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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.11 n.1 São Paulo jun. 2009

 

Resenhas

 

Futuro porvenir. Ensayos sobre la actitud psicoanalítica en la clínica de la niñez y adolescencia

 

 

Ana Lila Lejarraga

 

 

Ricardo Rodulfo, Buenos Aires: Noveduc, 2008, 255 p. ISBN 978–987–538–217–6

 

 

O psicanalista argentino Ricardo Rodulfo, com seu novo livro Futuro Porvir, convoca–nos a pensar a psicanálise. Com estilo singular e instigante, e tendo entre suas principais referências Winnicott, Derrida, Stern e Lacan, Rodulfo propõe minucioso trabalho de desconstrução do edifício teórico da psicanálise. Não se trata, como ele explica, de refutar globalmente os conceitos tradicionais, mas de um cuidadoso e paciente trabalho de reexaminá–los, delimitá–los, enriquecê–los. O autor interroga os fundamentos da psicanálise abordando os pressupostos metafísicos que se infiltram nos postulados básicos como um a priori da experiência e que, apesar das provas e fatos clínicos em contrário, permanecem intocados. Assim, por exemplo, a inovadora ideia psicanalítica da descentração do sujeito, perde sua potência quando o “Édipo”, ou a falta, acabam sendo colocados no lugar do centro, deixando intacta a ideia metafísica de centro. Como diz o autor, “o sujeito estará muito descentrado, mas o centro não se descentra jamais” (Rodulfo, 2008, p. 28).

Acompanhando o pensamento de Derrida, Rodulfo considera que a psicanálise está em dívida com o acontecimento, com pensar o novo e a diferença que o acontecimento possa gerar. Assim como a vida, que não se desenvolve numa continuidade linear e começa mais de uma vez, a psicanálise também teve mais de um começo e tem que continuar começando e acontecendo. O autor diz que a psicanálise de crianças foi, por exemplo, um desses começos.

Segundo Rodulfo, ou a psicanálise se renova, fazendo uma revisão profunda de seus postulados básicos, ou tende a perder seu vigor e a possibilidade de refletir sobre o novo. Em função disto, o autor propõe um mapeamento dos pontos que são obstáculo para a psicanálise e que é necessário rever, sem deixar de apontar, às vezes de forma incipiente, outras de formas mais elaboradas, novas descrições da subjetividade; novas figuras do porvir.

O estilo de Rodulfo, como disse, é singular: escrita livre, lúdica, com ricas análises e sutis observações clínicas, trazendo variadas referências literárias e musicais, tudo permeado de muito humor e interrogações em aberto.

O livro está dividido em três partes: parte I: A psicanálise sem base; parte II: Infância em jogo e parte III: Adolescência e narcisismo.

 

Parte I: A psicanálise sem base

A primeira parte – a mais longa, constituída de oito capítulos – propõe–se a desmontar os fundamentos da psicanálise, questionando a própria ideia de fundamento. A proposta é deixar a psicanálise sem base, no sentido de dispensar uma base ou um fundamento fixo e a–histórico. Rodulfo começa dizendo que é necessário “dar por terminada” a “psicanálise tradicional” (o autor diz que utiliza a expressão “psicanálise tradicional”, acompanhando o pensamento de Loparic (Loparic, Z. (1998). Winnicott y el pensamiento post–metafísico. In Postdata (Vol. 2). Buenos Aires.), o que não significa jogar fora toda a psicanálise, mas abrir mão de conceitos insustentáveis, impregnados de metafísica e refutados pela prática clínica. Como exemplo, toda a concepção do indivíduo como mônada – que parte do autoerotismo e do narcisismo, para desenvolver depois as relações de objeto – é insustentável e deveria ser “dada por terminada”. O trabalho de “dar por terminado” não é um ato pontual, mas uma tarefa que implica um luto a ser feito; uma tarefa para começar a ser realizada, para “deixar” como herança aos que virão.

Com explícita preocupação epistemológica, Rodulfo questiona as operações subjacentes que constituem os conceitos, como a analogia, a universalização apressada e o uso de hipóteses ad hoc, quando os fatos desmentem uma generalização. Questiona também os procedimentos habituais da escrita dos psicanalistas – a rotina das citações, seguir uma linha “destilada”, evitar os enxertos de outras áreas, como querendo consolidar um inexistente campo homogêneo, etc. – que asfixiam a psicanálise, impedindo sua mudança.

Num dos capítulos, com título sugestivo e irônico, “Sexéquias a duas vozes”, Rodulfo propõe um cuidadoso balanço da teoria da sexualidade, após 100 anos da publicação dos Três Ensaios. O autor aponta a riqueza do texto freudiano, bem como suas contradições, questionando a ideia da evolução da sexualidade humana independente do outro e da história. Por outro lado, apesar dos sucessivos dualismos pulsionais que apontariam outros fundamentos além do sexual, a sexualidade é teorizada como base do psiquismo. Assim, o descentramento do sujeito não só mantém o centro no édipo, mas também na primazia da sexualidade como raiz da vida psíquica. Essa primazia custa a Freud vários problemas teóricos, como quando teoriza a ternura ou a sublimação, devendo lançar mão de uma duvidosa dessexualização, para poder sustentar a raiz sexual de tudo. Entretanto, Rodulfo considera alguns aspectos dos Três Ensaios com valor “à prova do tempo”, a saber: a existência da sexualidade infantil, seu polimorfismo, o impacto do “entre” da sexualidade do adulto com a da criança e o caráter contaminante da sexualidade, que se dissemina em campos e práticas não–sexuais.

Na visão do autor, Winnicott faz uma contribuição indispensável à teoria freudiana da sexualidade, mostrando que existe outra poderosa corrente na infância, irredutível à sexualidade: o brincar. O próprio Winnicott já dizia que o brincar não era uma sublimação e que sua origem não era sexual. Além do mais, na teoria winnicottiana a função da mãe não se reduz a ser uma mãe–objeto, como na abordagem freudiana, sendo também uma mãe–ambiente e tendo o caráter de ser a outra (ou Outra) na relação assimétrica mãe–bebê. Para Rodulfo, o grande ausente na teoria freudiana da sexualidade é a noção de intimidade, campo relacional de contato afetivo entre a mãe e o bebê, no qual se desenvolve a sexualidade infantil. A intimidade envolve o sexual, mas não deriva de uma raiz sexual. Construída nas brincadeiras mãe–bebê, implica a ideia de experiência e de um “entre” originário, opondo–se à ideia da sequência das zonas erógenas predestinadas e à concepção do indivíduo como mônada anobjetal. O abraço mãe–bebê, segundo o autor, seria paradigma da intimidade, mais do que do gozo sexual. A experiência da intimidade é o principal fator de subjetivação e condição do prazer erótico. O prazer de órgão das pulsões parciais, sem a experiência da intimidade ficaria esvaziado de significação erótica, e se tornaria equivalente a “um filme pornográfico” (p. 55). Segundo Rodulfo, a sexualidade também não pode ser concebida em termos de carga e descarga da excitação, porque essas categorias desconsideram a alteridade, não permitindo refletir sobre a qualidade da experiência, principal fator da subjetivação.

Em outro capítulo, Rodulfo questiona a visão da psicanálise clássica que, por um lado, concebe a subjetividade constituída como defesa frente à angústia e que, por outro, deixa sem teorizar a alegria. Segundo o autor, o trabalho psicanalítico com crianças nos ensina “que a angústia não é a relação mais ‘originária’ com o outro e com o mundo” e que “a mais antiga posição afetiva corresponde ao par assombro–alegria” (p. 78–79). Embora a psicanálise tradicional tivesse privilegiado a angústia como o afeto mais originário, Rodulfo considera que a atitude básica de um bebê, em seus estados calmos, é a disposição ao riso, à curiosidade e ao assombro. O autor trabalha essas categorias, tanto na clínica quanto na teoria, articulando–as à tristeza e ao tédio.

Rodulfo analisa e questiona a concepção freudiana sobre o afeto, cujo ponto de partida consiste, por um lado, na partição metafísica entre afeto e representação e, por outro, do ponto de vista econômico, no princípio de inércia, segundo o qual o aparelho tende a se liberar de toda excitação, em direção ao zero. O afeto é concebido como um fenômeno de descarga, um efeito de superfície, responsável pelo cumprimento desse alvo. A teoria do afeto, homologada à teoria da angústia – o afeto historicamente privilegiado – centra–se na ideia de um afeto reativo e todo o psiquismo é concebido reativamente, constituído como uma defesa frente à angústia. Esses postulados, segundo o autor, são um obstáculo tanto para a reflexão clínica quanto para a teórica.

Rodulfo trabalha particularmente o afeto da alegria, relegado teoricamente pela psicanálise. Aborda várias situações clínicas relativas à alegria como, por exemplo, o caso de pacientes que relatam que têm a sensação de não ter nada a dizer, porque estão alegres, como se a alegria fosse “inassociável”. Interroga–se se não estaria em jogo nossa herança judaico–cristã de valorizar o sofrimento e a angústia em detrimento da alegria. Rodulfo pergunta sobre a emergência da alegria. Esta seria inerente ao cumprimento de um desejo, se não houver processos neuróticos que perturbem seu aparecimento. Por outro lado, relaciona–se à problemática da sequência, como no brincar infantil, em que a alegria emerge nos passos da sequência, culminando espontaneamente no fim desta. Como a sequência implica esforço, a alegria não poderia ser concebida hedonisticamente. Freud tinha observado como os pacientes podiam rir em resposta a uma interpretação acertada, dando para esse fenômeno uma explicação econômica, da mesma forma que para o chiste. Rodulfo aponta a ideia de que o riso e a alegria se produziriam pela produção de uma diferença no psiquismo do paciente. Discorrendo sobre várias expressões da alegria, como a alegria do muscular, o célebre júbilo do estádio do espelho, entre outras, o autor afirma que “gozar da diferença parece inseparável da alegria como ‘afeto’” (p. 139).

Considerando que a concepção freudiana sobre a sexualidade feminina já foi suficientemente criticada, Rodulfo aborda esse tema questionando os postulados que subjazem a certa concepção da feminilidade. Na sua perspectiva, há um postulado freudiano, fundamento de toda a metapsicologia, que se mantém invariável desde o Projeto para uma Psicologia Científica. Trata–se do princípio de inércia, ou seja, da tendência do aparelho psíquico a reduzir a quantidade a zero. No Além do princípio do prazer, Freud se baseia nos sonhos traumáticos e no jogo do Fort–Da, para retomar, com outro nome, o postulado da tendência ao zero. Rodulfo analisa esse texto cuidadosamente, desmontando a construção freudiana de considerar que o brincar infantil surge do desejo de reunião com a mãe. Se o aparelho tende ao zero, o brincar infantil se tornaria enigmático, a não ser que expressasse de alguma forma essa tendência. A separação da mãe ocasionaria um aumento da quantidade, que a brincadeira procuraria diminuir. Assim, a mãe é colocada no lugar do zero: o afastamento dela provocaria um aumento da quantidade, e a fusão com ela, o zero da tensão. Com base nesse princípio, não é possível conceber que a criança possa desejar algo diferente da união com a mãe. Além do mais, o brincar infantil, no mesmo sentido, só pode ser pensado como reação ao aumento da tensão, ou seja, uma atividade reativa. Com Winnicott, sabemos que o brincar é uma atividade espontânea, e não reativa, que produz uma diferença e suscita prazer nessa diferença.

Retomando a relação do princípio de inércia com a feminilidade, Rodulfo teoriza como, uma vez que do lado da figura materna temos o zero e a indiferenciação, do lado da figura paterna teremos a diferença. A imagem da mãe carrega também a inveja, acrescentando, como diz o autor, mais malignidade ao feminino. A união mãe–filho torna–se, assim, imago do maligno e das patologias, enquanto a figura do pai seria fonte de saúde e de normalização. Constitui–se, desse modo, uma lógica binária que remete as noções do feminino e do masculino à fusão e à diferenciação, à natureza e à cultura, ao doente e ao saudável, ou seja, em última instância, ao bem e ao mal. Segundo Rodulfo, as visões freudianas de mãe e pai, apresentadas como categorias “naturais”, carregam antigos mitos sobre o feminino e o masculino, permeando a interpretação psicanalítica da feminilidade e do mito edípico.

A leitura lacaniana do Nome do Pai e da metáfora paterna não foge desses mitos, abordando o pai como representação da lei e a mãe como a “devoração” que não se representa. O Nome do Pai metaforiza o desejo materno, mas a potência de metaforização que o pai instaura acaba girando em circularidades já que, como diz o autor, a operação de metaforizar começa e termina na metáfora paterna, “detendo o funcionamento da metáfora” (p. 105). Segundo Rodulfo, não há maior tradição, na nossa cultura, que o motivo do Pai e, para sustentar o valor hegemônico do Pai, em continuidade com a tradição, é necessário que acreditemos em um conjunto de mitemas e filosofemas (os termos em itálicos são as unidades mínimas de significado, tanto nos mitos quanto em filosofia) que precedem a psicanálise. O autor enumera algumas dessas crenças, consagradas e pouco questionadas, a saber: a oposição entre Natureza e Cultura, colocando a mãe do lado da natureza e o pai, do da cultura; a oposição entre o literal e o metafórico, correspondendo o materno ao literal o e paterno ao metafórico; a oposição entre lei e violência, como se as leis pudessem se constituir e sustentar sem violência; a crença na palavra (logocentrismo) oposta à violência, supondo que a violência corresponde ao real e a palavra ao simbólico, desconsiderando a violência e a crueldade do verbal; a oposição entre uma Lei por cima de qualquer situação empírica e as leis ordinárias, expressão do idealismo transcendental; o mitema psicanalítico que considera que a proibição do incesto é a origem da cultura humana, refutado por toda a antropologia contemporânea; a oposição entre a família como configuração primária e o social como derivação secundária daquela, sendo ambos aqui, pai e mãe, “objetos primários”; a teoria clássica do representante, que faz do pai o representante da lei, em conjunto com a ingênua distinção entre o ser e o representar, como se não houvesse cumplicidade entre representante e representado; a concepção dualista entre a vigência do pai e seu declínio, fonte de todos os males atuais, de conjunto com uma visão nostálgica da perda do simbólico; a castração metafísica e abstrata, afastada da castração freudiana dos genitais, cujos usos diários caem no empirismo mais vulgar. A concepção do pai, na psicanálise tradicional, carrega todos esses mitemas e filosofemas, quase sempre oposições binárias, que não são questionados ou problematizados.

Nos dias atuais, assistimos à emergência do fenômeno de novas configurações familiares; de famílias “ampliadas”, de “novos pais” que não aceitam mais ocupar um lugar mediato e de novas técnicas reprodutivas – como a clonagem. Essas novas subjetividades, cujas formas começam a emergir, tornam anacrônicas, segundo Rodulfo, as visões tradicionais do pai, as referências à triangulação edípica e todo o sistema conceitual tradicional, impondo a tarefa de criar novas descrições.

Num outro capítulo, questionando o logocentrismo inerente a nossa cultura ocidental, Rodulfo propõe “descentrar a palavra” (p. 121), numa espécie de exercício da atenção flutuante, no sentido de deixar de considerar que o verbal seja sempre um material mais revelador que outros. Considera que esse difícil exercício pode situar melhor a palavra. A seguir, o autor propõe outro descentramento, agora no interior da própria palavra. Trata–se de desmontar a ideia da “palavra” como se fosse uma unidade homogênea, refletindo sobre questões clínicas. O autor propõe que esse descentramento seja feito em quatro direções, todas relacionadas à interpretação:

1) As interpretações centradas na significação, feitas a crianças ou adolescentes, correm o risco de não ser escutadas. D. Stern descrevia como os adultos mudam o tom, os ritmos, os acentos, quando se dirigem a um bebê, sendo ridículos aos olhos de observadores externos. O elemento musical é essencial e, assim como um pianista interpreta uma partitura, o analista deve interpretar a interpretação, brincando com a voz, adaptando–se a cada paciente e sendo também ridículo, quando necessário;

2) A relação que as crianças têm com a palavra é diferente da dos adultos, já que não as utilizam para expressar seu mundo mais íntimo, preferindo para isto brincadeiras, desenhos, mímica, etc. Para as crianças, as palavras servem para comunicações da ordem da realidade compartilhada, como, por exemplo, combinar um programa. É na adolescência que, num longo processo, se articula a linguagem com a expressão do mundo interno e da vida imaginativa. O analista, assim, não pode esperar da criança a expressão verbal de seu mundo íntimo, devendo intervir interpretativamente por outras vias que não a verbal;

3) Geralmente não se leva em conta que o tratamento verbal do adulto e da criança relaciona–se basicamente com normas: ordens, recomendações, valorações, etc. A criança tende a acreditar na palavra dos adultos e acostuma–se a obedecer. Isto impõe grande dificuldade para o tratamento psicanalítico da criança, já que esta dificilmente acredita na “neutralidade valorativa” (p. 127) do analista;

4) A verbalização, um dos “mitos” da psicanálise, nem sempre é o mais saudável, diz Rodulfo, citando Ivone Lins e Rogério Luz, no livro Experiência clínica e experiência estética. Como exemplo, para os casos de formações defensivas da mente, em que a clivagem do intelecto empobrece a vida subjetiva, tem mais valor uma experiência silenciosa, um brincar silencioso, que a colocação em palavras, formalmente contraindicada. O autor resgata o valor da música, já que nela o tratamento do silêncio tem um peso mais desenvolvido que na linguagem. A palavra é positiva e saudável quando relativa ao espaço do brincar, o que coloca um limite ao logocentrismo.

Embora Lacan tivesse sido quem mais contribuiu para analisar a articulação entre linguagem e subjetividade, Rodulfo considera, arriscando uma interpretação crítica, que ele teria se “equivocado [quanto à] escolha do modelo” (p. 123), já que se baseou na linguística estrutural, a mais formalista e desencarnada. O modelo idealizado da lingüística saussuriana, a estrutura da linguagem, deixaria de fora a dimensão do musical, tão entranhada na experiência da palavra, embora, segundo o autor, isto tivesse sido percebido por Lacan tardiamente, quando ele introduz os termos “linguisteria” e “a–língua”.

No último capítulo da primeira parte, Rodulfo aborda os procedimentos lacanianos de transposição e inversão, questionando seu valor e suas consequências. Critica todo juízo global lacaniano ou antilacaniano, considerando que é necessário o rodeio e o estudo descentralizado das questões de detalhe, ou seja, a desconstrução. Lacan, crítico do empirismo positivista e seus derivados, propôs a transposição dos achados da psicanálise em termos da linguagem ou, mais precisamente, da teoria da linguagem de Saussure e Jakobson. A questão de Rodulfo, reconhecendo a contribuição lacaniana de ter teorizado a incidência da linguagem na subjetividade, reside em alguns problemas que essa transposição pode acarretar. Como exemplo, entre outros, o autor questiona que a fusão mãe–criança inicial seja concebida como fusão de significantes, deixando de fora o fato empírico da corporeidade. Em relação à inversão, procedimento frequente na abordagem lacaniana (o eu é um outro; o outro é um Outro; e eu é um objeto; a persone é ninguém, etc), o autor alerta para a necessidade de tomar precauções com o abuso da inversão, chamando a atenção para o que se repete ou se herda com esse procedimento. Como exemplo, quando se trabalha com o significante, que inverte o significado do conceito saussuriano, acaba com frequência o significante funcionando como um significado, como acontece particularmente com o significante fálico.

Rodulfo, nesta primeira parte, dedica–se à tarefa de começar a desconstruir os fundamentos da psicanálise, analisando detalhadamente alguns de seus postulados básicos e questionando radicalmente a ideia de base ou fundamento. Nesse sentido, ele nos adverte para não colocar o brincar como se fosse uma nova base da psicanálise, “trocando a coleira do cachorro” (p. 9).

 

Parte II. Infância em jogo

Segundo Rodulfo, com Winnicott a criança é introduzida na psicanálise interrogando o saber psicanalítico tradicional e provocando uma “formidável convulsão” (p. 158). Os principais traços do que se entende por psicanálise tradicional – esses traços, grosseiramente resumidos, são: princípio de inércia, do qual decorre o caráter reativo do psiquismo e o caráter regressivo do desejo; falocentrismo, que remete a uma mitopolítica que subordina a mulher; logocentrismo, que encontra seu desenvolvimento máximo com Lacan; edipização da subjetividade, que torna o édipo o complexo nuclear do psiquismo e faz com que o descentramento do sujeito reencontre o centro no complexo nuclear; um determinismo que fixa limites ao novo, interpretando tudo como reedição ou substituto; patomorfismo, segundo o qual a infância se divide em estágios caracterizados por uma patologia –, que já foram parcialmente abordados na primeira parte, serão colocados em questão, embora de forma mais implícita do que explícita, na obra de Winnicott. Rodulfo aborda inicialmente, nesta segunda parte, o princípio de inércia freudiano, mostrando–nos como Winnicott opõe–se a esse princípio e a sua derivação, a pulsão de morte. Winnicott teoriza como o bebê, mais do que desejar se desembaraçar da estimulação, participa ativamente da construção do estímulo, gozando da diferença. Como exemplo, entre outros, Rodulfo descreve um bebê no seu berço que morre de rir ante uma expressão facial que o surpreende, perguntando se o bebê estaria descarregando a excitação ou desfrutando do encontro com uma pequena diferença que acaba de se constituir na brincadeira com o outro. Winnicott não substitui o princípio de inércia por outro princípio, mas se refere a uma tendência à integração, que emerge espontaneamente. Além do mais, a integração reconhece e integra diferenças, como quando o bebê integra a voz da mãe a seu sorriso e a seu cheiro.

Trabalhar com crianças, psicanaliticamente, leva ao brincar infantil. No livro O brincar e a Realidade, Winnicott se afasta da concepção kleiniana do brincar como algo a ser interpretado, e teoriza–o como um fato em si mesmo, como a atividade central do bebê e da criança. A criança da sexualidade infantil fica deslocada para a criança do brincar, o que não anula a sexualidade infantil, mas a reinscreve. Da perspectiva winnicottiana, é fundamental que o brincar signifique o sexual, ou seja, que a sexualidade infantil esteja inserida no espaço do brincar, constituindo “brincadeiras sexuais”. Se estiver cindida do brincar, a sexualidade torna–se compulsiva e patológica.

O brincar destaca–se, assim, como o fato mais abrangente e relevante da constituição subjetiva e do início da existência psíquica. Segundo o autor, quando Freud teorizou os começos da vida psíquica, devido ao paradigma positivista, valorizou as necessidades fisiológicas, o mais concreto e material, desconsiderando o valor do brincar. Descobertas posteriores, como o fenômeno do “hospitalismo” descrito por René Spitz, demonstraram que os bebês precisam de contato humano desde o início, de “brincar com” e não, antes de tudo, de cuidados materiais. Winnicott percebeu que a necessidade mais urgente do ser humano é a necessidade de contato com o outro, que se desenvolve no brincar. O brincar não é justificado por nenhuma necessidade biológica e não é ensinado por ninguém; é irredutivelmente espontâneo. Rodulfo propõe que “onde a pulsão era, o brincar deve advir” (p. 173), já que o conceito de “pulsão” não dá conta das origens da subjetividade, intrinsecamente vinculada ao brincar. O autor não está insinuando, ao parafrasear a expressão freudiana, que o brincar derive do pulsional, mas que devemos substituir, teoricamente, a pulsão pelo brincar. Segundo Rodulfo, o mais “pulsional” no bebê seria a emergência espontânea do brincar, do desejo de brincar, que inclui também as brincadeiras sexuais infantis. O brincar, por outro lado, derruba a imagem passiva do bebê, como aquele que recebe o que se lhe dá, tornando a relação inicial mãe–bebê uma relação entre dois seres ativos.

Interrogando–se pela saúde infantil, Rodulfo considera que, além da ausência de doença física, a criança saudável é alegre e criativa, e um dos principais critérios para isto é a capacidade para o assombro. Esta é uma potencialidade inata do bebê, que o “impulsiona a se conectar com tudo o que está ao seu alcance”, que o leva a brincar com tudo, a interessar–se pelo novo e “está na base de sua alegria de viver” (p. 180). Entretanto, o bebê nasce com potencialidades mas não com experiências, o que quer dizer que a capacidade para o assombro só se desenvolve com a contribuição do ambiente. O bebê tem que ir desenvolvendo a capacidade de experienciar, ou seja, de ter experiências próprias, o que pressupõe que ele intervém ativamente na construção dessas experiências. O autor discorre sobre a noção de desapropriação, que se refere a todas as políticas de criação que despojam o bebê de algum aspecto de sua capacidade de se apropriar de algo. O bebê poderia ser despojado, por exemplo, de sua autonomia, quando se faz para ele algo que já é capaz de fazer sozinho, ou de seu desejo, ou de sua atividade, ou do sentimento de ser autor, etc., entre outros vários processos de desapropriação. Talvez uma das mais graves desapropriações seja despojar o bebê de sua capacidade lúdica, já que no espaço do brincar entre o bebê e sua mãe, o bebê tem sua primeira experiência de encontro. O autor considera que a maior parte dos danos psíquicos se produz lentamente, nos pequenos atos relacionais diários entre a criança e seu ambiente, mais do que por traumas espetaculares, apontando para a necessidade da prevenção, tanto por parte dos pediatras como dos psicólogos.

Rodulfo destaca, em várias passagens deste livro, o lugar do musical. A dimensão do musical tem uma relação intrínseca com o corpo, mas essa dimensão não se desenvolve num corpo já constituído, mas constitui o próprio corpo: os ritmos, a alternância de sons e silêncios, as diferentes intensidades, etc. Como diz o autor, “o musical forma parte estrutural e estruturante do corporal ou, em outros termos, o corporal está feito de música, uma música anterior a instrumentos, notações e coisas assim” (p. 189). A música supõe sequências e espaçamentos e este aspecto deve ser pensado nos processos de subjetivação, já que as sequências e os intervalos são essenciais na estruturação do psiquismo nos momentos iniciais. Rodulfo cita D. Stern e sua noção de “afetos de vitalidade”, para demonstrar como os afetos são indissociáveis da dimensão do musical, embora isto possa passar despercebido. Em pacientes com perturbações graves, como o autismo, com freqüência o musical é a única via de acesso. Embora na psicanálise reflita–se pouco sobre a dimensão do musical, como, por exemplo, sobre o timbre, a suavidade ou a intensidade da voz do analista, essa dimensão, inseparável da afetiva, perpassa a transferência, sendo manejada intuitivamente na intervenção terapêutica. O autor adverte que, raramente, nas supervisões, são trabalhados os modos de se dirigir aos pacientes, ou seja, o que concerne às qualidades musicais, ficando a reflexão restrita ao plano semântico.

Rodulfo aborda, em outro capítulo, as particulares vivências de solidão de algumas patologias fóbicas, em que nenhuma aproximação humana consegue mitigar a sensação de privação do outro. Retomando o conceito de intimidade, com base em Winnicott e Stern, o autor considera que a intimidade consiste em experienciar o outro como alteridade e não sua transformação em objeto. O vínculo com o outro como alteridade, o mais abrangente, pode conter como uma dobra, indispensável ao erotismo, o experimentar o outro como objeto. Contudo, essas duas dimensões, o outro como alteridade e como objeto, não são equivalentes nem simétricas. No desenvolvimento saudável, as experiências sexuais infantis estão inseridas no campo da intimidade primária entre mãe e bebê, que as sustenta e as subjetiviza. O autor analisa como o gozo sexual pode acarretar, num momento posterior ao orgasmo, violentas sensações de vazio e solidão, o que não deveria ser atribuído ao próprio alvo sexual, mas a uma solidão prévia daquele que nunca teve intimidade com o outro. O temido em certos caracteres fóbicos não é o gozo sexual, mas o encontro íntimo que poderia ser alcançado, com ou sem prazer sexual. Esse tipo de solidão é diferente do ficar sozinho, que embora possa mobilizar ansiedades fóbicas, corresponde, com frequência, à aprendizagem da capacidade de estar só.

Finalizando a segunda parte, Rodulfo faz uma extensa análise da aprendizagem e de seus transtornos. Curiosamente, diz o autor, a psicanálise não se apropriou da palavra “aprender”, assim como fez com “sexualidade” ou outros conceitos psicanalíticos, embora os psicanalistas trabalhem com transtornos de aprendizagem em vários sentidos. Rodulfo arrisca uma hipótese para esse fenômeno: a psicanálise privilegiou sempre a angústia como afeto básico, dando pouco espaço ao afeto da alegria, e é provável que o aprender dependa da alegria como atitude, que não deve ser confundida com o estado anímico alegre. O trabalho da alegria não pode ser desconsiderado e é tão importante como, por exemplo, o luto. A alegria seria, para o autor, incompatível com o sentimento de exclusão. O espectador passivo – não criativo – está excluído daquilo a que assiste, e se entedia; a alegria, pelo contrário, inclui o sujeito na criação daquilo a que assiste. A falta de alegria não seria a dor, mas o tédio. A dor teria sua complexidade e sua ligação com a aprendizagem, que se expressaria na ideia de esforço. Da perspectiva winnicottiana, a alegria pode ser articulada à criação, como a criação do objeto transicional, a criação do espaço potencial e a criação da própria alteridade. Rodulfo entende que a alegria se relaciona à noção, também winnicottiana, de sequência, o que inclui uma dimensão temporal. Winnicott abordou o valor das sequências e especialmente a importância de que a sequência de uma brincadeira infantil seja respeitada. “A alegria emerge no curso de uma sequência que se pode levar a cabo e reconhecer como própria” (p. 211), diz o autor. Embora seja possível falar do júbilo de uma sequência culminada, a alegria não deve ser pensada só como o efeito, mas no próprio “desejo de sequênciar” e nos passos da sequência. Os processos de aprendizagem e seus transtornos estão diretamente relacionados com montar sequências ou seu fracasso, que o brincar infantil inaugura. Rodulfo considera que, se há uma “rocha” na aprendizagem, deve–se a que a criança ou o adolescente não consegue sentir nenhum prazer quando aprende; a alegria está ausente das descobertas do aprender.

 

Parte III. Adolescência e narcisismo

Rodulfo entende que o fenômeno adolescente é uma manifestação recente, dos últimos 50 anos, da cultura ocidental. O autor aborda os traços distintivos do ocidental, destacando que se trata de uma cultura que se critica e interroga a si mesma, que carrega em si seu próprio enfrentamento, um ímpeto autodestrutivo, gerando múltiplas contradições e paradoxos. Assim, a identidade ocidental não é homogênea e estabilizada, mas se caracteriza por um cisma constitutivo. A tese de Rodulfo é que a adolescência “conforma um sintoma ‘subjetivo’ desse cisma, uma de suas manifestações mais recentes” (p. 221). Sempre houve jovens, e os jovens se opõem aos velhos, mas a adolescência é a expressão sintomática do cisma ocidental, emergindo como “ruptura na correia de transmissão” (p. 222), já que os adolescentes rompem com a tradição e com séculos de cultura, que não lhe dizem respeito. Os adolescentes, que não se confundem com os jovens nem se definem pela idade biológica, expressam subjetivamente a violenta ameaça da perda de sentido da cultura ocidental, a “morte dos deuses”, constituindo uma nova posição da subjetividade, marcada pela descontinuidade e pela ruptura. O rock, para o autor, não seria uma manifestação adolescente entre outras mas, nos seus começos no pós–guerra, a “primeira floração desta nova posição” (p. 222). A adolescência, como já foi assinalado por outros autores, é um fenômeno grupal, relativo a um “nós”, que poderia ser descrito como um “nós que não temos nada a ver com” (p. 225). Entre várias outras reflexões, o autor questiona a assimilação da adolescência a uma fase evolutiva, e a inutilidade de teorizá–la pela via da psicopatologização.

Em outro capítulo, Rodulfo realiza minuciosa análise do confuso conceito de narcisismo. Sabendo que existem inúmeras interpretações desse conceito, não é de seu interesse optar por uma ou outra, mas refletir sobre algumas questões prévias. O autor, num trabalho de detalhe, vai desmontando vários aspectos que formam parte da construção desse conceito: a escolha do mito, a polêmica com Jung e Bleuler, os usos habituais, na psicanálise, do termo “narcisismo” e as contradições e fragilidades teóricas dos vários pares de opostos que permeiam o texto de 1914.

Rodulfo considera que, em meio a tantas contradições, persiste a ideia de um antagonismo irredutível entre o Um do narcisismo e a dimensão posterior da alteridade, totalmente insustentável. Considerando que Freud introduz o narcisismo sem uma leitura atenta do mito, o autor propõe–se a fazer uma análise, de forma preliminar, do próprio mito de Narciso, seguindo o método de análise estrutural de Lévi–Strauss. O mito de Narciso é um mito das origens, e o herói enquadra–se na categoria, de Lévi–Strauss, de herói cultural. Após vários procedimentos e renúncias típicas desses heróis, Narciso se depara com as águas cristalinas do lago, constituídas em espelho. O texto de Ovídio, segundo Rodulfo, deixa transparecer que naquela época não existiam espelhos. Inicialmente, Narciso não vê nem sua imagem nem o espelho, mas outro de carne e osso. Logo depois, descobre que o outro é o espelho, elemento praticamente desconsiderado nos comentários psicanalíticos, descoberto através de sua imagem. Quando Narciso “cria–descobre” o espelho, o interesse pela sua imagem, na qual agora se reconhece, fica intensificado. Segundo o autor, “sua imagem lhe interessa pelo espelho e não o espelho pela sua imagem” (p. 239), ou seja, o que o fascina é a existência de outro espaço, heterogêneo em relação àquele que ele habita, e que o define como outro de si. Estabelecem–se, assim, dois espaços heterogêneos e assimétricos, o que questiona a suposta simetria do especular. Finalmente Narciso, sem abandonar sua descoberta, vai viver lá. A morte do herói simboliza, como em outros mitos, uma metamorfose, tanto subjetiva quanto cultural. Rodulfo entende que a paixão de Narciso pela sua imagem “pode ser lida como o significante de uma nascente paixão pela imagem” (p. 239), possibilitada pela descoberta do espelho. Inaugura–se com o mito de Narciso o universo das imagens, que hoje é descrito como o virtual, mas já era conhecido, bem antes das telas de cinema, TV e computador, como o espectral ou o ficcional. Nas palavras do autor: “Narciso é o primeiro que, abandonando a materialidade de seu corpo, muda–se para um espaço espectral e virtual de ficção” (p. 239).

O autor analisa outros aspectos do mito, como o lugar da descoberta da beleza e a história de Eco, em que também se reencontra a passagem do material ao imaterial, na voz que pode soar sem seu suporte material. Reconhecendo o espelho como verdadeiro protagonista do mito, como algo que não é simplesmente atravessado e faz mais do que refletir, torna–se insustentável a ideia de que o narcísico seja o dual simétrico. Que acontece, pergunta Rodulfo, quando nos olhamos demoradamente no espelho? A sensação pode ser descrita como inquietante, ambígua, estranha. A questão é que “essa experiência propriamente narcísica, marcada inclusive pela beleza, nos faz ver o irremediavelmente outro de ‘nós mesmos’, o que não é o mesmo e não sei que é de mim, o estranho que ‘no fundo’ habita em mim, e não se deixa integrar numa ‘identidade previsível’, boa ou má” (p. 242). O narcísico que se depreende da leitura do mito alude à alteridade, e não ao especular simétrico, o que pode ser pensado em referência à alteridade constitutiva do psiquismo embora, para o autor, o melhor seria não utilizar a confusa noção de narcisismo para trabalhar os vínculos iniciais.

Para concluir, Rodulfo analisa como a figura do círculo, motivo metafísico fundamental, representação da forma perfeita e, em última instância, do divino, persiste em várias versões e permeia a psicanálise tradicional. A concepção da mônada de Leibniz, que ressignifica a figura circular do pensamento grego, será retomada por Freud na metapsicologia. Teoriza–se um aparelho psíquico protegido dos estímulos exteriores por uma barreira antiestímulo, que impede o excesso de excitação. Toda a relação com o outro é concebida como perturbação, e o aparelho, seguindo o princípio de inércia, deve descarregar a excitação para chegar à quietude, ao zero. Essa concepção monádica da subjetividade concebe o encontro com o outro, com o diferente, como ameaçador ou traumático, tendo sérias dificuldades para pensar sobre o desejo de uma relação ou sobre o desejo de qualquer diferença. O autor considera que outro dos problemas da hegemonia do modelo circular na psicanálise é o risco de ela ficar isolada, anacrônica, em relação à ciência contemporânea.

Segundo o autor, na década de 50 surgem novas perspectivas e figuras que “divorciam” a psicanálise do paradigma circular do psiquismo, como a banda de Moebius de Lacan e a transicionalidade de Winnicott. Contudo, esse divórcio não é pontual e definitivo, nem sempre se rompe com a psicanálise tradicional. é importante ressaltar que “psicanálise tradicional” não se refere a uma única teoria, mas a variadas posições teóricas, que podem trazer valiosas contribuições, mas que herdam, no substrato “inconsciente” de suas teorizações, a “referência ao círculo como representação ‘privilegiada’ da subjetividade” (p. 252).

No final do livro, Rodulfo considera que a expressão clínica mais “revolucionária” de uma nova perspectiva, não dominada pelo paradigma do círculo, é o rabisco de Winnicott. Com a simples técnica do jogo do rabisco, Winnicott cria um brincar de traços, informe, espécie de desenho marginal ao desenho figurativo. O jogo do rabisco consiste em brincar de fazer um traço sem se preocupar pelo sentido (o único sentido é “porque eu gosto de brincar”), constituindo, diz o autor, “a melhor ‘representação’ alternativa – ou, dito de forma menos clássica, a melhor experiência desenhável do movimento subjetivo – da subjetividade humana” (p. 252). O rabisco escapa, assim, da forma circular, abrindo–se ao novo e à diferença.

A riqueza das análises de Rodulfo e a originalidade de suas novas ideias tornam a leitura deste livro imperdível para refletir sobre a psicanálise no século XXI, enriquecendo o debate sobre seu “futuro porvir”.

 

 

Enviada em 20/1/2009
Aprovado em 15/5/2009