paper's motion is to approach the clinic of trauma or of splitting in Ferenczi and Winnicott, pointing to their similarities and differences. In the first part we study the theory of pathogenic trauma in Ferenczi, his notion of narcissistic splitting as a defense in face of the traumatic, as well as his clinical propositions grounded on analytic elasticity and sincerity, on trust and regression to the infantile. In the second part we approach the trauma theory in Winnicott, his notion of unthinkable agonies, the pathological splitting between true and false self, and his clinical propositions grounded on analytic trustfulness and regression to dependence. Finally we outline a comparative study of both perspectives, pointing to their most meaninful convergences, though not skipping to indicate their divergences.

Keywords: Ferenczi, Winnicott, Trauma, Regression, Trustfulness.


 

 

A proposta deste trabalho é abordar a clínica do trauma em Ferenczi e Winnicott, mostrando suas aproximações e marcando suas diferenças. A expressão "clínica do trauma", que poderia ser substituída por "clínica da cisão" ou "clínica das patologias severas", é utilizada com o intuito de ter um denominador comum para fazer a comparação entre essas teorizações. Nesse sentido, privilegiaremos aspectos e questões relacionados a esse tema que permitam a aproximação do pensamento desses dois autores, sem pretender fazer uma comparação exaustiva do conjunto de suas idéias.

Acompanhando as propostas clínicas de Ferenczi e Winnicott para o trabalho terapêutico com pacientes graves - borderline e psicoses - e as reflexões desses dois autores sobre os traumas que subjazem a essas patologias, encontramos várias convergências nos seus pontos de vista. As mais significativas foram, por um lado, a descrição das características da cisão patológica como defesa diante do trauma e, por outro, a abordagem clínica proposta, baseada na confiabilidade do analista e na regressão.

Essas aproximações, apesar de suas diferenças, levam-nos a pensar que ambos os autores participam de uma mesma linhagem teórico-clínica, já que partem de preocupações clínicas similares e desenvolvem algumas respostas teóricas e técnicas semelhantes para esses problemas. Contudo, não é de nosso interesse abordar questões históricas em relação ao conhecimento direto ou indireto (através dos Balint) que Winnicott poderia ter da obra de Ferenczi, falecido em 1933 e pouco traduzido até a década de 1970.

Nosso objetivo é fazer um estudo comparativo entre as duas perspectivas, tomando como eixo as teorizações desses autores sobre os efeitos devastadores do trauma patogênico, em íntima conexão com suas propostas clínicas.

 

Ferenczi e suas inovações clínicas

Preocupado com a resistência de certos pacientes graves e com a estagnação de suas análises, Ferenczi questiona, a partir de 1919, os limites da palavra na técnica analítica clássica. Prestando atenção aos pequenos gestos e às posturas corporais dos pacientes, ele propõe inibir certos atos e estimular outros - a técnica ativa (Ferenczi, 1919/1988) - como uma via para romper a estagnação analítica e favorecer a emergência de novas associações. A técnica ativa consiste em injunções e proibições de determinados atos, impostas pelo analista ao paciente, na direção contrária ao princípio de prazer. O objetivo é aumentar a tensão e provocar uma nova distribuição da energia libidinal, o que abriria o caminho para o material recalcado. O pressuposto dessa técnica é a resistência e o conforto dos pacientes, que se acomodam no amor transferencial e deixam de associar livremente.

Em poucos anos, Ferenczi percebe os limites e contra-indicações da técnica ativa, seu caráter autoritário e seu insucesso. Isso o leva a pensar sobre o lugar ocupado pelo analista na cura, mudando seu foco de reflexão da resistência do analisando para a do analista. Em 1928, ele aborda, assim, o problema do conforto do analista, seu narcisismo e sua hipocrisia de utilizar o dispositivo analítico como defesa, sem se preocupar com o sofrimento e a cura dos pacientes. Propõe a necessidade de um rigoroso controle do narcisismo analítico e a importância do "tato" do analista. O tato analítico é definido como um "sentir com" (Ferenczi, 1928/1992, p. 303), ou seja, como a capacidade empática do analista. Ferenczi questiona a postura analítica autoritária e distante, sugerindo a elasticidade: o analista deve "como um elástico, ceder às tendências do paciente" (Ferenczi, 1928/1992, p. 307).

Com base nessa nova postura analítica - o tato e a elasticidade -, Ferenczi desenvolve o princípio de relaxação e neocatarse. Trata-se de opor, à inevitável frustração gerada pelo dispositivo analítico, um princípio de laissez-faire ou um "à vontade" (1930/1992, p. 59), possibilitando ao paciente um maior relaxamento e uma entrega mais completa às associações livres. Para surpresa e desconcerto do próprio Ferenczi, com essa atitude analítica mais elástica, começaram a emergir, espontaneamente, manifestações histéricas corporais, intensas explosões emocionais, vozes infantis e verdadeiros estados de transe. Essas inéditas manifestações catárticas expressavam vivências traumáticas da infância, sensações de uma agonia psíquica e física que não poderiam ser evocadas verbalmente. Assim, a nova proposta clínica - o princípio do relaxamento - conduz Ferenczi a construir sua teoria do trauma patogênico, restabelecendo a importância do fator externo, real, na compreensão das patologias severas.

Embora na concepção de Ferenczi a importância do trauma (mais precisamente, das catástrofes traumáticas) sempre foi um aspecto central de suas teorizações - já que a constituição psíquica se realiza por acontecimentos traumáticos catastróficos, produzindo clivagens psíquicas e a interminável repetição das marcas traumáticas2 - ele desenvolve sua famosa teoria do trauma desestruturante nos últimos anos de sua vida, de 1930 até 1933.

 

O trauma patogênico

O trauma se origina de um abuso, geralmente sexual3, por parte de um adulto que se deixa levar por sua linguagem da paixão sobre uma criança que está na linguagem da ternura. A violência do adulto é imprevisível e incompreensível para a criança, que reage com um medo intenso diante da esmagadora autoridade do adulto. Isso gera uma confusão de línguas, porque a sexualidade infantil é lúdica, desconhecendo a ambivalência da "luta dos sexos" e o "sentido de aniquilamento do orgasmo" (Ferenczi, 1933/1992, p. 106), enquanto a paixão adulta é impregnada de culpa e de ódio, procurando a cópula e o orgasmo.

Contudo, entendemos que a noção de "confusão de línguas" ultrapassa seu sentido literal de ser um choque entre o erotismo violento e passional do adulto e o erotismo terno e lúdico da criança. É uma confusão, do ponto de vista da criança, entre o que ela espera e precisa do adulto e a surpresa pelo imprevisto. A criança não pode mais ter segurança e confiança no adulto, porque este não respeita suas necessidades infantis de ternura4. Ferenczi afirma que "o protótipo de toda confusão é estar 'perdido' quanto à confiabilidade de uma pessoa ou de uma situação. Estar perdido é: ter-se enganado; alguém, por sua atitude ou suas palavras, fez 'cintilar' uma certa relação afetiva" (1985/1990, p. 84). A confusão, desse modo, alude a um desencontro entre a confiança que a criança deposita no adulto como provedor de cuidados e ternura e a atitude do adulto violento e insensível que não respeita as necessidades da criança5.

Entretanto, não é o ato violento praticado pelo adulto, por si só, que torna o trauma patogênico, mas o desmentido, ou seja, a impossibilidade da criança de dar um sentido ao ocorrido. Quando na tentativa de compreender o que houve, procura um outro adulto e a resposta é o silêncio, a negação do abuso ou a desautorização das impressões infantis, a criança não pode, com seus precários recursos psíquicos, construir uma significação para a experiência vivida. Sem a ajuda de um terceiro que possa reconhecer o sofrimento e a perplexidade infantil, que possa mediar para que o ocorrido tenha algum sentido e seja metabolizado psiquicamente, a criança fica abandonada a suas próprias forças.

A reação imediata ao trauma é uma comoção psíquica que Ferenczi descreve como uma "agonia psíquica e física que acarreta uma dor incompreensível e insuportável" (1931/1992, p. 79). A dor é tão extrema que a criança precisa distanciar-se de si mesma, afastar-se de seu psiquismo e de seu corpo. As descrições de Ferenczi em relação à comoção psíquica aludem sempre ao terror, à catástrofe, à morte. Vejamos suas palavras: "Uma criança é atingida por uma agressão inevitável; conseqüência: ela 'entrega a alma' com a convicção de que esse abandono total de si mesma (desmaio) significa a morte" (1985/1990, p. 73). O desprazer causado pela comoção é tão superlativo que não pode ser superado, exigindo uma válvula de escape: "Tal possibilidade é oferecida pela autodestruição, a qual, enquanto fator que liberta da angústia, será preferida ao sofrimento mudo" (Ferenczi, 1932/1992, p. 111). Nasce, assim, a desorientação psíquica que, porque destrói a consciência, ajuda a suportar a dor moral.

Ferenczi considera que "o 'choque' é equivalente à aniquilação do sentimento de si, da capacidade de resistir, agir e pensar com vistas à defesa do Si mesmo (Soi)" (1932/1992, p. 109). Segundo ele, a própria palavra Erschütterung - comoção psíquica - deriva de Schut, que significa "restos" ou "destroços" e "engloba o desmoronamento, a perda de sua forma própria e a aceitação fácil e sem resistência de uma forma outorgada, 'à maneira de um saco de farinha'" (1932/1992, p. 109).

É importante ressaltar que o desprazer provocado pela comoção traumática é tão excessivo que está além do representado. Nas palavras de Ferenczi: "Uma grande dor tem, nesse sentido, um efeito anestésico; uma dor sem conteúdo de representação é inatingível pela consciência" (1985/1990, p. 64). Não se trata simplesmente de desprazer, mas de dor, de uma "grande dor" que não pode se inscrever no inconsciente nem ser recalcada. Como diz Ferenczi: "[uma das conseqüências da comoção é] que nenhum traço mnémico subsistirá dessas impressões, mesmo no inconsciente, de sorte que as origens da comoção são inacessíveis pela memória" (1932/1992, p. 113). Do trauma só restariam, assim, marcas corporais, excluídas do sistema da memória, que reapareceriam na cena analítica como manifestações neocatárticas ou símbolos mnésicos corporais.

Diante da dor insuportável ou estado de quase morte produzido pelo choque traumático, a criança vê-se obrigada a "se submeter à vontade do agressor, a adivinhar o menor dos seus desejos, a obedecer, esquecendo-se completamente de si, e a se identificar totalmente com o agressor" (Ferenczi, 1933/1992, p. 102). A identificação com o agressor é uma estratégia de sobrevivência: como não pode "romper" com o agressor - adulto idealizado do qual depende - a criança abre mão de suas impressões, rompendo com uma parte de si. Ferenczi diz que, ante ao extremo sofrimento, como a criança é incapaz de reagir aloplasticamente, a única saída é ter uma reação autoplástica. Essa modificação de si consiste em incorporar dentro de si o agressor, identificando-se com sua culpa, o que torna a criança "ao mesmo tempo, inocente e culpada" (1933/1992, p. 102).

Um curioso processo acompanha a identificação com o agressor: o desenvolvimento súbito na criança de faculdades emocionais e intelectuais de um adulto maduro. Esse processo de amadurecimento deformado e precoce - a progressão traumática - torna a criança um "bebê sábio" (Ferenczi, 1933/1992, p.104), que cuida de si e dos outros, ao preço de renunciar a seu eu infantil e terno.

Ante ao pavor ocasionado pelo trauma, a criança vê-se obrigada a lançar mão de uma defesa mais radical que o recalque, nomeada por Ferenczi de "autoclivagem narcísica" (1931/1992, p.77). A identificação com o agressor é uma parte indissociável dessa clivagem, já que, enquanto um fragmento egóico é ocupado violentamente pelo agressor, tornando-se culpado e artificialmente amadurecido, o outro fragmento egóico fica oculto ou destruído.

Apesar do extremo sofrimento e da experiência de quase morte vivida pela criança, as "forças órficas"6 tentam desesperadamente a sobrevivência, embora ao custo da autodestruição de uma parte de si e da criação de "uma espécie de psique artificial" (Ferenczi, 1985/1990, p. 41) que possa cuidar "dos restos". A clivagem compõe-se, assim, de uma "parte sensível, brutalmente destruída, e uma outra que, de certo modo, sabe tudo mas nada sente" (1931/1992, p. 77).

A clivagem descrita por Ferenczi resulta numa radical transformação do eu infantil, e "essa neoformação do eu é impossível sem uma prévia destruição parcial ou total, ou sem dissolução do eu precedente" (1985/1990, p. 227). Não se trata, simplesmente, de uma cisão de dois fragmentos egóicos que perdem a coesão anterior, mas de uma total mutação em que as duas partes egóicas são totalmente modificadas. A criança que foi violentada na sua necessidade infantil de ternura sacrifica, por um lado, uma parte de si, se autodestruindo para poder sobreviver. Ela aniquila, pela clivagem, o próprio sentimento de si, sua espontaneidade7. Por outro lado, a parte que sobrevive é invadida pelo sentimento de culpa do agressor, tornando-se sábia e amadurecida. Esse fragmento egóico amadurece artificialmente porque, como um "saco de farinha", aceita facilmente a forma imposta do exterior. Como diz Ferenczi: "Em lugar de me afirmar, é o mundo exterior (uma vontade estranha) que se afirma às minhas custas, [...]" (1985/1990, p. 150). Assim, esse fragmento se transforma radicalmente em outro e, maleável e obediente, ajuda a criança a retornar ao equilíbrio perdido pela comoção traumática.

Vemos que os fragmentos egóicos, embora cindidos e afastados, guardam uma relação entre si, já que a parte amadurecida se torna um "bebê sábio" que cuida da outra parte, infantil e sensível. Ferenczi utiliza também a expressão "anjo da guarda" (1985/1990, p. 40) para se referir à função protetora do fragmento egóico culpado e sábio. Não deixa de ser paradoxal que a defesa age destruindo uma parte de si para depois proteger os restos dessa quase morte. Esses destroços esmagados da linguagem da ternura tendem a retornar quando encontram um ambiente acolhedor e benévolo, ou seja, um analista que não seja hipócrita, capaz de escutar as vozes infantis e as manifestações corporais dessa dor incomensurável que não pôde ser integrada.

 

A clínica do trauma em Ferenczi: confiança e regressão ao infantil

Ferenczi percebe que quando o analista é insincero, reproduz-se, no espaço analítico, o ambiente hipócrita infantil. Somente estabelecendo-se um contraste entre a situação analítica atual e o passado infantil traumatogênico, é possível chegar aos restos do eu infantil, quase morto, revivendo a dor do trauma. O analista, munido de infinita paciência, tato e compreensão, deve ir "o quanto possível ao encontro do paciente" (Ferenczi, 1931/1992, p. 74). Em função disso, perdem valor as interpretações da técnica clássica, já que o paciente é, afetivamente, "como uma criança que não é mais sensível ao raciocínio, mas, no máximo, à benevolência materna" (1933/1992, p. 101). Entretanto, essa benevolência, para despertar a confiança no paciente, deve ser sincera. Ferenczi enfatiza a necessidade de o analista ser sincero e não hipócrita, porque os pacientes que regridem ao passado infantil percebem, de uma forma particularmente lúcida, as emoções do analista.

Assim, preocupado com a contratransferência hostil, que se torna um obstáculo à confiança do paciente, Ferenczi desenvolve o que seria sua última proposta clínica: a análise mútua. No "Diário clínico", escrito um ano antes de sua morte, em 1932, Ferenczi narra suas ousadas experiências da análise mútua, levando ao extremo a total sinceridade do analista. Ele confessa sua vida íntima aos pacientes, expondo-se sem recuar ante os riscos, com o intuito de que essa experiência clínica possa funcionar como "um antídoto inconscientemente procurado contra as mentiras hipnóticas do tempo da infância" (1985/1990, p. 71). Ao longo do "Diário clínico", Ferenczi reflete sobre as limitações da análise mútua, fazendo a ressalva de que essa análise só deve acontecer de acordo com as necessidades dos pacientes. A análise mútua apresenta problemas e fracassos, que o próprio Ferenczi reconhece honestamente, embora não saibamos qual teria sido sua avaliação final dessa tentativa e se teria renunciado a ela.

Ferenczi valoriza a confissão do analista, já que, mostrando-se ele falível e humano, ganha com mais facilidade a confiança do paciente. Diz Ferenczi:

Mas a capacidade de admitir os nossos erros e de renunciar a eles, a autorização das críticas, fazem-nos ganhar a confiança do paciente. Essa confiança é aquele algo que estabelece o contraste entre o presente e um passado insuportável e traumatogênico. (1933/1992, p. 100; itálico no original)

Ferenczi percebe que os erros do analista são inevitáveis e que reproduzem as falhas maternas do passado:

conduza-se ele (o analista) como quiser, leve o mais longe que puder a bondade e a descontração, chegará o momento em que deve reproduzir por suas mãos o crime perpetrado outrora contra o paciente. Entretanto, diferente do crime original, ele não tem agora o direito de negar sua falha; a falha analítica consiste em que o médico não pode oferecer todos os cuidados, toda a bondade e abnegação maternas, e reexpõe assim, sem ajuda suficiente, as pessoas de quem trata ao mesmo perigo de que, no passado, elas se libertaram com grande sofrimento e dificuldade. (1985/1990, p. 87)

Retomando a questão da confiança, vemos que é uma das noções chave da clínica do trauma. Todos os esforços de Ferenczi são no sentido de promover uma postura analítica mais autêntica e sincera, com o objetivo de reduzir a distância entre o analista e o analisando e de propiciar ao paciente a confiança no analista. A ausência ou a perda da confiança impede a cura, porque reproduz a violência do adulto agressor, já que a confusão de línguas, como vimos, consiste essencialmente em uma confusão em relação à confiabilidade do adulto.

A outra noção-chave da proposta clínica ferencziana é a regressão ao infantil. Diz Ferenczi: "Falamos muito em análise de regressão ao infantil, mas é manifesto que nem nós mesmos acreditamos a que ponto temos razão" (1933/1992, p. 100). O trauma não pode ser rememorado porque nenhum traço mnêmico subsistiu, nem mesmo no inconsciente. Nas palavras de Ferenczi:

Não se justifica exigir da análise a rememoração consciente de algo que nunca foi consciente. Só é possível reviver alguma coisa, com uma objetivação a posteriori, pela primeira vez, na análise. Reviver o trauma e interpretá-lo (compreendê-lo) - ao invés do 'recalcamento' puramente subjetivo - é, portanto, a dupla tarefa da análise. (1934/1992, p. 268)

Ferenczi considera que essa regressão ao infantil, aos momentos traumáticos e até a épocas pré-traumáticas é a única via de liquidação do traumático. As manifestações neocatárticas, em que se reproduzem as sensações psíquicas e corporais da comoção traumática, surgem espontaneamente aspirando a uma resolução. A reprodução do trauma não é um retorno ao passado, mas uma "realidade existente no presente" (1985/1990, p. 57), já que, repetindo o próprio traumatismo em condições favoráveis é possível "levá-lo, pela primeira vez, à percepção e à descarga motora" (1932/1992, p. 113; itálico no original). Ferenczi enfatiza a necessidade de sentir no presente a dor e a solidão traumáticas, que provocaram a fragmentação egóica. Nas suas palavras:

Somente quando a confiança foi conquistada, e essa auto-assistência, essa auto-observação, esse controle de si mesmo (tudo isso inimigo da associação livre) abandonados, é que os estados de outrora, experimentados quando da solidão completa após o trauma, podem ser profundamente sentidos. (1985/1990, p. 240)

A regressão ao infantil constitui uma "repetição modificada" (1985/1990, p. 146), em que os aspectos infantis do paciente - a criança ferida, quase morta - podem emergir, sendo revividas as sensações insuportáveis de medo e dor, o que propiciaria o trabalho de rememoração do trauma e sua posterior liquidação.

Ferenczi positiva a regressão terapêutica, que deve ser favorecida por uma postura analítica elástica e sensível, e valoriza cada vez mais a importância da simpatia e da compreensão do analista como agentes da cura, na tarefa de reunificar os fragmentos egóicos clivados. Ele afirma: "Uma reconstrução puramente intelectual por parte do analista não parece ser suficiente para essa tarefa. O paciente deve sentir que o analista compartilha com ele da dor e que também faz de boa vontade sacrifícios para apaziguá-la" (1985/1990, p. 161).

O terapêutico reside, assim, por um lado, no elemento inédito: a dor do trauma - a criança ferida - pode ser, "pela primeira vez", revivida e sentida pelo indivíduo, o que tende a reunificar os pedaços clivados do eu. Por outro lado, essa vivência só se torna terapêutica se for compartilhada com um analista "simpático" e compreensivo. Nesse sentido, Ferenczi chega a afirmar, nas últimas notas de seu "Diário clínico", que "sem simpatia, não há cura" (1985/1990, p. 248). A compreensão analítica, parente próximo do "sentir com", é definida como identificação. Diz Ferenczi: "Compreensão é precisamente identificação. Não se pode realmente compreender sem se identificar com o sujeito" (1985/1990, p. 229; itálico no original)8.

 

Winnicott e sua abordagem clínica

A abordagem clínica de Winnicott, pediatra e psicanalista de casos graves - psicoses e borderline - está intimamente vinculada com sua teoria do processo do amadurecimento. Sua concepção da situação analítica e da tarefa do analista deriva diretamente das relações iniciais mãe-bebê, já que, na sua visão, "o contexto (setting) reproduz as técnicas de maternagem da primeira infância e dos estágios iniciais" (1955d/2000, p. 384).

Segundo Winnicott, Freud intuía isto, talvez inconscientemente, recriando no seu consultório condições de aconchego, conforto e previsibilidade do analista, similares aos cuidados ambientais iniciais. Assim, parecia óbvio para Freud, que trabalhava com pessoas totais - neuróticos - que a análise se desenvolvesse com base nas associações livres dos pacientes e no trabalho interpretativo do analista, considerando o setting como o pano de fundo do processo. Entretanto, com pacientes borderline e psicóticos, que tiveram que reagir a falhas ambientais severas, sofrendo rupturas traumáticas, o setting analítico, que duplica a ambiência inicial, deixa de funcionar como pano de fundo e passa a ser o eixo do trabalho terapêutico. Nas palavras de Winnicott: "No trabalho que estou descrevendo, o contexto (setting) torna-se mais importante que a interpretação. A ênfase é transferida de um aspecto para o outro" (1956a/2000, p. 395).

Em 1954, no texto "Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto psicanalítico", Winnicott discorre sobre o manejo do setting com pacientes para os quais a regressão se torna necessária. Trata-se de

todos aqueles pacientes cuja análise deverá lidar com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional, remota e imediatamente anteriores à aquisição do status de unidade em termos de espaço-tempo. A estrutura pessoal não está ainda solidamente integrada. A respeito desse terceiro grupo, a ênfase recai mais freqüentemente sobre o manejo, e por vezes passam-se longos períodos em que o trabalho analítico normal deve ser deixado de lado, o manejo ocupando a totalidade do espaço. (Winnicott, 1955d/2000, p. 375)

Esses pacientes graves, que precisam regredir à situação do fracasso ambiental para que a cura seja possível, são indivíduos que sofreram rupturas na continuidade da vida - traumas -, tiveram vivências significativas de agonias impensáveis e defenderam-se com mecanismos de cisão, especialmente a cisão patológica entre o verdadeiro e o falso si-mesmo.

 

Trauma, agonias impensáveis e falso si-mesmo patológico

A noções de Winnicott sobre trauma, agonias impensáveis e falso si-mesmo são indissociáveis de sua teoria do desenvolvimento emocional. Esta teoria fundamenta-se nas relações de dependência entre um indivíduo que tem uma tendência inata para o amadurecimento e um meio ambiente facilitador. O bebê vai desenvolver suas potencialidades inatas para se integrar no tempo e no espaço, para se personalizar - alojar a psique no corpo - e para estabelecer um contato com a realidade, se o ambiente for favorável. Se os cuidados maternos forem suficientemente bons, o bebê realiza as tarefas básicas dos estágios iniciais do desenvolvimento, estabelecendo-se uma "continuidade de ser" (Winnicott, 1960c/1990, p. 53).

O centro de gravidade do ser, entretanto, não está situado no bebê e sim na estrutura mãe-bebê como um todo. Inicialmente o bebê só existe fundido à mãe, e essa fusão significa que mãe e bebê são um só; que o bebê não diferencia eu e não-eu e que, quando olha para o rosto da mãe, ele vê a si mesmo. O bebê, na sua onipotência alimentada pela devoção materna, acredita criar o seio da mãe - porque a mãe oferece o seio na hora em que ele o alucina - tendo repetidas vezes a experiência de ilusão de ser o criador da realidade que desconhece como externa. Ao mesmo tempo, constitui-se a experiência da "mutualidade" (cf Winnicott, 1970b/1994), uma forma de comunicação pré-verbal, afetiva e silenciosa, baseada na confiança do bebê no ambiente, correlativa da fidedignidade do holding materno. Esse estado fusional inicial permite ao bebê "ser", pois "estabelece o que talvez seja a mais simples de todas as experiências, a experiência de ser" (Winnicott, 1971g/1975, p. 114).

Essa experiência de ser é uma identidade incipiente e constitui a base do sentimento do si-mesmo. O si-mesmo é indissociável da idéia de impulso ou gesto espontâneo, que se opõe à idéia de reação à intrusão, remetendo às duas modalidades básicas de contato entre o indivíduo e o ambiente: espontaneidade e reatividade9. Quando o ambiente-mãe se adapta às necessidades do bebê, o contato com o ambiente se dá pelo gesto espontâneo do bebê e ele pode continuar a ser, formando e fortalecendo o sentimento do si-mesmo. Quando o ambiente falha na adaptação ao bebê, este tem de se adaptar ao ambiente, reagindo à intrusão, o que implica uma perda de espontaneidade e uma quebra na sua continuidade de ser.

Para Winnicott, o trauma é essa ruptura na continuidade do ser, provocada por falhas do ambiente. Nas suas palavras:

O trauma implica que o bebê experimentou uma ruptura na continuidade da vida, de modo que defesas primitivas agora se organizaram contra a repetição da 'ansiedade impensável' ou contra o retorno do agudo estado confusional próprio da desintegração da estrutura nascente do ego. (1967b/1975, p. 135)

Desse modo, o trauma não é tanto a intrusão do ambiente em si mesma, mas a reação do bebê a essa intrusão, que rompe sua continuidade de ser. Essa ruptura é vivida pelo bebê como "agonia impensável"10, ou seja, uma agonia que não pode ser pensada, nem representada, nem integrada.

Como o sentimento do si-mesmo é muito precário nesses estágios iniciais do desenvolvimento, a ruptura na continuidade de ser é vivida como ameaça de aniquilamento. Como diz Winnicott: "A alternativa a ser é reagir, e reagir interrompe o ser e o aniquila. Ser e aniquilamento são as duas alternativas" (1960c/1990, p. 47). As agonias impensáveis são, assim, angústias psicóticas que dizem respeito ao ser: a ameaça não é, como na angústia da castração, a perda da onipotência narcísica, mas o aniquilamento do ser, já que o bebê interrompe seu vir-a-ser11 quando reage. Winnicott lista essas agonias impensáveis no seu famoso ensaio O medo do colapso: retorno a um estado não-integrado, cair para sempre, perda do conluio psicossomático, perda do senso do real, perda da capacidade para relacionar-se com objetos e, apontando para outras possíveis agonias primitivas, ele diz "e assim por diante" (1974/1994, p.72). O colapso refere-se ao "impensável estado de coisas subjacente à organização defensiva" (1974/1994, p.71).

Vemos que, na teorização winnicottiana, "agonias impensáveis", "colapso" e "trauma" são termos próximos e parcialmente substituíveis, embora cada um deles enfatize diferentes aspectos de um mesmo fenômeno. Vejamos: a expressão "agonias impensáveis" enfatiza a radical sensação de morte psíquica que nem sequer pode ser pensada porque acontece numa época pré-verbal e pré-psíquica; o termo "colapso" alude à ruptura do si-mesmo unitário e à interrupção de todos os processos básicos do amadurecimento; e o termo "trauma" refere-se também à ruptura da continuidade de ser, enfatizando, contudo, o desencontro entre o ambiente e o indivíduo.

Embora a noção de trauma em Winnicott remeta sempre a um fator externo - a falha ambiental -, isso não significa que esse fator seja uma falha grosseira observável ou uma violência ruidosa. A falha ambiental pode ser extremamente sutil; por exemplo, uma mãe deprimida que, quando olha para seu bebê, não consegue refletir sua identificação com ele - ser o espelho -, mas só seu humor depressivo, impedindo ao bebê uma experiência de ser através da função especular e interrompendo seu vir-a-ser. O trauma, assim, não pressupõe uma falha brutal, embora esta também possa acontecer, mas implica necessariamente uma sucessão de falhas que se repetem, estabelecendo-se um padrão de falhas do ambiente em se adaptar às necessidades psíquicas do bebê. Desse modo, o trauma costuma ser, ao menos nos momentos iniciais, sutil e silencioso, já que consiste com mais freqüência no que não aconteceu, "quando algo poderia (e deveria) proveitosamente ter acontecido" (Winnicott, 1974/1994, p.75).

As falhas ambientais traumatizantes, como vimos, afetam o bebê no seu âmago: quebram sua continuidade de ser e suscitam as agonias impensáveis. Essas agonias ameaçam-o com o aniquilamento do seu ser e levam à organização das defesas mais primitivas. Nesse sentido, Winnicott diz que a doença psicótica não é o colapso, mas a organização defensiva relacionada às agonias impensáveis. A única saída do bebê para enfrentar a dor das agonias impensáveis e evitar o aniquilamento é a defesa primária mais básica: a cisão (cf Winnicott, 1970b/1994, p. 201).

Embora existam muitas defesas primitivas (invulnerabilidade, desintegração, despersonalização etc.), a cisão é uma espécie de denominador comum de todas, participando de qualquer organização defensiva mais complexa. A cisão - ou splitting ou clivagem - isola o si-mesmo, separando-o do resto do ser, para que não volte a ser ferido.

A cisão por excelência na teoria winnicottiana é entre o falso e o verdadeiro si-mesmo. Trata-se da cisão mais abrangente, na qual todos os seres humanos estão incluídos em diversos graus, já que o falso si-mesmo, na sua função de proteção do sentimento do si-mesmo, é necessário na saúde. Por outro lado, a cisão patológica entre falso e verdadeiro si-mesmo é um dos traços predominantes dos casos fronteiriços (cf Dias, 1998, p. 324).

O falso si-mesmo patológico tem como função ocultar o verdadeiro si-mesmo, para evitar seu aniquilamento. Como a mãe falha em complementar a onipotência do bebê e em responder ao gesto espontâneo dele, o bebê sobrevive falsamente, ocultando seu incipiente si-mesmo e se submetendo às exigências do ambiente. Em casos extremos, o sentimento do si-mesmo "fica tão bem oculto que a espontaneidade não é um aspecto das experiências vividas pelo lactente" (Winnicott, 1965m/1990, p.134). A submissão se torna a característica principal do falso si-mesmo, fazendo da imitação sua especialidade. A cisão faz com que uma parte do si-mesmo se desenvolva artificialmente, sobreadaptando-se às exigências da realidade em detrimento da outra parte do si-mesmo que fica escondida e se empobrece. O falso si-mesmo, porque se desenvolve reativamente, sacrificando o sentimento do si-mesmo - a espontaneidade e a originalidade criativa -, gera no indivíduo sentimentos de inutilidade e inautenticidade. Em certos casos mais graves, os impulsos e a espontaneidade ficam tão confinados e inacessíveis pela cisão, que o indivíduo perde contato com estes, resultando em uma sensação de vazio e irrealidade. Quando o falso si-mesmo se implanta como real, o indivíduo perde a comunicação com seu verdadeiro si-mesmo e, portanto, o fundamento para se sentir real, empobrecendo-se também a vida cultural e a capacidade simbólica (cf Winnicott, 1965m/1990, p.137).

 

Holding, confiabilidade e regressão à dependência

A tarefa analítica com esses pacientes graves, traumatizados, consiste, antes de tudo, em fornecer um setting que proporcione confiança, que ofereça, como uma mãe suficientemente boa, um ambiente de holding para o paciente/bebê. O holding é a definição mais abrangente dos cuidados ambientais iniciais e refere-se à tarefa materna de sustentar, física e psiquicamente, um bebê em estado de extrema dependência (cf Winnicott, 1955d/2000 e 1960c/1990). O holding, materno ou analítico, consiste em cuidados contínuos, previsíveis e monótonos, suficientemente bons, mas não perfeitos, que possibilitam ao bebê/paciente realizar - ou retomar - o processo de amadurecimento, desenvolvendo o sentimento do si-mesmo e uma identidade pessoal. Da mesma forma que o holding materno, o holding analítico depende particularmente da sensibilidade do analista em se adaptar às necessidades do paciente, porque é capaz de se identificar com ele. O analista confiável é aquele que tem capacidade de oferecer um ambiente de holding; que é capaz de sobreviver aos ataques do paciente, sem retaliar; que não invade o paciente e que se adapta a suas necessidades, por mais regredidas que sejam12.

A confiabilidade do analista, que remete à confiabilidade do ambiente primário, é uma base indispensável para o trabalho terapêutico com esses pacientes regressivos13. O manejo do setting visa ao restabelecimento da confiança no ambiente, porque só com base em uma sólida base de confiabilidade o paciente pode enfrentar os riscos de regredir à situação de fracasso ambiental, tornando-se indefeso, vulnerável e dependente do analista.

A confiabilidade do setting é, assim, a condição da regressão. Entretanto, como o analista é suficientemente bom, porém humano e não perfeito, sua torpeza e suas limitações - suas falhas - para atender de forma incondicional às necessidades egóicas do paciente levarão o paciente a reviver, através dessas falhas, os fracassos ambientais de outrora. Como diz Winnicott, "o paciente usa as falhas do analista. Sempre ocorrem falhas, já que não há realmente tentativa alguma de proporcionar uma adaptação perfeita" (1956a/2000, p. 397; itálicos no original). De fato, qualquer intervenção ou gesto do analista que revelem sua existência como uma pessoa separada ou que se afastem da área de onipotência do paciente/bebê, serão vividos pelo analisando como uma falha. No presente da situação analítica, o paciente pode reagir a essas falhas, que no passado provocaram rupturas, sentindo raiva pela primeira vez. E esses sentimentos de raiva, ou de ódio, permitem ao paciente ter afetos dirigidos para algo concreto em lugar das sensações difusas de aniquilamento ou de vazio. O paciente "usa as falhas" porque, percebendo-as como exteriores e reagindo, pode sentir raiva e ira pela falha originária, experimentar frustrações e decepções, processar os fracassos ambientais traumatizantes e retomar seu processo de amadurecimento interrompido. A tarefa analítica consiste fundamentalmente, nesses momentos regressivos, em sobreviver e não retaliar os ataques do paciente. O paciente vai se decepcionar com o analista, maltratá-lo e ignorá-lo, e a função do analista será sobreviver e tolerar essa crueldade, compreendendo o paciente, porque entende o sentido dessa raiva e do movimento regressivo.

A regressão à dependência traz inconscientemente - ou até de forma consciente - a expectativa de uma nova chance. Nas palavras de Winnicott:

A regressão representa a esperança do indivíduo psicótico de que certos aspectos do ambiente que falharam originalmente possam ser revividos, com o ambiente dessa vez tendo êxito ao invés de falhar na sua função de favorecer a tendência herdada do indivíduo de se desenvolver e amadurecer. (1965h/1990, p. 117)

No passado, diante do fracasso ambiental, o indivíduo defendeu-se, num movimento saudável, congelando a situação da falha (cf Winnicott, 1955d/2000). Esse congelamento teria um parentesco, para Winnicott, com os pontos de fixação freudianos, consistindo em uma espécie de "suspensão" da situação ambiental, à espera de melhores condições para ser revivida. A metáfora do congelamento aponta, por um lado, para o sentido de "preservar", de evitar a modificação ou o desgaste de algo, deixando-o fora da ação do tempo e, por outro lado, alude ao sentido de "reservar", ou seja, aguardar, num compasso de espera, até encontrar melhores condições de utilização.

Os indivíduos traumatizados, cindidos em um falso si-mesmo protetor e um "verdadeiro" si-mesmo quase aniquilado, sentem-se impelidos a reviver o instante traumático - em que se quebra a continuidade da vida - e as agonias impensáveis que daí decorrem. Por que os indivíduos tenderiam a reviver angústias tão aterrorizantes e ameaçadoras? Winnicott considera que

a experiência original da agonia primitiva não pode cair no passado, a menos que o ego possa primeiro reuni-la dentro de sua própria e atual experiência temporal e do controle onipotente agora (presumindo a função de apoio de ego auxiliar da mãe, ou analista). (1974/1994, p. 73)

Ou seja, a tendência a regredir e reviver situações de extrema dor - as agonias impensáveis - decorre do fato de que essas vivências não foram assimiladas ou processadas, não podendo, portanto, cair no esquecimento. Os pacientes têm necessidade de experienciar essas angústias de aniquilamento, de não ser, de vazio, já que

esta coisa do passado não aconteceu ainda, porque o paciente não estava lá para que ela lhe acontecesse. A única maneira de 'lembrar', neste caso, é o paciente experienciar esta coisa passada pela primeira vez no presente, ou seja, na transferência. (Winnicott, 1974/1994, p. 74)

O colapso não aconteceu porque o indivíduo não tinha ainda constituído um si-mesmo que lhe permitisse ter essa experiência. Houve só "uma fração de segundo em que a ameaça da loucura foi experienciada, mas a ansiedade neste nível é impensável" (1989vk/1994, p. 100), o que levou à organização das defesas e impediu que essas agonias fossem de fato vividas. O colapso permanece, desse modo, como um "não acontecido", habitando um "não lugar", insistindo, contudo, em ter direitos de existência e reconhecimento, em ser revivido de alguma forma e integrado.

Assim, apesar do medo da loucura, os indivíduos sentem necessidade de se aproximar dela, e regridem à dependência para reviver essas situações traumáticas. Entretanto, Winnicott considera que as agonias não acontecidas, em estado potencial, são reproduzidas parcialmente, já que se o colapso original "viesse a ser experienciado, seria indescritivelmente doloroso" (1989vk/1994, p. 100). O analista deve ser capaz de sobreviver à extrema tensão dessas regressões, que podem durar minutos ou dias, aceitando e compreendendo o sentido desses comportamentos enlouquecidos, tornando a loucura uma experiência administrável. Cada paciente aproxima-se em maior ou menor grau da experiência da loucura, dependendo de sua força egóica e do holding analítico.

A regressão à dependência forma parte do processo de cura, embora "trate-se de algo que é sempre extremamente doloroso para o paciente" (1955d/2000, p. 388). Experienciar a loucura no setting analítico possibilita ao paciente o resgate do si-mesmo, pessoal e criativo, que se mantinha oculto e congelado. Após ter revivido esses traumas precoces - os estados de não integração da dependência absoluta - o indivíduo pode voltar a ser, recuperando sua espontaneidade e criatividade e passando a correr os riscos de experimentar a vida.

A regressão terapêutica propicia, desse modo, o progresso em direção à independência; um "novo início" (1955d/2000, p. 384), em que o indivíduo reencontra o si-mesmo, desfazendo-se do sistema defensivo do falso si-mesmo patológico e retomando seu verdadeiro crescimento. Ao recuperar o si-mesmo, o indivíduo pode sentir-se real e autêntico, estabelecendo um ponto de partida para retomar o processo de amadurecimento, enriquecendo-se, daí por diante, com as experiências da vida.

 

Semelhanças e diferenças

Para apontar semelhanças e diferenças na clínica do trauma em Ferenczi e Winnicott, vamos, em função da clareza da exposição, abordar primeiro a concepção do trauma em ambos os autores e, depois, suas propostas clínicas.

Encontramos consideráveis diferenças no que diz respeito aos acontecimentos empíricos que ocasionariam traumas. Em Ferenczi, o modelo do acontecimento traumático desestruturante é o abuso sexual por parte de um adulto sobre uma criança. Em Winnicott, o traumático consiste no fracasso ambiental em atender às necessidades psíquicas do infante, ou seja, as falhas em proteger a continuidade de ser do bebê. Em primeiro lugar, notamos a diferença entre o caráter sexual do trauma ferencziano - embora Ferenczi admita que existam acontecimentos traumáticos que fogem desse modelo teórico - e o caráter não-sexual do trauma winnicottiano, já que, como vimos, a proteção da continuidade de ser ou sua ruptura não remetem a uma questão sexual. Em segundo lugar, vemos que o trauma ferencziano é brutal, ruidoso e violento, enquanto o trauma winnicottiano pode ser sutil e silencioso. Para sermos mais precisos, devemos reconhecer a violência do traumático para os dois autores, mas, enquanto para Ferenczi tratar-se-ia de um acontecimento de violência explícita, para Winnicott poderia não haver violência explícita, nem sequer um acontecimento positivo, tratando-se de um "não acontecido". Em terceiro lugar, vemos que a noção de trauma remete a épocas diferentes do desenvolvimento para Ferenczi e para Winnicott. Ferenczi teoriza um trauma que acontece a uma criança ou a um infante, provocando a ruptura de um eu já constituído. A devastação egóica do trauma ferencziano pressupõe uma estruturação psíquica já alcançada14. Em Winnicott, o trauma acontece no início da vida, quando o bebê está começando seu processo de amadurecimento.

Outro aspecto da teoria do trauma em que encontramos certa proximidade conceitual, em ambos os autores, é em relação à agonia provocada pela violência do trauma. Ferenczi descreve essa agonia como "uma grande dor...sem conteúdo de representação" (1985/1990, p.64) utilizando sempre metáforas que aludem à idéia de morte psíquica e do que seria insuportável ou incompreensível para a criança. Winnicott refere-se a "agonias impensáveis", enfatizando que tem necessidade de utilizar um termo mais forte que "angústia ou ansiedade (anxiety)", já que se trata de uma agonia que diz respeito ao aniquilamento do ser. Os dois autores aludem à idéia de morte psíquica e de aniquilamento em relação a essas agonias, destacando o caráter de "não-representação" (Ferenczi) ou "impensável" (Winnicott). Eles apontam para um tipo de angústia que não poderia ser concebida, representada ou simbolizada. Entendemos que descrevem um tipo de angústia irredutível à angústia da castração e ao conflito edípico, e que exige uma defesa mais radical que o recalque: a cisão. Contudo, permanece a distinção entre as agonias impensáveis, muito precoces, que acontecem numa época em que nem sequer existe um si-mesmo unitário que possa experienciá-las, e a dor sem representação ferencziana, que aconteceria numa época mais tardia.

Talvez o ponto em que são mais significativas as semelhanças teóricas entre esses autores reside na clivagem narcísica descrita por Ferenczi e a cisão patológica entre o verdadeiro e o falso si-mesmo. A clivagem ferencziana compõe-se, basicamente, de dois fragmentos: um destruído e oculto e outro que amadurece artificialmente, submetido ao agressor, sábio e culpado. Para Winnicott, a cisão patológica compõe-se de um verdadeiro si-mesmo oculto e empobrecido e um falso si-mesmo cujo traço predominante é a submissão às exigências do ambiente.

Em ambas as teorizações descrevem-se, por um lado, o quase-aniquilamento de uma parte de si e, por outro, o desenvolvimento artificial da outra parte, numa obediência e adaptabilidade extremas em relação ao mundo exterior. Até os termos utilizados coincidem. Como vimos, Ferenczi faz referência, entre outras expressões similares, à "aniquilação do sentimento de si" (1932/1992, p. 109), a "criar uma espécie de psique artificial" (1985/1990, p.41), ao "mundo exterior (uma vontade estranha) que se afirma às minhas custas" (1985/1990, p.150), expressões que poderiam tranqüilamente ser descrições winnicottianas do verdadeiro e do falso si-mesmo. Também a relação que se estabelece entre ambos os fragmentos cindidos é significativamente similar nas duas teorias, já que para os dois autores, um dos fragmentos - o amadurecido artificialmente ou falso si-mesmo - tem como função proteger a outra parte de si e, para exercer essa proteção, paga o preço de sacrificar a parte protegida e de se tornar tão obediente e adaptável "que perde a sua forma própria" (Ferenczi, 1932a/1992, p109).

Entretanto, essas curiosas coincidências têm algumas restrições. Antes de tudo, quando Ferenczi teoriza sobre a clivagem, refere-se sempre a fragmentos do eu, sendo o eu já constituído a unidade que se fragmenta, o que pressupõe, como vimos, uma total destruição e transformação do eu precedente. Quando Winnicott teoriza sobre a cisão entre verdadeiro e falso si-mesmo, os fragmentos cindidos são partes do si-mesmo, categoria central no pensamento winnicottiano e inexistente no ferencziano. Como o trauma em Winnicott ocorre muito no início, a cisão patológica entre verdadeiro e falso si-mesmo não age cindindo um si-mesmo coeso, mas prejudicando o próprio desenvolvimento do si-mesmo e os processos integrativos, particularmente o estabelecimento de um contato criativo com o mundo.

Além disso, encontramos diferenças em relação à parte de si oculta e ameaçada de aniquilamento, que corresponde ao eu da linguagem da ternura ferencziano e ao verdadeiro si-mesmo winnicottiano. Ainda que esse caráter de quase-destruição e ocultamento coincida nas duas perspectivas, não podemos fazer corresponder teoricamente a noção do eu da linguagem da ternura, que se articula com a idéia de sexualidade infantil terna e de estádio da ternura (amor objetal passivo) à noção de si-mesmo, que se articula com a idéia de gesto espontâneo e de criatividade e se torna, a partir da década de 60, uma das noções principais do pensamento de Winnicott. Vemos também que o fragmento amadurecido artificialmente, na visão ferencziana, embora, na submissão e na adaptabilidade, coincida com o falso si-mesmo winnicottiano, tem como traço principal a culpa, resultado da identificação com o agressor, o que não constitui uma característica do falso si-mesmo.

Em relação à abordagem clínica dos indivíduos traumatizados, portadores de agonias indizíveis, Ferenczi e Winnicott coincidem em vários aspectos.

Para ambos os autores, no tratamento desses pacientes graves, a interpretação perde o valor terapêutico. Ferenczi foi pioneiro em questionar os limites da palavra e da eficácia da interpretação com aqueles pacientes que regridem ao infantil, que só são "sensíveis à benevolência materna". Contudo, Winnicott é quem vai teorizar a ênfase no manejo do setting em lugar da interpretação, articulando de forma explícita o setting analítico e os cuidados ambientais primitivos.

Ambos ressaltam a importância da confiabilidade do analista como condição indispensável do trabalho terapêutico com pacientes graves. Ferenczi enfatiza e leva ao extremo a sinceridade do analista, para garantir a confiança do paciente. Sua preocupação com o par confiança-sinceridade o levou a experimentar a análise mútua, em que, para ganhar e manter a confiança do paciente, o analista devia confessar seus sentimentos íntimos, especialmente os afetos contratransferenciais hostis. Winnicott não baseia a confiabilidade analítica na confissão do analista, mas em sua capacidade de oferecer um ambiente de holding ao paciente, ou seja, em sua adaptação ativa às necessidades do paciente. Como na concepção de Ferenczi o fator decisivo para que um trauma seja patogênico é o desmentido do adulto - a hipocrisia adulta -, ele entende que a sinceridade analítica é o elemento crucial para estabelecer um contraste entre a situação analítica atual e o passado traumatizante. Em Winnicott, como as falhas ambientais traumatizantes consistem no fracasso do ambiente em atender às necessidades do bebê, o elemento essencial para corrigir a falha precoce é a sensibilidade analítica para atender às necessidades do paciente/bebê, ou seja, um ambiente de holding. Entretanto, ambos referem-se ao analista compreensivo, destacando o valor da empatia do analista e de sua identificação com o paciente.

Os dois autores dão um valor positivo às falhas do analista, concebendo-as como reedição de falhas do início da vida. Nesse sentido, para ambos, as falhas são inevitáveis, porque o analista não poderia cuidar de seu paciente de forma incondicional e perfeita, revelando-se mais cedo ou mais tarde como uma pessoa separada desse paciente, o que seria vivido por este como uma falha. Contudo, para Ferenczi, o valor das falhas reside em aumentar a confiança do paciente, enquanto, para Winnicott, os analisandos usam as falhas analíticas para poder reagir aos fracassos ambientais de outrora. Em Winnicott, os erros do analista permitem ao paciente se posicionar de forma diferente diante dos fracassos originários, podendo, pela primeira vez, sentir raiva e zangar-se com as falhas pretéritas. As falhas analíticas, valorizadas por Ferenczi, adquirem em Winnicott uma dimensão maior, de via privilegiada para reviver as falhas ambientais traumatizantes e para o processo de cura.

Vejamos, finalmente, a concepção da regressão para os dois autores. Tanto Winnicott quanto Ferenczi positivam a regressão e consideram que não é possível se lembrar da situação traumática a não ser através de reviver ou reproduzir o trauma. Ambos trabalham com a noção do pré-verbal, do impensável ou do não-representado. Em ambos a noção de regressão afasta-se da idéia freudiana de regressão aos pontos de fixação libidinal, aludindo ao movimento de reviver uma situação que inclui o indivíduo e o ambiente; como é o desencontro entre as necessidades psicológicas do bebê e os cuidados maternos ou, em termos ferenczianos, o desencontro entre a necessidade infantil de ternura e a insensibilidade e a hipocrisia dos adultos.

Tanto na "regressão ao infantil" quanto na "regressão à dependência", é fundamental que os afetos, que no passado não puderam ser vividos, sejam sentidos e vividos "pela primeira vez" no presente da situação analítica. O valor da regressão não é o retorno ao passado, mas a possibilidade de entrar em contato com sensações de extrema dor, de quase morte, de forma inédita, no presente. Para os dois autores, só é possível regredir e ir ao encontro dessas sensações de aniquilamento e vazio quando a postura analítica favorece esse movimento. Não se trata somente de estabelecer a confiabilidade analítica para possibilitar a regressão, mas da capacidade do analista de acompanhar e suportar os pacientes regredidos e enlouquecidos. Ferenczi enfatiza que o analista deve ser "compreensivo", ou seja, deve ter a capacidade de se identificar com o paciente para que essa regressão seja terapêutica. Winnicott trabalha com a noção de holding do analista, que alude também à capacidade analítica de se identificar com o paciente. Porém, o holding analítico é um conceito muito mais elaborado e complexo que a simples compreensão analítica, já que se articula com o holding dos cuidados ambientais originais e com a concepção de amadurecimento, adquirindo matizes e sentidos inexistentes em Ferenczi, como a noção de sobrevivência do analista, de não-retaliação, a diferença entre desejos e necessidades do paciente etc.

Winnicott considera que a regressão representa, para o paciente borderline ou psicótico, a esperança de uma nova chance. Em Ferenczi, não encontramos a noção de esperança na regressão, e, ainda que esta possa estar implícita, não tem o estatuto teórico que adquire na obra de Winnicott.

Os objetivos terapêuticos procurados com a regressão são também diferentes para ambos. Em Ferenczi, o objetivo é "eliminar ou reduzir a clivagem" (1985/1990, p. 73), liquidando o trauma. Em Winnicott, também encontramos o objetivo de reduzir a cisão, mas, o mais importante, é o resgate do si-mesmo, o reencontro com o gesto criativo e espontâneo pessoal para, com base nisso, poder sentir o mundo e o si-mesmo como reais e, assim, experienciar a vida.

De uma forma mais geral, enquanto Winnicott enfatiza a importância da continuidade da vida, concebendo o crescimento psíquico saudável como uma linha de desenvolvimento suave e sem tropeços, Ferenczi ressalta as rupturas, as catástrofes traumáticas inevitáveis. Assim, para este último, a tarefa terapêutica consiste em ajudar o analisando a liquidar e integrar o traumático, num interminável processo de elaboração dos sucessivos traumas - estruturantes e desestruturantes - que ocorrem ao longo da vida. Para Winnicott o trabalho terapêutico propõe-se a restabelecer a continuidade que teria sido interrompida por traumas e cisões, para que o processo de amadurecimento possa prosseguir.

Entretanto, apesar do valor que representa para a saúde psíquica, na perspectiva de Winnicott, a continuidade da vida, esta, na sua visão, seria sempre rompida. Em 1965, ele reflete sobre "uma certa experiência de loucura" que seria "universal" (Winnicott, 1989vk/1994, p. 96), que todos nós teríamos vivenciado na remota infância. Já que não há como pensar um ambiente tão perfeito que não falhe nunca, todos nós teríamos sido afetados em alguma medida por uma "tensão excessiva" (1989vk/1994, p. 96), resultando na experiência da loucura. Assim, o ser humano não escaparia da experiência traumática e da loucura. E nesse sentido, Ferenczi e Winnicott se aproximariam novamente, já que ambos entenderiam que a existência humana é inevitavelmente traumática15.

Para concluir, vemos que há em Winnicott ecos e ressonâncias das inquietações e intuições de Ferenczi. Não se trata de afirmar que, por exemplo, a teoria de Winnicott sobre a cisão patológica entre o verdadeiro e falso si-mesmo ou suas propostas clínicas baseadas na confiabilidade analítica e na regressão, já "preexistiam" em Ferenczi, numa leitura reducionista e simplificadora. A concepção de Winnicott sobre a clínica dos traumatizados - ou cindidos - é indissociável de sua visão mais abrangente sobre o amadurecimento humano e de vários outros conceitos de sua obra, que nem foram aqui abordados pelos limites do presente trabalho. Contudo, sem pretender homogeneizar seus pensamentos, entendemos que Ferenczi e Winnicott apresentam significativas convergências no que diz respeito a uma clínica do trauma.

 

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Enviado em 1/6/2008
Aprovado em 13/9/2008

 

 

1 Este artigo é uma versão modificada e significativamente ampliada de um trabalho anterior intitulado "A noção de trauma em Ferenczi e Winnicott" (Lejarraga, 2007).
2 Na teoria das catástrofes, a constituição psíquica individual reproduz a evolução filogenética, de inspiração lamarkiana, segundo a qual os seres vivos são levados a mudar impelidos por transformações bruscas no meio ambiente e não por uma tendência evolutiva natural. A ontogênese repete a filogênese. Assim, o nascimento do indivíduo repete a secagem dos oceanos, constituindo a perda fundamental do meio líquido do corpo materno, deixando cicatrizes traumáticas "arquioriginárias" (Ferenczi, 1985/1990, p. 120). Ferenczi teoriza sobre as catástrofes traumáticas, tanto na evolução das espécies quanto na constituição psíquica individual, no seu livro "Thalassa, Ensaio sobre a teoria da genitalidade", escrito em 1914 e só publicado em 1924 (cf Ferenczi, 1924/1990).
3 Embora o modelo teórico da confusão de língua remeta ao abuso sexual, o abuso também pode ser, segundo Ferenczi, um castigo físico excessivo ou a própria hipocrisia do adulto sobre a criança.
4 Quando Ferenczi trabalha a noção de linguagem da ternura infantil, entendemos que a ternura remete tanto à modalidade particular do erotismo infantil, diferente do adulto, quanto à necessidade infantil de ternura, sobretudo materna, o que é denominado "amor objetal passivo ou estádio da ternura" (1933/1992, p. 103).
5 Embora a noção ferencziana de confusão de língua possa ser interpretada como o desencontro radical entre o mundo infantil e o mundo adulto, inerente à condição humana, trabalhamos neste texto a acepção mais restrita dessa noção, ponto de origem de um trauma patogênico, tal como é descrita no texto "Confusão de língua entre os adultos e a criança" (1933/1992).
6 "Orpha" e "forças órficas" eram expressões utilizadas pela paciente R.N., citada por Ferenczi em seu "Diário clínico", para se referir a "instintos vitais organizadores", que ajudam a criança a sobreviver à catástrofe traumática. Quando "Orpha" é convocada, o ser violentamente agredido sobrevive, ao custo da atomização da vida psíquica e de "criar uma espécie de psique artificial para o corpo obrigado a viver" (Ferenczi, 1985/1990, p. 41).
7 Ferenczi faz várias referências à perda da espontaneidade como resultado da comoção traumática, como nesta frase: "Isso nos permite entrever o que constitui o mecanismo da traumatogênese: em primeiro lugar, a paralisia completa de toda a espontaneidade,[...]" (1931/1992, p.79).
8 No "Diário clínico", a nota inteira está em inglês: "Understanding is eo ipso identification. One cannot really understand without identifying with the subject" (1985/1990, p. 229).
9 Nas palavras de Elsa Oliveira Dias: "Em termos do amadurecimento pessoal, a questão fundamental que se põe, já neste início, relaciona-se com a oposição entre espontaneidade e reatividade, oposição que estará presente, em crescente complexidade, ao longo da vida" (Dias, 2003, p. 158).
10 Em 1963, Winnicott prefere utilizar o termo "agonia primitiva ou impensável", já que, segundo ele, "ansiedade (anxiety), aqui, não é uma palavra suficientemente forte" (1974/1994, p. 72).
11 Nas palavras de Winnicott: "A mãe que é capaz de se devotar, por um período, a essa tarefa natural, é capaz de proteger o vir-a-ser de seu nenê. Qualquer irritação, ou falha de adaptação, causa uma reação no lactente, e essa reação quebra esse vir-a-ser" (1965r/1990, p. 82). Para efeitos deste trabalho, consideramos como termos indistintos "vir-a-ser" e "continuidade de ser".
12 Winnicott considera que, quando um paciente está regredido, o analista deve lidar com necessidades e não com desejos, já que na dependência absoluta o que está em jogo são as necessidades psíquicas primárias do bebê e não os desejos sexuais, que são posteriores genealogicamente (cf Winnicott, 1955d/2000, p. 385).
13 Cabe lembrar que o holding e a confiabilidade do analista não são aspectos exclusivos da clínica de pacientes regressivos, constituindo a base de qualquer processo psicanalítico na concepção de Winnicott. Na clínica de pacientes borderline e psicóticos, esses aspectos se tornam essenciais, exigindo do analista um cuidado especial com os mesmos, porque a regressão à dependência vai reeditar justamente o fracasso do holding e da confiabilidade do ambiente precoce.
14 É importante lembrar, como já foi mencionado, que para Ferenczi toda a vida do sujeito é marcada por traumas, desde o nascimento, o que relativizaria a afirmação acima. Entretanto, a concepção de Ferenczi dos traumas patogênicos, teorizada nos escritos de 1930 a 1933, situa essas experiências traumáticas, predominantemente, em crianças que já possuem um eu constituído. Ferenczi faz alusão a traumas patogênicos arcaicos em algumas passagens de sua obra, como, por exemplo, no texto "A criança mal acolhida e sua pulsão de morte" (Ferenczi, 1929/1992), em que se refere aos efeitos traumáticos das crianças tratadas com rudeza e falta de ternura na primeira infância. Contudo, essas modalidades de trauma precoce patogênico estão apenas apontadas, sem chegar a ser desenvolvidas teoricamente.
15 Contudo, Winnicott considera que existem, grosso modo, dois tipos de pessoas: aquelas que não têm uma experiência significativa do colapso mental e aquelas que a têm. Ou seja, embora uma certa experiência da loucura seja universal, em algumas pessoas essa experiência não chega a ser significativa, enquanto em outras - como nos casos limítrofes -, essa experiência leva os indivíduos a estarem sempre fugindo dela, ameaçados por ela, flertando com ela (cf 1989vk/1994, p. 96). Se a experiência da loucura não é significativa, podemos pensar que, ou ela não chegou a romper a continuidade do ser, não se constituindo propriamente como uma experiência traumática, ou essa ruptura aconteceu, mas foi corrigida por cuidados ambientais posteriores. Duvidamos, então, se seria adequado dizer que, para Winnicott, a existência humana é inevitavelmente traumática.