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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.10 n.2 São Paulo dez. 2008

 

TRADUÇÕES

 

O problema da dependência em Ser e tempo

 

The problem of dependence in Being and time

 

 

Jeff Malpas

School of Philosophy, University of Tasmania Email: Jeff.Malpas@utas.edu.au

 

 


RESUMO

Para qualquer um interessado no lugar da espacialidade no pensamento de Heidegger, um dos principais problemas apresentados por Ser e tempo é a tentativa, feita no § 70, "de derivar o existencial espacialidade a partir da temporalidade". Esta tentativa, que foi considerada "insustentável" pelo próprio Heidegger, mostra-se não ser meramente periférica na análise global. Pelo contrário, ela se liga a certos aspectos centrais e problemáticos no argumento de Ser e tempo, no qual está incluído o tratamento de conceitos espaciais e topográficos em geral, aspectos estes que podem ser vistos como associados ao fracasso do projeto aí ensaiado. Contudo, o argumento do § 70 não suscita apenas questões a cerca do tratamento da espacialidade feito por Heidegger, mas também no que respeita à própria noção de "derivação": se e como é efetivamente possível tal derivação, e de que modo poderia ser entendida a dependência que ela implica. Uma das características centrais da análise desenvolvida em Ser e tempo é o movimento que parte das estruturas da cotidianidade para fundá-las no cuidado, transitando a seguir para a estrutura da temporalidade, e chegando finalmente na estrutura ekstática da temporalidade originária. O que é exibido nesse movimento não é uma relação de dependência, mas uma série de relações que estão supostas. É no interior desse movimento global que estão embutidas dependências mais específicas, inclusive a relação de dependência entre espacialidade e temporalidade. A questão geral da dependência conceitual ou estrutural que aparece aqui, entendida especificamente em termos de "derivação" ou nos termos das noções correlatas de "fundação" ou "fundamentação" (todas as três idéias empregadas pelo próprio Heidegger), também possui uma relevância que se estende muito além das análises de Ser e tempo, sendo central para a investigação fenomenológica e, de fato, para a investigação filosófica como tal. O que está em jogo nessa questão é a natureza e a base para o ordenamento de conceitos e estruturas, que é uma preocupação central da análise fenomenológica e filosófica. Minha intenção aqui é a de explorar da derivação tal como surge no âmbito de Ser e tempo, mas também prestando atenção para o contexto mais amplo no qual pode-se dizer que a questão também emerge - uma exploração que também nos levará para certas questões sobre espaço e topologia.

Palavras-chave: Heidegger, Ser e tempo, Dependência estrutural, Derivação, Espacialidade.


ABSTRACT

For anyone interested in the place of spatiality in Heidegger's thinking, one of the key problems presented by Being and Time is Heidegger's attempt, in §70, "to derive existential spatiality from temporality" [i] - an attempt he himself referred to as "untenable" [ii]. This attempt turns out to not to be merely peripheral to Heidegger's overall analysis, but is instead tied to certain central and problematic features in the argument of Being and Time, including its treatment of spatial and topographic concepts in general, that can themselves be seen as associated with the failure of the project attempted there. The argument of §70 does not raise questions only about Heidegger's treatment of spatiality, however, but also regarding the notion of "derivation" itself - about how and whether such derivation is indeed possible in general, and how the dependence that it entails might be understood. One of the central features of the analysis developed in Being and Time is its movement from the structures of everydayness to the grounding of that structure in care, thence to the structure of temporality, and finally, of course, to the ecstatic structure of originary temporality. What is exhibited in this movement is not one, but a series of supposed dependence relations, and it is within that overall movement that more specific dependencies, including that between spatiality and temporality, are themselves embedded. [The general question of conceptual or structural dependence that appears here, whether understood specifically in terms of "derivation" or in terms of related notions of "grounding" or "foundation" (all three ideas being deployed by Heidegger himself), also has a relevance that extends far beyond the analyses of Being and Time, and is central to phenomenological, and indeed, philosophical, inquiry as such. What is at issue in this question is the nature and basis for the ordering of concepts and structures that is a central concern of phenomenological and philosophical analysis. My intention here is to explore this question of derivation as it emerges within the framework of Being and Time, but also with an eye to the larger context in which the question can also be said to emerge - an exploration that will also, as it happens, returns us to certain questions of space and topology.

Keywords: Heidegger, Being and Time, Structural dependence, Derivation, Spatiality. 


 

 

Para qualquer um interessado no lugar da espacialidade no pensamento de Heidegger, um dos problemas-chave apresentados por Ser e tempo é a tentativa de Heidegger, no §70, de "derivar a espacialidade existencial a partir temporalidade"1 - uma tentativa por ele mesmo descrita como "insustentável"2. Essa tentativa se mostra como não sendo meramente periférica à análise global de Heidegger, mas, por se encontrar, em vez disso, ligada a certos aspectos centrais e problemáticos na argumentação de Ser e tempo, incluindo seu tratamento de conceitos espaciais e topográficos em geral, os quais podem eles mesmos ser vistos como associados ao fracasso do projeto lá empreendido. Contudo, a argumentação do §70 não levanta questões apenas sobre o tratamento que Heidegger dá à espacialidade, mas também em relação à própria noção de "derivação" - sobre como e se uma tal derivação é mesmo em geral possível, e sobre como a dependência que ela envolve deve ser compreendida.

Um dos aspectos centrais da análise desenvolvida em Ser e tempo é seu movimento que parte das estruturas da cotidianidade e segue até a estrutura do cuidado, dali até a estrutura da temporalidade, até finalmente, é claro, alcançar a estrutura ekstática da temporalidade originária. O que é exibido nesse movimento não é apenas uma, mas uma série de supostas relações de dependência, e é no interior de todo esse movimento que estão embutidas dependências mais específicas, incluindo aquela entre espacialidade e temporalidade.3 A questão geral sobre uma dependência conceitual ou estrutural que aparece aqui, se entendida especificamente em termos de "derivação" ou em termos das noções relacionadas de "embasamento" (grounding) ou "fundação" (foundation) (todas essas três idéias sendo manejadas pelo próprio Heidegger)4, tem também uma relevância que se estende para além das análises de Ser e tempo, sendo central para a investigação fenomenológica e até mesmo filosófica enquanto tal. O que está em jogo nessa questão é a natureza e a base da ordenação de conceitos e estruturas, que é uma preocupação central da análise fenomenológica e filosófica. Minha intenção aqui é explorar essa questão da derivação tal como emerge no interior da estrutura de Ser e tempo, porém mantendo concomitantemente um olho no contexto mais amplo em que a questão pode ser dita emergir - uma exploração que, portanto, enquanto se desdobra, irá nos retornar questões sobre espaço e topologia.

Heidegger se refere à série de conceitos e estruturas que aparecem em Ser e tempo usando um certo número de termos diferentes - falar de uma coisa como tendo sido "derivada de" (abgeleitet), "fundada" (fundiert), ou "baseada" (gegründet) constitui apenas três entre tais termos, e em vários momentos ele também fala sobre uma coisa sendo "primária" (primäre) em relação a uma outra, de uma coisa como tendo "precedência" ou "prioridade" (Vorrang) sobre uma outra; de uma coisa sendo "descendente" (abkünftig) ou "surgindo" (entspringt aus) de outra; de uma coisa sendo possível apenas por meio (nur möglich durch) de outra coisa; de uma coisa sendo "constituída" (konstituiert) em relação a outra coisa - e tal lista não é de modo algum exaustiva. Na discussão do caráter derivativo da espacialidade, Heidegger fala especificamente da temporalidade como a fundação (Fundierung) e solo (Grund) da espacialidade, bem como da espacialidade como "existencialmente possível" apenas pela temporalidade (Ver Being and Time, GA 2, pp. H367-9).

Nas páginas de Ser e tempo, Heidegger não fornece qualquer clarificação desses diferentes termos, nem mesmo indica se eles diferem substancialmente um do outro. No entanto, apesar da ausência de qualquer atenção explícita da parte de Heidegger em distinguir entre as diferentes noções em questão aqui, algumas distinções podem ser traçadas. Isso é especialmente óbvio com respeito à noção de "primazia" ou "prioridade". Apesar de aquilo do qual alguma coisa é derivada, ou em que ela é "fundada" ser ele mesmo "anterior" ou "primário" em relação àquilo que é "derivado" ou "fundado", nem todos os casos de primazia envolverão derivação ou fundação. Dessa forma, o futuro é primário em relação a outras ekstases temporais no interior da estrutura originária da temporalidade (Ver Being and Time, GA 2, pp.H329, H337, H340; ver também a discussão mais adiante sobre a equiprimordialidade), e assim também é prévia a compreensão no interior da estrutura do cuidado, e também aqui não é o caso de qualquer relação de derivação ou fundação - "o que foi" e o "presentificar" não são deriváveis ou fundados no porvir, e disposição, discurso e decadência não são derivados ou fundados na compreensão. Falar de "derivação" (como associado a ableiten) é, portanto, menos comum em Ser e tempo do que, por exemplo, falar em "embasamento" ou "fundação", com os primeiros termos sendo usados especificamente em referência à relação entre modos de tempo, tal como eles são "derivativos da temporalidade originária"5. Isso pode ser um motivo para supor que a idéia de "derivação" (na medida em que ela é mais proximamente ligada a termos tais como ableiten e abkünftig), tal como é usada em Ser e tempo, é ela mesma uma noção mais restrita do que aquelas de "embasamento" ou "fundação", não obstante ela possa ser vista como uma forma de "embasamento" ou "fundação".6

Em grande parte, as relações de dependência que aparecem em Ser e tempo - sejam de derivação ou fundação, primazia ou prioridade - têm de um modo geral um caráter assimétrico. Assim, a derivação tentada no §70 é uma em que espacialidade deve ser derivada de temporalidade, mas não vice versa. No entanto, não há nada na natureza da dependência como tal que exija essa assimetria. Desse modo podemos imediatamente distinguir entre duas formas básicas de dependência: dependência que é assimétrica ou "hierárquica" (exemplificada em Ser e tempo, pela relação entre espacialidade e temporalidade) e dependência que é simétrica, recíproca ou mútua. Além disso, como veremos brevemente, podemos encontrar exemplos em Ser e tempo de dependências que são tanto mútuas quanto hierárquicas.

Um exemplo particularmente útil de dependência mútua é aquele que é incorporado no círculo hermenêutico. Em sua formulação mais simples, expressa em termos de relação entre o todo e as partes tal como essas aparecem em meio à interpretação textual, a compreensão de um texto como um todo depende da compreensão de cada parte do texto, enquanto a compreensão de cada parte do texto depende da compreensão do todo. No círculo hermenêutico encontramos uma relação de dependência mútua entre o todo e as partes - e ainda mais, uma vez que cada uma dessas partes é necessária para a compreensão do todo, e uma vez que a compreensão de cada uma dessas partes é dependente da compreensão holística, temos assim uma relação de mútua dependência entre as partes (a compreensão de cada parte do texto sendo, indiretamente, dependente da compreensão de cada outra parte).7 Talvez o exemplo mais claro de dependência hierárquica, por contraste, seja aquele da simples dependência causal. Se o congelamento da pista causa um acidente de automóveis, então os dois eventos que são o congelamento da pista e o acidente podem ser vistos como hierarquicamente relacionados - o acidente é dependente do congelamento da rua, mas o congelamendo não é dependente do acidente. Esse exemplo então indica a forma pela qual a explicação freqüentemente (embora não sempre) envolve relações de dependência hierárquica. Assim eu posso explicar minha compra de um novo computador pela minha necessidade de ter um melhor equipamento que me permita realizar minha pesquisa, mas minha compra de um novo computador não explica, por si mesma, minha necessidade de realizar a pesquisa (o que não quer dizer que nós não possamos imaginar um caso no qual de fato explique, apenas nesse hipotético caso ela não o faz).

Pode-se tentar explicar as relações de dependência mútua e hierárquica usando a noção de condicionalidade necessária: se X é hierarquicamente dependente de Y, então Y será necessário para X, mas X não será necessário para Y; se X é mutuamente dependente de Y, então X será necessário para Y, e Y também será necessário para X. No caso da mútua dependência das partes em relação ao todo no círculo hermenêutico, a compreensão das partes é necessária para a compreensão do todo, a compreensão do todo é necessária para a compreensão das partes; no caso da dependência hierárquica exemplificada na relação causal entre eventos particulares, um evento, o congelamento da pista, é uma condição necessária para o outro evento, o acidente de automóveis (note-se que a relação de condicionalidade necessária é aplicada aqui apenas àqueles eventos particulares). Isso pode parecer uma simples e óbvia maneira de caracterizar as duas formas de dependência, mas, na realidade, apenas esclarece muito pouco e pode na verdade levar a confusão. De fato, já se pode ver dificuldades começando a emergir quando se tenta expandir a análise para os exemplos explicativos usados acima. Minha necessidade de pesquisar pode explicar a compra do computador, mas ela não o faz sendo-lhe uma condição necessária (ao menos, não sem circunscrever a descrição daquela compra de uma forma particular) - dadas certas condições de fundo, minha necessidade de pesquisar é a condição suficiente para a compra do computador. Talvez, então, precisemos apenas trazer à análise uma noção de condicionalidade suficiente. Certamente, a natureza da condicionalidade é tal que, se X é necessário para Y, então Y será suficiente para X, e, conseqüentemente, poderemos ver a idéia da dependência mútua como já incluindo a noção de suficiência em seu interior. A situação é menos simples, contudo, quando se trata da dependência hierárquica. Embora Heidegger pareça ver a dependência hierárquica que está em questão em sua descrição como muito semelhante à dependência hierárquica envolvida na explicação teleológica do tipo ilustrado pelo exemplo da compra do computador (de fato, William Blattner nomeia sua versão da dependência hierárquica como "dependência explicativa" ver Ver Blattner, Heidegger's Temporal Idealism, p. ???), sua caracterização em termos de condicionalidade suficiente é por si problemática, uma vez que Heidegger visa exibir uma certa exclusividade na dependência da estrutura do ser-aí na temporalidade - temporalidade é única no sentido em que é aquilo em que o ser-aí é baseado, e assim, sendo ou não suficiente, é certamente necessária para o ser-aí.

Podemos ficar tentados, então, a caracterizar a dependência hierárquica como se aplicando apenas àqueles casos onde um elemento é uma condição necessária e também uma condição suficiente para um outro (desse modo desconsiderando como hierárquicos os casos de dependência explicativa, tais como aqueles usados acima). Em tal caso, entretanto, os elementos que estão supostamente relacionados como hierarquicamente dependentes um do outro serão sempre encontrados combinados, e assim qualquer tentativa de exibir tal dependência irá ela mesma depender crucialmente de que se encontre uma maneira de distinguir entre os elementos a qual identifique o correto tipo de condicionalidade, de modo que se revele a dependência hierárquica que se encontra em questão. Falar de condicionalidade como tal, ou de necessidade e suficiência, então, será muito menos importante do que ter clareza da forma exata pela qual condicionalidade deve ser tomada, e isso é certamente verdade em relação à forma pela qual Heidegger conduz os assuntos em Ser e tempo.

A distinção entre dependência mútua e hierárquica é evidente em alguma bibliografia heideggeriana já existente - por exemplo, ela é uma distinção cuja forma essencial é notada por William Blattner (Ver Blattner, Heidegger's Temporal Idealism, p. 00) - e em Ser e tempo; o próprio Heidegger explicitamente chama atenção para uma forma de mútua dependência na idéia de "co-originalidade" (Gleichursprünglichkeit) - e essa idéia é particularmente importante para a nossa discussão8. Embora a idéia de co-originalidade apareça em diversos pontos ao longo de Ser e tempo (o índice de Ser e tempo compilado por Hildegard Feick lista 30 ocorrências9), Heidegger oferece apenas uma breve discussão em torno da noção. Ele escreve:

Se é assim que questionamos tematicamente o ser-em, sem dúvida não poderemos pretender esgotar a originalidade deste fenômeno, derivando-o de outros (Ableitung), isto é, mediante uma análise inadequada no sentido de uma redução. Todavia, a impossibilidade de se derivar (Unableitbarkeit) o que é originário não exclui uma variedade multiforme de características ontológicas constitutivas. Quando elas se mostram, são igualmente originárias do ponto de vista existencial. O fenômeno da igualdade originária (Ursprünglichkeit) dos momentos constitutivos foi, muitas vezes, desconsiderado na ontologia, na medida em que ela pretende, por métodos desabridos, comprovar a proveniência de tudo e de todos a partir de uma "base primordial" única e simples.10

O que está em jogo aqui é o fato de que o "ser-em" pode ser analizado em termos de certos elementos que lhe são constitutivos sem que esses elementos sejam tomados como sendo de alguma forma mais originários ou primordiais do que o "ser-em" como tal, e sem qualquer sugestão de que esses elementos sejam eles mesmos vistos como mais ou menos primordiais um em relação ao outro. Em outro lugar Heidegger usa a "co-originalidade" para descrever a relação entre, por exemplo, a autocompreensão do ser-aí de seu próprio ser e sua compreensão de ser o outro de si mesmo (Being and Time, GA 2, H13), entre a "liberação de uma totalidade de envolvimentos" e o "deixar algo ser envolvido em uma região" (Being and Time, GA 2, H110), entre ser-no-mundo, ser-com e co-ser-aí (Being and Time, GA 2, H114) e também, significativamente, entre as três ekstases da temporalidade.

O que esses diversos usos indicam é que, ao menos tal como Heidegger a vê, a co-originalidade de certos elementos não implica nada sobre se a estrutura que eles compreendem é dependente, como um todo, de alguma outra coisa; "liberar uma totalidade de envolvimentos" e "deixar alguma coisa ser envolvida em uma região" pode ser co-original, mas ambos parecem ser, de acordo com Ser e tempo, dependentes da temporalidade, enquanto não há nada mais primordial do que a unidade dessas três ekstases da temporalidade.11 Inicialmente, então, se vamos nos ater à própria apresentação de Heidegger, a co-originalidade dos elementos que são constitutivos de uma estrutura precisa ser compreendida em termos da forma pela qual esses elementos, tomados apenas em relação um ao outro, são igualmente básicos para aquela estrutura - são igualmente primordiais ou originários em sua relação.

A sustentação de uma tal dependência mútua parece se aplicar a cada uma das estruturas que são exibidas a cada ponto da análise de Heidegger do ser-aí. Ela certamente se aplica à estrutura do cuidado e à estrutura da temporalidade originária. A co-originalidade dos elementos constitutivos não descarta, contudo, a possibilidade de que possa existir alguma forma de prioridade entre esses elementos, e isso é claramente exemplificado no que diz respeito às ekstases da temporalidade. (Being and Time (GA 2, H329, H337, H340) - a primeira destas ocorrências é citada abaixo). O futuro, o passado e o presente parecem depender cada um do outro, e a inteira estrutura da originalidade da temporalidade é constituída em termos de suas inter-relações, e ainda, como observei acima, o primeiro desses elementos, o futuro, é claramente anterior em relação aos outros. Como Heidegger escreve:

O futuro tem uma prioridade [eine Vorrang hat] na unidade ekstática da temporalidade primordial e autêntica (ursprünglichen und eigentlichen) [...] temporalidade não surge primeiro por meio de uma seqüência cumulativa de ekstases, mas em cada caso temporaliza a si mesma em sua co-originalidade (Gleichursprünglichkeit). Porém, no interior da co-originalidade, os modos de temporalização são diferentes... O fenômeno primário (primäre Phänomen) da temporalidade primordial e autêntica é o futuro. A prioridade do futuro variará de acordo com as formas pelas quais a temporalização da temporalidade inautêntica é ela mesma modificada, mas ela ainda tomará a dianteira (zum Vorschein kommen) mesmo na espécie derivada (abkünftigen) de "tempo" (Being and Time (GA 2, H329; ver também H337, H340).

Essa passagem é digna de nota não apenas pelo que ela mostra sobre a relação de co-originalidade, mas em confirmar o ponto de que prioridade não precisa implicar derivação - a prioridade do futuro não implica que as outras ekstases sejam de alguma forma dele derivadas. Ao mesmo tempo em que afirma o caráter ordenado, ainda que não-derivado, dos elementos da temporalidade originária, Heidegger também se refere a um outro "tempo" que é derivado de tal temporalidade originária. A relação entre tempo "derivado", que parece se referir à temporalidade ordinária e temporalidade originária, pareceria ser uma relação de dependência, não obstante pareça claro que essa relação deva ser mais uma relação de dependência hierárquica do que de dependência mútua. Na verdade, em geral pareceria, dada a declarada intenção de Heidegger em promover uma "interpretação" temporal do ser-aí, que enquanto a relação "interna" entre elementos de várias estruturas que são exibidas ao curso da análise de Heidegger, pela espacialidade existencial até a temporalidade originária, é uma relação de dependência mútua (expressa por Heidegger em termos de "co-originalidade"), a relação entre aquelas estruturas enquanto tais é uma de dependência hierárquica. A imagem que assim se forma, então, é a de uma série de estruturas caracterizadas a partir de elementos dependentes, cada uma dessas estruturas sendo, por sua vez, hierarquicamente dependente de uma outra tal estrutura, até que a análise finalmente chega à temporalidade originária - embora uma das questões-chave aqui seja se uma tal combinação de dependência mútua e hierárquica é na verdade consistente e se Heidegger está correto em supor que uma estrutura de elementos mutuamente dependentes, isto é, co-originários, pode se manter em uma relação de dependência hierárquica com outra estrutura.

Enquanto num certo aspecto a dependência mútua permitirá um sentido de derivação, no qual qualquer elemento poderá ser "derivado" de outros elementos, é provavelmente mais útil distinguir entre o sentido de "derivação" que se aplica aqui e o que é certamente um sentido mais forte de derivação que parece se aplicar a casos de dependência hierárquica (uma diferença que é refletida quando se fala de elementos como "derivados" - uma forma de falar que não parece se aplicar apropriadamente a elementos que são mútua e não hierarquicamente dependentes). Isso parece ser de tudo o mais importante, se manteremos a distinção entre, de um lado, o sentido de "dependência", mas certamente não "derivação", que parece se seguir entre elementos co-originários (tal como se segue entre as ekstases da temporalidade originária), e, por outro lado, a "dependência" que pareceria se seguir dos casos de elementos ou estruturas hierarquicamente dependentes. A partir daqui eu usarei "derivação" apenas para me referir à dependência em questão na dependência hierárquica; todavia, tomarei "embasamento" e "fundação" como termos mais gerais que podem ser aplicados a casos de dependência mútua ou hierárquica.12 Esse último ponto é importante uma vez que ele permite a possibilidade de, mesmo que a idéia de uma dependência hierárquica deva ser abandonada, esse abandono não precisará envolver o abandono da idéia de solo (ground, Grund) - e essa idéia se mostra central ao pensamento de Heidegger que ultrapassa a análise empreendida em Ser e tempo.

Na discussão sobre a natureza das relações de dependência mútua e hierárquica do modo como essas se relacionam com a noção de condicionalidade, eu concluí que condicionalidade, como tal, não era de muita ajuda na elucidação da natureza da dependência que se encontra em questão na discussão de Heidegger das várias estruturas do ser-aí e suas relações. O que é muito mais importante é a forma exata que a condicionalidade ou dependência em questão deve tomar. Enquanto isso pode não ser inteiramente claro no caso da dependência mútua (embora aqui, de fato, a noção de condicionalidade mutuamente necessária seja provavelmente adequada), não pode haver quaisquer dúvidas que naqueles momentos de Ser e tempo em que alguma forma de dependência hierárquica se encontra em questão, o aspecto relevante no qual uma coisa é dita ser dependente de outra é em termos de significado: X é assim hierarquicamente dependente de Y enquanto Y é o significado de X, ou, em termos que Heidegger também empregará, enquanto Y fornece as condições sob as quais X é significativo ou "inteligível". De fato, é apenas isso que parece ser indicado pela própria caracterização de Heidegger do projeto de Ser e tempo como uma questão de exposição do "significado (Sinn) de Ser". Não apenas Heidegger caracteriza o objetivo de Ser e tempo como um todo em termos de sua idéia sobre significado, mas ele também usa essa idéia em um certo número de pontos na sua análise em relação a estruturas específicas que surgem como implicadas no interior dessa análise, incluindo a análise da estrutura do cuidado - temporalidade, que de fato deve ser exibida como o "significado ontológico" do cuidado (Being and Time (GA 2, H323-5).

Heidegger escreve que, ao questionar o significado, "nós estamos questionando o que torna possível a totalidade do todo estrutural articulado do cuidado na unidade de sua articulação, tal como nós a desdobramos" (Being and Time (GA 2, H324). Esse comentário se conecta com a prévia explicação de Heidegger sobre significado (Sinn) na discussão sobre compreensão. Lá ele escreve que: "significado é aquilo no interior do que a inteligibilidade (Verständlichkeit) de alguma coisa se mantém... Significado é o sobre-o-quê de uma projeção de termos a partir da qual alguma coisa se torna inteligível como alguma coisa" (Being and Time (GA 2, H151). Questionar o significado, nesse sentido, é questionar as "condições de possibilidade" em que a inteligibilidade encontra seu solo ou sua origem - e aqui os elementos "transcendentais" kantianos na abordagem de Heidegger são claramente evidentes (como é a noção associada da idéia kantiana de uma "analítica"). Além disso, a forma pela qual "projeção" toma parte nesse quadro deveria também indicar a forma pela qual essa descrição de significado está previamente ligada à descrição de Heidegger de "existência". Existência é o modo de ser próprio ao ser-aí, e é um modo de ser no qual a entidade, isto é, o ser-aí, compreende seu ser em termos de suas próprias possibilidades de ser (Ver Being and Time (GA 2, H12). De fato, a própria compreensão é caracterizada em termos de projeção de tais possibilidades (Veja, por exemplo, Being and Time (GA 2, H143-44). A idéia de que a investigação sobre "significado" é uma investigação sobre o "sobre-o-quê" de uma projeção implica, assim, em meio ao contexto de Ser e tempo, que a questão do significado é fundamentalmente "existencial", e que a investigação sobre o significado é uma investigação sobre as existenciais condições de possibilidade da inteligibilidade. Falar de "existenciais condições de possibilidade" imediatamente sugere uma conexão com a forma pela qual Heidegger fala da derivação da espacialidade como uma questão de exibição da "possibilidade existencial" da espacialidade na temporalidade (embora seja provavelmente digno de nota que Heidegger não se refere a tal derivação em termos de exibição do "significado" da espacialidade). Se o que está em questão é o "significado" do cuidado, então a compreensão do significado de cuidado, compreensão das condições de sua inteligibilidade, será uma questão de articular aquele conceito singular unificado (o sobre-o-quê de sua projeção) que nos permite explicar a unidade do cuidado em sua própria diferenciada (embora unificada) estrutura. Na descrição de Heidegger, nesse sentido é a temporalidade que funciona como o significado do cuidado, e assim a tarefa de exibir a unidade em que reside a possibilidade de cuidado significa exibir a unidade intrínseca da temporalidade como tal.

É significante que Heidegger fale sobre a investigação acerca do significado, e o embasamento que ela visa atingir, em termos de uma questão de unidade - no caso do significado do cuidado, "aquilo que torna possível a totalidade do todo estrutural do cuidado, na unidade de sua articulação". Não apenas as idéias de unidade e ground parecem se co-pertencer intrinsecamente, mas unidade é um tema central e explícito ao longo de Ser e tempo. Heidegger diz, na frase que abre o capítulo VI sobre "O Cuidado como o Ser do Ser-aí", que "ser-no-mundo é uma estrutura que é primordial e constantemente total" (Being and Time (GA 2, H180), e o foco sobre unidade é repetidamente reiterado, tanto naquele capítulo quanto em outros lugares, parecendo constantemente levar adiante a argumentação de Ser e tempo. A preocupação com o significado é assim também uma preocupação com a explicação ou articulação da unidade - ela mesma uma versão do tema do solo - e a questão da unidade do ser pode, assim, ela mesma ser entendida como uma questão acerca da unidade do ser. Que a unidade de fato se encontra em questão aqui pode ser visto como derivando de um certo número de considerações, mas já é um tema evidente na idéia da situacionalidade que se encontrou no princípio dessa investigação. O descerramento ou o presentar-se das coisas em sua situacionalidade, e nosso próprio envolvimento em uma tal situacionalidade, é de fato uma reunião daquilo que de outra forma é diferenciado e separado. Para que o aí seja descerrado, para que o aí seja, portanto, situacionalidade, ou, um "aí", é apenas para que o aí seja uma certa sorte de ocorrência unificadora na qual a diferenciação é evidente. Esse foco sobre unidade pode ser discernido não apenas na idéia originária de uma "situacionalidade descerrante" como tal, mas também na história freqüentemente repetida por Heidegger acerca de seu suposto despertar para a filosofia através do presente de um livro de Brentano sobre a equivocidade do Ser em Aristóteles (Ver Heidegger, 'My Way to Phenomenology', em On Time and Being, p. 74 [Zur Sache des Denkens, p. 81]). Quer possamos ou não tomar essa história como biograficamente precisa, o que ela indica é a forma pela qual o problema da unidade e, de modo significante, como é bem claro no contexto aristotélico, o problema da irredutível complexidade da unidade, é mesmo um tema central no pensamento de Heidegger. Ser e tempo visa articular a unidade do ser, entendida através da idéia do significado como condição de "possibilidade existencial", e assim exibir a possibilidade de "ser em seu aí".

É bastante claro que a investigação acerca do significado ou unidade é tida por Heidegger como estabelecendo uma dependência hierárquica entre os elementos da estrutura em pauta - a investigação acerca do significado ou unidade deve exibir a temporalidade como a estrutura fundacional do ser-aí como um todo, bem como sendo aquilo de que as outras estruturas do ser-aí são dependentes como unitárias e significativas, mas de uma forma que não permite qualquer mutualidade na dependência em questão. Isso precisa se dar assim no caso da espacialidade existencial e na temporalidade originária, mas também precisa ser verdade no caso da estrutura do cuidado - como vimos, Heidegger fala da relação entre temporalidade e cuidado precisamente nos termos em que um se torna o "significado" do outro. Já deveria ser evidente que há certa tensão aqui, uma vez que ela sugere que a dependência em questão no caso da espacialidade existencial e da temporalidade originária será em seu caráter geral idêntica à dependência que se segue entre temporalidade e cuidado. De fato, é exatamente isso o que se identificou no quadro que sugeri acima, em que o ser-aí aparece constituído, em termos da análise de Ser e tempo, de uma série de dependências que poderiam ser chamadas de "verticais" ou "horizontais" - como uma série de estruturas, cada uma separadamente constituída em termos de uma série de elementos mutuamente dependentes, que são elas mesmas hierarquicamente dependentes. Mas se é a mesma forma geral de dependência que se aplica a todos esses casos, então é difícil ver por que não podemos ver a estrutura do cuidado como "derivada" de uma forma bastante próxima ao que vemos na espacialidade existencial e na temporalidade ordinária. Mais seriamente, talvez, é difícil ver por que não podemos ver a estrutura do ser-aí em sua totalidade como similarmente derivada. De fato, se exibir o significado ou unidade de uma coisa em alguma outra coisa é uma questão de exibir uma dependência hierárquica entre as coisas em questão, será que o projeto inteiro de Ser e tempo não está comprometido com uma demonstração da dependência hierárquica (com a implicação da derivação que daí se segue) entre ser-aí e temporalidade originária, entre ser e tempo?

O problema em questão neste caso em muito parece ser uma reflexão sober a falta de claridade na forma como as noções de dependência, derivação e aí por diante aparecem em Ser e tempo. Enquanto, por um lado, parece que se pode contar com certas diferenças na natureza das dependências e derivações com as quais Heidegger parece comprometido, por outro lado há muito pouca indicação explícita do que essas diferenças podem ser ou como devem poder ser configuradas. Assim, pode-se esperar que Heidegger veja a relação entre temporalidade originária e cuidado de uma forma diferente do modo como ele vê a relação entre temporalidade originária e temporalidade ordinária, e certamente cuidado nunca é dito ser uma estrutura "derivada" (abgeleitete, abkünftige) na forma como temporalidade ordinária é assim caracterizada, mas o problema nunca é sequer formulado, quanto menos, clarificado. Quando se trata de espacialidade, o título da seção em que aparece o argumento para o caráter "derivado" da espacialidade ("A temporalidade da espacialidade que é característica ao ser-aí"), e seu aparecimento seguindo imediatamente a interpretação temporal de Heidegger dos vários elementos do cuidado, podem levar a que se suponha que a descrição da temporalidade da espacialidade é exatamente paralela às descrições que ele empreende da temporalidade da compreensão, disposição e aí por diante. Mas não apenas o discurso de Heidegger sobre a temporalidade, como significado do cuidado não parece ser replicado por nenhuma referência direta à temporalidade como o "significado" da espacialidade existencial (embora ele de fato fale, como observei acima, da temporalidade como oferecendo a "possibilidade existencial" da espacialidade, e isso sugere uma conexão com a forma pela qual Heidegger compreende "significado"), como também a linguagem do "solo" e da "fundação" é mais proeminente na discussão sobre espacialidade tal como se relaciona ela à temporalidade do que na discussão entre temporalidade e a estrutura do cuidado (embora também não esteja ausente da anterior). Ademais, poder-se-ia esperar a descrição da espacialidade como "derivada" ser mais proximamente relacionada à descrição do status derivado da temporalidade ordinária - especialmente porque parece haver uma tendência da parte de Heidegger em associar espacialidade com o "ser em meio a" e o "presentificar", e também com "decadência". De fato, Heidegger alega que a forma pela qual idéias espaciais e imagens parecem dominar a linguagem e a conceptualidade, alguma coisa que ele reconhece como evidente em sua própria análise, é ela mesma um produto da tendência em difeção à decadência (Being and Time [GA 2], H369). Como cuidado, juntamente com a temporalidade originária, é ele mesmo essencialmente "decadente" (uma vez que esse é um de seus modos essenciais), e nem o cuidado nem a temporalidade são tomados associados com a decadência na forma em que espacialidade e temporalidade ordinária estão assim associadas.

Em sua introdução ao capítulo em que a análise temporal da estrutura do cuidado é levada a cabo, escreve Heidegger:

Nossa análise preparatória tornou acessível a multiplicidade de fenômenos; e não importa quão possamos nos concentrar na estrutura fundacional da totalidade do cuidado, ela não pode ser autorizada a desaparecer de nosso ponto de vista. Longe de excluir uma tal multiplicidade, a totalidade primordial da constituição do ser-aí o exige enquanto articulada. A primordialidade (Ursprünglichkeit) de um estado de ser não coincide com a simplicidade e unicidade de um elemento estrutural definitivo. A fonte ontológica do ser do ser-aí não é "inferior" ao que deve se segue, mas se eleva em seu poder desde o princípio; no campo da ontologia, qualquer brotar é degeneração. Se penetramos ontologicamente a "fonte", não chegamos a coisas que são onticamente óbvias para a "compreensão comum", mas sim o caráter questionável de qualquer coisa que se abra para nós. (Being and Time (GA 2, H334)

A idéia de que a investigação acerca da totalidade primordial do ser-aí requisita que retenhamos um sentido da estrutura diferenciada do ser-aí é um ponto crucial aqui que não pode ser negligenciado - é um ponto a que já me referi em termos de a idéia daquilo que está em jogo na questão da unidade do cuidado, e da mesma forma também na questão da unidade do ser-aí, é a unificação da estrutura do cuidado, e a do ser-aí, em toda sua complexidade. A dependência da unidade do cuidado ou do ser-aí da temporalidade originária não pode, portanto, ser tal que faça desaparecer sua complexidade ou multiplicidade - a unidade que interessa a Heidegger nunca é a unidade simples da singularidade ou da homogeneidade, mas sempre pressupõe o múltiplo, o heterogêneo, o diferenciado. É isso precisamente o que se reflete no emprego de Heidegger da noção de dependência mútua em termos de "co-originalidade dos elementos constitutivos". Na passagem acima, contudo, Heidegger parece insistir tanto que a tentativa de compreender a unidade fundacional do cuidado na temporalidade não deve ser tomada como impugnando a multiplicidade estrutural do cuidado, quanto que também o que é originário ou "primordial" na estrutura do ser-aí "eleva" o que "deriva" ou "brota" dele, e que qualquer coisa que "derive" dessa forma é "degeneração" - enquanto ele enfatiza, por um lado, a mútua dependência, ele também parece, por outro lado, remeter-nos à noção de dependência hierárquica. Ademais, aquela noção de dependência hierárquica parece ser expressa em termos muito fortes - o que é hierarquicamente dependente é, portanto, em termos ontológicos, uma degeneração daquilo de que ele depende.

A tensão entre dependência mútua e hierárquica é particularmente evidente quando consideramos a forma pela qual elementos co-originários devem, em virtude de sua dependência mútua, ser "constitutivos" da estrutura a que eles pertencem - a dependência mútua desses elementos proporciona uma articulação da unidade "interna" daquela estrutura. Isso claramente se aplica ao caso da temporalidade originária - sua unidade não consiste na unidade de um elemento simples, singular, mas é antes disso uma questão de "temporalização" das ekstases temporais enquanto elas se co-pertencem. Mas isso não se aplica apenas ao caso da temporalidade originária. A cada nível da análise de Heidegger em que uma estrutura co-originária é exibida, no nível da espacialidade instrumental e existencial, no nível do ser-com-os-outros, no nível do cuidado, encontramos estruturas que são constituídas pela dependência mútua que se encontra entre os elementos que os caracterizam - e desde que cada elemento é necessário para cada um dos outros, assim também cada elemento é, portanto, suficiente em relação a cada um dos outros, de modo que envolvem um sentido bastante forte em que essas estruturas se caracterizam a partir desses elementos co-originários. Estendendo-nos sobre a noção de unidade, podemos dizer que a unidade de uma estrutura que é constituída de elementos co-originários precisa consistir na articulação da dependência mútua entre esses elementos como tais. Isso imediatamente cria uma dificuldade para qualquer alegação que implique que o efeito da unidade de uma estrutura caracterizada a partir de elementos que são dessa forma mutuamente dependentes é ela própria hierarquicamente dependente de ("baseada em", "explicada por" ou o que seja) alguma outra estrutura. A dificuldade é como se segue: qualquer estrutura que seja constituída por uma porção de elementos co-originários precisa encontrar sua própria unidade na dependência articulada que se segue a partir desses elementos co-originários - exibir essa estrutura, e assim exibir sua unidade, é apenas exibir aquela articulação - mas nesse sentido, nenhuma referência a qualquer outra estrutura pode ser relevante para explicar a unidade própria da estrutura original aqui em questão; conseqüentemente, se uma estrutura exibe uma dependência mútua, então ela é, por esse próprio fato, uma estrutura que não pode ser hierarquicamente dependente de outra, a menos não em termos de sua própria unidade ou constituição.

É possível que uma estrutura particular, enquanto constituída ela mesma em termos de uma porção de elementos co-originários, ela própria seja, parte de uma estrutura maior, e assim entra em relação com outras estruturas no interior de um todo maior e mais abrangente. Uma questão pode, portanto, ser colocada a respeito da natureza da relação entre a estrutura original e qualquer outra das outras estruturas no interior de que ela se encontra localizada, ou, até mesmo, sobre a relação entre a estrutura original e o todo maior a que ela pertence. Pode ser que em alguns casos a relação encontrada seja de dependência hierárquica, mas isso só será assim onde a forma ou o modo de dependência em questão for distinto da forma ou o modo que se encontram entre os elementos co-originários que caracterizam aquela estrutura original. Assim pode-se supor, por exemplo, que o funcionamento do corpo humano é caracterizado por uma série de elementos vitais que são co-originários em termos de suas inter-relações uns com os outros, e em termos do papel que desempenham no funcionamento continuado daquele corpo. Entretanto, sua mútua dependência funcional não tem qualquer suporte naquilo que poderíamos tomar como sendo uma hierárquica dependência causal que se segue entre aquele corpo e o conjunto de causas físicas que o trouxeram à existência, ou entre aquele corpo e os outros corpos tal como podem constituir parte de um sistema social, cultural ou simbólico. Para uma estrutura de elementos mutuamente dependentes ser hierarquicamente dependente de uma outra estrutura é preciso que o modo de dependência hierárquica seja de um tipo diferente da mútua dependência que daí se segue. A dificuldade em Ser e tempo é que se trata do mesmo tipo de dependência que está em questão em termos de dependência mútua entre os elementos, como por exemplo na estrutura do cuidado, e na dependência hierárquica entre cuidado e temporalidade originária. De fato, se não fosse assim, então não apenas a unidade da temporalidade originária não serviria para descrever a unidade da compreensão, disposição, discurso e decadência no cuidado, como também, ironicamente, seria impossível para Heidegger chegar a uma descrição da temporalidade originária com base na descrição da estrutura do cuidado - se elas devem ser hierarquicamente dependentes, então cuidado e temporalidade precisam constituir unidades distintas, mas então não será possível tomar a estrutura do cuidado como fornecendo qualquer chave necessária para a estrutura da temporalidade.

As idéias de dependência mútua e hierárquica resultam, assim, ao menos em termos da forma pela qual se aplicam às análises de Heidegger em Ser e tempo, como estando em tensão uma com a outra. Acabamos de ver o modo pelo qual essa tensão aumenta com respeito à forma em que a unidade, ou o "significado" de várias estruturas que emergem na análise de Heidegger não pode ser explicada em termos de estruturas igualmente mútuas e hierárquicas. Mas não pode haver qualquer escolha aqui - não é como se, ao reconhecer uma dificuldade, Heidegger pudesse escolher abandonar a idéia de dependência mútua presente na noção da co-originalidade e escolhesse, em vez disso, tratar a descrição inteira como se pudesse decidir abandonar a noção de co-originalidade e tratar toda a análise como exibindo uma série de dependências hierárquicas. Para começar, isso resultaria numa simplificação inaceitável da estrutura complexa auto-evidente que é o ser-aí. Todavia, isso também levaria exatamente à posição que Heidegger descarta, de acordo com a qual a "totalidade primordial da constituição do ser-aí" coincidiria com a "simplicidade e a unicidade de um elemento estrutural e definitivo". De fato, a partir de uma tal descrição é difícil ver que ser-aí possa ser entendido como qualquer outra coisa além de uma simples temporalidade originária na auto-igualdade de sua pura "temporalização". Uma vez que nós aceitamos a complexidade da estrutura do ser-aí, e aceitamos a necessidade de manter um sentido daquela multiplicidade, então somos forçados a entender a unidade daquela estrutura - "a totalidade primordial de sua constituição" - como obtida em e por meio da articulação de elementos que caracterizam aquela unidade em sua co-originalidade, isto é, em sua dependência mútua.

Enquanto qualquer unidade pode ser tomada como exigindo que alguns elementos no interior daquela unidade tenham uma certa primazia no interior da estrutura unificada como um todo, tal prioridade não pode ser baseada numa relação de dependência hierárquica. Se a temporalidade original desempenha um papel na unidade do ser-aí, essa não pode ser alguma coisa separada da estrutura do ser-aí como um todo, o que significa que ela não pode estar numa relação de dependência hierárquica com aquela unidade - nem mesmo com outras estruturas que lhe são partes fundamentais. O que está em questão aqui ao se falar sobre unidade, é precisamente a unidade de uma entidade ou estrutura, não uma que possa ser imposta de fora, mas da entidade ou estrutura enquanto tal - da unidade que pertence à entidade enquanto tal. Nesse sentido, podemos dizer que a real unidade de uma coisa é ser encontrada em uma articulação interna de elementos que lhe caracterizam, e em suas inter-relações, mais do que em qualquer outra coisa que "imponha" uma unidade de "fora" (é isso apenas que é expresso na idéia de co-originalidade). De fato, qualquer tentativa de fornecer um princípio de unidade para alguma coisa (seja "entidade" ou "estrutura") que resida fora de alguma coisa, falharia em fornecer a unidade a essa coisa, ou, em termos heideggerianos, em seu próprio ser. É exatamente esse o ponto que aparece em Aristóteles, por exemplo, quando ele diz que coisas que são "de natureza" (paradigmaticamente, coisas vivas) são mais propriamente unitárias do que aquelas coisas que são "artesanais" (coisas que são feitas)13, e isso se relaciona diretamente a um ponto geral sobre a idéia de unidade tal como aparece no pensamento de Heidegger - a unidade que Heidegger normalmente tem em mente não é aquela simples, estática e completamente homogênea, mas antes disso aquela que é exemplificada pelas estruturas dinâmicas e complexas cuja unidade é portanto auto-unificadora. O que isso significa, contudo, quando se leva em conta a descrição da relação entre, por exemplo, o cuidado e a temporalidade originária, é que a exibição dessas relações que perfazem essa unidade não pode, estritamente falando, ser uma questão de mostrar como uma coisa é unificada por outra coisa, nem como uma coisa fornece as condições de inteligibilidade para outra coisa, mas sim mostrar como uma entidade ou estrutura simples e diferenciada e, portanto, uma estrutura de elementos co-originários e mutualmente dependentes, é afinal unificada, e essa unidade precisa ser exibida por meio da exibição do caráter exato das relações entre os elementos co-originários eles mesmos. Refletir sobre a forma pela qual isso se encontra em jogo no interior da problemática de Ser e tempo é o caráter do ser-aí como "um todo primordial e constante", é difícil ver como poderia ser diferente.

De fato, se levamos a sério o discurso de Heidegger sobre "significado" e "interpretação", tal como ele aparece em relação à tarefa de exibir as condições de possibilidade e assim a unidade que está em questão aqui, então uma óbvia conclusão a se tirar é que a natureza de uma tal unidade e, portanto da dependência entre elementos em que aquela unidade é baseada, precisa ser uma de dependência mútua, exatamente do mesmo tipo que usei acima no exemplo da circularidade hermenêutica. No caso da interpretação textual, exibe-se as condições de significância do texto por meio de uma articulação daquilo que se pode chamar "unidade interna" do texto - ao se mostrar como o texto trabalha em conjunto com o todo. É claro, a forma como isso é feito pode ser caracterizada em termos de se encontrar algum princípio de unidade que unifique o texto, tal como se pode interpretar Otelo de Shakespeare como uma peça sobre os efeitos destrutivos dos ciúmes, mas qualquer que seja um tal "princípio" precisa pertencer propriamente ao texto como tal (e assim precisa estar relacionado a elementos do texto - de fato, ele aparecerá no texto apenas como articulado por esses elementos concretos) ou, caso contrário, fica-se sob o risco de uma imposição "arbitrária". Ademais, enquanto qualquer princípio que unifique dessa maneira possa ser dito possuir uma certa prioridade por ser aquilo que permite que o texto seja compreendido "em sua inteligibilidade", tal prioridade consistirá na forma pela qual aquele princípio se posiciona centralmente em meio à estrutura daquele texto, e então em uma relação com o texto como um todo - ele não implicará que o texto inteiro possa ser "derivado" daquele princípio, nem precisará implicar que o princípio será o único elemento explicador em atividade no texto (de fato, qualquer texto interessante terá quase sempre uma multiplicidade de princípios que lhe são constitutivos). Se o conceito de ciúmes é central para Otelo, por exemplo, então poderíamos esperar que ele estivesse apto a funcionar em relação às cenas-chave, personagens e tudo mais, à medida que vão ocorrendo ao longo da peça, e não apenas com relação a algumas poucas cenas ou a uma parte da obra. No caso do projeto de Ser e tempo, podemos dizer que o que Heidegger tenta nessa obra é mesmo uma "interpretação" do ser, ou, particularmente, dado o caráter truncado da obra, uma interpretação do ser do "aí", que se move sucessivamente a fim de descobrir a estrutura do "aí" de uma forma mais básica e originária. Todavia, o que assim se descobre não é nada além do que o "aí" como tal, e a progressiva descoberta de elementos no interior do "aí" não envolve a descoberta de elementos separados enquanto tais, mas, ao contrário, envolve a descoberta da articulação interna do "aí" em sua unidade, enquanto a prioridade dada ao cuidado e à temporalidade permanece na forma pela qual esses elementos podem ser mostrados em uma relação central com outros elementos da estrutura.

Uma descrição tão "interpretativa" ou "hermenêutica" daquilo que está envolvido na exibição da unidade, significado ou bases de possibilidade de uma estrutura é o que eu tenho desenvolvido em outros contextos como a base para a compreensão da natureza do assim chamado "argumento transcendental"14. De fato, parece que a maioria dos problemas que deveriam resultar em modos transcendentais de proceder deriva do tratamento do argumento transcendental como baseado na demonstração de uma forma de dependência hierárquica ao invés de mútua. Neste aspecto, é interessante notar a similaridade entre uma crítica comum de modos de proceder transcendentais e um problema que também parece afetar a posição de Heidegger. Stephan Körner notadamente afirma que os argumentos transcendentais não podem lograr, visto que precisam demonstrar não apenas que certa estrutura é necessária para a possibilidade de uma outra entidade ou estrutura (e, portanto, demonstrar uma forma de dependência herárquica), mas também que a estrutura é unicamente requerida desta forma15. De maneira similar, o argumento de Heidegger quanto à dependência hierárquica das estruturas do ser-aí na temporalidade originária não será de nenhum proveito se essa dependência não for única à temporalidade originária - se, por exemplo, alguma outra estrutura, digamos um modo de espacialidade, é também necessária com temporalidade originária. Parece que não há uma maneira de Heidegger controlar isto, portanto, não há maneira de ele demonstrar o que podemos chamar de dependência hierárquica única do ser-aí na temporalidade originária. O problema não surge, entretanto, se o "argumento" transcendental for entendido na forma interpretativa que eu sugiro aqui - em termos, isto é, de dependência mútua ao invés de hierárquica -, visto que a tarefa não é de demonstrar alguma forma única de dependência, mas de exibir a interrelação, portanto a unidade, de uma estrutura singular, complexa e diferenciada (além disso, dada a natureza de indeterminação interpretativa, não pode haver um modo único de exibir tal interrelação).

Embora Heidegger pareça conhecer de algum modo a forma pela qual os modos transcendentais de proceder envolvem uma noção de dependência mútua, o que vimos nesta discussão é que ele, no entanto, retém uma noção de dependência hierárquica - ao menos em Ser e tempo. Uma das razões para isto, no caso de Heidegger, é a necessidade de prevenir o que parece ser a intrusão problemática da espacialidade, a qual constantemente impulsiona em direção à espacialidade objetiva, "contenção", o presente e o manual, para a estrutura do ser-aí de um modo que ameaça romper sua unidade, não somente por meio da transformação em uma "composição" espaço-temporal, mas também por meio da sua dispersão em direção ao espaço nivelado do presente. A confiança na noção de dependência hierárquica também parece ligada ao que Stephan Käufer chama de desejo por "sistematicidade", ver Käufer (2002), a saber, o desejo de alcançar uma descrição que será tão abrangente e poderosa quanto possível por meio da unificação completa do domínio em questão, neste caso, ser-aí, por meio de uma demonstração da dependência da totalidade desse domínio em um certo elemento fundamental intrínseco. O desejo por sistematicidade e a necessidade de exclusão da espacialidade claramente não são desvinculados aqui. O afastamento de Heidegger da discussão do transcendental em seu pensamento mais tardio pode, neste aspecto, ser interpretado como o surgimento de uma suposição de que o transcendental esteja de fato ligado a este tipo de empreendimento sistemático e, portanto, também à idéia de dependência hierárquica. É claro que, o que eu também sugeri, ainda que apenas implicitamente, é que o transcendental pode ser compreendido de um modo que não requer tal dependência hierárquica. Similarmente, enquanto o uso de Heidegger da noção de significado pareceria aqui ligada à idéia de dependência hierárquica (exemplificada do modo que ele caracteriza a questão do significado por meio da idéia de exibir as condições de significância), minha própria descrição de articulação interpretativa em termos de articulação de relações de dependência mútua sugere uma forma de pensamento em termos de significado que não dá origem aos problemas que aparecem em Ser e tempo.

É, de fato, justamente tal forma de pensamento que caracteriza os últimos trabalhos de Heidegger, especialmente durante o final da década de 40 e nas décadas de 50 e 60. Então Heidegger não mais procura derivar elementos de outros elementos mais primordiais, mas sim exibir uma estrutura singular, complexa e originária dentro da qual elementos particulares aparecem, e com a qual esses elementos também contribuem. O próprio discurso de Heidegger, de seus últimos pensamentos em termos de "dizer do lugar" - uma "topologia" - do ser é ela mesma sugestiva da possibilidade de que a estrutura de dependência mútua que está em questão aqui pode, na verdade, ser uma na qual tanto o temporal quanto o espacial desempenham papéis essenciais. De fato, a idéia de uma topologia pode ser compreendida como um modo de análise que procura a articulação de uma estrutura complexa composta de múltiplos elementos que estão simultaneamente presentes como partes de uma única "superfície", cuja unidade não deve ser entendida em termos de qualquer coisa que a saliente, mas em termos de mútua interrelação desses elementos em sua interação dinâmica. É assim que a Ereignis dos últimos pensamentos de Heidegger deve ser entendida tanto de modo temporal quanto espacial - é o desdobramento do lugar em um lugar - e dentro da estrutura da Ereignis não há derivação de elementos, mas a reunião desses elementos em sua propriedade originária.

A mudança de significado que se encontra nos últimos trabalhos de Heidegger (e associada a eles, a mudança da hermenêutica, incluindo a mudança do discurso mesmo em um círculo hermenêutico) pode ser vista como um grande resultado de Heidegger associando esta idéia e também a metodologia da hermenêutica, assim como a da fenomenologia e o transcendental, com a idéia de dependência hierárquica. Similarmente, a mudança para um lugar que se pode encontrar em seus últimos pensamentos e, portanto, a mudança para a topologia, podem ser vistas por si ligadas à forma como esse conceito é ligado à idéia de dependência mútua. Enquanto o primeiro pensamento de Heidegger procura crescentemente descobrir algo da qual a estrutura dada no advento original do mundo pode ser derivado, ou na qual pode ser encontrado, os últimos pensamentos procuram, em vez disso, articular o desdobramento dessa estrutura em e a partir de si mesma, como o desdobramento de um "lugar" singular, complexo, interconectado. Além disso, assim como o problema da dependência ou derivação que aparece em Heidegger exemplifica um problema mais geral que enfrenta toda a indagação fenomenológica e, eu diria, filosófica, a idéia de dependência mútua e o modo topológico de pensamento que pode ser visto associado a isso em Heidegger têm uma significância que vai além do trabalho de Heidegger em si. De fato, o contraste entre modos de análises que procuram, por um lado, relações da dependência hierárquica e, por outro, da mútua, é algo que pode ser encontrado em várias áreas da Filosofia, tanto histórica quanto contemporaneamente. Compreender este contraste pode ser essencial para entender uma escala de disputas e problemas filosóficos e, por isso, suas potenciais resoluções.

 

Referências

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Enviado em 07/2/2008
Aprovado em 17/5//2008

 

 

* Rommel Luz Figueira Barbosa: rommel.luz@gmail.com - PPG-Filosofia - UERJ
Taís Silva Pereira: tsp_br@terra.com.br - PPG-Filosofia - UERJ
Juliana Mezzomo Flores: julianamezzomo@gmail.com - PPG-Filosofia - UFSM
1 '[D]ie Räumlichkeit des Daseins auf die Zeitlichkeit zurückzuführen... ', 'Time and Being', On Time and Being, p. 23 [Zur Sache des Denkens, p. 24].
2 Der Vesuch...lässt sich nicht halten', ibid; ver também What is a Thing?, pp. 16-17 [GA, 41:16-17].
3 Assim a espacialidade da "conformidade" tem prioridade, no ser do ser-aí, sobre a espacialidade "continente"; no interior da estrutura da espacialidade da conformidade, analisada como espacialidade utensiliar e existencial, a espacialidade existencial tem prioridade sobre o utensiliar. William Blattner argumenta que a análise heideggeriana da epacialidade compreende um conjunto similar tomado por relações de dependência: "tempo originário...explica o tempo ordinário...[esta] dependência explicativa é de fato uma cadeia de dependências: tempo ordinário (o estender-se de momentos puramente quantitativos) depende do tempo do mundo (a sucessão de Agoras quatitativamente determinados), cujo fenômeno central é, por sua vez, o Agora pragmático (o Agora que nos dirige ao futuro decidido por depender do já passado), o qual, por fim, depende da temporalidade" - Blattner, Heidegger's Temporal Idealism, p. 28
4 Embora pareça a mim, ao menos inicialmente, que há uma boa razão para tratar as idéias de "derivação", "fundação" e "embasamento" como noções mais ou menos equivalentes, deve-se observar que Yoko Arisaka, em uma das poucas discussões sobre temas aqui em jogo, parece ter problemas com tal identificação, alegando que o argumento a respeito da espacialidade no §70 de Ser e tempo não se dirige de modo algum à questão da derivação. Em contraposição, Arisaka argumenta: "A preocupação nesta seção é se a temporalidade funda a espacialidade, no sentido de que a temporalidade é a base o ter espacialidade" - ver 'Spatiality, Temporality, and the Problem of Foundation in Being and Time', Philosophy Today 40 (1996), pp. 42-43n3. Entretanto, parece-me que não há em Heidegger uma distinção clara entre as idéias de "derivação" e "fundamentação", e que Arisaka não oferece quaisquer justificações para tal distinção, embora, como ficará evidente mais adiante, eu considere que Heidegger está comprometido de modo implícito com a distinção entre a "derivação" associada com a espacialidade e a temporalidade ordinária e a "derivação" do cuidado a partir da temporalidade originária. Tal distinção pode ser colocada em termos de uma diferenciação entre, por um lado, "derivação" e, de outro, fundação, não obstante toda derivação ser certamente também um modo de "fundação".
5 Ver Being and Time (GA 2, H331), onde Heidegger descreve "'tempo infinito' como derivado [abgeleitete]' e Being and Time (GA 2, H329), onde ele fala de 'tempo modificado' [abkünftigen "Zeit"]".
6 Embora isto não signifique que a alegação de Yoko Arisaka registrada acima, de que o argumento para o caráter temporal da espacialidade é antes uma questão de fundação do que de derivação, está no fim das contas justificada - ver discussão adiante. Embora não há nada que explicitamente confirme isso a partir do próprio Heidegger, a última concepção parece ser sustentada pela necessidade da derivação, tal como esta funciona em Ser e tempo, de possuir um caráter hierárquico, dado que este aparenta ser indicativo de uma forma específica de embasamento ou fundação. De fato, a despeito da falta de atenção de Heidegger ao assunto, nós podemos detectar um número de distinções que são relevantes para compreender tanto a natureza da derivação e da fundação em geral quanto como estas se aplicam em particular a Ser e tempo.
7 A concepção de Hegel da estrutura da autoconsciência, particularmente a exemplificada na dialética do senhor e do escravo na Fenomenologia do Espírito Phenomenology of Mind (§178ff), oferece outro caso de uma forma de dependência mutua (embora não da qual me ocuparei aqui) - ver especialmente a importante discussão de Paul Redding sobre esta parte da estrutura do "reconhecimento" em Hegel's Hermeneutics (1996).
8 Em minha discussão aqui usarei o temo "equiprimordialidade", uma vez que esta é a tradução adotada por Macquarrie e Robinson. Yoko Arisaka contrasta a noção de equiprimordialidade com a de "fundação" (utilizando estas noções de modo que correspondam mais ou menos a minha distinção entre dependência mútua e hierárquica), argumentando que Heidegger mal interpreta a relação entre espacialidade existencial e temporalidade originária (bem como a relação entre temporalidade originária e cuidado) como uma relação de fundação, quando ambas são, de fato, relações de equiprimordialidade. See Arisaka, "Spatiality, Temporality, and the Problem of Foundation in Being and Time", pp. 36-37.
9 Hildegard Feick, nova edição por Susanne Ziegler, Index zu Heideggers "Sein und Zeit" (1980, Brd ed.), p. 42.
10 Being and Time (GA 2, H131). A idéia de equiprimordialidade tem recebido relativamente pouca atenção nas discussões sobre Heidegger, embora esta seja uma noção claramente crucial. Dieter Henrich discute a passagem de Ser e tempo citada aqui em On the Unity of Subjectivity', in Heinrich, The Unity of Reason (1994), p. 49ff; publicado originalmente como 'Über die Einheit der Subjektivität,' Philosophische Rundschau 3 (1955, pp. 28-69). Sou grato ao Prof. Henrich por discutir esta questão comigo no verão de 2004 e alguns dos comentários que seguem resultaram daquela conversa. Henrich enfatiza, assim como eu, que o que está em jogo na idéia de equiprimordialidade é a noção de unidade na multiplicidade. Todavia, ele também trata a noção como tendo suas origens em Husserl e como possuindo um papel chave na critica a Husserl que sustentaria muito da concepção de Heidegger em Ser e tempo. A crítica em questão se desdobraria do seguinte modo: se os elementos da temporalidade, como Husserl coloca, são equiprimordiais, isto é "gleichursprünglich", então qual é a natureza do "equi", do "gleich" - qual é a base para a unidade da estrutura equiprimordial? Assim Henrich vê a própria idéia de equiprimordialidade como condutora das análises de Heidegger na direção da temporalidade originária, e, nós poderíamos dizer, da unidade ecstática da temporalidade, a fim de conceber a unidade dos elementos equiprimordiais que compõem a estrutura do ser-aí. Penso que a descrição de Henrich é uma descrição precisa de Ser e tempo, mas também penso que as dificuldades que Heidegger encontra para realizar esta análise levam-no a repensar a noção de equiprimordialidade de tal modo que a unidade da estrutura é dada não através de um retrocesso a uma unidade primordial, mas, antes, é dada somente pela inter-relacionalidade de todos os elementos como tais - a mudança da temporalidade originária, como o fundamento para a unidade do ser-aí, de modo tal que a unidade do "aí" (a unidade da "quadrindade" ou do "lugar") é entendida como ocorrendo em e através do Ereignis, o "acontecimento apropriativo" (pois essa é a mudança que de fato parece ocorrer na passagem do Heidegger inicial para o tardio), é uma mudança justamente deste tipo. Ao contrário da temporalidade, cuja estrutura é elucidada em termos de seus próprios elementos, o "acontecimento apropriativo" do lugar não é elucidado de outro modo a não ser por meio dos elementos que já o compõem - se nós utilizarmos a linguagem da quadrindade, isto significa que o "acontecimento apropriativo" é o ocorrer da pertinência entre terra e céus, mortais e deuses.
11 Este é um ponto que parece ter sido omitido da discussão de Yoko Arisaka sobre a distinção entre equiprimordialidade e o que ela se como "fundação", no seu "Spatiality, Temporality, and the Problem of Foundation in Being and Time" - ver esp. p. 36.
12 Observe que isso significa que o contraste de Arisaka entre fundação e equiprimordialidade (dependência mútua) não se adéqua ao meu uso desses termos. A distinção de Arisaka se assemelha mais ao que eu tratarei como a distinção entre dependência hierárquica e dependência mútua, a primeira sendo característica da derivação, porém a última sendo consistente com uma forma de fundação ou embasamento. Arisaka caracteriza fundação como - ela apresenta assim - em termos de superveniência ("Se X é superveniente em Y, então X funda Y"), em termos de conteúdo (se o conteúdo de X é 'fornecido por' Y, então X é fundado em Y) e em termos de condicionalidade ("Se Y funda X, então Y é a condição para X") - see 'Spatiality, Temporality, and the Problem of Foundation in Being and Time', p. 36. Ela apresenta estas noções como interconectadas, e então toma os sonhos como "supervenientes" ou fundados na percepção, visto que a percepção fornece o conteúdo, e, portanto, é a condição para os sonhos. A condicionalidade em jogo aqui seria vista como condicionalidade mútua - sem a percepção não pode haver sonhos, mas o contrário pode não ser o caso. O uso de Arisaka de superveniência para descrever a relação de dependência é, entretanto, incompatível com o modo no qual a noção é usualmente compreendida. Superveniência é, essencialmente, uma forma de relação de identidade. Se X é superveniente em Y então não há uma diferença em X que não seja acompanhada por uma diferença em Y. Enquanto a superveniência em si permite versões de fortes a mais fracas, uma caracterização mínima de superveniência, expressa em termos de condicionalidade, seria a de que se X é superveniente em Y, então, se há uma diferença em X, será também necessário que haja uma diferença em Y (mas uma diferença em Y não precisa ser suficiente para uma diferença em X). Não é o caso, contudo, que a relação de superveniência possa ser descrita em termos de conteúdo tal como Arisaka o coloca. A relação de superveniência pode assim valer, por exemplo, onde a noção de conteúdo não tem aplicação direta (entre estados caracterizados, por exemplo, em termos físicos e mentais), enquanto que o exemplo de Arisaka da relação entre percepção e sonhos não é um caso de modo algum evidente de superveniência (embora nós possamos argumentar que não pode haver distinção que apareça nos sonhos e não apareça na percepção, mas isto não parece ser o que Arisaka tem em mente).
13 Ver Metaphysics, 1016b. Assim a concepção de Aristóteles sobre a substância concentra-se nos seres vivos, tomando o sentido primordial de substância como sendo aquilo que os unifica em seu ser.
14 Ver "The Transcendental Circle", Australasian Journal of Philosophy 75 (1997), pp. 1-20; ver também "From the transcendental to the topological: Heidegger on ground, unity and limit", in Jeff Malpas (2002). De várias modos esta discussão retoma elementos de minhas análises anteriores sobre os problemas aqui em jogo, porém, em uma direção diferente.
15 Ver Körner, (1967, pp. 317-31). Eu discuto este problema, com referência específica a Körner em (1990, pp. 232-51). Infelizmente, no momento em que este artigo foi escrito eu não tinha articulado a distinção entre dependência hierárquica e dependência mútua, nem havia trazido Heidegger para a discussão. A discussão concentrou-se por sua vez na crítica de Körner a Kant, bem como na reposta a tal crítica por Eva Schaper e na comparação entre o argumento transcendental kantiano, como explicitado por Schaper, e a forma do "argumento transcendental" na obra de Donald Davidson.