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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.11 no.2 São Paulo fev. 2009

 

ARTIGOS

 

O papel do pai no processo de amadurecimento em Winnicott

 

The father’s role in the Winnicott ripening process

 

 

Claudia Dias Rosa*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Escola Winnicottiana de Psicanálise, Serviço de Atendimento em Psicanálise1 do Centro Winnicott de São Paulo e do Centro Winnicott de Campinas.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem por objetivo explicitar a concepção winnicottiana acerca do papel do pai desde as primeiras fases do amadurecimento pessoal até o estágio do complexo de Édipo. Descrevendo as diferentes tarefas paternas, o artigo mostra que Winnicott atribui uma importância específica não apenas à mãe, como em geral sustentam os comentadores, mas também ao pai, e torna claro, em particular, que aquilo que compete a este não se restringe, como afirma a teoria tradicional, a atuar como interditor e representante da lei.

Palavras–chave: Winnicott, Psicanálise, Amadurecimento, Ambiente, Papel do pai, Complexo de Édipo.


ABSTRACT

The objective of this study is to explain Winnicott’s conception about the role of the father, from the early stages of the process of personal maturation to the stage of the Oedipus complex. This study describes the different tasks assigned to the father in Winnicott’s works, and shows that the father is significantly important – not only the mother, what is normally stated by commentators – and emphasizes the fact that the role of the father is not limited, like in the traditional theory, to the role of interdictor and that of the law representative.

Keywords: Winnicott, Psychoanalysis, Maturation, Environment, Father’s role, Oedipus complex.


 

 

1. Introdução

Este artigo tem o objetivo de descrever e analisar o papel do pai na obra deste artigo tem o objetivo de descrever e analisar o papel do pai na obra de Winnicott a partir da sua teoria do processo de amadurecimento pessoal. As fases desse processo, escolhidas para exame, foram aquelas que vão do período inicial da existência até o final da fase edípica.

O estudo do tema fazia–se necessário porque a literatura secundária a respeito do papel do pai na obra de Winnicott é escassa. Mesmo os poucos textos dedicados especificamente a esse assunto acabam, em sua grande maioria, e negligenciando a originalidade do autor, por conferir, ao pai, o mesmo e praticamente invariável papel de interventor e de representante da lei que lhe foi atribuído na psicanálise tradicional (cf., por exemplo, Phillips; Adam (1988), e Duparc; François (2003)). A teoria freudiana, baseada no modelo da neurose e concebendo o psiquismo ao modo de um aparelho psíquico animado por pulsões, outorga ao complexo de Édipo e à sexualidade os eixos básicos da vida psíquica e, como consequência, dá ao pai um lugar central na estruturação da personalidade, nas formas e contornos do adoecer psíquico, além de estar na base da moral e da própria vida cultural.

À luz da observação e tratamento de bebês e pacientes psicóticos, Winnicott substituiu a teoria da sexualidade por uma teoria do amadurecimento pessoal, cujo eixo central é dado pela necessidade de ser e pela tendência herdada para o amadurecimento e cuja direção principal é a integração numa unidade e a possibilidade de responder por um eu pessoal integrado. A sexualidade deixa de ser, nessa teoria, a base fundamental da constituição do indivíduo, passando a ser uma das formas pelas quais a instintualidade, uma vez amadurecida, compõe a vida humana (Loparic, 2006b); do mesmo modo, o complexo de Édipo – que requer certo nível de maturidade para ser alcançado – passa a ser uma das fases do processo de amadurecimento.

Tendo tido uma longa experiência como pediatra, Winnicott considerou, tirando todas as consequências da imaturidade do recém nascido, o fato de o bebê depender em alto grau dos cuidados adaptativos do ambiente, ou, como ele usa dizer, dos cuidados “suficientemente bons” de uma mãe devotada comum. Por isso, concentrou grande parte de sua obra na explicitação do que acontece com o bebê nos estágios iniciais de sua vida, afirmando que, nestes momentos, não é o pai, e sim a mãe, que formou o ambiente imediato que o recém–nascido necessita para amadurecer (cf., por exemplo, Winnicott (1988, p. 176; 1947b, p. 98; 1958j, p. 7). O que importa nesta fase primitiva, para a constituição do bebê, é justamente o que ocorre no interior da relação dual mãe–bebê – relação esta que é sustentada pelo pai.

O cerne da teoria winnicottiana é, assim, uma teoria do amadurecimento pessoal2 do individuo, o qual, no início da vida, depende totalmente do ambiente e vai, com o crescente amadurecimento, tornando–se cada vez mais independente, alcançando, na maturidade, uma independência relativa. Com esta nova maneira de considerar a teoria geral que serve de referência para pensar o desenvolvimento saudável e o patológico, com a descentralização da sexualidade e do complexo de Édipo, com a rejeição da teorização do tipo metapsicológica, pode–se considerar que Winnicott construiu novas bases teóricas para apoiar sua compreensão da natureza humana e da prática clínica que, em aspectos essenciais, diferem daquelas que sustentam a psicanálise tradicional (cf. Phillips [1988]; Loparic [2001; 2006]; Dias [2003]; Fulgencio [2007]). Era natural, como consequência, que o papel do pai também se modificasse não ficando restrito às questões relativas ao complexo de Édipo, mas assumisse, dentro do novo quadro teórico, não apenas dois, mas diferentes papéis ao longo do amadurecimento pessoal, que variam de acordo com a crescente maturidade do bebê. Ou seja, antes de o pai surgir como um dos pólos do triangulo edípico, ele já está presente, de diferentes maneiras, na vida do bebê.

Explicito, a seguir, algumas características básicas do processo de amadurecimento, necessárias para delimitar e circunscrever a área de estudo.

a) O processo de amadurecimento é regido por uma tendência inata ao amadurecimento, ou seja, à integração numa identidade unitária, que depende, para cumprir–se, de um favorecimento ambiental de modo a que a continuidade de ser do indivíduo, nos estágios iniciais, seja preservada.

b) Neste processo, o que é integrado, e passa a fazer parte do indivíduo favorecendo seu amadurecimento, é a experiência pessoal que ele faz disso ou daquilo, uma vez que o que conta, para Winnicott, é o ponto de vista do bebê ou da criança etc. No início da vida, essas experiências tornam–se pessoais e são integradas quando se dão no interior da relação inter–humana que acontece entre o bebê e a mãe (ou mãe–substituta). é a mãe que possibilita, através de seus cuidados, que o bebê habite num mundo subjetivo, isto é, dentro do âmbito de ilusão de onipotência, o que significa, dentro do âmbito de sua limitada capacidade para a experiência, possibilitando assim o estabelecimento do primeiro sentido de realidade – que é a base e a condição para todas as outras realidades (transicional, externa, pessoal (interna): a realidade do si–mesmo e a do mundo subjetivo.

No que se refere ao pai, nesse momento inicial, embora ele exista, tenha participado da feitura da criança, e esteja presente, ainda assim ele ainda não pode ser abarcado como externo e muito menos como terceiro, no pequeno campo de experiências que a incipiente maturidade do bebê permite. Uma possível experiência do bebê com um colo diferente ainda não se constitui, para ele, como o colo do pai. Isso quer dizer que reconhecer a importância da presença do pai no ambiente, desde o início da vida do bebê, e a sua fundamental tarefa de se ocupar da sustentação do ambiente em que a dupla mãe–bebê habita e amadurece, não significa, em absoluto, readmitir a triangularidade nas relações iniciais do bebê. Logicamente a qualidade do colo que a mãe oferece ao bebê é também afetada pela sustentação que o pai dá ou não a ela. Quando tudo corre bem, a vida inicial do bebê se caracteriza pelo conjunto de experiências que acontecem no interior da relação mãe–bebê, da qual o bebê faz parte. O pai faz parte do ambiente e entra diretamente na vida do filho como mãe–substituta. Nas fases seguintes, na medida do crescente amadurecimento, o bebê começará a entrar em contato com aspectos do pai para, somente após ter conquistado o estatuto de identidade unitária e ter integrada a instintualidade, estabelecer uma relação direta e efetiva com o pai como terceira pessoa.

c) Deve–se salientar que o que constitui fundamentalmente o ambiente, em Winnicott, são pessoas reais, que integram e mantêm o ambiente total, possibilitando que aí aconteçam experiências que efetivamente contam, para o bebê, como experiências reais. O que importa, portanto, para Winnicott, no que se refere ao pai (como também à mãe), é a participação efetiva deste na vida da criança, a qualidade de sua presença e de suas ações, tendo todo o posterior desenvolvimento da relação com o pai uma base nestas experiências iniciais.3 Na teoria winnicottiana, a análise do papel do pai parte da ideia de um bebê amadurecendo dentro de uma família, composta por pessoas reais que lhe dispensam cuidados reais; assinalo este ponto para tornar claras as diferenças existentes em relação à teoria psicanalítica tradicional, que pensa as relações familiares não em termos de cuidados efetivos, mas em termos de um jogo de representações referidas a conflitos internos vividos pelo bebê. Em “O uso de um Objeto no contexto de Moisés e o Monoteísmo”, Winnicott (1989xa, p. 188) explicita essa questão:

Freud, no arcabouço do seu próprio e bem–disciplinado funcionamento mental, não sabia que temos hoje de lidar com um problema como o seguinte: o que há na presença real do pai e do papel que ele desempenha na experiência do relacionamento entre ele e a criança e entre a criança e ele? O que isto causa ao bebê? Pois há uma diferença, que depende de o pai achar–se lá ou não, se é capaz de estabelecer um relacionamento ou não, se é são ou insano, se tem a personalidade livre ou rígida.

Winnicott reconhece que, ao descobrir a fundamental importância da realidade interna na constituição do psiquismo, a psicanálise tradicional deu um passo decisivo para a compreensão do psiquismo humano; mas também considera que, a partir daí, o valor dado às fantasias psíquicas passou a suplantar a efetividade da realidade externa. Ao afirmar a importância do ambiente, Winnicott redimensiona, sem negar, o valor dado à realidade interna, mas restringe o uso do conceito uma vez que, nas fases iniciais, a distinção entre interno e externo não faz muito sentido.

Pode–se encontrar uma ilustração de como Winnicott considera, não apenas a fantasia, mas a ação real dos pais nos cuidados com a criança, em sua redescrição do estágio edípico, em que o pai não se restringe a ser o rival que, na fantasia do menino, ameaça a sua integridade. O pai é também o homem real que, não se enquadrando nas projeções do filho, pode tomá–lo nos braços e, sobrevivendo aos seus ataques com firmeza, compreensão e acolhimento, ajudá–lo a descriminar entre as fantasias (típicas desta etapa do desenvolvimento emocional) e a realidade externa. Em Natureza humana, Winnicott (1988, p. 77) refere–se a essa distinção dizendo que

quando os pais existem e também uma estrutura doméstica e a continuidade das coisas familiares, a solução vem através da possibilidade de distinguir entre o que chamamos de realidade e fantasia. Ver os pais juntos torna suportável o sonho de sua separação ou da morte de um deles. A cena primária (os pais sexualmente juntos) é a base da estabilidade do indivíduo, por permitir que exista o sonho de tomar o lugar de um dos pais.

d) O processo de amadurecimento é constituído por uma linha identitária e por uma linha instintual, sendo que a primeira – relativa ao processo de constituição da pessoa do bebê, ou seja, à conquista de uma existência que tem no cerne um si mesmo integrado – é aquela que aloja e dá sentido à segunda, ou seja, à linha instintual. A linha identitária é regida pela necessidade de ser e de continuar a ser, na direção da conquista da identidade unitária; essa conquista deve, necessariamente, ser facilitada pelo ambiente. A linha instintual (que sempre foi privilegiada pela psicanálise tradicional) pressupõe, na saúde, o constante processo de integração da psique no corpo, o que significa, entre outras coisas, a gradual apropriação da impulsividade instintual4 pelo indivíduo ao longo do amadurecimento. Mas, para Winnicott, quem amadurece, de modo a ir integrando e alcançando os vários níveis da instintualidade, inclusive o sexual, é o bebê. Isso significa que a instintualidade, para ganhar sentido pessoal e poder ser integrada na personalidade, depende das conquistas da linha identitária. Winnicott (1987e, p. 9) diz:

é possível induzir um bebê a alimentar–se e a desempenhar todos os processos corporais, mas ele [o bebê] não sente essas coisas como uma experiência, a menos que esta última se forme sobre uma proporção de simplesmente ser, que seja suficiente para constituir o eu que será, finalmente, uma pessoa.

Ao longo do amadurecimento, quando tudo corre bem, a vida instintual é integrada na pessoalidade do indivíduo o que possibilita que as relações interpessoais sejam vividas como experiências totais.

e) é fundamental, seja qual for a temática a ser examinada, a diferenciação entre a natureza peculiar dos fenômenos primitivos, durante os quais estão se formando as bases da personalidade do bebê – objeto subjetivo, relação dual, excitação incompadecida, dissociação primária entre os estados tranquilos e excitados etc. – e o que se encontra nos estágios de maior maturidade, quando o indivíduo já alcançou viver a partir de uma identidade unitária – discriminação entre o eu e o não–eu, integração da vida instintual, possibilidade de estabelecer relações interpessoais, etc.

Apesar de Winnicott não ter feito uma explicitação pormenorizada do papel do pai em sua obra, acredito ser possível deduzi–la e chegar a uma exposição organizada desse tema, a partir do estudo aprofundado da teoria do processo do amadurecimento pessoal e do papel do ambiente nas diversas fases que compõem esse processo.

Na sequência, percorrerei as diferentes fases do processo de amadurecimento pessoal examinando, em cada uma delas, os papéis que são da responsabilidade paterna, e que variam de acordo com o gradual amadurecer da criança.

Com isso, espero mostrar que Winnicott trouxe contribuições significativas para o entendimento do papel do pai, tanto nas fases mais primitivas, quanto nos momentos mais evoluídos da vida humana nos quais já imperam as relações triangulares, seja em acréscimo, seja reformulando a compreensão de determinados aspectos já descritos pela psicanálise tradicional

 

2. A presença do pai no período de dependência absoluta

Durante o período de dependência absoluta, o bebê vive no interior da relação dual com a mãe, bebê e mãe formando uma só unidade; o pai participa desta relação assumindo dois principais papéis:

a) Ele é uma mãe substituta e, nesse papel, ele deve permanecer, tal como a mãe, objeto subjetivo. Para exercer essa função, o importante não é o seu lado masculino, mas o seu lado materno: “O pai participa (dos cuidados do bebê) indiretamente enquanto marido, e diretamente enquanto mãe–substituta” (1955e, p. 451).5 Em outro texto (1965m, p. 130), em que está avaliando as diferenças entre satisfazer as necessidades do id (necessidades instintuais) e atender às necessidades do ego (relativas à tendência inata à integração), Winnicott reitera mais uma vez essa mesma ideia dizendo que, nesse começo da vida, o pai não desempenha, diretamente enquanto pai, nenhum papel com o bebê; toda a sua relação com este só pode se dar em termos de ele atuar como mãe substituta. Diz o autor: “A relação diádica inicial é aquela entre a criança e a mãe ou mãe substituta, antes que qualquer característica da mãe tenha–se diferenciado e moldado na imagem do pai” (1958g, p. 32). é por isso que no artigo, “O recém–nascido e sua mãe” que trata justamente das necessidades e dos cuidados específicos que o bebê necessita ao nascer, Winnicott faz uma espécie de apelo para a compreensão dos pais assinalando que se num texto, “eu disser ‘a mãe’ muito mais vezes que ‘o pai’, espero que os pais me compreendam” (1964c, p. 29).

Cabe aqui discutir a ideia comum, mas, a meu ver, equivocada, de que Winnicott prioriza a mãe em detrimento do pai, dando a entender que sua obra é prioritariamente “materna”. Não se trata, contudo, de priorizar a mãe ou o pai nos cuidados com o bebê, mas de compreender que o tipo de ambiente (cuidados) que o bebê precisa encontrar ao nascer, como pré–requisito para um amadurecimento saudável, faz parte mais genuinamente da natureza do ser da mulher. No texto, “Esse Feminismo”, Winnicott dirá: “Todos nascem com tendências hereditárias para a maturação, mas para que elas se concretizem é necessário que exista um ambiente facilitador satisfatório. Isso significa uma adaptação inicial sensível da parte de um ser humano. Esse ser humano é a mulher e, geralmente, a mãe” (1986g, p. 192).

A qualidade de ser materna, isto é, capaz de uma profunda identificação, de ser e de deixar ser, nessa profunda adaptação às necessidades do bebê, é um atributo que diz respeito à íntima relação que uma pessoa guarda com o elemento feminino puro6 e que é, em termos gerais, mais natural à mulher, principalmente quando em estado de “preocupação materna primária”. Mas isso também se deve, ao fato de sua constituição orgânica, à possibilidade de gerar um ser dentro de si, aos nove meses de gravidez, à simplicidade e constância da técnica que advém mais naturalmente às mulheres que tiveram esse preparo de nove meses (1988, p. 132), à possibilidade de, na maior parte dos casos, poder alimentar seus filhos ao seio e, ainda, por ter sempre brincado de ser mamãe. Há mais um ponto importante: o fato de a sexualidade feminina – diferentemente da masculina que é edificada na fase fálica com base na instintualidade, – ter suas raízes nas fases mais primitivas do amadurecimento nas quais se dão as identificações iniciais da menina com a mãe–fêmea e com a mãe–mulher. Loparic (2006b, p. 337)7 diz que:

Pela primeira identificação [mãe–fêmea], constitui–se a base dos traços feminino–genitais e pela segunda [mãe–mulher], os traços maternais da menina. Por um lado, a menina adquire a capacidade para guardar segredo a qual, no futuro, se tornará a de engravidar e de amamentar. Por outro, ela passa a ter condições de transmitir a continuidade de ser (continuidade geracional). Nenhum desses processos de identificação pode ser conceitualizado em termos do desenvolvimento do id [impulsos instintivos].

Quando se diz que um homem realiza bem o papel de mãe–substituta no início da vida do bebê, é possível pensar que ele também o faça a partir, entre outras coisas, de seu “elemento feminino puro” e da experiência presente em si de também ter sido cuidado por uma mãe quando bebê. Winnicott afirma: “Quando digo mãe, não estou excluindo o pai, mas é que nesse estágio o que nos interessa é o aspecto materno do pai” (1987d, p. 83). Em um texto sobre o autismo, de 1966, o autor relata o caso de Sally, uma menina de 17 meses que, embora apresentasse compulsões repetitivas, estava bastante bem. Ele (1996c, p. 186) explica:

A razão para Sally estar num estado bastante bom era o fato de seu pai ser uma pessoa muito materna e ter dado ao bebê grande parte daquilo que a mãe não pudera dar. Isso ficou evidente durante a consulta na qual Sally, aos 17 meses, procurava o pai o tempo todo, e era tratada por ele com um entendimento perfeito. Poderíamos dizer que ele era tão maternal que ficávamos nos perguntando como faria quando se tornasse necessário como homem e como um pai de verdade.

é fato que encontramos mães mais paternas e pais mais maternos, e que isso pode ser tão natural nessas pessoas que garanta, tanto quanto nos casos mais comumente encontrados de mães mais maternas e pais mais paternos, um desenvolvimento igualmente saudável nos filhos. A questão é que, embora o homem possa ser materno – e é desejável que ele tenha também essa possibilidade – em geral, é custoso para ele, em termos de sua vida pessoal e de sua masculinidade, ocupar o lugar da mãe com a especialização que isso demanda no início da vida (estabelecer uma relação com o bebê em termos de continuidade, de identificação, desenvolver algo similar à preocupação materna primária, constância, monotonia, etc.).8 Além disso, se o pai é mais materno, talvez caiba à mãe ser mais paterna, de modo a manter no ambiente as características de segurança, estabilidade e firmeza que são fundamentais para o processo de amadurecimento do bebê9.

b) Ele é o principal “cuidador” da dupla mãe–bebê: ele dá sustentação à mãe, protegendo–a das interferências externas de modo a que ela possa entregar–se à “preocupação materna primária”. Por estar presente e fornecer esses cuidados, ele compõe, junto com a mãe, o ambiente total em que o bebê habita. Neste sentido específico, o pai participa do colo que a mãe dá ao bebê a partir da efetiva experiência que a mãe tem da presença do pai. Winnicott fala que, entre outras coisas, a mãe cria, com seu corpo e cuidados, um espaço para o bebê habitar. é interessante notar que, de certa maneira, o pai também cria um espaço para que a mãe, seguramente assentada nele, possa se entregar ao estado de preocupação materna primária. Ele (1949b, p. 27) diz que, nesse ponto o pai

pode ajudar a criar um espaço em que a mãe circule a vontade. Adequadamente protegida pelo seu homem, à mãe é poupado o trabalho de ter que se ocupar das coisas externas que aconteçam à sua volta, numa época em que ela tanto precisa concentrar–se, quando tanto anseia por preocupar–se com o interior do círculo formado pelos seus braços e no centro do qual está o bebê.

Isso é necessário, pois, nesses momentos, as mães se encontram, também elas, num grande desamparo devido a seu estado de preocupação materna primária e elas têm “necessidade de proteção enquanto se encontram neste estado que as torna vulneráveis” (1968d, p. 83; 91). Nesse sentido, Winnicott (1987d, p. 91) lembra que

certamente algo acontece às pessoas quando elas se vêem confrontadas com o desamparo que supostamente caracteriza o bebê. […] Poderíamos quase dizer que as pessoas que cuidam de um bebê são tão desamparadas em relação ao desamparo do bebê quanto o bebê o é. Talvez haja até mesmo um confronto de desamparos.

Em muitas passagens de sua obra, Winnicott aponta esse desamparo da mãe (Araujo, 2003), insistindo na extrema importância do suporte que o pai oferece a ela quando, identificada com seu bebê, está também parcialmente regredida e, de alguma maneira, dependente:

é importante, embora óbvio, notar que, estando a mãe no estado que descrevi, ela se torna uma pessoa muito vulnerável. Nem sempre isso se nota, devido ao fato de em geral haver algum tipo de proteção estendida em torno da mãe, proteção esta organizada talvez por seu marido… é no caso de uma ruptura das forças protetoras naturais que se constata o quão vulnerável é a mãe. (1965vf, p. 23)

Os chamados distúrbios mentais puerperais, a que as mulheres estão sujeitas, se vinculam, não raras vezes, a um possível colapso dessa cobertura protetora. Quando isso acontece, diz Winnicott, pode ficar difícil às mães se voltarem para dentro e esquecerem de todos os perigos externos, e, assim sendo, elas dificilmente chegam a atingir o estado de preocupação materna primária (1965vf, p. 23).

é importante sublinhar que, além do pai, a mãe também já necessitou de um obstetra e de uma enfermeira, da estrutura competente de um bom hospital, e continua a precisar de um bom pediatra10 que a oriente no que diz respeito à saúde do bebê, de um médico que a conheça e com quem possa contar, do acolhimento e da segurança que a família proporciona, e, de uma forma mais geral, o casal depende de algumas condições sociais e de uma razoável estabilidade, por exemplo, em termos de moradia, da constância e do sentimento de pertencimento ao ambiente social no qual estão inseridos (cf. 1949n, p. 121).

Embora não restem dúvidas de que todos esses elementos de sustentação sejam importantes, e, de certa forma, interdependentes, cada qual desempenhando um papel específico, Winnicott nunca deixa de ressaltar a qualidade e o valor diferenciado do apoio que o próprio pai da criança, ou o marido, pode oferecer à mãe – dada à natureza da relação entre eles, à cumplicidade de ambos com relação aos filhos, a responsabilidade na tarefa de educar, e a estrutura familiar que, como casal, eles estabelecem. é o pai que, em última instância, ocupa o papel princeps de dar holding à mãe, especialmente durante todo esse período em que ela está cuidando do desamparo de seu bebê (cf. 1945i).

Mas é claro que o principal é a saúde emocional e a disponibilidade da mãe e do pai para criarem o bebê. Mas de forma alguma seria correto, nesse ponto, o esquecimento do fator acaso, daquilo tudo que pode acontecer, mas que está fora do alcance e controle dos pais.: a mãe pode precisar ser hospitalizada assim que o bebê nasce, ou o pai que por qualquer motivo involuntário pode não estar presente em casa, ajudando e cuidado da mãe e do bebê. Situações como estas podem mudar e distorcer aquilo que, na origem, seriam os bons cuidados de que o bebê necessita. A responsabilidade com relação aos filhos continua sendo dos pais, mas isso não é o mesmo que atribuir culpas. Em todo o caso, dependerá principalmente dos pais, – mas também daqueles que perfazem o círculo total no qual o bebê habita– a remediação do problema, seja através de um período de cuidados especiais à criança, da procura de ajuda profissional para os problemas que se apresentaram etc..

 

3. A presença do pai no período de dependência relativa

Esses dois papéis – mãe substituta e sustentador da dupla mãe–bebê – continuarão atuais durante todas as fases do período seguinte, o da dependência relativa, durante o qual as mudanças e conquistas do bebê se darão ainda no interior da relação dual com a mãe e estarão relacionadas à gradativa transformação desta relação na direção da separação da unidade mãe/bebê e da constituição da identidade pessoal e unitária do bebê. Embora o pai continue a não fazer parte do interior da relação dual mãe–bebê, sua presença e disponibilidade permanecerão sendo de extrema importância e a presença paterna, nesta etapa de maturidade do bebê, ganhará novas facetas:

a) o pai ajuda a mãe a sair do estado de preocupação materna primária, chamando–a para si como esposa. No período anterior, de adaptação absoluta, estando a mãe inteiramente dedicada à identificação com seu bebê, talvez fosse extremamente trabalhoso e difícil para ela dar conta de mais esse aspecto de sua vida. Mas terminado esse período inicial da vida do bebê, é necessário que a mãe seja capaz de desadaptar–se de modo a permitir que a separação entre ela e o bebê tenha início e que o bebê caminhe na direção da independência. Desta forma, é de grande ajuda que o pai “lembre” à mãe que ela também é uma mulher, de modo a que ela tenha mais um ponto de apoio para recuperar aspectos de sua personalidade e de retomar, aos poucos, a amplitude do mundo que havia sido estreitado pela preocupação materna primária. Diz Winnicott (1993i, p. 100):

Mas eu espero que, em última instância seja o pai quem intervenha e defenda a esposa. Ele também tem seus direitos. Não só quer ver sua esposa recuperar uma existência independente, mas também quer estar apto a ter sua esposa para si, mesmo que em certos momentos isso signifique a exclusão de crianças.

Além do mais, a mãe que, respeitando suas possibilidades, pode igualmente fazer uso do aspecto fêmea de sua personalidade, tem ganhos em termos de potência. Como diz o autor, referindo–se a uma das diversas necessidades da mãe: “[A mãe] precisa também da dedicação de um marido e de experiências sexuais que a satisfaçam” (1964g, p. 9). A própria maternidade da mulher também está assentada e ganha potência na masculinidade do marido. Em seu livro, Natureza humana, Winnicott (1988, p. 122) salienta que

a mãe que acabou de atravessar uma experiência estafante tem à sua frente uma tarefa extremamente difícil. Ela mesma precisa estar dotada de um tipo de potência especial, pois nem um seio cheio demais, nem um seio inteiramente inerte serão perfeitamente apropriados. Ela será muito ajudada pela experiência da potência genital de seu homem.

é importante ter em conta que a desadaptação que a mãe deve operar é gradual e se dá na medida da possibilidade que o bebê já tem de aguentar as pequenas falhas maternas.

b) O bebê começa a distinguir, nos cuidados da mãe, alguns aspectos que podem ser ditos paternos: de ordem, firmeza, dureza, inflexibilidade etc. Segundo Winnicott, a figura materna vai sendo duplicada como resultado da experimentação que o bebê começa a realizar, no transcorrer do período de dependência relativa, com uma mãe que é subjetiva, ou seja, faz parte de seu si mesmo, mas também, e ao mesmo tempo, já pode ser vislumbrada numa nesga de objetividade, para ser colocada, digamos assim, na linha de fronteira de sua onipotência. é com relação a essa duplicação do papel materno que o que é paterno começa a se esboçar.

O pai entra no quadro geral de duas maneiras. Até certo ponto, ele é uma das duplicações da figura materna. Nos últimos cinquenta anos, tem havido nesse país uma mudança na orientação, de tal modo que os pais se tornaram muito reais para seus filhos no papel de duplicações da mãe do que eles eram, parece, décadas atrás. No entanto, isso interfere com outra característica do pai, segundo a qual ele acaba entrando na vida da criança como um aspecto da mãe que é duro, severo, implacável, intransigente, indestrutível, e que, em circunstâncias favoráveis, vai gradualmente se tornando aquele homem, alguém que pode ser temido, odiado, amado, respeitado. (1986d, p. 127)

O fato de o pai, cada vez mais, ocupar o lugar da mãe, fazendo as vezes dela por determinados momentos, não deve interferir, na outra contribuição que ele tem a dar com seu lado masculino. O bebê, que só passa a ter maturidade suficiente para se relacionar diretamente com o pai na época em que está vivendo as questões relativas ao estágio do concernimento tem, antes disso, via mãe, essas experiências originárias com o que, um dia, será majoritariamente reunido na pessoa do pai. Aos poucos, a criança terá condições de discriminar essas diversas características da mãe e atribuirá à figura masculina do pai, a maioria dos aspectos da mãe que estão relacionados à firmeza, solidez, força, rigor etc. Diz Winnicott (1945i, p. 128–29):

Se começarmos pelos primeiros tempos, podemos observar que o bebê, antes de mais nada, conhece a mãe. Mais cedo ou mais tarde, certas qualidades maternas são reconhecidas pela criança e algumas delas – maciez, ternura – ficam sempre associadas à mãe. Mas a mãe também possui toda a sorte de qualidades austeras: por exemplo, pode ser ríspida, severa, e rigorosa; com efeito, a pontualidade dela acerca das mamadas é tremendamente apreciada pelo bebê, logo que pode aprender a aceitar o fato de que não pode ser alimentado exatamente quando lhe apetece. Eu diria que certas qualidades da mãe, que não fazem essencialmente parte dela, reúnem–se gradualmente na mente infantil; e essas qualidades atraem sobre si próprias os sentimentos que o bebê, com o tempo, acaba por dispor–se a alimentar em relação ao pai. é incomparavelmente melhor ter um pai forte, que pode ser respeitado e amado, do que apenas uma combinação de qualidades maternas, normas e regulamentos, permissões e proibições, coisas inúteis e intransigentes. Assim, quando o pai entra na vida da criança, como pai, ele chama para si sentimentos que a criança já alimentava em relação a certas propriedades da mãe e, para esta, constitui um grande alívio verificar que o pai se comporta da maneira esperada. [Os itálicos são meus]

é interessante, nesta citação, sublinhar a ideia de que é o bebê que começa, a seu tempo, a reunir, na figura do pai, determinadas qualidades que lhe vinham da mãe. Não é, portanto, o pai que decide sobre sua entrada na vida do filho, embora esteja disponível e desejoso de ser “o papai”, mas sim o bebê que, à medida que se separa da mãe, e do ambiente total, vai reunindo e, de certa maneira, criando a presença do pai em sua vida: o bebê amadurece e, a partir dos cuidados maternos, avançando na direção da independência, encontra o pai11. Note–se também que essas primeiras experiências com o que é paterno estão dentro do âmbito de cuidados que constituem o si–mesmo do bebê e nada têm a ver com a situação, muito posterior do processo de amadurecimento, na qual o pai é vislumbrado ou representado pela criança como um outro (sendo que, primeiramente, ele será um não–eu, diferenciado da mãe e dela mesma e, mais tarde ainda, um dos pólos do triângulo edípico).

No estágio que ora descrevemos, a entrada do pai na vida da criança não é violenta ou traumática, e nada tem a ver com qualquer situação em que esteja implicada uma separação da mãe: as mudanças vão ocorrendo dentro da relação mãe–bebê, na natureza desta relação, e não a partir da dissolução desta. O pai aqui não é interventor ou interditor desta relação, ao contrário, ele é o sustentador dela para que o amadurecimento natural da relação mãe–bebê possa ir ocorrendo.

c) O pai será “o primeiro vislumbre que a criança tem da integração e da totalidade pessoal” (1989xa, p. 188), antecipando o indivíduo unitário que vai chegar a si. O bebê utiliza o pai como uma espécie de diagrama para a sua própria integração12, num momento em que esta integração ainda não foi conquistada por ele. Num texto tardio, 1969, “O uso de um objeto no contexto de Moisés e o Monoteísmo”, Winnicott (1989xa, p. 188) diz que:

à medida em que o bebê se desloca do fortalecimento do ego, devido a ser ele reforçado pelo ego da mãe, para a posse de uma identidade sua, própria, isto é, à medida em que a tendência herdada à integração faz o bebê avançar no meio–ambiente suficientemente bom para o expectável médio, a terceira pessoa desempenha ou parece desempenhar um grande papel. O pai pode ou não ter sido um substituto materno, mas em alguma ocasião ele começa a ser sentido como se achando lá em um papel diferente, e é aqui que sugiro que o bebê tem probabilidade de fazer uso do pai como um diagrama para a sua própria integração, quando apenas se torna, às vezes, uma unidade. Se o pai não se encontra lá, o bebê tem de fazer o mesmo desenvolvimento, mas de modo mais árduo, ou utilizando algum outro relacionamento que seja bastante estável com uma pessoa total.

Essa citação é esclarecedora, pois exemplifica um dos pontos da mudança paradigmática proposta por Winnicott: ao invés de simplesmente interventor, o pai surge antes, não como lei, mas como modelo de integração, antecipando o status unitário a que o indivíduo irá chegar, se tudo correr bem.

Em Winnicott, o pai faz parte do ambiente em que o bebê amadurece, um bebê que ainda depende, agora de maneira relativa, da sustentação da mãe para dar continuidade ao alcance do estatuto de um ser unitário. é justamente nesta tarefa de se tornar uno que o pai ajudará o bebê. Acredito que, por nunca ter estado tão misturado ao bebê como a mãe esteve, por suas próprias características masculinas que o diferenciam daquilo que são os cuidados maternos, por ser sempre ele mesmo, o pai é aquele que fornece à criança a primeira configuração da pessoa total. Winnicott (p. 188–89) explica:

é fácil fazer a presunção de que, como a mãe começa como um objeto parcial ou uma conglomeração de objetos parciais, o pai vem a ser apreendido pelo ego da mesma maneira. Mas eu sugiro que, num caso favorável, o pai começa como totalidade (isto é, como pai, não como substituto materno) e mais tarde se torna dotado de um importante objeto parcial, que ele começa como algo integral na organização do ego e na conceptualização mental do bebê.

d) O “não” que inicialmente a mãe dirigia apenas às interferências do mundo externo passa agora a ser dirigido também ao bebê, com vistas a reorganizar a vida doméstica e a protegê–lo; a aparição desse segundo “não” é, segundo Winnicott, um dos primeiros sinais do paterno na vida da criança. Em um texto de 1960, cujo título é “Dizer não”, Winnicott traça uma espécie de percurso, dividido em três etapas, do caminho que o “não” percorre na vida da criança com seus pais: num primeiro momento, a mãe diz não ao mundo externo fazendo uma barreira protetora para o bebê; depois, a mãe passa a poder dizer não a seu filho; e por fim, há um momento em que o não passa a fazer parte, por assim dizer, de uma moral pessoal da própria criança. é ao final da exposição dessas três etapas que Winnicott salienta que algo nesse percurso pertence ao pai, e que, suponho, corresponde à segunda etapa acima descrita – quando o “não” para o bebê começa a poder aparecer. Essa etapa se localiza, na linha do amadurecimento, depois do alcance das conquistas relativas ao uso do objeto, quando o bebê, cuja mãe externa sobreviveu à destruição da mãe subjetiva, pode criar, deste modo, o sentido da realidade do mundo objetivo. é de posse desse novo sentido de realidade, que os “nãos” da mãe, agora objetiva e real, já não significam, como poderia ocorrer num momento anterior de maturidade, a não sobrevivência materna, ou um tipo de rejeição da mãe que não aguenta os ataques do bebê, ou ainda uma espécie de proibição à sua impulsividade. Feitas essas conquistas, os “nãos” maternos passam a ser expressão de firmeza, limite e força nos cuidados maternos, ou, como já foi dito anteriormente, da presença de aspectos paternos nos cuidados da mãe. O autor (1993f, p. 44) diz:

Uma palavra a mais acerca do “não” de uma mãe. Não é esse o primeiro sinal de pai? Em parte, os pais são como mães e podem ficar tomando conta do bebê e fazer todo o gênero de coisas como uma mulher. Mas, como pais, parece–me que eles aparecem pela primeira vez no horizonte do bebê como aquele aspecto inflexível da mãe que a habilita a dizer “não” e a sustentar a negativa com firmeza. Gradualmente, e com sorte, este princípio do “não” passa a estar consubstanciado no próprio homem, o Papai, que passa a ser amado e poderá aplicar a ocasional palmada sem perder nada. Mas ele tem de merecer o direito a dar palmadas se pretender dá–las e, para adquirir esse direito, deverá fazer coisas como ter uma presença assídua no lar e não estar do lado da criança contra a mãe. No começo, vocês podem não gostar da ideia de consubstanciar o “não”; mas talvez aceitem o que pretendo dizer quando lembro que as crianças pequenas gostam que se lhes diga “não”.

e) A qualidade da presença do pai no ambiente, ou a sua ausência, modulam o espírito da mãe: o sentimento de estar protegida ou desprotegida depende em parte do que o pai é capaz de fornecer. Esse estado de espírito atinge a qualidade do colo materno, não como símbolo, mas como experiência vivida. é natural a constatação de que todo o efetivo cuidado paterno – com relação à qualidade do ambiente em que a dupla mãe–bebê habita e com relação ao atendimento das necessidades especiais da mãe –, faz parte do colo materno que o bebê recebe. Daí a necessidade de se conjeturar que, nas formulações de Winnicott, está contida a ideia de que a mãe e o pai, juntos, compõem o ambiente (total) que o bebê precisa encontrar para amadurecer, ainda que o lugar do pai não seja o mesmo da mãe na relação direta com o bebê. Nesse sentido, o colo da mãe é, por assim dizer, composto, sendo o pai um componente dele; se pensarmos em um raio ainda maior de abrangência, poder–se–ia talvez afirmar que o colo da mãe é múltiplo, e aí se incluiriam também as qualidades da mãe da mãe, das suas irmãs e irmãos, amigas (os), tias(os) etc. A partir disso é também necessário considerar que o “mal” que o pai pode vir a fazer à mãe, descuidando dela, não a acolhendo ou mesmo desfazendo–se dela, atinge o seu colo que poderá não mais oferecer a mesma segurança. é com relação a este ponto que Winnicott faz uma consideração importante relacionada, especialmente, aos prejuízos da ausência do pai real no ambiente, o que isso pode causar ao bebê e também à mãe, nos seus sentimentos, no seu colo e no seu comportamento.

Se o pai morre, isso é importante, bem como o momento exato da vida do bebê, em que ele falece, e há muita coisa também a ser levada em conta que tem a ver com a imago do pai na realidade interna da mãe e com o destino dessa imago aí. Encontramos hoje todas essas questões aparecendo para revivescência e correção no relacionamento transferencial, questões que não são tanto de interpretar, mas de experienciar. (1989xa, p. 188)

O conceito de imago, usado por Winnicott nessa passagem, é junguiano. Para evitar que seja confundido com simples representação inconsciente, derivada da percepção, é importante esclarecer que, em Jung, o termo “imago” designa a imagem de um objeto enriquecida de elaboração imaginativa (nos termos de Winnicott) e, mais tarde, de fantasia; essa “imago” é, então, dotada de uma força, a qual não provém da libido – sendo esta uma energia que, como tal, não tem história –, mas da memória das situações interpessoais, guardadas como uma história pessoal.13 Portanto, uma interpretação possível do sentido de imago, para Winnicott, nesse trecho, é aquilo que permanece, como memória viva, embora nem sempre consciente, dos modos de presença e da relação viva e significativa com determinadas pessoas, ao longo da história pessoal, no presente caso, da história das relações pessoais da mãe com o pai e do que permaneceu, nela, após a morte dele.

f) O pai que faz a sua parte, no ambiente total, contribui para que o sentido de família vá sendo implantado na vida da criança. A presença do pai no ambiente acrescenta, aos cuidados maternos de que o bebê tanto necessita, juntamente com as qualidades de segurança e bem–estar para a mãe, os alicerces do sentido de família. O suporte que o pai fornece é, por assim dizer, mais do que o suporte comum que uma pessoa dá a outra, ele é a pessoa mais indicada para, ao lado de sua esposa, criar o ambiente estável e indestrutível onde seus filhos vão crescer.

 

4. A presença do pai no estágio do concernimento

Na segunda metade do estágio do concernimento, o pai entra na vida da criança como uma terceira pessoa, discriminado agora da mãe e dela própria. A primeira parte da elaboração do concernimento é realizada ainda no interior da relação dual, mas há um momento, durante essa conquista, em que o pai emergirá, como um aspecto isolado e independente da mãe – aliás, pela primeira vez na história da criança. Segundo Elsa Dias, é provável que o pai passe a ser levado em conta pela criança a partir da segunda metade do concernimento, quando esta tem, aproximadamente, dois anos e meio. é nessa idade que Winnicott localiza o auge dessa elaboração, sendo que, conforme já foi mencionado, a conquista jamais se completa antes dos cinco anos. Como toda a elaboração do concernimento é muito longa, deve–se supor que “naturalmente, as dificuldades do início são diferentes das que aparecem no final do estágio” (DIAS, 2003, p. 266).

é ainda possível hipotetizar, a partir das premissas formuladas por Winnicott para esse período, que uma outra razão pela qual a maturidade crescente permite agora a percepção de um terceiro, o pai, separado da criança e diferente da mãe, é que, por volta desse período, tem início a chamada fase fálica (como diz Freud) ou exibicionista (como diz Winnicott), quando a criança descobre a diferença entre os sexos. é bastante provável que a diferença entre meninos e meninas, que começa a ser notada, leve a criança a discriminar entre a mãe e o pai.

A criança que está tentando integrar a destrutividade contida na impulsividade instintual, passará a contar com o pai, com o qual começa a ter uma relação direta, para proteger a mãe de sua impulsividade instintual. Tendo um pai forte e protetor à frente, a criança não teme destruir a mãe e, assim, não precisa inibir ou perder a capacidade para o amor excitado. A proteção que o pai oferece nesse momento é a de pôr limites, o que permite à criança viver espontaneamente seus impulsos sem precisar inibi–los, tendo, assim, a oportunidade de conhecê–los e aprender a controlá–los. O pai ainda não opera como interventor, no sentido que é próprio à etapa edípica. Ele intervém no uso impulsivo ou exagerado que a criança faz da mãe, e isso funciona como proteção. A respeito de um paciente, cujo pai não pode desempenhar esse papel, Winnicott (1989vt, p. 184) declara:

Meu paciente encontra–se nessa posição em que sempre protege a mãe, por ter de preservá–la a fim de poder ter qualquer descanso ou relaxamento. Dessa maneira, não tem conhecimento de que a mãe poderia sobreviver ao seu ato impulsivo. Um pai forte capacita a criança a correr o risco, ao se pôr no caminho ou se achar lá para corrigir as coisas ou impedi–las através da fúria. O resultado em meu paciente, como é costumeiro nesses casos, foi que ele teve de adotar o autocontrole dos impulsos em uma etapa muito inicial […] Isso significa que se tornou inibido, e essa inibição teve que ser de toda a espontaneidade e impulso, no caso de alguma partícula do impulso poder ser destrutiva.

Isto quer dizer que, se por estar desprotegida, a criança temer demasiadamente sua excitação instintual, ela não conhecerá a força e a real qualidade dos seus impulsos, e constantemente se defenderá da própria excitação e também de sua agressividade por não sentir–se segura e livre para viver as diversas experiências da vida instintiva

A agressividade da criança, vivida com relação às questões do concernimento, é pré–condição para a experiência agressiva relativa às fantasias de ameaça de castração no estágio do edípico. Além disso, neste período, a criança dará inicio a uma série de experimentações que antecipam e preparam a situação edípica, e que se dão em torno dos conflitos entre lealdade e deslealdade. é necessário que o pai, assim como a mãe, tenha maturidade suficiente para permitir que a criança explore plenamente os sentimentos e ansiedades que pertencem a esse período.

 

5. A presença do pai no estágio edípico

Apresento agora, o papel do pai no estágio edípico e as inúmeras formas pelas quais sua atitude pode ajudar a criança, não apenas a “resolver o Édipo”, mas também a amadurecer, baseadas todas na premissa de que o pai é, antes de tudo, uma pessoa real que a criança conhece, com a qual convive e faz experiências de muitos tipos. A entrada no estágio edípico tem, como pré–requisitos, a conquista da identidade unitária e a integração dos aspectos agressivos e amorosos da instintualidade. Neste período, a criança estará pronta para viver, como pessoa inteira, os diversos aspectos envolvidos nas relações interpessoais, as quais despertam toda uma gama de sentimentos e mobilizam a vida instintual, recém–integrada. Se tudo correu bem desde o início, a criança já tem, com o pai, uma relação direta, e a qualidade dessa relação, em termos da presença e do apoio que o pai fornece, é de importância fundamental. Na linha do amadurecimento, a situação edípica é experienciada aproximadamente na mesma época em que foi localizada por Freud, em sua teoria do desenvolvimento sexual, a saber, entre os 3 anos e meio e os 5 anos de idade.

Num trecho do livro A criança e seu mundo em que descreve a situação edípica, tal como formulada por Freud, Winnicott faz a seguinte ressalva: “Se o fato central do Complexo de Édipo for aceito, é imediatamente possível e desejável examinar os aspectos em que o conceito é inadequado ou impreciso como diretriz para a Psicologia Infantil” (1947a, p. 167).

As questões edípicas são pensadas, pelo autor, como constituindo uma das fases do processo geral do amadurecimento humano que, assim como outras, precisam ser pessoalmente vivenciadas para poderem ser integradas à vida do indivíduo. Para o autor, chegar às vivências edípicas supõe um alto grau de amadurecimento que implica a criança ter podido experienciar e integrar, como próprias, as conquistas das fases anteriores, chegando à constituição de uma identidade unitária14. é assim que, em Natureza humana, Winnicott (1988, p. 67) critica as hipóteses que consideram a existência do Édipo em fases muito precoces da existência:

Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “Complexo de Édipo” é aplicado às etapas anteriores, em que só estão envolvidas duas pessoas, e a terceira pessoa ou o objeto parcial está internalizado, é um fenômeno da realidade interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “Complexo de Édipo” quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial. No Complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa total, não apenas para o observador, mas especialmente para a própria criança.

Ou seja, se a criança, apesar de chegar à idade em que o Complexo de Édipo se faria possível, não amadureceu o suficiente para relacionar–se como pessoa inteira com pessoas inteiras, então, não há, para Winnicott, a possibilidade de que a experiência da situação edípica, enquanto tal, seja efetivamente vivida. Esse é também o motivo pelo qual Winnicott discorda da ideia, kleiniana, de um Édipo vivido em idade precoce. Pode–se então tirar a implicação de que, se a criança não amadureceu o suficiente – tanto na linha identitária como na instintual, ou melhor, a identitária dando suporte a instintual – para defrontar–se com as complexas tensões edípicas, então todas as experiências relativas a esse estágio significam apenas uma imensa confusão para a criança, e as pessoas envolvidas serão aleatória ou circunstancialmente alvo de identificação e excitação; além disso, a criança mesma, em seu corpo, pode estar absolutamente dissociada de tal forma que, por exemplo, não há clareza sobre a zona instintual dominante; nesse caso, muitas vezes, a ansiedade se confunde com a excitação e a vida sexual da criança fica desorganizada.

é somente a partir do alcance deste novo degrau de maturidade, que a criança começa a perceber a variedade de relações que se estabelecem no seio da família e dos lugares relativos que os vários componentes ocupam. Na etapa anterior, do concernimento, ela deu–se conta da existência de um terceiro membro da família, o pai, e usou–o para proteger a mãe de seus possíveis exageros impulsivos. Mas, nesta nova etapa, a criança passa a perceber que, entre o pai e a mãe, existe uma relação especial e excitante, da qual ela não faz parte. Ou seja, a terceira é ela.

Descrevendo esse aspecto do amadurecimento, Dias (2003, p. 267) assinala que

a criança, ao perceber o pai como terceiro, vislumbrando a existência do triângulo familiar, começa a perceber, ou a imaginar, a relação excitante que existe entre os pais, e isto é essencial para a estabilidade do indivíduo, por permitir que exista o sonho de tomar o lugar de um dos pais (1988, p. 77). Num certo momento, opera–se uma alteração em sua percepção do triângulo: é ela que é a terceira. é esta descoberta – a percepção do triângulo com a criança no vértice – que Winnicott denomina “cena primária”. Se a criança está sadia ela é capaz de lidar com a raiva que provém desta nova consciência, e aproveitá–la para masturbação, assumindo a responsabilidade pelas fantasias conscientes e inconscientes que a acompanham.

Sofrer frente aos fatos e limites relativos a essa nova realidade – por exemplo, a de que o parceiro da mãe é o pai e não ela – significa, no fundo, ter a sorte de chegar a esse ponto do amadurecimento infantil no qual o risco de psicose já foi praticamente superado e a criança já está madura o suficiente para lidar com as questões envolvidas nas relações interpessoais. Winnicott (1946c, p. 146) afirma que

somadas a outras dificuldades, surgem as concernentes ao reconhecimento, pela criança, de que há também que levar o pai em conta. Uma porção de sintomas que se observam nas crianças está ligada às complicações que decorrem naturalmente desse fato e de todas as outras implicações. Todavia, não quereríamos que não houvesse pai nessas contas (account). é obviamente melhor que apareçam todos os tipos de sintomas, como resultado direto do ciúme infantil em relação ao pai, ou do amor por ele, ou de sentimentos mistos, do que a criança ter que ir adiante, sem enfrentar mais esse fato penoso da realidade externa.

Por mais doloroso que possa ser esse sentimento de exclusão, gerando na criança uma série de fantasias agressivas, de ódio e de vingança, é exatamente esse dado de realidade – a existência do casal parental unido amorosa e eroticamente – que fornece à criança um ponto de referência e de estabilidade em relação ao qual ela poderá enfrentar e experimentar todos os sentimentos e impulsos que dizem respeito às relações triangulares e/ou edípicas.

No estágio do complexo de Édipo, o pai estará presente das seguintes maneiras:

a) A criança, que vem desenvolvendo uma relação de confiança com o pai pode, a partir deste momento, rivalizar com ele, pois ele é agora o interventor dos desejos sexuais da criança com relação ao progenitor do outro sexo. As inúmeras experiências vividas com o pai no estágio anterior, nas quais a criança pôde contar com presença e firmeza deste, consolidaram para ela não somente a realidade de que ela vive e se relaciona com duas outras pessoas, mas também de que essas relações, porque confiáveis, são a base, mas também o trampolim, para a existência no mundo compartilhado que é muito maior e mais complexo do que ela poderia imaginar.

Quando chega ao estágio de desenvolvimento em que consegue perceber a existência de três pessoas, ela própria e duas outras, a criança encontra, na maioria das culturas, uma estrutura familiar à sua espera. No interior da família, a criança pode avançar passo a passo, do relacionamento entre três pessoas para outros mais e mais complexos. é o triângulo simples que apresenta as dificuldades e também toda a riqueza da experiência humana. (1988, p. 57; itálicos meus)

é devido à confiança que a criança tem na relação parental que a triangularidade edípica pode ser experienciada, pois, sem uma base de segurança nas relações, ela talvez não tenha condições de fazer uma experiência genuína de rivalidade; ou então, alternativamente, a rivalidade ganhe um outro sentido, que pouco tem a ver com a disputa e apropriação de lugares, e sim com uma insegurança de fundo.15 Além disso, a criança que conta com a presença real dos pais tem a sorte de poder realizar, com eles e no interior da família, uma série de experimentações de modo a abarcar e integrar, nela, as recentes vivências das relações interpessoais. Uma dessas experimentações diz respeito ao conflito entre lealdade e deslealdade (cf. 1986d, p. 133) e já começa a ocorrer quando o pai entra em cena como terceiro. A criança vai do pai para a mãe e da mãe para o pai, num vai e vem que lhe permite vislumbrar cada um a partir da perspectiva do outro, fazendo assim, na segurança da união familiar, todos os jogos que envolvem sentimentos de ciúmes, deslealdades etc. Isto, naturalmente, envolve medo e ansiedade com respeito à reação do progenitor com o qual a criança se sente desleal. Se os pais são emocionalmente maduros e compreendem e toleram bem essa experimentação tão necessária, a criança, pelo exercício repetido da deslealdade momentânea, estará se preparando não só para as tensões relativas à ameaça de castração, na elaboração da situação edípica, como também para as tensões que a esperam quando o círculo familiar se amplia para a escola e a sociedade em geral. Por isso, nesse momento,

feliz e saudável é o menino que chega precisamente nesse ponto do desenvolvimento físico e emocional, quando a família está intacta, e que pode ser acompanhado em meio a esta constrangedora situação em primeira mão pelos próprios pais, que ele conhece muito bem, pais que toleram ideias, e cujo relacionamento é firme o bastante a ponto de não temerem a tensão sobre as lealdades, criada pelos ódios e amores da criança. (1988, p. 68)

Poder contar com uma outra perspectiva, a do pai, como alternativa à da mãe, traz também o sentido, para a criança, de ter sempre um lugar para onde correr. Acontece, também, de o colo da mãe tornar–se sufocante ou entediante e, nesses casos, os joelhos do pai são quase sempre uma boa opção.

b) O pai não é somente um símbolo da lei, aquele que deve ser temido e respeitado, como se esses atributos fossem dados de antemão, pelo fato de ele ocupar esse lugar. A pessoa do pai precisa, antes, e como condição para que isso se dê e se estabeleça, ser o homem real que exerce ações concretas de proteção, intervenção e sustentação das relações familiares e também ter, efetivamente, presença nas brincadeiras e jogos das crianças, conhecendo suas coisas, a preferência de um, o jeitinho do outro16. Pensando no “não” que a mãe começa a dar ao filho, como um primeiro sinal de pai, Winnicott (1993f, p. 47) diz

Gradualmente, e com sorte, esse princípio do “não” passa a estar consubstanciado no próprio homem, o Papai, que será amado e poderá aplicar a ocasional palmada sem perder nada. Mas ele tem que merecer o direito a dar palmadas se pretender dá–las, e para adquirir esse direito deverá fazer coisas tais como ter uma presença assídua no lar e não estar ao lado das crianças contra a mãe.

Mais à frente nesse artigo, referindo–se à mesma ideia, o autor acrescenta que “especialmente quando o pai bate o pé com firmeza é quando ele se torna significativo para a criança pequena, desde que ele tenha conquistado antes o direito de assumir uma atitude firme ao ter uma presença assídua e amistosa em casa (1993i, p. 100)”.

c) Winnicott formula um novo sentido para o fato da intervenção paterna nas questões edípicas: o pai interventor traz, sim, ansiedade de castração, produzindo medo e ódio. Mas, por outro lado, traz também alívio, pois, se o pai não estivesse lá para intervir, e como que proibir o ato, a criança estaria exposta à sua impotência: “O medo à castração pelo genitor rival torna–se uma alternativa bem–vinda para a angústia da impotência” (1988, p. 62). Desse modo, a angústia de castração é, em Winnicott, também uma defesa contra a imaturidade da criança. Se, no entanto, o pai é imaturo, pode ocorrer de ele entrar em disputa com o filho, tomando a fantasia pelo fato. Se assim for, ele não poderá ajudar a criança a ir, aos poucos, diferenciando a fantasia da realidade. Com isso, o pai acaba por fazer com que as vivências edípicas, repletas de rivalidade e amor, virem verdadeiros e complexos conflitos emocionais.

O mesmo pode acontecer com a menina, que sonha estar roubando, da mãe, o marido, o pênis deste, seus filhos, etc. Mas, no que diz respeito às meninas, assinala Winnicott, elas têm um problema especial, tendo em vista que, quando elas chegam a amar o pai, a sua rivalidade é com a própria mãe, que é o seu primeiro amor e primeiro sentido de segurança (cf. 1947a, 170). Algumas meninas nem chegam, em seu desenvolvimento emocional, a ponto de

ficarem solidamente afeiçoadas ao pai e correrem o enorme ao risco, inerente, de conflito com a mãe. […] Os riscos inerentes de conflito com a mãe são muito grandes, pois, como a ideia de mãe (na fantasia inconsciente) está associada à ideia de assistência carinhosa, boa alimentação, à estabilidade da terra e do mundo em geral, um conflito com a mãe envolve necessariamente um sentimento de insegurança, sonhos que a terra se abre sobre os pés, ou ainda pior. (id.)

é importante esclarecer que, neste estágio, as dificuldades que aparecem já não são resultado direto de falhas ambientais, pertencendo, antes, ao fracasso na administração dos conflitos instintuais, resultando em organizações defensivas rígidas, ou seja, em neurose. De qualquer forma fica claro, pelo que está sendo exposto, que, também neste momento, Winnicott não desconsidera a importância do ambiente como um fator facilitador ou complicador das experiências que estão sendo feitas. Ele (1989vl, p. 57) coloca a questão:

Que papel desempenha o meio ambiente nestas questões? Já indiquei a parte vital que ele desempenha no começo, no estágio da dependência muito grande. Referi–me ao período especial durante o qual a criança pequena pode facilmente ser transformada em uma criança carente, e por diversas maneiras demonstrei, espero eu, que, no estágio do complexo edipiano, é imensamente valioso que a criança possa seguir vivendo em um lar assentado, de maneira que seja seguro brincar e sonhar e que o impulso a ser amoroso possa ser transformado em um gesto efetivo no momento apropriado.

No que diz especificamente respeito ao tema deste trabalho, a importância do ambiente significa que a forma como o pai lida com tudo é, de certa maneira, determinante para a natureza dessas vivências. O pai pode ser, por exemplo, protetor ou sedutor, pode ser violento ou frágil, ele pode ser imaturo, e isso faz toda a diferença para o significado pessoal que a criança vai dar às experiências de rivalidade e de amor nesse período. Quando o pai é emocionalmente maduro e tolerante com respeito aos percalços do processo de amadurecimento, ele saberá que, para crescer, “a criança deve empregar os tipos de experiência pré–genital e genital imatura que estão ao seu alcance” (1988, p. 75). Mesmo que, na elaboração das ansiedades, a criança se aflija e fique irritada e intolerante, ela saberá, a partir de repetidas experiências que ela faz com um pai, que pôde lidar com algumas situações exasperantes, que

a passagem do tempo, algumas horas ou por vezes alguns minutos, traz alívio para praticamente quase tudo, por intolerável que pareça, desde que alguém familiar e compreensivo esteja presente, mantendo a calma quando o ódio, a raiva, a ira, o desespero ou a mágoa parecem ocupar o universo inteiro. (id.)

d) Existe ainda um outro sentido contido na intervenção paterna: ao intervir e impedir a realização das fantasias do filho, o pai também está legitimando a potência deste, exatamente pelo fato de aceitar “rivalizar” com ele ao invés de, por exemplo, simplesmente desconsiderá–lo. Um pouco mais à frente, no mesmo livro, Winnicott (p. 73) explicita ainda mais o uso que a criança pode fazer do pai para o desfecho edípico:

No mais simples dos casos possíveis, que Freud tomou como base para o desenvolvimento de sua teoria, o menino apaixona–se por sua mãe. O pai é utilizado pelo menino como um protótipo da consciência. O menino interioriza o pai que ele conhece, e chega com ele a um acordo. Mas outras coisas também acontecem, e podemos até enumerá–las. O menino perde um pouco de sua capacidade potencial instintiva, negando desta forma uma parte do que ele vinha reivindicando. Até certo ponto, ele desloca o seu objeto de amor, substituindo a mãe por uma irmã, tia, babá, alguém menos envolvido com o pai. E mais, até certo ponto o menino estabelece um pacto homossexual com o pai, de modo que sua própria potência não é mais apenas dele, e sim uma nova expressão da potência do pai, por meio da identificação internalizada e aceita […] Por identificação com o pai ou com a figura paterna, o menino obtém uma potência por procuração e uma potência adiada, mas própria, que poderá ser recuperada na puberdade.

e) Quando, ao mesmo tempo em que exerce o papel de interventor, o pai continua a proteger e a manter a vida cotidiana, ele ajuda a criança a discriminar entre fatos e fantasia; Enquanto na fase fálica, a fantasia da criança é mais ou menos equivalente à sua potência física, no estágio edípico, a fantasia se desenvolve de maneira inteiramente desproporcional à potência efetiva. Nas palavras de Winnicott (1988, p. 62):

Sabemos que na fase fálica, o desempenho da criança (o exibir–se) está de acordo com a fantasia, enquanto que na fase genital sua performance é deficiente, tendo a criança que esperar (até a puberdade como sabemos) pela capacidade de realizar seu sonho.

A criança que sonha ter a mãe não tem, simplesmente, como realizar o sonho e é por isso que “na fase genital, o ego infantil é capaz de lidar com uma tremenda quantidade de frustração” (1988, p. 62). Neste período, as fantasias sexuais da criança ganham grande força (cf. 1988, p. 59) e as experiências edípicas podem ser vividas e elaboradas se, entre outras coisas, essas fantasias não forem soberanas aos fatos. Embora, ao longo da vida, sejamos sempre confrontados pela eterna tarefa de separar a fantasia da realidade, neste começo da vida são os pais que devem auxiliar seus filhos nessa discriminação.17 Winnicott (1988, p. 78) afirma que mesmo os pais que tendem a ser satisfatórios,

podem facilmente falhar na criação de seus filhos por não serem capazes de distinguir claramente entre os sonhos da criança e os fatos. Pode ocorrer de eles apresentarem uma ideia como se fosse um fato, ou reagir impulsivamente a uma ideia como se esta fosse um ato. Na verdade, é possível que eles temam mais as ideias do que os atos. A maturidade implica, entre outras coisas, na capacidade de tolerar ideias e quem é pai e mãe precisa desta capacidade, que na melhor das hipóteses faz parte da maturidade social. Um sistema social maduro (se por um lado faz certas exigências no tocante à ação) permite a liberdade das ideias e a sua livre expressão. A criança só aos poucos adquire a capacidade de distinguir entre fantasia e realidade.

Os pais, de um lado, devem valorizar e entrar nas fantasias dos filhos. Para o autor (1949n, p. 78),

o mundo que compartilhamos com a criança é também o seu próprio mundo imaginativo, de modo que ela está capacitada a senti–lo intensamente. A razão disso reside no fato de não insistirmos, quando estamos tratando de uma criança dessa idade, numa percepção exata do mundo externo. Os pés de uma criança não precisam sempre estar firmemente plantados na terra. Se uma garotinha nos disser que quer voar, não nos limitemos a responder: “As crianças não voam”. Pelo contrário, devemos agarrá–la e fazê–la girar em torno da nossa cabeça, colocando–a depois no alto do armário, de modo que ela sinta realmente que está voando como um pássaro para o seu ninho.

Mas, logo a criança descobrirá que não pode voar por meios mágicos […] Por volta dos dez anos, a criança poderá estar praticando o salto em distância e o salto em altura, tentando saltar mais longe e mais alto que as outras. Isto é tudo o que restará, salvo os sonhos, das sensações tremendamente profundas associadas à ideia de voar que se formou, naturalmente, aos três anos de idade.

Por outro lado, as crianças também precisam chegar à realidade dos fatos e discriminá–los com relação à fantasia. Mas, para que a fantasia tenha valor e enriqueça a vida da criança, esta precisa estar bem ancorada na realidade objetiva.

Frequentemente ouvimos falar das frustrações muitíssimo reais impostas pela realidade externa, mas com muito menos frequência ouvimos algo sobre o alívio e a satisfação que ela proporciona. O leite real é mais satisfatório que o leite imaginário, mas este não é o problema. O problema é que na fantasia as coisas funcionam de um modo mágico: Não há freios na fantasia, e o amor e o ódio têm consequências alarmantes. A realidade externa tem freios, e pode ser estudada e conhecida, e a verdade é que o impacto total da fantasia pode ser tolerado somente quando a realidade externa é suficientemente levada em conta. O subjetivo é tremendamente valioso, mas é tão alarmante e mágico que não pode ser usufruído exceto enquanto em paralelo ao objetivo. (1945d, p. 228)

No início, é dos pais a tarefa de ajudar a criança a distinguir entre fatos e fantasia. Mas, para tanto, eles mesmos devem ter fortemente estabelecida essa distinção de modo a ajudar os filhos a alcançar essa capacidade, sem, com isso, perder o exercício salutar da imaginação criativa. A capacidade para essa discriminação, na vida cotidiana, será de grande auxílio na resolução do Complexo de Édipo, num sentido que difere da resolução tal como preconizada por Freud. Assim como na moralidade, o alcance de uma nova posição não se dá pelo medo do castigo ou pela ameaça, embora tudo isso faça parte.

Vejamos como isso ocorre na situação edípica padrão do menino. O filho deseja ocupar o lugar do pai junto à mãe. O pai, homem real, ao mesmo tempo em que aceita a rivalidade, não desautorizando nem desmerecendo a fantasia, faz a sua parte e realiza o ato objetivo de intervir na consecução dos desejos da criança, impedindo, por exemplo, que esta, sistematicamente, durma com a mãe na cama do casal. Mas, ao mesmo tempo em que intervém, podendo até zangar–se, ele continua cuidando da criança, como sempre o fez, a partir da real maturidade dela. Depois da intervenção, aceita o eventual convite para andar de bicicleta ou, antes de este ir dormir, lê para ele o livro de histórias, retomando com o filho a vida comum.

f) O pai permite e favorece, ao filho, o estabelecimento de um “pacto homossexual” (cf. 1988, p.73, e, neste estudo, p. 29) através do qual a criança obtém ajuda para resolver essa complexa situação relativa à sua imaturidade e ao medo de castração. Espera–se também aqui, que o pai seja suficientemente maduro para aguentar, além de todo o ódio dirigido contra ele, toda a gama de sentimentos e comportamentos homossexuais, de certa forma comuns a essa fase do amadurecimento, que o filho venha a apresentar na sua relação com ele. Retomo uma das inúmeras descrições que Winnicott (1988, p. 173) faz sobre o que ele consideraria ser um bom ambiente para a criação de filhos pequenos:

Quando a família tem como base uma união satisfatória do casal de pais, a criança pequena encontra–se em condições de descobrir todos os variados aspectos da situação triangular; os instintos podem ser tolerados em seu desenvolvimento completo, tanto os sonhos heterossexuais como os homossexuais podem ser sonhados, e a capacidade para o ódio total bem como para a agressividade e a crueldade, pode vir a ser tolerada pela criança. Tudo isso se torna possível no decorrer do tempo, dada a sobrevivência do lar e da união entre os pais, a chegada, a sobrevivência e às vezes a doença e a morte de irmãos, e a capacidade dos pais de distinguir entre sonho e realidade.

é interessante verificar que todo esse conjunto de experiências da criança – ser confrontada como rival, reconhecida em sua potência e, em seguida, tendo que lidar com toda uma gama de sentimentos e excitações novas, ser ajudada a encontrar uma nova dinâmica na relação com os pais – funda, por assim dizer, um “novo” lugar dentro da família, num patamar que incluí, agora, toda uma série de aspectos relativos à sexualidade. O pai ajuda o filho a configurar, dentro do âmbito infantil, ou seja, dentro daquilo que a maturidade da criança permite, a sua potência.

g) Para Winnicott, o surgimento da moral no indivíduo não está, como em Freud, localizado pontualmente no período edípico e nem aparece em consequência da ameaça do pai. Não é que Winnicott tenha diminuído, e muito menos suprimido, a importância que a ameaça de castração tem como uma necessária função interditória e normativa em estreita conexão com o Complexo de Édipo (LAPLANCHE; PONTALIS, 1986, p. 75), mas, na psicanálise winnicottiana, quando a lei paterna vem desempenhar seu papel no período edípico, ela já é, por assim dizer, um segundo momento, de cunho mais instrumentalizador e normativo das regras sociais, do que propriamente a instauração da noção e do sentimento de responsabilidade, culpa e reparação com relação aos danos causados pela própria existência. A conquista da responsabilidade pessoal com relação ao outro, se dá numa época anterior ao Complexo de Édipo – no estágio do concernimento. E este, por sua vez, teve uma história pregressa na relação mãe–bebê18, e é essa pré–história, no fundo, que condiciona e possibilita a legitimação da ordem e da lei que o pai vem instaurar nesse momento. Se a lei paterna do momento edípico sobrevier à uma criança que não teve a chance de desenvolver, na relação com a mãe, essa primeira moral, própria e pessoal, baseada na capacidade de identificação, na constatação do valor que as pessoas têm em sua vida e na chance de reparo de suas destruições, levando, consequentemente, ao sentido de responsabilidade para com o outro, então o conjunto de ideias sobre o certo e o errado é simplesmente imposto de fora e introjetado de fora para dentro e vem a se constituir numa falsa moral, implantada a partir do medo e da impotência e, muitas vezes, pode ter apenas o sentido de submissão.

A análise e a explicitação dos diversos papéis do pai ao longo do processo de amadurecimento não só mostra que Winnicott se ocupou deste tema em sua obra, mas também que ele trouxe novas contribuições para o aprofundamento do mesmo, tanto em termos teóricos como clínicos. Num possível desenvolvimento deste artigo seria ainda necessário esclarecer quais são os papéis do pai no período de latência e na difícil etapa da adolescência, quando não apenas recrudescem as angústias primitivas, como também o jovem é apanhado na assustadora evidência de uma potência nova e real, que pode tornar realidade o que antes estava contido no domínio da fantasia: destruir, matar, suicidar–se, engravidar, prostituir–se, drogar–se etc. Uma pesquisa nessa direção deveria também abranger as formas de presença do pai para o filho, jovem adulto, quando este começa a almejar a paternidade e, ainda mais tarde, quando o próprio pai se torna avô e é requisitado, no melhor dos casos, diz Winnicott, a dar sua contribuição às crianças a partir desse novo lugar. Haveria ainda que tratar de diversas outras questões afins, tais como a relação entre o papel paterno e a educação, a vida cultural, as instituições sociais cada vez mais amplas etc. Mais ainda, seria igualmente importante analisar os diversos tipos de falhas paternas e suas consequências na vida do indivíduo, desde o início, bem como examinar o papel do pai nos agrupamentos e situações familiares de nossos tempos: pais separados com novos lares, uniões homossexuais, pais muito ausentes, maridos que assumem o papel da mulher na vida doméstica e no cuidado com os filhos, vidas em comunidade etc., à procura de subsídios para o esclarecimento do que, no que diz respeito ao papel do pai, deve estar presente nesses lares como condição preventiva para a manutenção da saúde da criança e da própria família.

 

Referências

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Enviado em 4/10/2009
Aprovado em 1/12/2009

Endereço para correspondência
E–mail: claudia@centrowinnicott.com.br

 

 

 

* Psicanalista, Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora da Escola Winnicottiana de Psicanálise, Coordenadora do Serviço de Atendimento em Psicanálise do Centro Winnicott de São Paulo e do Centro Winnicott de Campinas.
1 SAP: Serviço de atendimento em psicanálise. Órgão do CWSP que organiza a demanda por análise winnicottiana com a disponibilidade de atendimento pelos formandos do CWSP.
2 Para um estudo aprofundado e sistematizado sobre a teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott, cf. Dias (2003).
3 A participação efetiva do pai na vida da criança vale tanto para o período inicial, em que ele aparece como parte do ambiente, sustentando este ambiente – experienciado pelo bebê como “cuidado do tipo materno” – como para mais tarde, quando aparece propriamente como uma terceira pessoa.
4 No início da vida, o bebê só sente como seu aquilo que ele mesmo cria. Os instintos, embora façam parte de seu corpo, não são vividos como uma criação sua, mas como algo que age sobre ele. Além disso, ele está ainda como que espalhado, isto é, a integração psicossomática só se fará gradualmente, com ajuda da mãe. Para que a excitação instintual possa tornar–se uma experiência pessoal, e não ser sentida como uma invasão ou como algo que não diz respeito ao bebê – como que alheio a ele – é preciso que a mãe, através de seus cuidados, acomode a excitação na pessoa do bebê e responda à necessidade que se apresenta a cada momento.
5 O pai pode ser uma excelente “mãe substituta” nessa época quando cuida do bebê a partir de seu “elemento feminino puro” (SER).
6 Winnicott chama de “elemento feminino puro” as experiências de ser de um indivíduo, um tipo de experiência muito primária e constituinte do si–mesmo de cada pessoa na qual a vivência é a de ser como identidade, ser o objeto. Esse tipo de experiência, segundo Winnicott, está no início de tudo e diz respeito às necessidades mais básicas do ser humano de sentir–se real, de ser real. Diferentemente dessas experiências de ser, existem aquelas que implicam atividade e estão ancoradas na instintualidade, as quais são nomeadas por Winnicott de “elemento masculino puro” e que ele caracteriza com sendo experiências que dizem respeito a fazer e à possibilidade, mais adiantada no amadurecimento saudável, de se relacionar com objetos objetivamente percebidos na realidade exterior: “o elemento masculino faz, enquanto que o elemento feminino (em homens e mulheres) é” (1971va, p. 141).
7 O texto que me serviu de base para as considerações apresentadas neste item, além dos já citados de Winnicott, foi o artigo “Elementos da teoria winnicottiana da sexualidade” de Loparic (2006b).
8 Ainda que o período de adaptação absoluta não pareça tão longo (3–4 meses), por isso, não seja descabida a hipótese de que o pai, com relativa facilidade, poderia ocupar o lugar da mãe durante toda essa fase, a tarefa de cuidar do bebê é extremamente intensa e requer dedicação exclusiva, sendo que a própria mãe, mesmo capacitada pela preocupação materna primária e pelas características femininas acima descritas, não raramente encontra dificuldades para se envolver e dar conta de tudo isso.
9 Acredito que o desenvolvimento acima indicado torna possível pensar em questões tais como: é possível a um homem ser uma “mãe suficientemente boa”, ou seja, um homem pode desenvolver uma identificação (do tipo) “materna primária”? A maternidade pode ser dita unissex, bastando, por assim dizer, transmitir ser?; caso seja necessário a um homem ocupar esse lugar materno, o que isso significa em termos da dinâmica da identidade masculina? As circunstâncias, tão legítimas à mãe, que proporcionam o estado de preocupação materna primária são devidas ao fato de ela ter gestado a criança, tendo um fator biológico determinante e fundamental, ou seria possível a um homem entrar e permanecer nesse mesmo estado? Homens e mulheres podem ser igualmente maternos e paternos sem que essa mescla de papéis interfira negativamente no desenvolvimento da criança? Acredito que o detalhamento de várias das formulações de Winnicott sobre a constituição das identidades sexuais e das ideias de “elemento masculino puro” e de “elemento feminino puro”, ajudem para o desenvolvimento e compreensão teórica, prática e profilática, das questões levantadas.
10 Winnicott assinala que “se a mãe normal carece de instrução, a doente carece de segurança” (1957f, p. 158).
11 Foi justamente esse tipo de avanço, entre outros, que parece não ter acontecido com o paciente de Winnicott descrito do livro Holding e Interpretação, o que exigiu deste um manejo especial para levá–lo à necessidade de criar a figura paterna em sua vida. Cf. a sessão do dia 13 de maio, em Winnicott (1986a).
12 Note–se que Winnicott não usa neste momento a palavra modelo, que é um termo mais relacionado à percepção objetiva. Winnicott utiliza aqui a palavra diagrama provavelmente por estar se referindo à elaboração imaginativa, à possibilidade de o bebê fazer, via elaboração imaginativa (“dação de sentido”), um diagrama da coesão psicossomática que faz parte da integração do eu. Cf. Loparic (2000a).
13 Ao usar o termo imago pela primeira vez, em sua obra, Jung afirma que a imago da mãe, por exemplo, tira a sua força “única e exclusivamente da inclinação do filho de não olhar tão somente para frente, e de não trabalhar tão somente para o futuro, mas de retornar o olhar para trás, para as macias doçuras da infância, para aquela maravilhosa irresponsabilidade e segurança na vida com as quais, alguma vez no passado, a guarda protetora da mãe nos cercou” (Jung, 1938, p. 497). Agradeço a Zelijco Loparic a indicação do texto de Jung. Para maiores esclarecimentos sobre o sentido de imago, em Jung, conferir Laplanche e Pontalis (1986 [1967], p. 196).
14 Ao comentar as condições maturacionais para que as experiências edípicas possam acontecer na vida da criança, bem como alguns limites e simplificações que Freud foi obrigado a fazer nas suas descrições sobre o Complexo de Édipo, Winnicott (1988, p. 74) diz: “Atualmente, a formulação de Freud é considerada excessivamente simples. Mas a clareza com que ele descreve o estágio alcançado pelo menino saudável, que se torna capaz de construir em seu interior um ideal baseado na ideia de uma pessoa real – o pai verdadeiro – um homem que ele conhece bem na vida real e com quem ele pode chegar a um acordo em sonhos, na realidade interna ou na fantasia mais profunda, conserva seu inegável valor. Isso tudo é possível apenas quando o desenvolvimento da criança prossegue saudavelmente num ambiente familiar estável”.
15 Talvez seja esse o caso do paciente B, descrito por Winnicott em seu livro Holding e interpretação (1986a). As raízes de sua impossibilidade de chegar ao estágio edípico e de rivalizar com o pai estavam plantadas nos estágios primitivos do amadurecimento. Não poderei me deter neste ponto, mas remeto o leitor ao texto.
16 No artigo “E o pai?”, Winnicott (1954i) faz uma série de considerações sobre as diversas maneiras pelas quais o pai, real e efetivamente presente no lar, enriquece a vida da criança. Não caberá no presente artigo a explicitação de todos esses pontos, mas remeto o leitor ao texto.
17 Num texto em que relata o caso de um menino, Patrick, de 11 anos, há um trecho de uma carta que Winnicott redige à escola do menino recomendando seu retorno à vida escolar, tendo em vista que o menino tivera já uma boa recuperação de sua doença, durante o recesso promovido pelo próprio Winnicott. O que interessa, aqui, é a citação que se segue, pois nela fica claro o valor que o autor atribui aos fatos reais. Ele escreve:“ Pode ser útil que aqueles que estão trabalhando com ele [Patrick] saibam que não são as grandes coisas que preocupam Patrick; ele não fica realmente perturbado se alguém ficar muito zangado com ele, porque isto é real e acha–se relacionado à situação real objetivamente percebida. O que facilmente perturba Patrick é apenas uma pequena reprovação ou louvor e o efeito deste pode ser inteiramente fora de proporção com algo de real […] Se tiverem de ficar manifestamente zangados com Patrick, isto não é o tipo de coisa que, acredito, cause problemas” (1965f, p. 279) [os itálicos são meus].
18 O sentido de responsabilidade, a capacidade para pôr–se no lugar do outro, o sentimento de culpa e a reparação são conquistas avançadas de um percurso que teve início com a capacidade da mãe de se identificar com seu bebê, de se colocar no lugar dele e cuidar dele a partir dele mesmo.