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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.11 no.2 São Paulo fev. 2009

 

ARTIGOS

 

Dependência e construção da confiança: A clínica psicanalítica nos limites da interpretação

 

Dependence and trust building: a psychoanalytic interpretation of the limits

 

 

Perla KlautauI ; Pedro SalemII

IPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
IIUniversidade Estadual do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de confiança ocupa um lugar central na teoria psicanalítica elaborada por D. W. Winnicott. Partindo dessa constatação, o presente artigo examina os processos de construção da confiança privilegiando dois eixos principais: propõe um modelo teórico da emergência da confiança e busca investigar seus reflexos bem como seus usos clínicos nos chamados casos e situações–limite. Compreendendo o estabelecimento da confiança como um processo relacionado à previsibilidade e à continuidade das interações precoces do bebê com seu ambiente, são inicialmente examinadas as principais noções da teoria winnicottiana que permitem compreender sua gênese no desenvolvimento infantil. Em seguida, analisando a confiança à luz do conceito de regressão, ela é descrita como um operador clínico útil em determinados contextos do tratamento psicanalítico, sobretudo em casos cuja dinâmica encontra limites no uso da técnica interpretativa clássica.

Palavras–chave:Clínica psicanalítica, Casos–limite, Confiança, Desenvolvimento emocional, Regressão.


ABSTRACT

The concept of trust plays a central role in Winnicott’s psychoanalytical theory. Starting from this observation, this article examines the processes of construction of trust highlighting two main axes: it proposes a theoretical model for the emergence of trust; and it investigates its clinical uses in borderline patients and situations. Considering the emergence of trust as a process related to the predictability and continuity of the early interactions between the baby and its environment, this article examines the main concepts in Winnicott’s theory that allow for the understanding of the genesis of trust in the child’s emotional development. Following this and looking at it in the light of the concept of regression, trust is analyzed as a useful clinical instrument in certain situations of the psychoanalytical treatment, particularly in cases where the classical interpretative technique finds its limits.

Keywords: Borderline patients, Emotional development, Psychoanalytical practice, Regression, Trust.


 

 

1. Dependência e estabelecimento da confiança na obra de D. W. Winnicott

D. W. Winnicott trabalhou cerca de quarenta anos como pediatra em um hospital geral londrino, onde teve a oportunidade de atender a um elevado número de crianças e desenvolver um trabalho voltado para a psiquiatria infantil. Se nos debruçarmos sobre o pensamento desse autor, perceberemos logo o quanto suas inovações metapsicológicas estão relacionadas com a sua prática pediátrica, a qual lhe permitiu estabelecer uma teoria a respeito do desenvolvimento emocional primitivo humano. Influenciado, desde o início de sua prática clínica, pela perspectiva naturalista de Darwin, Winnicott orientou seu pensamento para a compreensão das condições ambientais necessárias ao desenvolvimento psíquico sadio.1 De fato, na esteira do darwinismo, Winnicott cunhou uma teoria geral do desenvolvimento emocional ancorada na idéia de um processo espontâneo que, dadas certas condições básicas, tenderia a desenrolar–se por força de um impulso natural. A afirmação de Darwin de que “não existe tendência absoluta para o desenvolvimento, exceto com base em circunstâncias favoráveis” (Philips, 1988) constitui um traço fundamental da teoria winnicottiana da constituição subjetiva e do desenvolvimento emocional. Daí depreende–se um cenário teórico–clínico segundo o qual indivíduo e ambiente não podem ser pensados independentemente, mas, ao contrário, como estando em permanente conexão. Tal consideração, por sua vez, põe em evidência outro aspecto fundamental da teorização winnicottiana sobre o desenvolvimento, qual seja, o processo vital pelo qual o indivíduo, em seu trajeto sadio, ruma da dependência absoluta em direção à independência e à integração crescentes.

Winnicott parte, portanto, da dependência do bebê em relação ao ambiente, postulando–a como fator central para o desenvolvimento emocional infantil. Essa é a premissa fundamental para explicar como um indivíduo cresce e adquire existência pessoal. Nos primórdios da vida, o recém–nascido é completamente dependente do meio ambiente, a ponto de não funcionar como uma unidade. Inicialmente não integrado, segundo o psicanalista, o bebê depende de certos cuidados ambientais para paulatinamente poder reconhecer sua unidade e sua continuidade no espaço e no tempo. Sua célebre afirmação, proferida no seio da sociedade britânica de psicanálise, condensa tal idéia: “Isso que chamam de bebê não existe” (Winnicott, 1958d/2000, p. 165). Sobre essa frase, Winnicott esclarece que só é possível falar de um bebê englobando o meio ambiente que o circunda, isto é, a mãe que o carrega nos braços, que se identifica emocionalmente com ele e se torna capaz, ao menos idealmente, de suprir suas necessidades iniciais básicas, sejam elas fisiológicas, sociais ou afetivas.

No vocabulário winnicottiano, ambiente, mãe e cuidados maternos devem ser considerados sinônimos, já que, no início, a mãe funciona, tanto em termos biológicos quanto em termos psicológicos, como o primeiro ambiente para o bebê. Com a criança ainda no útero ou no colo, sendo segurada e cuidada, a mãe fornece o ambiente físico que gradualmente se torna psicológico. O importante nessa equivalência de termos é perceber que a mãe, em um primeiro momento, é mãe–ambiente. E mais, conforme afirmado, ambiente, mãe e cuidados maternos não podem ser pensados de forma separada do bebê. Winnicott concebe um estado inicial de continuidade entre eu–não eu, cuja unidade não é o indivíduo isolado, mas sim o conjunto ambiente–indivíduo. Unidade esta que é dual, isto é, constituída por um recém–nascido absolutamente dependente dos cuidados maternos e por uma mãe que se encontra em um estado de preocupação materna primária.2

Propondo que “o centro de gravidade do ser não surge no indivíduo, mas na situação global” (Winnicott, 1958d, p. 166), Winnicott dedicou–se com afinco a descrever as condições necessárias a serem encontradas na relação com o ambiente para a maturação psicológica sadia do bebê. Tal preocupação acabou se traduzindo, em termos teórico–clínicos, na importância de a criança poder confiar no ambiente. De fato, a importância da confiança na obra do psicanalista salta aos olhos de todo leitor atento e, adquirindo importância crescente ao longo dos seus escritos e da sua prática clínica, fez de Winnicott um dos principais psicanalistas a efetivamente problematizar esse termo, transformando–o tanto num operador clínico quanto num conceito metapsicológico de fundamental importância.3

Ainda que os sentidos da confiança sejam múltiplos e se alterem conforme a própria descrição que Winnicott efetua do processo de desenvolvimento emocional da criança, é fato que esse conceito ocupa lugar central em sua obra (P. Salem, 2006). Influenciado pelo violento contexto da Segunda Guerra Mundial, período durante o qual trabalhou como consultor psiquiátrico no Condado de Oxford, o psicanalista notou nas crianças evacuadas de Londres os efeitos da quebra de continuidade nos relacionamentos e do esfacelamento radical da previsibilidade que fundamentava a experiência cotidiana no seio familiar inglês. Como afirma Phillips, a experiência da “evacuação se impôs de fora às mães e crianças, rompendo a continuidade dos seus relacionamentos” (1988, p. 63). A sensibilidade de Winnicott no trabalho com essas crianças fez com que ele notasse as estratégias que empreendiam para defender–se da imprevisibilidade e recuperar a familiaridade na relação com o ambiente. Seja, por exemplo, no recurso às tendências antissociais, no excesso de agressividade ou mesmo na hipertrofia da vida mental, Winnicott pôde observar que os esforços de certas crianças – semelhantemente ao trabalho analítico efetuado por alguns de seus pacientes –, orientavam–se para a recuperação de uma relação de confiabilidade com o ambiente. é fundamentalmente nesse contexto que Phillips afirma ter sido justamente “após o seu trabalho durante a guerra que” Winnicott pôde concluir que o “verdadeiro desenvolvimento somente pode advir, e é o processo de encontrar, ‘crença no ambiente’. Para Winnicott, a capacidade de ser espontâneo somente pode surgir de uma experiência inicial de confiabilidade” (Phillips, 1988, pp. 64, os itálicos são nossos).

Dependência e confiança tornam–se, nesse contexto, termos inseparáveis. Segundo Winnicott, a confiança começa a estabelecer–se na criança com o suprimento, pelo ambiente, das necessidades próprias ao início da vida infantil. Com base em um estado psicológico em que toda mulher grávida sadia ingressa pouco antes de dar à luz e que não ultrapassa algumas semanas após o nascimento do bebê – a preocupação materna primária –, a mãe torna–se apta a fornecer um ambiente especializado, próprio para o desenvolvimento emocional da criança. A partir desse estado aguçado de sensibilidade, a mãe torna–se capaz de identificar–se ativamente com as necessidades do bebê a ponto de, por exemplo, apresentar o seio no momento em que o bebê se encontra faminto, fornecendo a ele a oportunidade para que se sinta o criador daquilo que, como afirma Winnicott, já estava lá. O conjunto de cuidados necessários ao desenvolvimento da criança oferecidos pela mãe em seu estado de preocupação materna primária podem, portanto, ser compreendidos como o fundamento da futura capacidade de confiar. Em outros termos, é precisamente devido à atitude confiável com a qual o outro–ambiente se apresenta à criança que depende o curso inicial do estabelecimento da confiança.

Confiar é antes de tudo confiar no ambiente, crer na permanência e na estabilidade de seu entorno. A emergência da confiança no início da vida da criança pode, nesse sentido, ser compreendida como um fenômeno dependente de interações regulares e contínuas que garantam a previsibilidade do seu contato primeiro com o ambiente. Descrevendo as condições ideais para o suprimento da dependência inicial e para a provisão de um sentimento básico de segurança, do qual depende o curso “natural” do desenvolvimento sadio, Winnicott sugere que “a palavra–chave poderia ser previsibilidade” (1993b–b, p. 148). Protegendo a criança de choques internos e externos – ou seja, do excesso de excitação pulsional e/ou da imprevisibilidade do ambiente além do tolerável para a criança –, o meio rotineiro e previsível fornece as condições mínimas que fundamentam sua apercepção criativa do mundo, sua experiência inicial de ilusão e seu ainda incipiente sentimento de continuidade. Como observou o psicanalista em sua prática clínica, se exposta a graus intensos de excitação ou imprevisibilidade, a criança é obrigada a abrir mão de sua interferência ativa e criativa sobre o meio, constituindo defesas que recomponham a experiência de segurança e de familiaridade que, inicialmente, são–lhe cuidadosamente oferecidas pela mãe–ambiente.

Partindo da afirmação de que a instalação da confiança no início do desenvolvimento infantil depende da confiabilidade do meio, pode–se depreender do pensamento de Winnicott três noções básicas que apóiam a descrição desse processo. São elas: o holding e o handling; a apresentação de objetos, e a função de espelho desempenhada pela mãe. De acordo com Winnicott (1974), são justamente esses os processos que qualificam o ambiente como “facilitador”, no sentido não apenas de possuir as condições ideais para o desenvolvimento infantil, mas também, pode–se afirmar, de conjugar os elementos necessários para a gênese da confiança.

Segundo Winnicott, “o holding e o handling trazem à tona toda a questão da confiabilidade humana” (1993b–a, p. 141). O holding consiste no “primeiro ambiente do bebê”, um “suporte confiável” que deve existir desde o nascimento para que o recém–nascido possa avançar em direção à integração e ter preservada sua experiência de continuidade. Tal suporte implica a forma cuidadosa com que o bebê é sustentado pelo outro numa etapa da vida na qual é ainda incapaz de executar movimentos suficientemente autônomos para, por exemplo, manter–se na posição sentada ou sustentar sua cabeça sem o auxílio externo. Winnicott descreve o holding como uma continuação da “provisão fisiológica que caracteriza o período pré–natal” (1960c, p. 49), podendo, assim, compensar a perda de uma situação intrauterina de estabilidade. Cabe mencionar que, ainda que o holding viesse a tornar–se um conceito com amplos desdobramentos teórico–clínicos a partir dos anos 1960, excedendo o referente corporal que o caracteriza no início da vida, Winnicott sublinha que logo nos primeiros meses do bebê “o principal é o holding físico, e essa é a base de todos os complexos aspectos adicionais do holding e da provisão em geral” (1960c, p. 53). Ou seja, mesmo tendo se tornado um conceito–chave no âmbito da técnica analítica, quando o seu destaque genético passa a ocupar um plano secundário comparativamente à sua funcionalidade clínica, interessa aqui destacar seu aporte corporal, valorizado por Winnicott como um dos fatores do qual depende o desenvolvimento infantil sadio.

O handling – tomado aqui como a parte mais abrangente da série de cuidados que derivam do holding materno (Winnicott, 1974) – também responde pela confiabilidade do ambiente, sendo composto pelos diversos comportamentos e atitudes do outro, realizados com o objetivo de regrar e estabilizar as necessidades fisiológicas e emocionais da criança. Tratando–a ora como um sistema fisiológico que necessita da ajuda exterior para manter a própria estabilidade, ora como uma pessoa constituída com experiências subjetivas e sensibilidades sociais, os pais passam “a maior parte dos dois primeiros meses de vida do bebê buscando regrar e estabilizar seus diferentes ciclos de vigília–sono, dia–noite e fome–saciedade” (Stern, 1985, p. 63). Por tal motivo, vale também notar que os cuidados do handling são habitualmente expressos em condutas sociais parentais, como embalar, tocar, acalmar, falar, cantar, fazer barulhos e caretas que, por sua vez, surgem em resposta a condutas do recém–nascido que são, elas também, essencialmente sociais, como o grito, a agitação, o sorriso e o olhar (Stern, 1985). Associando o holding à integração da psique–soma e o handling à personalização – processo pelo qual a criança experimenta o “sentimento de estar no interior do próprio corpo” –, Winnicott entende que da qualidade da interação entre a mãe e o bebê depende o estabelecimento de circunstâncias satisfatórias ou desfavoráveis em termos psicológicos, já que um grande número de interações sociais que colaboram para a subjetivação do bebê se realiza inicialmente em função de regulações fisiológicas. “Segurar e manipular (hold e handle) bem uma criança”, afirma o psicanalista, “facilita os processos de maturação, e segurá–la mal significa uma incessante interrupção desses processos, devido às reações do bebê às quebras de adaptação” (Winnicott, 1968f, p. 54). Winnicott assevera, em suma, que tanto a integração quanto a personalização são processos cuja conquista depende da “silenciosa e repetida experiência de estar sendo cuidado”, e é precisamente nesse sentido que tanto o holding quanto o handling materno contribuem para a instalação psicológica da confiança. De acordo com o autor, se bem conduzidas, tais atividades deságuam na consolidação da experiência de continuidade do ser e nos processos de gênese da confiança; caso contrário, envolvem uma experiência “muito dolorosa”, cuja tradução à criança se dá em termos de uma “falta de confiança no ambiente” (1993b–a, p. 140).4

Paralelamente às funções do holding e do handling, Winnicott insiste na importância de outro fator que detém igualmente a propriedade de fornecer a regularidade e a previsibilidade necessárias à constituição do campo da confiança para o bebê. Trata–se do modo de apresentação dos objetos. Segundo o autor, a apercepção criativa do mundo depende de uma apresentação simplificada e rotineira dos objetos ao recém–nascido. Dissociada de apreciações normativas quanto a determinados tipos de ação, essa forma primeira de criatividade refere–se mais propriamente à “sensação individual de realidade da experiência do objeto”. Para experimentar–se criador do próprio ambiente e dos objetos que lhe são fornecidos – base da futura experiência de ilusão –, a criança precisa dispor de objetos que possam se conformar não apenas às suas necessidades, mas também a sua capacidade de dispor deles com o próprio corpo. Isso implica, por parte dos objetos e do modo como são apresentados à criança, a presença de qualidades que não ponham em risco a estabilidade e a regularidade da interação primeira. Objetos inadequados ou apresentados de modo a romper a apercepção criativa da criança obrigam–na a reagir com o objetivo de recuperar a familiaridade com o ambiente, sacrificando sua experiência de continuidade. é apenas por meio de objetos que possam ajustar–se à sua competência corporal e que lhe sejam apresentados de modo paulatino e simplificado que a criança tem sua experiência criativa preservada, podendo, então, sentir–se “como o possível agente ativo da resolução de sua necessidade, ou, em outros termos, que possa interiorizar a idéia de que o mundo é algo sobre o qual pode agir criativamente” (Belin, 2002, p. 89).

No curso desse processo, a mãe, em seu estado de preocupação materna primária, é o principal representante da apresentação regular do mundo à criança. Só assim, por meio da sua identificação às necessidades da criança, esta pode vir a sentir–se real, sendo, então, gradualmente introduzida no campo da realidade compartilhada. Mas Winnicott sugere ainda outro fator do qual depende a apercepção criativa da criança, bem como a instalação da confiança. Referindo–se aos possíveis danos provenientes do afastamento da mãe por um tempo maior do que o tolerável pela criança, ele alude às variáveis temporais implicadas na preservação da experiência de onipotência e no impulso agressivo–criativo do bebê sobre o mundo. Após certo tempo de afastamento materno e de interrupção dos cuidados, a imagem da mãe como fonte real de satisfação “esmaece e começa a morrer”, rompendo, assim, a “estabilidade ambiental que facilita a continuidade da experiência pessoal” (Winnicott, 1968b, p. 142). Notando que, no início da vida, é fundamental a apresentação que a própria mãe faz de si ao bebê, Winnicott sugere que a variação temporal da presença materna é tão importante quanto as suas qualidades e propriedades sensíveis.

Em suma, é por meio do modo simplificado de apresentação dos objetos – em “pequenas doses”, como sugere Winnicott – que a criança constrói consistentemente a confiança no ambiente. A confiança, como se vê, depende dessa simplificação num duplo sentido: primeiramente, ela implica a existência de objetos adequados à capacidade de uso por parte do bebê e, em segundo, solicita um modo de apresentação do mundo que sustente a rotina e a previsibilidade necessárias à maturação sadia. O progressivo afastamento do outro deve, nesse contexto, estar condicionado à crescente capacidade de o bebê suportar sua ausência, fato que deve refletir a construção consistente do campo da confiança.

Nesse sentido, a confiança gerada com base no holding, no handling e na apresentação de objetos encontra seu principal referente numa interação previsível entre a criança e o outro. Ocorre que centrar os processos de instalação da confiança na presença da qualidade regular do ambiente seria, ainda que correta, uma proposta conceitualmente imprecisa. Ao longo de sua teorização sobre o desenvolvimento humano, Winnicott prioriza a identidade substancial e a descrição das propriedades específicas do outro–ambiente. Não obstante, Winnicott também postula que as primeiras interações devem ser tributárias de uma qualidade afetiva que favoreça e multiplique as trocas entre o bebê e o outro. Tal é, segundo o psicanalista, o papel que a mãe desempenha ao funcionar como “espelho” para seu filho. No artigo “O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil”, Winnicott (1967c) chama a atenção para a qualidade afetiva que se estabelece quando o outro, ao funcionar como espelho, é capaz de refletir de volta para a criança aspectos do seu comportamento expressivo. Ou seja, do olhar materno e da série de pequenas brincadeiras, imitações mútuas e demais “conversações”, através das quais esse olhar se revela para a criança, depende não apenas os rudimentos da noção que o bebê nutre de si mesmo – sem o que “[os bebês] olham mas não vêem a si mesmos” –, mas também o próprio “estado de identificação” que qualifica a interação primeira do bebê com o seu ambiente e pela qual ele “pode esquecer o humor da mãe e ser espontâneo”. Em outros termos, sugerindo que ao olhar o rosto da mãe a criança é capaz de ver a si mesma à medida que se identifica nesse olhar, Winnicott aponta para o modo como a função de espelho desempenhada pela mãe contribui para o estabelecimento da confiança. Reforçando a relação entre a função de espelho no contexto da dependência que caracteriza o início da vida infantil e a confiança, ele afirma que “o sentimento do eu surge na base de um estado não integrado que, contudo, por definição, não é observado e recordado pelo indivíduo, e que se perde, a menos que seja observado e espelhado de volta por alguém em quem se confia, que justifica a confiança e atende à dependência” (Winnicott, 1967c, p. nota p. 88).

Vale a pena notar como, mais uma vez, se estreitam os laços entre a dependência e os processos de construção da confiança. A função de espelhamento desempenhada pela mãe cumpre, pode–se sugerir, uma dupla função: impõe–se como evento fundamental para a experiência de constituição do senso rudimentar de self do bebê – à medida que reenvia à criança informações acerca de sua própria experiência –, e tece um cenário afetivo fundamental para que a criatividade, a espontaneidade e, finalmente, a confiança possam manifestar–se.

A compreensão da gênese da confiança com base nas noções destacadas conduz, enfim, à valorização dos cuidados iniciais e das vicissitudes das primeiras relações entre o bebê e o outro nesse processo. A identificação emocional da mãe com a criança torna–se peça–chave de um cenário no qual o outro–ambiente é “complacente” com as necessidades próprias do início da vida infantil. Trata–se, fundamentalmente, do modo como o ambiente se adapta às necessidades da criança de maneira a facilitar sua integração e o curso de sua autonomia e independência crescentes. Vale notar que tal descrição dos processos de construção da confiança aponta para uma importante diferença conceitual entre uma possível compreensão freudiana do estabelecimento da confiança e as ilações derivadas da teoria de Winnicott.

Partindo de um enquadramento freudiano, poder–se–ia conceber a confiança como conseqüência de desdobramentos da pulsão sexual. Dessa perspectiva, seu estabelecimento estaria condicionado à disponibilidade do outro para a satisfação do sujeito. Em outros termos, o outro tornar–se–ia, aos olhos da criança, digno de confiança à medida que se estabelecesse como alvo da pulsão sexual infantil. Essa compreensão contrasta em larga medida com a gramática winnicottiana da confiança, na qual ela é tomada como um fator básico do psiquismo. A confiança, compreendida desse modo, não é tanto um produto da relação com um objeto fonte de investimento libidinal, mas, num primeiro momento, o produto da provisão psicológica de segurança que cerca os encontros da criança com seu ambiente. E, desse ponto de vista, a confiança traduz a qualidade básica encontrada em interações regulares e contínuas com o meio cuja finalidade incide, ao menos inicialmente, na provisão daquilo que permita à criança fazer frente à dependência.

Como sugerido anteriormente, mais do que o simples exame de uma questão de fundo metapsicológico, o interesse que Winnicott dispensou à confiança possui raízes na sua prática clínica, seja como pediatra seja como psicanalista. A confiança do paciente e a confiabilidade do analista tornaram–se temas com amplos desdobramentos técnicos, sendo, por exemplo, exploradas por Winnicott como alternativas aos excessos de interpretação psicanalítica que passaram, desde os anos 1950, a ocupar as críticas que dirigiu a um modelo clínico mais tradicional. Nosso objetivo, na seqüência do artigo, é explorar alguns dos reflexos clínicos da confiança ou, mais precisamente, o modo como, com base na teoria winnicottiana, ela pode cumprir a função de um operador clínico capaz de auxiliar na superação de determinados impasses do tratamento psicanalítico.

 

2. Confiança: um operador clínico na análise de casos e situações–limite

Dentre as principais repercussões clínicas da confiança, encontram–se as contribuições para o manejo de casos e situações clínicas em que a técnica interpretativa encontra um limite. A expressão casos e situações–limite é uma das formas de designar determinados momentos de uma análise refratários ao método clássico de tratamento dos conflitos edipianos, baseados na associação livre por parte do paciente, na atenção flutuante e na interpretação do material inconsciente recalcado por parte do analista. Tais casos exigem um remanejamento da técnica apoiado em uma melhor compreensão dos modos de subjetivação, que encontram raízes nas experiências vividas nas fases mais precoces da constituição do psiquismo.

Se adotarmos a confiança como um operador clínico, torna–se possível constatar a importância dada ao estabelecimento de um ambiente de holding ao longo do processo analítico. Holding deve ser entendido como uma espécie de manejo cuja direção visa ao estabelecimento de uma provisão ambiental capaz de fornecer o suporte necessário para a integração de experiências vividas nos primórdios da vida psíquica. Nesse momento, ainda não é possível falar com propriedade de um self consistentemente organizado nem, tampouco, de relações objetais. O que está em destaque é uma dimensão da vida subjetiva, cuja ordenação não se dá pelo estabelecimento de relações de significações mediadas pela linguagem.

Para Winnicott, em sua fase inicial, a vida psíquica consiste fundamentalmente na experiência de ser. O verbo ser, nesse sentido, é utilizado como existir. é importante ressaltar que a expressão utilizada pelo autor em inglês é going on being que, traduzida para o português, significa estar sendo, dando a idéia de movimento, de continuidade e de funcionamento processual. Partindo do plano mais simples para o mais complexo, da vitalidade dos tecidos para a organização da subjetividade singular, a descrição winnicottiana da experiência humana tem como fonte principal a interação entre o organismo e o mundo ao seu redor. Nessa dinâmica, a ênfase recai sob o processo de ancoragem do corpo no mundo que ele habita. Dessa forma, o uso do holding como ferramenta clínica tem sua origem no plano vital, na experiência imediata, anterior ao estabelecimento de relações de significação reflexivas.

Quando pensados em relação ao manejo da transferência, a temática do holding e do estabelecimento dos primeiros rudimentos de confiança traz à tona um tema de crucial importância para a busca de alternativas à prática interpretativa clássica: a noção de regressão. Diferentemente de Freud, Winnicott não usa esse termo para traduzir uma idéia de recuo aos pontos de fixação da libido. Para Freud, a regressão seria o resultado de uma interrupção no processo de desenvolvimento: diante de uma situação traumática, o progresso é interrompido e o desenvolvimento recua em direção aos pontos de fixação da libido. Dessa forma, o sujeito traumatizado passa a lançar mão de mecanismos de defesa não compatíveis com o estado de desenvolvimento libidinal em que se encontra. Winnicott, por sua vez, vê na regressão a possibilidade de o paciente reviver, por meio da situação de dependência, as falhas de adaptação sofridas nos primeiros momentos de vida. De acordo com essa lógica, a regressão deve ser entendida como uma progressão inversa em direção à situação de dependência ambiental inicial. Sendo assim, a diferença entre as concepções de Freud e Winnicott não reside tanto no fato de a regressão ser concebida como um mecanismo de defesa que recua em direção aos estágios iniciais de desenvolvimento, mas sim na ênfase dada por Winnicott à situação de dependência em que o bebê humano se encontra em relação ao outro–ambiente.

O uso clínico da regressão na prática winnicottiana faz parte do processo de cura de certos tipos de pacientes e, nesse sentido, é feito em um contexto específico de holding. Dessa forma, a análise que inclui a regressão e o holding como medida técnica no processo de cura não deve ser aplicada em todos os casos. De acordo com Winnicott, o importante é saber reconhecer o momento adequado para fazer uso desse instrumento. Para precisar esse momento, lançaremos mão de uma espécie de tipologia desenvolvida por Winnicott, na qual este identifica três tipos de paciente, cada qual com uma necessidade que requer uma intervenção clínica específica.

Em primeiro lugar, encontram–se aqueles que tiveram uma história primitiva de adaptação suficientemente boa e, portanto, funcionam como “pessoas inteiras”. Esses apresentam dificuldades no campo dos relacionamentos interpessoais. Para tais casos, a melhor opção de tratamento consiste em uma análise clássica, baseada no uso da interpretação como ferramenta principal. Em segundo lugar, há os pacientes cuja personalidade se integrou recentemente. As dificuldades em questão relacionam–se ao estágio de concernimento, ou seja, à aquisição do status de unidade. Nesses casos, a análise clássica continua sendo a melhor opção, contanto que se preste atenção ao manejo da transferência, no qual a sobrevivência do analista deve ser o fator fundamental. Em terceiro lugar, estão os casos cuja análise tem a função de lidar com os estágios do desenvolvimento emocional anteriores ao estabelecimento do status de unidade. Nesses pacientes, a situação de regressão à dependência de um ambiente confiável é fundamental. Sendo assim, a técnica adequada consiste no oferecimento de um ambiente de holding capaz de sustentar a regressão à dependência dentro da situação analítica (Winnicott, 1955d).

Ao incluir em sua clínica pacientes do terceiro grupo, Winnicott passa a analisar sujeitos que eram considerados não analisáveis pela técnica clássica, por escaparem à lógica que rege a problemática neurótica. Com esses pacientes, a interpretação só funciona até certo limite, sendo necessário, para que o tratamento avance, lançar mão de recursos alternativos à interpretação. Winnicott propõe como alternativa “colocar a ênfase no desenvolvimento do ego e na dependência, e nesse caso, quando falamos de regressão, estaremos imediatamente falando da adaptação ao ambiente, com seus êxitos e suas falhas” (Winnicott, 1955d, p. 380). Portanto, ao adotar essa direção, Winnicott focaliza a regressão como um retorno à situação de dependência. Mais precisamente, dependência dos cuidados inicialmente recebidos de um ambiente confiável.

Para analisar os estágios do desenvolvimento emocional anteriores ao estabelecimento do status de unidade em termos de espaço–tempo, é necessário que o analista forneça um setting que reproduza um ambiente de holding capaz de possibilitar um recuo às experiências vividas numa época em que o ser humano se encontrava completamente dependente do outro–ambiente. Desse modo, a regressão passa a ser concebida como parte da capacidade de o indivíduo se curar, dando “a indicação do paciente ao analista de como o analista deve comportar–se mais do que de como ele deve interpretar” (Winnicott, 1960c, p. 117). Nesses momentos, o setting encontra–se em primeiro plano e o que está em questão é a construção do sentimento de confiança, ou seja, a constância, a permanência e a adaptação empática do analista às necessidades do paciente regredido. Segundo o psicanalista inglês:

é correto falar dos desejos do paciente; por exemplo, o desejo de ficar quieto. Com o paciente regredido, porém, o termo desejo revela–se inadequado. Em seu lugar, usamos a palavra necessidade. Se um paciente regredido precisa de silêncio, nada se poderá fazer se este não for conseguido. Quando a necessidade não é satisfeita, a conseqüência não é raiva, mas uma reprodução da situação original de falha que interrompeu o processo de crescimento do eu. (Winnicott, 1955d, p. 385)

Para Winnicott, não podemos falar de desejo desde o início da vida. No princípio, o que está em jogo são necessidades físicas e psíquicas que devem ser atendidas. A palavra desejo só entra em cena no vocabulário winnicottiano quando o status de unidade espaçotemporal já foi estabelecido. Para falar de desejo, é preciso haver uma organização egóica capaz de fornecer uma sustentação, um continente que abarque o conteúdo pulsional, permitindo que as expressões do desejo se manifestem e, conseqüentemente, possam ser interpretadas. Quando a problemática se encontra centrada nas necessidades do paciente regredido, o que está em questão é uma “área de experiência viva” (Winnicott, 1970b, p. 195). Trata–se de uma dimensão pertencente ao plano da experiência, no qual se destaca a inserção ou a ancoragem do corpo no mundo que ele habita. Nesse plano, a inteligibilidade da experiência não se organiza pela mediação de uma reflexão sobre ela, mas pela percepção sensível dos modos pelos quais o mundo afeta a experiência do corpo e o corpo afeta o mundo no qual ele age.

Desse modo, a área de experiência viva comporta situações iniciais do desenvolvimento humano, em que “a dependência é tão grande que o comportamento daqueles que representam o meio ambiente não pode mais ser ignorado” (Winnicott, 1970b, p. 195). Essa afirmação deixa explícito que, nos casos e situações em que a regressão se apresenta como uma medida técnica alternativa à interpretação, é imprescindível incluir não só o ambiente, mas, sobretudo, o modo como este se comporta. Nesses casos, ambiente, setting terapêutico e a pessoa do analista devem ser considerados equivalentes. De acordo com essa lógica, o setting deve ser encarado como parte integrante da personalidade do analista, tornando–se, assim, peça fundamental para a construção de uma relação de confiabilidade.

Para tornar essa equivalência mais clara, basta remetermos–nos a exemplos de como o manejo de questões ligadas ao setting (como horário e honorários) se misturam e passam a fazer parte da personalidade do analista. Uma paciente jovem com dificuldade de cumprir dois horários fixos por semana propõe ao analista que mantenha um horário fixo e um maleável. Apesar de o esquema de trabalho justificar essa dificuldade, com o decorrer da análise fica explícito que a dificuldade em adotar dois horários estáveis fazia parte do modo de funcionamento dessa jovem. Num primeiro momento, foi crucial para o estabelecimento de uma relação de confiabilidade que o analista se adaptasse ou fosse “complacente” com essa necessidade, reconhecendo–a e nomeando–a. Outro exemplo mostra como o preço das sessões pode funcionar do mesmo jeito. Um paciente propõe que nos meses “de cinco semanas” o valor das “sessões extras” seja diferenciado. Assim como o analista se adaptou aos horários maleáveis, foi necessário que ele se adaptasse ao valor diferenciado para tais sessões. Nesses casos, o que estava em jogo não eram resistências inconscientes ao tratamento, tampouco um ataque ao analista. A questão recaía sobre necessidades específicas que precisavam ser atendidas para que o analista passasse a funcionar como um ambiente confiável. Na situação descrita, a pior opção seria não atender tais necessidades e reproduzir uma situação de falha ambiental.

Quando se consideram as necessidades do paciente regredido como o foco das intervenções, o analista é por vezes instado a abandonar o recuo estratégico que lhe permite estar atento ao discurso do paciente de modo “flutuante” e colocar–se mais na cena analítica, fazendo do holding e da adaptação empática recursos privilegiados para a instauração do sentimento de confiança. Em vez da interpretação dos desejos recalcados do paciente, o que está em questão na área de experiência viva é o reconhecimento e a nomeação do sofrimento. Isso exige uma mudança na qualidade da presença do analista. De tradutor do inconsciente, o analista passa a desempenhar um papel efetivo no processo de integração das experiências que, embora não discursivamente organizadas, são articuladas, ordenadas e carregadas de sentido.

Ao adaptar–se empaticamente às necessidades do paciente, o analista identifica–se com o sofrimento em questão, reproduzindo uma situação precoce, na qual o ambiente se adapta às necessidades do sujeito, apresentando–se como condição de seus processos de integração. Ao reconhecer e nomear o sofrimento do paciente, o analista empresta sua sensibilidade, colocando seu funcionamento mental à disposição do paciente. Em determinados momentos de uma análise, cabe, então, ao analista a tarefa de reconhecer um estado regressivo e acessar o sofrimento de casos que escapam à problemática edipiana, encontrando, assim, meios para superar os limites impostos pelo método interpretativo clássico. Nesses casos, sugere Winnicott, o terapeuta que se empenha em estabelecer conexões ou descobrir alguma organização nos conteúdos aparentemente desconexos do discurso do paciente pode acabar por inibir sua atividade associativa. Ao analista cabe, mais do que interpretar, ocupar–se apenas em “observar o absurdo próprio ao estado mental do indivíduo em repouso, sem a necessidade, mesmo para o paciente, de comunicar esse absurdo” (Winnicott, 1971r, p. 82). Caso o analista se apresse em encontrar um fio significante entre os vários componentes do material associativo, uma chance de repouso e uma oportunidade para o estabelecimento da confiança podem ser perdidas. Na hipótese de o analista insistir na atividade interpretativa, ele se afasta da atitude empática, forçando uma saída da regressão antes de o paciente estar apto a poder retomar seu funcionamento normal. Aqui, “o paciente não pode repousar, devido a um fracasso das provisões ambientais, que desfez o sentimento de confiança” (Winnicott, 1971r, p. 82). Em outros termos, o terapeuta abandona seu papel, desviando–se da tarefa de proporcionar um ambiente confiável necessário às manifestações de criatividade do paciente e seus momentos de não integração. Para Winnicott, portanto, o psicanalista não deve centrar–se apenas na atividade interpretativa, podendo essa atitude impedir ou retardar um processo de cura em função apenas da “necessidade pessoal [do analista] de interpretar”. Antes, deve ser capaz de fornecer ao paciente um ambiente propício para o estabelecimento de uma relação de confiança sobre a qual o trabalho possa se desenrolar.

Adotando, portanto, o estabelecimento da confiança como eixo da estratégia clínica, a condução da análise de casos e situações–limite exige que o analista se afaste de uma posição baseada prioritariamente na escuta do material inconsciente recalcado e adote uma posição mais ativa, participando, com sua presença sensível, do processo analítico. A adoção de certa atividade provoca uma mudança na qualidade da presença do analista, que passa a incluir seu funcionamento mental, implicando mudanças de sensibilidade, de atenção e de percepção. Dessa forma, tornando–se disponível com sua presença, o analista empresta elementos capazes de possibilitar o gradual restabelecimento da capacidade de fruição das potencialidades individuais do sujeito, proporcionando um suporte para o processo de integração e para a recuperação da experiência de continuidade do ser.

 

Referências

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Enviado em 7/5/2008
Aprovado em 19/12/2008

Endereço para correspondência

Perla Klautau
E–mail: pklautau@uol.com.br

Pedro Salem
E–mail: pedrosalem@terra.com.br

 

 

* Psicanalista, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
** Psicanalista, Mestre e Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
1 Dados biográficos apontam para o fato de que, além de Freud, a segunda grande filiação intelectual de Winnicott encontra–se no naturalismo de Darwin (Kahr, 1997; Phillips, 1988).
2 O termo continuidade é aqui proposto como uma alternativa conceitual à idéia de que existiria entre mãe e bebê um estado inicial de indiferenciação. é preciso notar que essa atmosfera de continuidade diz respeito ao plano subjetivo, no qual o surgimento de uma experiência de eu diante de um objeto não eu significa uma conquista do desenvolvimento psicossomático do bebê. No plano mais imediato da inscrição do corpo no ambiente, porém, há, desde o início da vida, uma interação entre esses dois polos. Trata–se aqui da intencionalidade inerente ao próprio funcionamento biológico do organismo do bebê que, imediatamente após o nascimento, é capaz de discernir o corpo próprio do resto do mundo, como têm extensamente sugerido as pesquisas realizadas no âmbito da teoria ecológica do self, da psicologia do desenvolvimento por ela inspirada e da fenomenologia. Sobre esse tópico, ver Butterworth (1998), Reed (1996) e Rochat (2004).
3 Apesar de a confiança ter recebido considerável atenção das ciências sociais, sobretudo nos últimos vinte anos, pode–se afirmar que poucas vezes se converteu em um objeto de investigação conceitual mais apurado no seio da psicanálise. Isso não significa, entretanto, que Winnicott tenha sido o único a dispensar ao termo um olhar mais interessado. Pode–se igualmente citar autores como Balint (1959), Erikson (1976) e Bowlby (1973), por exemplo, como psicanalistas que mais detidamente se debruçaram sobre as implicações psicológicas da confiança. Para maiores detalhes, ver Salem (2006) e Salem & Costa (2003).
4 Winnicott refere–se a tais experiências dolorosas como a base das “angústias primitivas”. Dentro dessa categoria de sofrimento psíquico, inclui também a desintegração psicótica, a perda da cumplicidade da psique–soma e a perda do senso de realidade e da capacidade de relacionar–se com os objetos (Winnicott, 1974).